Acessibilidade / Reportar erro

Afinal, como funciona a Linguística Aplicada e o que pode ela se tornar?

After all, how does Applied Linguistics function and what can it become?

Resumos

Este trabalho tem por objetivo problematizar critérios definidores do modo de funcionamento da linguística aplicada. Partimos de uma retrospectiva do encontro entre ciência teórica e ciência aplicada para, em seguida, colocar em debate a caracterização de linguística aplicada oferecida por Maingueneau (1996). A tais características acrescentamos ainda dois outros critérios que serão igualmente submetidos a uma revisão crítica. Como conclusão, indica-se a pertinência de uma redefinição do modo pelo qual vem sendo atualizado o plano social em pesquisas na área, de modo a se superar o lugar mais ou menos acidental que lhe é regularmente conferido.

linguística aplicada; linguística teórica; social; modernidade e pós-modernidade


This paper aims to discuss criteria to define the functioning of applied linguistics. We start from a broad historical overview of theoretical and applied science so as to open a debate on the characterization of applied linguistics provided by Maingueneau (1996). To the features offered by the author we added two other criteria, which will also be submitted to a critical review. The conclusions indicate the pertinence of a redefinition of the social dimension of applied linguistics as it has been developed in the area, in order to overcome the more or less accidental role it regularly seems to play.

applied linguistics; theoretical linguistics; social; modernity and post-modernity


1. Em cena, linguística e linguística aplicada

Muito se tem falado de linguística e linguística aplicada na busca de um critério qualquer que autorize uma distinção nítida entre ambas. O que não é tarefa simples e sempre provoca alguma decepção pela impossibilidade de uma "definição redentora". Um caminho mais promissor seria, talvez, indagar o que os praticantes dessa linguística aplicada vêm fazendo dela ao longo do tempo; talvez ela não seja necessariamente nem isso nem aquilo; mas é bem possível que possamos encontrar uma forma de descrever de que modo ela (vem) funciona(ndo). Só assim, parece-nos, poderemos ter alguma pista do que desejamos construir como linguística aplicada e, nesse caso, ela será não a manifestação de alguma ideia essencial, mas aquilo que puder ser determinado pela vontade daqueles que a praticam, sem que se delimite de antemão o caminho a ser percorrido. Nesse caso, já contaremos então com uma vantagem: a linguística aplicada não estará submetida às falácias dos especialismos que assombram as chamadas "ciências puras", quando os avanços de um dado domínio vão sendo acompanhados por um número cada vez menor de pessoas - situação que G. Bernard Shaw avaliou jocosamente ao definir o especialista como sendo "um homem que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, e por fim acaba sabendo tudo sobre nada", e que reencontramos sob a pluma de (Santos 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez.):

Na ciência moderna o conhecimento avança pela especialização. O conhecimento é tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objecto sobre que incide. Nisso reside, aliás, o que hoje se reconhece ser o dilema básico da ciência moderna: O seu rigor aumenta na proporção directa da arbitrariedade com que espartilha o real. (...) É hoje reconhecido que a excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos. (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez., p. 73-74)

Reduzir o presente debate a uma investigação da distância que separa linguística e linguística aplicada implica permanecer prisioneiro das dicotomias excludentes que são fruto da modernidade: ou isto, ou aquilo. Ora, tais dicotomias estão presentes na reflexão de Bohn (2005) sobre o desafio a que se refere Santos:

... escavar no lixo cultural produzido pelo cânone da modernidade ocidental para descobrir as tradições e alternativas que foram dele expulsas; escavar no colonialismo e no neocolonialismo para descobrir nos escombros das relações dominantes entre a cultura ocidental e outras culturas outras possíveis relações mais recíprocas e igualitárias. (SANTOS, apud BOHN, 2005, p. 22)

Eis, deste modo, o que anima a reflexão de Bohn no que diz respeito ao que se espera de uma linguística aplicada hoje: que ela faça "um esforço para convidar estas alternativas expulsas a participarem da construção de uma melhor compreensão das relações humanas, dos comportamentos e das aprendizagens" (BOHN, 2005, p. 22).

E quais foram precisamente as alternativas que foram expulsas? Sustentaremos, acompanhando (Rajagopalan 2006_______. 2006. Repensar o papel da Linguística Aplicada. In: MOITA LOPES Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola.), que o que se expulsou foi um certo sentido mais denso de social. Segundo o autor, a linguística teórica não se preocupa com o social, ou o relega a segundo plano: "Mesmo quando a questão social é invocada, é como se o social entrasse como acréscimo a considerações já feitas sobre o indivíduo concebido 'associalmente'." (RAJAGOPALAN, 2006_______. 2006. Repensar o papel da Linguística Aplicada. In: MOITA LOPES Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola., p. 157). O autor justifica seu ponto de vista mencionando a existência de subáreas hifenadas como prova desse interesse secundário pelo social. Para nós, se concordamos que a linguística dita teórica fez uma ideia rasa do social, não nos parece suficiente o modo pelo qual a linguística aplicada vem pensando esse social.

Retomaremos tal insuficiência adiante. Por ora, cumpre oferecer ao leitor um breve roteiro do artigo1 1 A ideia deste artigo, bem como a de um segundo artigo que ora se encontra em fase de conclusão, teve origem em um curso de Linguística Aplicada ministrado em parceria pelos autores no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, no segundo semestre de 2012. Agradecemos aos alunos que lá estiveram compartilhando nossas inquietações e incentivando uma reflexão que se revelou bastante produtiva. : recuperamos um breve histórico do embate entre ciências básicas e aplicadas para, em seguida, retomar os três critérios sobre os quais se baseia (Maingueneau 1996MAINGUENEAU, Dominique. 1996. Aborder la linguistique. Paris: Seuil.) para pensar a linguística enquanto ciência aplicada. A esses critérios, acrescentamos ainda outros dois que se mostram mais polêmicos. Como conclusão, tematizamos em uma leitura crítica o "complexo de inferioridade" experimentado pela linguística aplicada, propondo uma revisão do modo como se vem pensando a dimensão do social nas pesquisas realizadas na área.

2. Sobre as ciências puras e as ciências aplicadas

Pensar o lugar que vem ocupando a reflexão sobre o embate entre ciências puras e ciências aplicadas talvez possa representar um caminho para atenuar a decepção a que nos referimos no início deste artigo. Com este objetivo, buscaremos acompanhar a distância que separa essas duas modalidades de ciência - ciência pura e ciência aplicada - em seu território de origem, a saber, nos Estados Unidos, desde o momento em que tal distância se torna uma questão que requer debate, isto é, desde meados do século XIX.

A denominação "ciência aplicada" surge inicialmente em língua inglesa em 1817, na obra Discurso sobre o método, do escritor inglês Samuel Coleridge. O termo era utilizado em uma acepção muito específica, tendo em vista ter sido extraído do contexto em que fora utilizado por Kant2 2 Em obra de 1786, intitulada Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft, Kant estabelecera a diferença entre reine Wissenschaft (ciência pura) e angewandte Vernunfterkenntnis (cognição racional aplicada), contexto no qual "aplicada" significava "aprendida empiricamente", e não "utilitária". (BUD, 2012) : enquanto "ciência pura" remetia ao conhecimento a priori, ciência aplicada era o conhecimento a posteriori, ou seja, todo e qualquer conhecimento cujo conteúdo fosse de base empírica3 3 A herança kantiana, decorrência direta de uma viagem de estudos de Coleridge na Alemanha, se consolidou na Encyclopaedia Metropolitana, obra que também contou com a intervenção de Coleridge como editor. . Na realidade, o sentido de ciência aplicada de então abarcava tudo o que hoje consideramos como ciência.

Em 1851 tem lugar em Londres a Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de todas as Nações. É precisamente por volta de meados do século XIX que a expressão "ciência aplicada" começa a significar "conhecimento voltado para usos e resultados práticos (BUD, 2012BUD, Robert. 2012. "Applied Science": a phrase in search of a meaning. Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/667977. Acesso em: 04/03/2014.
www.jstor.org/stable/10.1086/667977...
, apud DOUGLAS, 2013). A ciência aplicada era então concebida como independente de qualquer forma de trabalho predominantemente teórico, sendo por vezes descrita como a "união de ciência e arte"4 4 Neste contexto, "arte" deve ser entendida como "destreza", "capacidade especial", "dom". (LUCIER, 2012LUCIER, Paul. 2012. The origins of pure and applied science in gilded age America. Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/667976. Acesso em: 04/03/2014.
www.jstor.org/stable/10.1086/667976...
). Foi essa ciência aplicada autônoma que, a partir de 1870, motivou, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, a defesa da então chamada ciência pura, cuja reivindicação de base por mais verbas públicas e privadas respaldava-se no fato de que a ciência pura, sem qualquer compromisso com a ideia de utilidades práticas, era quem tornava possível a existência da ciência aplicada. O que parecia estar em jogo por essa época, então, era, por um lado, a preocupação com a corrupção do caráter e, por outro, as reais possibilidades de comercializar conhecimento científico, segundo registra (Lucier 2012LUCIER, Paul. 2012. The origins of pure and applied science in gilded age America. Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/667976. Acesso em: 04/03/2014.
www.jstor.org/stable/10.1086/667976...
):

"Pura" era a preferência de cientistas que queriam enfatizar seus motivos não pecuniários e sua distância em relação ao mercado. "Aplicada" era a escolha de cientistas que aceitavam patentes e lucros como outros possíveis produtos de sua pesquisa." (LUCIER, 2012LUCIER, Paul. 2012. The origins of pure and applied science in gilded age America. Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/667976. Acesso em: 04/03/2014.
www.jstor.org/stable/10.1086/667976...
)5 5 Tradução nossa, procedimento a ser adotado em todo o artigo.

Defendendo o primado da ciência pura, posição que ficou conhecida como tese do "modelo linear" (não é possível haver ciência aplicada sem que antes haja ciência pura), temos, por exemplo, o químico A. Williamson e o biólogo T. H. Huxley, na Inglaterra e, nos Estados Unidos, o físico H. Rowland. Em palestra proferida em 1883, Rowland chega a descrever o cientista aplicado como sendo "um obscuro americano que rouba ideias de alguma grande mente do passado e se enriquece pela aplicação dessas ideias a usos domésticos" (ROWLAND, 1883, apud DOUGLAS, 2013).

Eis, desse modo, o que Douglas (2013) denomina "a invenção retórica da ciência pura", segundo a qual o conhecimento puro sempre precede suas aplicações práticas. Em defesa da autonomia da ciência aplicada manifestaram-se profissionais do campo da engenharia, a exemplo de Robert Thurston e Charles Steinmetz, o físico John Billings e também Alexander Graham Bell, que sustentou a tese de que o ideal seria que houvesse coincidência entre o pesquisador e o aplicador. Todos esses esforços, no entanto, foram insuficientes para reverter o prestígio do modelo linear, apesar de todas as demandas de produção de artefatos de utilidade por ocasião da I Guerra Mundial.

Também no campo filosófico prosseguiu o debate, como o demonstram as participações de Bertrand Russell e John Dewey. Para Russell, a ciência pura deveria servir de modelo para a filosofia, enquanto Dewey considerava como nefasta a dissociação entre a ciência e suas aplicações.

Deixando de lado muitos dos episódios que retraçam a história dos embates entre ciência pura e ciência aplicada nessa primeira metade do século XX, gostaríamos aqui de registrar a iniciativa de Vannevar Bush6 6 Engenheiro, diretor do Office of Scientific Research and Development, agência do governo norte-americano criada em maio de 1941 para coordenar pesquisa científica com fins militares durante a II Guerra Mundial. , em Science: the endless frontier, relatório redigido em 1945 em resposta a uma demanda formulada pelo presidente Roosevelt que dizia respeito ao futuro da ciência no país. Nesse texto, preferindo o termo "ciência básica" a "ciência pura", Bush reforça a necessidade de investimento por parte do governo em pesquisa básica, o que não constitui uma novidade no velho embate entre ciência pura (ou básica) e aplicada, conforme ficou estabelecido desde a segunda metade do século XIX:

"Pura" e "aplicada" representaram, desse modo, uma tensão essencial nas relações entre a produção de conhecimento e a busca de lucro em uma sociedade capitalista. (LUCIER, 2012LUCIER, Paul. 2012. The origins of pure and applied science in gilded age America. Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/667976. Acesso em: 04/03/2014.
www.jstor.org/stable/10.1086/667976...
)

O que é realmente novo no depoimento de Bush - e que já pressentíamos há algum tempo - é a explicitação do sentido atribuído a "ciência" em todo esse longo debate:

Está claro na carta do presidente Roosevelt que, ao falar de ciência, ele tinha em mente as ciências naturais, incluindo a biologia e a medicina, e foi assim que interpretei suas perguntas. Progresso em outros campos, como as ciências sociais e as humanidades, é igualmente importante; porém, o programa para ciência apresentado em meu relatório justifica atenção imediata. (BUSH, 1945BUSH, Vannevar. 1945. Science: the endless frontier. Disponível em: archive.org/details/scienceendlessfr00unit. Acesso em: 04/03/2014.
archive.org/details/scienceendlessfr00un...
)

Chegamos, desse modo, a 1946, ano em que Charles Fries e Robert Lado ministram, na Universidade de Michigan, o primeiro curso de Linguística Aplicada - um curso que esteve centrado no ensino de línguas e na proposta de linguística contrastiva desenvolvida pelos pesquisadores que o ministraram. Com efeito, a experiência acumulada em ensino do inglês como língua estrangeira no English Language Institute (ELI), fundado por Fries na Universidade de Michigan em junho de 1941, foi decisiva para a idealização desse curso. O pioneirismo de Michigan na área ainda se deixa perceber no lançamento, em 1948, de Language Learning: A Journal of Applied Linguistics, primeira revista a exibir uma referência explícita ao termo "linguística aplicada".

O período é propício para considerações de ordem linguística, tendo em vista a proximidade da II Guerra Mundial e do investimento então realizado no ensino de línguas, a exemplo do "Army Method", base do que ficou conhecido a partir dos anos 1950 como método audiolingual, que combinava a teoria behaviorista da linguagem de Bloomfield, a linguística contrastiva de Fries e Lado, a nova tecnologia dos laboratórios de ensino de línguas e o investimento em pesquisa e treinamento linguístico para fins militares. Segundo Rajagopalan,

Por mais que se negue no campo da linguística teórica que seus pesquisadores tenham quaisquer vínculos com fins práticos, não resta dúvida de que a guinada formalista sofrida pela disciplina, logo depois da Segunda Grande Guerra, foi diretamente influenciada pelas novas fontes de financiamento. Ou seja, a forma como as pesquisas linguísticas foram conduzidas nessa época foi determinada pelas expectativas criadas em torno de suas possíveis aplicações. (RAJAGOPALAN, 2006_______. 2006. Repensar o papel da Linguística Aplicada. In: MOITA LOPES Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola., p. 152)

Segundo relata o autor, produz-se uma aproximação entre pesquisadores e agências de fomento no sentido de se privilegiar um tipo de pesquisa de natureza formal, em detrimento de orientações predominantemente sociológicas ou antropológicas. Veja-se, a esse respeito, o que diz, por exemplo, o prefácio de Estruturas Sintáticas, assinado pelo próprio N. Chomsky em 1 de agosto de 1956:

O trabalho sobre a teoria das transformações e a estrutura transformacional do inglês ... foi, na sua quase totalidade, desenvolvido de 1951 a 1955 ...

O trabalho foi parcialmente subsidiado pela U.S.A. Army (Signal Corps), pela Air Force (Office os Scientific Research, Air Research and Development Command) e pela Navy (Office of Naval Research); e parcialmente pela National Science Foundation e pela Eastman Kodak Corporation. (Chomsky, 1980CHOMSKY, Noam. 1980. Estruturas sintáticas. Lisboa: Ed. 70., p. 11)

Para suspender o debate, acrescentemos um breve parágrafo acerca do sentimento de decepção mencionado por (Rajagopalan 2006_______. 2006. Repensar o papel da Linguística Aplicada. In: MOITA LOPES Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola.) no começo da década de 1990 diante do progressivo desinvestimento da linguística em questões referentes a êxitos militares ou a resolução de problemas sociais. Na verdade, a luta por investimentos mais significativos não é exatamente o que marca a disputa entre linguística e linguística aplicada, pelo menos na realidade brasileira: a linguística aplicada não vem representando um espaço importante de desenvolvimento tecnológico, como se verifica em outras áreas. Comparativamente, podemos dizer que tanto na linguística como na linguística aplicada os investimentos financeiros são bastante comedidos, conforme se constata no quadro que reproduzimos a seguir, onde a área de Linguística, Letras e Artes é aquela que menos recursos recebeu entre os anos de 2000 e 2010:

Quadro 2
Número de bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq, de doutores e relações segundo área de conhecimento

Acrescente-se que, além de vir recebendo o menor número de bolsas de produtividade em pesquisa, a área de Linguística, Letras e Artes também alcançou o menor percentual de crescimento entre 2000 e 2010: 62,7%7 7 O percentual de crescimento das demais áreas variou entre 63,9% e 94%. .

3. Reavaliando por outros meios a distância entre linguística e linguística aplicada

Buscamos aqui traçar não um perfil identitário para a linguística aplicada, mas algumas pistas que permitam pensá-la na singularidade dos trabalhos que vêm caracterizando a área.

Considerando necessário investir no tema, tomaremos por base a caracterização oferecida por D. Maingueneau em Aborder la linguistique, obra de 1996 na qual o autor sustenta que a linguística aplicada se diferencia por três características: (i) a linguística aplicada responde a uma demanda social; (ii) a linguística aplicada faz empréstimos a diferentes domínios científicos e técnicos; (iii) a linguística aplicada é avaliada por seus resultados. Acreditamos que as três características apontadas por Maingueneau sejam bastante recorrentes nas diferentes tentativas de definição da área, razão pela qual as tomamos como ponto de partida. Nós as acolheremos como relevantes, mas não sem lhes fazer a crítica que nos parece necessária. Como último subitem, às três características levantadas pelo autor acrescentaremos duas outras, mais claramente polêmicas: (iv) a linguística aplicada se volta prioritariamente para o ensino / aprendizagem de línguas; (v) a linguística aplicada encontra suas bases teóricas na pesquisa linguística.

3.1. A linguística aplicada responde a uma demanda social

Um traço característico das pesquisas na área é o interesse por problemas de diferentes ordens: ensino de línguas, tradução, confecção de dicionários, singularidades das relações de serviço (atendimento em guichê, relação entre profissionais e clientes), ações diversas de peritagem na empresa, na justiça, etc. Há de se reconhecer, a esse respeito, a existência de problemas sociais que requerem uma solução, e a hipótese que se faz é que a linguística aplicada tem sua parcela de contribuição a oferecer.

São, na verdade, bastante diversos os possíveis domínios aos quais a linguística aplicada precisa estar atenta, no sentido de reafirmar seu interesse por questões diretamente ligadas ao social. Eis, a título de exemplificação, o depoimento de Sarangi e Candlin em artigo publicado por ocasião do relançamento do Journal of Applied Linguistics (JAL), que, a partir de 2010, passa a exibir o título de Journal of Applied Linguistics and Professional Practice (JALPP), alteração que não faz senão traduzir o desejo de expandir o campo de atuação da linguística aplicada:

... promovemos um engajamento ativo em uma variedade de domínios tais como Direito, Saúde, Aconselhamento, Jornalismo e Mídia, Negócios e Administração, e alianças com disciplinas cognatas tais como Interpretação / Tradução, espaços nos quais a linguística aplicada pode contribuir muito. (SARANGI; CANDLIN, 2010SARANGI, Sarangi; CANDLIN, Christopher. 2011. Applied Linguistics and professional practice: Mapping a future agenda. Journal of Applied Linguistics and Professional Practice - JALPP, vol. 7.1. Sheffield: Equinox. Disponível em: www.equinoxpub.com/journals/index.php/JALPP/article/viewFile/9843/7747. Acesso em: 18/02/2014.
www.equinoxpub.com/journals/index.php/JA...
)

Conquanto seja consensual o desejo de intervir em diferentes domínios como os enunciados por Sarangi e Candlin, consideramos que, a esse respeito, bastante oportuna é a reflexão de Moita Lopes: à perspectiva que consiste em buscar resolver problemas sociais, o autor prefere contrapor a tarefa de renarrar / redescrever a vida social, projeto que tem uma ligação direta com a necessidade de compreendê-la (MOITA LOPES, 2006_______. (Org.). 2006. Por uma linguística aplicada indisciplinar São Paulo: Parábola., p. 90).

Uma segunda ordem de considerações que aqui desejamos fazer diz respeito ao próprio sujeito que formula a demanda. Se fica claro que a linguística aplicada vem trazendo para si a responsabilidade de responder a uma dada demanda social - ou de renarrar a vida social -, não fica tão claro assim quem se reconhece como agente legítimo para, a partir de sua perspectiva, encaminhar a demanda ou proceder à releitura de uma situação de vida; acrescentaríamos ainda que também permanece uma certa indecisão acerca de que demandas - ou situações de vida - são privilegiadas como mais urgentes em uma dada realidade. Com efeito, para permanecermos em um domínio em relação ao qual a linguística aplicada tem contribuído em larga escala, temos notícia de muitas pesquisas voltadas para a promoção de dispositivos que incrementem as aulas de língua estrangeira, tanto do ponto de vista teórico como metodológico. No entanto, desconhecemos trabalhos que visem responder, senão a uma demanda explicitamente formulada, pelo menos a uma "queixa" sempre presente nas avaliações de professores de língua estrangeira que, atuando na rede de ensino do município do Rio de Janeiro, por exemplo, assumem nada menos do que 12 turmas de ensino fundamental para completar seus 12 tempos em sala de aula, à razão de 1 única aula de língua estrangeira por semana para cada turma! É bastante improvável que alguma pesquisa possa atribuir qualquer possibilidade de êxito a um trabalho como esse, em especial se lembrarmos que, na escola fundamental, as turmas são formadas por algo em torno de, na melhor das hipóteses, 30 alunos! Aqui, o silêncio das pesquisas parece reforçar a voz do poder público que, inviabilizando a consecução de quaisquer méritos dos documentos oficiais (PCN e outros), insiste em tal modelo de ensino de língua estrangeira - um modelo que permite uma maior economia de recursos e que torna cada vez menos atraente o lugar ocupado pelo professor.

Uma outra ordem de questão que também concerne ao sujeito que formula uma demanda à linguística aplicada é aquela que coloca em cena o próprio pesquisador. Com efeito, muitas vezes, a demanda que justifica o investimento em uma atividade de pesquisa tem origem no próprio pesquisador, seja ele pós-graduando ou docente em um programa de pós-graduação, que se vê diante do compromisso de encontrar um tema sobre o qual possa discorrer para fins de conclusão do trabalho monográfico que lhe conferirá o título de mestre ou doutor, ou para justificar a carga horária alocada em atividade de pesquisa que se espera que ele exerça. Em casos como esses, havemos de reconhecer que o sentido a ser atribuído a "demanda social" é, no mínimo, singular.

Um quarto tipo de observação que desejamos fazer a respeito dessa primeira característica atribuída por Maingueneau à linguística aplicada diz respeito ao lugar ocupado pelos "problemas da vida real" no desenvolvimento da ciência linguística. Da mesma forma, poderíamos dizer que explicar a criatividade da linguagem é um dos "problemas" colocados pelo adepto do gerativismo, assim como o behaviorismo explicou à sua maneira todo um modo de funcionamento do aprendizado linguístico humano (LYONS, J. As ideias de Chomsky, p. 83). Os fragmentos a seguir colocam em cena alguns desses problemas do cotidiano presentes em estudos que se caracterizam como distantes de uma imagem de linguística aplicada:

Qual é, enfim, a utilidade da Linguística? Bem poucas pessoas têm a respeito ideias claras: não cabe fixá-las aqui. Mas é evidente, por exemplo, que as questões linguísticas interessam a todos - historiadores, filólogos etc. - que tenham de manejar textos." (SAUSSURE, 1974SAUSSURE, Ferdinand de. 1974 [1916]. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix., p. 14)

A ciência linguística nasceu de preocupações relativamente práticas tais como a utilização da escrita, o estudo da literatura e particularmente dos textos mais antigos, a prescrição de um falar elegante ... (BLOOMFIELD, 1970BLOOMFIELD, Leonard. 1970 [1933]. Le Langage. Paris: Payot., p. 25)

... o distribucionalismo nasceu e se desenvolveu sob a influência das necessidades práticas de descrição de línguas indígenas americanas ... (APRESJAN, 1980APRESJAN, Juri. 1980. Ideias e Métodos da Linguística Estrutural Contemporânea. São Paulo: Cultrix; Campinas: Fund. de Desenvolvimento da Unicamp., p. 39)

Guardadas as devidas proporções, o que queremos aqui sustentar é que o estudo do sistema linguístico parece nunca ter estado completamente desvinculado dos problemas colocados em uma determinada época. A esse respeito, citamos ainda uma outra experiência no campo do gerativismo. É a partir de Aspects (obra de 1965) que Chomsky vai insistir mais claramente em um perfil de linguística como ramo da psicologia cognitiva, opção que J. Lyons comenta, reforçando as relações que se travavam então entre o projeto chomskyano e um "problema maior" - a compreensão dos processos mentais - ao qual se pretendia então oferecer algum tipo de contribuição:

O que ele [Chomsky] está dizendo é que a razão de maior peso para justificar o interesse pelo estudo científico da linguagem - e mais especialmente pela gramática gerativa - é a de que de tal estudo se pode esperar contribuição para a compreensão dos processos mentais (LYONS, 1973LYONS, John. 1973. As idéias de Chomsky. São Paulo: Cultrix., p.85-86)

Responder a uma demanda social - ou renarrá-la - parece, assim, constituir um desafio característico da linguística aplicada que merece minimamente ser problematizado.

3.2. A linguística aplicada faz empréstimos diversificados

A linguística aplicada "reúne conceitos e métodos escolhidos em domínios científicos e técnicos variados" (MAINGUENEAU, 1996MAINGUENEAU, Dominique. 1996. Aborder la linguistique. Paris: Seuil., p. 57). Um dos exemplos oferecidos pelo autor de tal combinação de conceitos e métodos é o da didática de línguas, que associa linguística, psicologia e sociologia.

A opinião do autor aproxima-se do que propõe (Smith 2000SMITH, Richard. 2000. 'Developing the History of Applied Linguistics': Introductory Remarks. Disponível em: warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collect/elt_archive/presentations/developing_history_of_ applied_linguistics. Acesso em: 20/02/2014.
warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collec...
) como paisagem de uma segunda etapa vivida pela linguística aplicada8 8 Os fragmentos que reproduzimos de Richard Smith são suas observações como organizador e coordenador de uma mesa-redonda intitulada "Desenvolvendo a história da Linguística Aplicada", por ocasião do Simpósio Anual da Sociedade Henry Sweet para a História das Ideias Linguísticas, realizado na Universidade de Edinburgh em 21 de setembro de 2000. . Com efeito, se, para Smith, uma primeira etapa / concepção de linguística aplicada dizia respeito ao lugar fundamental ocupado pela linguística propriamente dita, uma segunda concepção abre as portas para a influência de diversos outros campos de conhecimento:

.... uma concepção [de linguística aplicada] menos centrada na linguística, mais interdisciplinar e voltada para problemas pode ser identificada onde a linguística aplicada é vista como uma espécie de "zona de embreagem" entre prática e teoria, e onde o linguista aplicado é visto como um mediador entre prática e uma variedade de possíveis fontes disciplinares, sem que a prioridade seja necessariamente dada à linguística (no caso do ensino de línguas, por exemplo, psicologia da aprendizagem, educação geral, sociologia, antropologia, estudos políticos e história, todas elas poderiam ser vistas como desempenhando um papel ao lado da linguística no processo de resolução de problemas). (SMITH, 2000SMITH, Richard. 2000. 'Developing the History of Applied Linguistics': Introductory Remarks. Disponível em: warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collect/elt_archive/presentations/developing_history_of_ applied_linguistics. Acesso em: 20/02/2014.
warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collec...
)

Como se percebe, a interdisciplinaridade é uma evidência aqui. Porém, para autores como Smith, esta não é exatamente uma marca da linguística aplicada, mas sim de uma das concepções (ou etapas) de linguística aplicada. Considerando que uma primeira concepção foi a da linguística aplicada tributária da linguística, o autor indicará de que modo, após a segunda fase que descrevemos acima, algo de outra ordem acontece como terceira fase, a qual o autor denomina etapa de autonomia da linguística aplicada:

Em terceiro lugar, há o que poderíamos chamar de concepção autônoma, com a linguística aplicada como uma disciplina ou atividade independente, desenvolvendo teorias, descrições ou outros esquemas potencialmente mais relevantes para as necessidades práticas do que aqueles que emanam de outras fontes disciplinares - o linguista aplicado não é mais um consumidor de teorias ou descrições nessa concepção, mas um produtor de teorias relevantes com base em pesquisa (em relação ao ensino de línguas, o crescimento de Aquisição de Segunda Língua como campo de pesquisa em linguística aplicada talvez o demonstre com mais clareza). (SMITH, 2000SMITH, Richard. 2000. 'Developing the History of Applied Linguistics': Introductory Remarks. Disponível em: warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collect/elt_archive/presentations/developing_history_of_ applied_linguistics. Acesso em: 20/02/2014.
warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collec...
)

Não temos dúvida de que a dimensão interdisciplinar é absolutamente necessária para a caracterização de um trabalho em linguística aplicada. O que ora questionamos é se o interdisciplinar, por motivações diversas, talvez, não seria também a marca de uma linguística que não tem o projeto de se configurar como aplicada.

A questão do interdisciplinar se coloca, por exemplo, desde o início de uma obra como o Curso de Linguística Geral. No segundo capítulo da Introdução, após afirmar que "a Linguística tem relações bastante estreitas com outras ciências, que tanto lhe tomam emprestados como lhe fornecem dados" (SAUSSURE, 1974SAUSSURE, Ferdinand de. 1974 [1916]. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix., p. 13), são mencionadas várias ciências cujas fronteiras com a Linguística nem sempre são suficientemente claras: Etnografia, Pré-História, Sociologia, Psicologia Social, Fisiologia e Filologia. Outras ciências, a exemplo da Antropologia, ainda serão lembradas nos próximos capítulos do Curso de Saussure, mas o que ora nos parece relevante é enfatizar dois itens com base nos quais se percebe que essa interdisciplinaridade nada tem de acidental: (i) Saussure idealiza a linguística como parte da Semiologia, a qual seria, a seu turno, parte da Psicologia social e, por extensão, da Psicologia geral; (ii) Saussure não esconde os laços que sua teorização mantém com a sociologia durkheimiana, ao sustentar que "a linguagem é um fato social" (SAUSSURE, 1974SAUSSURE, Ferdinand de. 1974 [1916]. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix., p. 14).

Na mesma linha de raciocínio, lembremos a estreita ligação promovida entre o gerativismo e a psicologia cognitiva a que fizemos menção no tópico anterior, acrescentando que não se trata apenas de uma opção pela inserção dos estudos linguísticos em uma disciplina como a psicologia cognitiva, mas de uma orientação específica no bojo dessa mesma disciplina - o cognitivismo. Em poucas palavras, diremos que, diferentemente de outras orientações teóricas também voltadas para a cognição (o conexionismo e a enação), o cognitivismo sustenta que os sistemas cognitivos se caracterizam pela adoção de um modelo representacional (conhecer é representar) e informacional (conhecer é processar informações), modelo esse que é garantido pela separação entre sujeito e objeto (informações são transferidas do meio para o sujeito)9 9 Diferentemente desse modelo de cognição, a teoria da autopoiese (MATURANA & VARELA, 1980) entende a cognição como enação: tomando por base a implicação e a interferência (e não a representação), o conhecimento é o responsável pela produção tanto do sujeito quanto do objeto, ou seja, não há precedência dos polos subjetivo e objetivo. .

Para finalizar, retomemos o depoimento de Martinet que, após reafirmar a autonomia da linguística, declara:

Porém, essa autonomia recentemente adquirida é frequentemente relegada a um segundo plano. Com efeito muitos linguistas parecem considerar a unidade de sua disciplina e a recente aquisição de um objeto de pesquisa autossuficiente como menos essenciais do que as múltiplas ligações que a linguística pode manter com outras disciplinas, antigas ou modernas, literárias ou científicas, tais como a psicologia, a lógica, a antropologia, a cibernética ou a eletrônica. (MARTINET, 1969MARTINET, André. 1969. Langue et Fonction. Paris: Denoël., p. 9-10)

Queremos aqui reafirmar que não se trata de desconhecer o lugar de relevância ocupado pelos procedimentos interdisciplinares nas pesquisas que se desenvolvem sob a rubrica linguística aplicada. Pelo contrário, a interlocução com outras áreas, das quais muitas vezes se importam conceitos e métodos de trabalho, é fundamental. O que acrescentamos aqui é tão somente uma argumentação que relativiza essa "autonomia" da linguística, lembrando que também ela possui seus pontos de interseção com outros domínios. Aliás, para além de interseções com outras áreas, o que é absolutamente desejável e produtivo é a produção de intercessores10 10 Deleuze e Guattari não chegam a definir o conceito de intercessores (usado sempre no plural). Recorremos a (Passos & Barros 2000) para tentar sistematizar a ideia desse conceito-ferramenta que, em uma relação de encontro, de interferência, de intervenção (ou ainda de contágio, de perturbação, de agenciamento) de um domínio sobre outro, logra produzir desestabilizações do pensamento, desnaturalizando-o e atualizando o devir. (Passos & Barros 2000, p. 77) exemplificam: ao cruzar a história do cinema, intercessores relacionados à situação de guerra mundial produzem seus efeitos de crise / desestabilização da narrativa fílmica com as imagens sem reação do neorrealismo italiano. instigadores do pensamento. Retomaremos adiante o debate que tematiza as interseções da linguística aplicada e seu encontro com possíveis intercessores.

3.3. A linguística aplicada é avaliada por seus resultados

Colocar em debate o tema da avaliação do trabalho desenvolvido em linguística aplicada significa em primeiro lugar indagar sobre o agente dessa avaliação. A esse respeito, o título deste subtópico é, no mínimo, ambíguo: devemos entender que a linguística aplicada é avaliada pelos resultados que é capaz de oferecer (onde "resultados" exerce a função de agente que pratica a ação expressa na voz passiva) ou que ela é avaliada por algo (ou alguém) não explicitado, em função dos resultados que alcança (leitura na qual "resultados" integraria um adjunto adverbial de instrumento ou de modo)?

Ainda que seja possível assumir que os resultados obtidos em uma situação possam avaliar a qualidade da atividade (de pesquisa ou outra) que os gerou, entendemos que esta seria uma leitura que naturalizaria esses resultados, como se eles falassem por si sós. Mais oportuno nos parece, então, tematizar o efetivo agente dessa avaliação, ou seja, aquele(s) que, de posse de resultados, emite(m) uma opinião acerca desses mesmos resultados.

Ao tematizar o julgamento que podemos fazer da linguística aplicada no que diz respeito às suas possibilidades de responder a uma demanda social (ou de reler uma dada situação de vida), uma primeira observação relevante parece residir no seguinte fato: se, como dissemos em 3.2.1, a formulação do problema a ser abordado sofre um forte viés no que diz respeito a quem pode com legitimidade se encarregar da tarefa, então os resultados obtidos também estarão na dependência da mesma condição. Ou seja, os resultados alcançados por uma intervenção em linguística aplicada serão avaliados como mais ou menos produtivos em função da adequação da demanda formulada. E, se falamos em adequação da demanda formulada, é certo que novamente retomamos o debate acerca do(s) agente(s) que se encarrega(m) de formulá-la.

Pensamos, então, em pelo menos quatro situações cujos efeitos repercutirão sobre a natureza dos resultados alcançados ao término de uma pesquisa em linguística aplicada: (i) a demanda é formulada por alguém que ocupa uma posição superior na hierarquia do universo a ser investigado (empresa, hospital, escola, etc.); (ii) a demanda é formulada pelo próprio pesquisador em função de objetivos próprios de pesquisa; (iii) a demanda é formulada pelo próprio pesquisador em função de objetivos que ele atribui a um dado coletivo; (iv) a demanda é formulada por um coletivo que não ocupa nenhuma situação privilegiada na hierarquia institucional.

Em casos de formulação da demanda pelo agente que ocupa uma posição superior na hierarquia, nossa experiência tem-nos dito que a avaliação que este fará dos resultados estará embasada prioritariamente em "fórmulas prontas de sucesso", como se o mérito da pesquisa dependesse de sua capacidade para apresentar "soluções imediatas e eficazes" para contornar o problema abordado. Remetemos o leitor a uma experiência de pesquisa desenvolvida há algum tempo junto a uma grande empresa de São Paulo, cuja demanda foi formulada em consonância com o perfil ora em discussão (The ESPecialist, 1998).

Em relação ao segundo perfil de pesquisas, diremos que, quando a demanda é baseada em interesses próprios do pesquisador, o efetivo agente da avaliação do trabalho realizado é a academia. O que queremos dizer nesse caso é que, com frequência, pesquisas em linguística aplicada são desenvolvidas em função exclusiva dos interesses e das escolhas do próprio pesquisador, sem que haja qualquer tipo de interlocução com o universo envolvido, ou, no máximo, tendo havido apenas um consentimento por parte da hierarquia institucional, que autoriza o pesquisador a coletar dados, a fazer observações etc. Em casos como esse, se dizemos que os resultados são avaliados pela própria academia é porque entendemos que se trata ou de um trabalho de conclusão de curso (situação na qual o avaliador é uma banca formada por pesquisadores), ou então de uma pesquisa financiada por um órgão de fomento (situação na qual a avaliação é realizada por pares, por intermédio de pareceres solicitados pelo órgão que financiou a pesquisa). Casos como este podem ser encontrados em (Almeida 2008ALMEIDA, Fábio S. de. 2008. O que (não) é um RPG: polêmica e produção de sentidos em discursos sobre o role playing game. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro.), (Baalbaki 2010BAALBAKI, Angela C. F. 2010. A revista Ciência Hoje das Crianças e o discurso de divulgação científica: entre o ludicismo e a necessidade. Tese de Doutorado. Niterói: UFF, 308 f.).

O terceiro perfil parece coincidir com casos em que o pesquisador, por também ocupar um lugar no universo que pretende investigar, formula uma demanda que atribui a um coletivo maior, baseando-se em seu conhecimento da situação. É o que ocorre em diversas pesquisas voltadas para o ensino / aprendizagem de línguas ou matéria educacional afim, quando o pesquisador também é um profissional atuando com aquele mesmo tipo de questões em uma dada organização de trabalho (RODRIGUES, 2002; DIAS, 2008DIAS. Rosane M. de M. 2008. A construção das normas: o trabalho de professores de espanhol como língua estrangeira (E/LE) junto a alunos deficientes visuais. Dissertação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. 201f.; DEUSDARÁ, 2011DEUSDARÁ, Bruno R. 2011. Fazendo planos para a Educação: políticas do dizer e processos de subjetivação. Tese de Doutorado em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.; GIORGI, 2012GIORGI, Maria Cristina. 2012. Da Escola Técnica à Universidade ecnológica: o lugar da Educação de nível médio no plano de desenvolvimento instiitucional do CEFET/RJ. Tese de Doutorado em Letras Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal Fluminense.).

O quarto e último caso é, parece-nos, um perfil idealizado que não se encontra com facilidade na realidade das pesquisas em linguística aplicada. Seria o caso de um coletivo que procuraria o pesquisador para proceder à pesquisa que deverá projetar uma nova luz sobre o problema gerador da demanda. Se dizemos que se trata de um caso idealizado, isto se deve a uma dupla razão: por um lado, seria preciso que esse coletivo tivesse maturidade, autonomia e informação acerca do tipo de trabalho realizado pelo linguista aplicado para formular a demanda; por outro, tal iniciativa representaria o reconhecimento do tipo de contribuição que o linguista aplicado tem a oferecer a uma comunidade. Ainda que este seja um caso que parece permanecer no papel, optamos por incluí-lo aqui como horizonte a ser conquistado.

Por todos os limites apontados nesses diferentes perfis de pesquisa, sua avaliação em função dos resultados obtidos não tem sido tarefa fácil e, por essa razão, muito poucas têm sido as oportunidades em que o pesquisador, ao final de uma etapa de trabalho em um dado campo, consegue satisfatoriamente dar um retorno dos resultados alcançados à comunidade envolvida.

Para além das três características que (Maingueneau 1996MAINGUENEAU, Dominique. 1996. Aborder la linguistique. Paris: Seuil.) atribui à linguística aplicada, queremos ainda acrescentar duas outras que levantam uma polêmica que talvez desejássemos já estar superada: a relação da linguística aplicada com o ensino / aprendizagem de línguas e sua situação frente à linguística dita teórica. Argumentamos aqui, porém, que (ainda) se trata de realidades que a linguística aplicada deverá enfrentar - e que, aliás, em nada a desmerecem. Voltemo-nos para cada uma dessas características indicadas.

3.4. A linguística aplicada se encontra voltada prioritariamente para o ensino / aprendizagem de línguas

A quase-sinonímia entre linguística aplicada e ensino / aprendizagem de línguas foi uma realidade nos primórdios dos trabalhos na área. Conforme já foi dito, este foi o sentido daquela disciplina que se inaugurava na Universidade de Michigan, nos anos 1940. Se pensarmos que em seus primeiros anos de existência a linguística aplicada que se praticava cumpria exatamente a tarefa de "exportar para algum domínio prático" os conhecimentos produzidos pela pesquisa linguística, não será difícil compreender por que razão o campo do ensino / aprendizagem de línguas se mostrou tão fecundo: se algum território havia de pertencer de direito ao linguista, não poderia ser outro senão a sala de aula. Com efeito, nada mais esperado do que a participação de linguistas na definição de instrumentos teóricos e de um caminho metodológico adequados ao ensino / aprendizagem de línguas.

Muito se fala desde então em uma expansão ou diversificação de interesses: o ensino / aprendizagem de línguas já é um lugar certo de investimento das pesquisas em linguística aplicada, um campo garantido de intervenção no qual ela vem atuando quase com exclusividade, colocando-se, desse modo, o desafio de abrir outro(s) espaço(s) para o profissional da área. O que não impede, contudo, que o ensino / aprendizagem de línguas mantenha sua posição hegemônica, tendo em vista, por exemplo, as considerações de Sarangi e Candlin por ocasião da apresentação do Journal of Applied Linguistics and Professional Practice (JALPP):

Deixando de lado um eixo primário de pesquisa em ensino / aprendizagem de línguas e aquisição de segunda língua, o campo da Educação ainda permanecerá sendo um domínio-chave para a revista [JALPP] ... (SARANGI; CANDLIN, 2010SARANGI, Sarangi; CANDLIN, Christopher. 2011. Applied Linguistics and professional practice: Mapping a future agenda. Journal of Applied Linguistics and Professional Practice - JALPP, vol. 7.1. Sheffield: Equinox. Disponível em: www.equinoxpub.com/journals/index.php/JALPP/article/viewFile/9843/7747. Acesso em: 18/02/2014.
www.equinoxpub.com/journals/index.php/JA...
)

A título de ilustração, uma consulta aos anais dos IX e X congressos da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) nos oferece as seguintes informações:

  1. i

    () no IX CBLA, realizado de 25 a 28 de julho de 2011 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, das 32 perspectivas epistemológicas previstas, 9 tinham uma ligação direta com a questão do ensino / aprendizagem de línguas e Educação;

  2. ii

    () no X CBLA, realizado de 9 a 12 de setembro de 2013 também na Universidade Federal do Rio de Janeiro, das 25 linhas temáticas previstas, 8 tinham uma ligação direta com a questão do ensino / aprendizagem de línguas e Educação;

  3. iii

    () dentre as perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas) que tinham uma ligação direta com a questão do ensino / aprendizagem de línguas e Educação, Avaliação no ensino e aprendizagem de línguas foi contemplada apenas no IX CBLA; as demais 8 foram comuns a ambos os congressos: Autonomia na aprendizagem de línguas; Crenças em ensino e aprendizagem de línguas; Ensino e aprendizagem de língua materna; Ensino e aprendizagem de línguas adicionais; Formação de professores; Material didático; Ensino de línguas para fins específicos; Multilinguismo e Multiculturalismo11 11 Sobre a multiplicação de perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas) em torno do ensino / aprendizagem de línguas, ver (Harris 2002, p. 103). .

No quadro a seguir, indicaremos a quantidade de trabalhos publicados em cada uma das 9 perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas) identificadas:

Quadro 3
Trabalhos publicados em cada uma das perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas) ligadas a ensino / aprendizagem de línguas (e questões educacionais) nos IX e X CBLA

Enumeramos, desse modo, dentre as perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas) presentes em cada um dos encontros, aquelas que diziam respeito diretamente ao ensino / aprendizagem de línguas e questões educacionais afins. Em relação às demais perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas), devemos reconhecer que em muitas delas figuram publicações que também versam sobre ensino / aprendizagem de línguas. A título de exemplo, citamos alguns desses casos: no IX CBLA, houve um trabalho na perspectiva epistemológica Estudos Narrativos que tematizava a produção de textos voltados para experiências de aprendizado de uma língua estrangeira na escola; ou então, na perspectiva Linguagem e Literatura, um trabalho que explorava a adaptação de textos literários visando à aprendizagem de inglês; ou ainda, em Linguagem e Tecnologia, um trabalho que investigava a questão da EaD no ensino de línguas estrangeiras. Nos anais do X CBLA, encontramos a mesma situação: na linha temática Análise da Conversa, um trabalho tratava da implementação de currículo em uma disciplina de língua inglesa de um curso de Letras; em Análise do Discurso e Pragmática, um trabalho explorava o ensino bilíngue português / inglês e as representações do que significava ser professor; finalmente, na linha temática Linguagem e Identidade, o pesquisador se voltava para as novas tecnologias em um livro didático de inglês.

Decidimos, desse modo, percorrer a totalidade dessas outras perspectivas epistemológicas / linhas temáticas em cada um dos congressos para conhecer quantos trabalhos mantinham um estreito vínculo com o ensino / aprendizagem de línguas e outras questões educacionais. O quadro 4apresenta os totais encontrados:

Quadro 4
Trabalhos em outras perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas) que mantêm afinidade com o tema do ensino / aprendizagem de línguas e outras questões educacionais nos IX e X CBLA

Uma vez apresentados os quadros 3 e 4, propomos a seguir uma síntese dos resultados encontrados, os quais expressam a forte presença do interesse pelo campo do ensino / aprendizagem de línguas e outras questões educacionais que lhe são conexas.

Quadro 5
Síntese dos quadros 3 e 4

Considerando-se as publicações de cada um dos encontros que figuram no quadro 5, constatamos um alto índice de trabalhos voltados para questões ligadas a ensino / aprendizagem de línguas (e questões educacionais mais gerais): dos 151 trabalhos publicados no IX CBLA, 92 se voltavam para a área do ensino / aprendizagem de línguas, o que corresponde a um percentual de 60,9%; no X CBLA, dentre os 69 trabalhos publicados, 49 incluíam-se na referida área, o que representa um total de 70% dos trabalhos12 12 Esses resultados parecem corroborar os de (Cavalcanti 2004) em texto publicado na edição de AILA Review que tematizou a linguística aplicada no mundo, por ocasião das comemorações dos 40 anos da AILA. No mesmo volume, a linguística aplicada praticada nos Estados Unidos parece indicar ser essa uma tendência mais ampla: "A pesquisa em aquisição de segunda língua é a maior subárea de pesquisa na Linguistica Aplicada norte-americana" (GRABE, 2004, p.109), sendo seguida por duas outras subáreas afins, a saber, leitura / escrita em L2 e ensino / aprendizagem de línguas. . Trata-se, com efeito, de percentuais que nos dão a exata medida dos esforços que ainda deveremos empreender no sentido de poder afirmar uma maior diversificação de interesses nos trabalhos de linguística aplicada.

3.5. A linguística aplicada é um lócus de atualização de saberes produzidos pela linguística

Passemos à última característica anunciada, que diz respeito à relação entre linguística e linguística aplicada. Para introduzi-la, acompanhemos a reflexão de (Celani 1992CELANI, Maria Antonieta A. 1992. Afinal, o que é LA? In: PASCHOAL, M. S. Z.; CELANI, M. A. A. Linguística aplicada: da aplicação da linguística à linguística transdisciplinar. São Paulo: EDUC.):

A LA só pode firmar-se como área de pesquisa de direito próprio, respeitável no meio acadêmico, se os linguistas aplicados se dispuserem a fazer LA sem o injustificável complexo de inferioridade, ao invés de fazerem aplicação da Linguística. Parece que essa fase subserviente está ultrapassada e isso é reconhecido pelos linguistas aplicados. (CELANI, 1992CELANI, Maria Antonieta A. 1992. Afinal, o que é LA? In: PASCHOAL, M. S. Z.; CELANI, M. A. A. Linguística aplicada: da aplicação da linguística à linguística transdisciplinar. São Paulo: EDUC., p. 21)

O complexo de inferioridade a que se faz referência - e que, a nosso ver, Celani tem toda a razão de explicitar, uma vez que ele (ainda) é excessivamente presente na academia - tem por base uma compreensão não necessariamente adequada da relação entre teoria e prática. Na verdade, muito já se insistiu na ideia de que a linguística aplicada não seria uma aplicação de algo produzido previamente pela linguística (teórica), mas também é verdade que o mal-entendido parece resistir, a exemplo da seguinte reflexão de Widdowson: "você precisa primeiro ter algo antes de poder aplicá-lo" (WIDDOWSON, apud HARRIS, 2002HARRIS, Tony. 2002. Linguistics in Applied Linguistics: a Historical Overview. Journal of English Studies, v. 3. La Rioja: Universidad de La Rioja. Disponível em: publicaciones.unirioja.es/ojs-2.4.2/index.php/jes/article/view/72/52. Acesso em: 7/03/2014.
publicaciones.unirioja.es/ojs-2.4.2/inde...
, p. 101).

Um breve desvio por Deleuze deverá ser suficiente para explicitar esse equívoco sobre a natureza da relação teoria-prática - um equívoco, que, aliás, já nos era familiar no século XIX, conforme foi visto no debate referente a ciência pura e aplicada (item 3.1). Segundo Deleuze, "a prática é um conjunto de revezamentos de uma teoria a outra, e a teoria, um revezamento de uma prática a outra" (DELEUZE, 1979DELEUZE, Gilles. 1979. Os Intelectuais e o Poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal., p. 69-70). Isto significa que uma formulação teórica é sempre local, aplica-se a um dado domínio pontual e só pode se aplicar a esse domínio, ou seja, é incapaz de falar por outros domínios que não lhe sejam próximos: encontrará obstáculos que exigirão um outro tipo de discurso. Em outras palavras, "nenhuma teoria pode se desenvolver sem encontrar uma espécie de muro, e é preciso a prática para atravessar o muro" (DELEUZE, 1979DELEUZE, Gilles. 1979. Os Intelectuais e o Poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal., p.70). A pretensão é exatamente o inverso: a teoria seria construída de modo a poder se aplicar a uma dada realidade, isto é, de modo a poder representar essa realidade, a falar por essa realidade. Com isto, Deleuze nos faz suspeitar que, naqueles anos 1940 na Universidade de Michigan, onde teve início a experiência de uma "linguística aplicada", algo acontecia de muito mais complexo do que a mera "aplicação" de saberes produzidos em laboratório a grupos de sujeitos que ali se apresentavam para aprender uma língua estrangeira. Resta indagar que dispositivos de poder são acionados nesse momento para domesticar essa "fala do mundo", essa prática, em proveito das teorias bem construídas, cuja pretensão totalizadora é a de poderem sozinhas ocupar todos os espaços, de serem capazes de "falar pela prática", a ponto de silenciá-la, produzindo-se, então todos os complexos (não apenas os de inferioridade) que pudermos imaginar ...

Ainda a respeito do encontro entre linguística e linguística aplicada, um rápido exame no site da AILA poderá revelar-se de algum interesse. Vejamos:

A Linguística Aplicada é um campo interdisciplinar de pesquisa e prática lidando com problemas práticos de língua e comunicação, os quais podem ser identificados, analisados ou solucionados aplicando-se teorias, métodos e resultados de trabalhos disponibilizados pela Linguística, ou desenvolvendo-se novos arcabouços teóricos e metodológicos em Linguística para trabalhar com esses problemas.

A Linguística Aplicada difere da Linguística em geral no que diz respeito à sua orientação em direção a problemas práticos, do cotidiano, relacionados à língua e à comunicação. (AILA, 2013AILA. 2014. What is AILA. Website: aila.info/en/about.html. Acesso em: 2/03/2014.
aila.info/en/about.html...
)

O mínimo que pode ficar da leitura desse fragmento são algumas dúvidas acerca dessa mesma relação teoria-prática. Em primeiro lugar, não nos parece outro o papel desempenhado pela teoria senão o de proceder à leitura de problemas práticos do mundo, o que nos lembra bastante uma leitura do lugar ocupado pela teoria em uma perspectiva de senso comum. A seguir, se é verdade que, logo no início, diz-se que a linguística aplicada é um espaço de pesquisa e de prática, deparamos depois com uma situação que parece afirmar o contrário, quando se trata de identificar ou solucionar problemas do cotidiano: ou a linguística aplicada recorre ao que a linguística já produziu, ou então, se for preciso, ela recorrerá ao que a linguística produzirá ainda no futuro. Devemos daí concluir que a teorização possível no trabalho em linguística aplicada seja uma teorização produzida exclusivamente no interior da linguística?

Para concluir, façamos um último comentário sobre a indesejável vinculação da linguística aplicada à chamada linguística teórica, recorrendo, para tal fim, ao que dispõe o Documento de Área 2013 da Capes no item em que se apresentam as decisões tomadas por ocasião do Seminário de Acompanhamento da Área de Letras e Linguística, realizado de 5 a 7 de dezembro de 2012, em Brasília, ao qual compareceu a quase totalidade de coordenadores de Programas (132 presentes, em um universo de 140). Transcrevemos a seguir o fragmento sobre o qual nos interessa refletir:

No grupo da Linguística, de forma mais específica, foi discutida a proposta de uma Matriz Curricular que contemplasse como obrigatória uma ou mais disciplinas de Teoria Linguística, dependendo da área de concentração do programa. Essa proposta foi acatada e deverá incorporar o documento de APCN para o próximo ano. (Brasil, 2013BRASIL. MEC. Documento de Área Letras / Linguística - CAPES 2013. Disponível em: www.capes.gov.br/component/content/article/44-avaliacao/4675-letraslingueistica. Acesso em: 07/03/2014.
www.capes.gov.br/component/content/artic...
)

Pelo exposto, o Aplicativo para Propostas de Cursos Novos (APCN) passará a contemplar necessariamente no mínimo uma disciplina de teoria linguística, em função da área de concentração do curso. Nada a opor em relação à medida aprovada: em tese, ela deveria somar para a formação do linguista (aplicado). No entanto, não parece ser esta a leitura feita pelos participantes do XXVIII ENANPOLL, que, na Carta de Florianópolis de 03 de julho de 2013, tomam a seguinte decisão:

A reunião final do XXVIII ENANPOLL deliberou que as linhas de ação mais relevantes da ANPOLL neste momento são:

(...)

d) Registrar que a ANPOLL é contrária à proposição de matriz curricular mínima e unificante para os Programas de Pós-Graduação em Letras e Linguística e reiterar a diversidade teórica e de formação dos programas. (Carta de Florianópolis, XXVIII Enanpoll, 2013CARTA de FLORIANÓPOLIS - XXVIII Enanpoll. 2013.)

O que teria levado o grupo de coordenadores de GT que se reuniu no XXVIII ENANPOLL a se manifestar contrariamente à decisão tomada sete meses antes em Brasília pelos coordenadores de programas de pós-graduação? Entendemos que a falta de sintonia entre esses dois grupos seja significativa, revelando projetos não coincidentes no que diz respeito ao futuro dos cursos de linguística do país. Que urgência teria movido os coordenadores de programas de pós-graduação a optarem pela referida matriz curricular sem qualquer consulta prévia aos que, atuando nos cursos de linguística, eram os diretamente interessados na matéria? A resposta a essa questão torna-se particularmente delicada se for considerado que, naquele momento, já estava agendada para sete meses mais tarde a reunião de Florianópolis, que poderia, em bases mais sólidas, com certeza, refletir sobre a proposta.

Por inadiável que tenha sido a tomada de decisão acerca da referida matriz curricular, uma coisa é certa: a decisão causou especial desconforto não entre os que trabalham em linguística (entenda-se, linguística teórica), mas entre aqueles que praticam qualquer modalidade de linguística entendida como "ciência aplicada". Os motivos de tal desconforto são evidentes: a presença de pelo menos uma disciplina de teoria linguística na matriz curricular dos novos cursos não diz respeito, por óbvio, aos cursos que se voltam para uma formação em linguística teórica (esses cursos terão provavelmente uma matriz curricular em que figurarão exclusivamente disciplinas de teoria linguística), mas sim às formações em qualquer modalidade de linguística aplicada. O que a decisão tomada em Brasília parece ter subrepticiamente indicado aos praticantes de linguística aplicada, fazendo reviver antigos mitos acerca da relação entre teoria e prática, é que teoria se faz em linguística, ficando suas "aplicações" como um capítulo à parte.

4. Argumentos quase concludentes em um debate sempre inconcluso

Nossa reflexão sobre a linguística aplicada teve como ponto de partida um breve histórico dos primórdios do debate sobre ciência teórica e ciência aplicada e a uma revisão crítica de possíveis traços distintivos de uma linguística aplicada. Cumpridas essas etapas, resta-nos uma ação mais claramente propositiva no que concerne ao modo como projetamos os futuros desdobramentos da área. Para tal fim, passamos a enunciar três iniciativas de cuja articulação poderá resultar um deslocamento (desejável) no modo de funcionamento - e, por extensão, no perfil da linguística aplicada. Seguem, desse modo, as ações que ora propomos.

4.1. Atenuar as já conhecidas dicotomias

Experimentamos hoje a passagem de uma concepção de ciência moderna, cujo modelo de racionalidade se construiu a partir da revolução científica do século XVI, para o que (Santos 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez., p. 20-21) denomina "paradigma emergente". O que advirá desse novo paradigma - também denominado "paradigma pós-moderno" - ainda é objeto de especulação, segundo o autor, mas uma de suas marcas que nos interessa de perto já se faz suficientemente presente: a distinção polarizada entre ciências naturais e ciências sociais perde seu sentido, uma vez que tal polarização esteve assentada "numa concepção mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta evidência, os conceitos de ser humano, cultura e sociedade" (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez., p. 61). Com ela, outras polarizações originadas na ciência moderna perdem igualmente sua relevância. Tal quebra de fronteiras entre ambas se processa sob a égide das ciências sociais, como se se invertesse a previsão de Durkheim: ao invés de os fenômenos sociais serem estudados como se fossem naturais, são os fenômenos naturais que passam a ser estudados como se fossem fenômenos sociais (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez., p. 68). É o que se constata da leitura do seguinte fragmento:

Para não irmos mais longe, quer a teoria das estruturas dissipativas de Prigogine quer a teoria sinergética de Haken explicam o comportamento das partículas através dos conceitos de revolução social, violência, escravatura, dominação, democracia nuclear, todos eles originários das ciências sociais ... (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez., p. 66)

A menção feita pelo autor às estruturas dissipativas de Prigogine (ou teoria do caos) é bastante oportuna para este debate sobre o perfil de ciência que entrevemos para a linguística aplicada. Com efeito, a teoria do caos remete a um modelo teórico de universo que se distancia do preconizado pela teoria determinista: segundo o determinismo, representado por Newton e outros, o funcionamento do universo pode ser comparado ao de um relógio, determinado pelas leis eternas da natureza, condição que abre a possibilidade de se proceder a previsões; para a teoria do caos, há lugar para o acaso, para a indeterminação, e a realidade é vista como um ciclo de ordem, desordem, ordem, etc., em etapas que se alternam indefinidamente (CAZAU, 2009CAZAU, Pablo. 2009. La Teoria del Caos. Disponível em: www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=152. Acesso em: 12/01/2014.
www.antroposmoderno.com/antro-articulo.p...
).

Talvez um possível modo de relação entre linguística e linguística aplicada possa ser pensado justamente pelo viés desse duplo modelo de funcionamento do universo. Senão, vejamos:

O conhecimento do paradigma emergente tende assim a ser um conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções tão familiares e óbvias que até há pouco considerávamos insubstituíveis, ... Este relativo colapso das distinções dicotómicas repercute-se nas disciplinas científicas que sobre elas se fundaram. (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez., p. 64)

Ao invés de disciplinas antípodas, pensaríamos, antes, em disciplinas que manteriam distâncias graduáveis, contínuas, possuindo cada uma delas uma maior afinidade com um determinado modelo de ciência: o que entendemos por linguística aplicada se aproximaria mais de um fazer científico que abre espaço para a indeterminação, tendo em vista que, pelo investimento que faz na presença do social para caracterizar as práticas de linguagem, teria uma maior aversão a realidades dicotômicas, ao passo que a linguística dita teórica, mais voltada para uma perspectiva disciplinar e menos (ou nada) interessada na relação com o social, estaria mais próxima a um modelo determinista, fomentando uma concepção de ciência que investe nas polaridades.

Acrescentemos que, se defendemos um ponto de vista segundo o qual haveria uma passagem gradual de um polo a outro - do polo mais endurecido para um polo mais flexível - e não uma cisão entre ambas as perspectivas, é porque entendemos que deve haver formas de se trabalhar o sistema língua de modo mais flexível - a gramática sistêmico-funcional parece corresponder a tal perfil por acolher com mais desenvoltura projetos que incluam uma reflexão sobre o social -, assim como deve ser possível investigar a linguagem enquanto prática social sob uma ótica que se aproxime de um polo mais endurecido, como nos parece ser o caso dos trabalhos em Análise de Conteúdo.

4.2. Reavaliar uma suposta incapacidade da linguística aplicada

A ideia de complexo de inferioridade a que se refere (Celani 1992CELANI, Maria Antonieta A. 1992. Afinal, o que é LA? In: PASCHOAL, M. S. Z.; CELANI, M. A. A. Linguística aplicada: da aplicação da linguística à linguística transdisciplinar. São Paulo: EDUC.) - inferioridade experimentada pela linguística aplicada em relação à linguística dita teórica - pode ser aproximada a uma reflexão de (Todorov 1981The ESPecialist. 1998. vol. 19, no. especial, São Paulo: Educ-PUC/SP.), que também faz menção a um complexo de inferioridade - o das ciências humanas frente às ciências naturais. Com efeito, em Mikhail Bakhtine - le principe dialogique, Todorov se refere a um complexo de inferioridade das ciências humanas baseado no fato de que estas buscam a compreensão, uma vez que seu objeto é sempre um texto, enquanto as ciências naturais, que trabalham com objetos reais, se voltam para o conhecimento de fenômenos. Assim, segundo o autor, a interpretação possibilitada pelas ciências humanas nunca poderá ser científica, no sentido em que falamos das ciências exatas (v. Todorov, 1981The ESPecialist. 1998. vol. 19, no. especial, São Paulo: Educ-PUC/SP., p. 40- 41)

[Bakhtin] propõe desse modo introduzir dois termos diferentes para descrever o ideal ao qual se aspira em ambos os casos (esses ideais não são idênticos, e o complexo de inferioridade das ciências humanas em relação às ciências exatas é sem fundamento). Para as ciências naturais, é a exatidão o que conta acima de tudo. (...)

Para as ciências humanas, em contrapartida, é a profundidade que é essencial.

(Todorov, 1981TODOROV, Tzvetan. 1981. Mikhaïl Bakhtine - Le principe dialogique. Paris: Seuil., p. 41)

Como se percebe, ambos os autores fazem menção ao referido complexo, mas para afastá-lo como injustificado. Para avançar nessa reflexão, lembramos que quem teorizou sobre complexo de inferioridade foi Alfred Adler, discípulo e, mais tarde, dissidente de Freud, e sua reflexão poderá projetar alguma luz sobre o debate acerca da linguística aplicada, tópico que aqui nos interessa de perto.

"Ser homem é sentir-se inferior", sustenta (Adler 1968ADLER, Alfred. 1968 [1933]. Le Sens de La Vie. Etude de psychologie individuelle. Paris: Payot. Disponível em: classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfred/sens_de_la_vie/adler_le_sens_de_la_ vie.pdf. Acesso em: 9/03/2014.
classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfr...
, p. 56) sem nenhum receio de estar enunciando algo de negativo para a espécie humana. Pelo contrário, o sentimento de inferioridade para Adler é o motor que impulsiona o homem a uma posição de ataque, a uma contínua tentativa de domínio do mundo, no sentido de tentar superar as desvantagens que esse mundo lhe impõe: "a eterna tendência à segurança conduz o indivíduo a triunfar sobre a realidade atual a fim de alcançar uma realidade melhor" (ADLER, 1968ADLER, Alfred. 1968 [1933]. Le Sens de La Vie. Etude de psychologie individuelle. Paris: Payot. Disponível em: classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfred/sens_de_la_vie/adler_le_sens_de_la_ vie.pdf. Acesso em: 9/03/2014.
classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfr...
, p. 57). Essa luta do homem por condições mais favoráveis, impulsionada por seu sentimento de inferioridade, é o que garante o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade; e a direção desse desenvolvimento é determinada pelo grau de sentimento social13 13 O termo original em alemão, Gemeinschaftsgefuehl, vem recebendo diversas traduções em inglês: community feeling, social interest, social feeling, social sense, feeling of community, humanistic identification. Trata-se de um conceito que busca atenuar polarizações como sujeito versus sociedade. , noção que corresponde à idealização de uma coletividade que se imaginaria perfeita em termos de solução para os problemas da vida e de relação do homem com o mundo exterior (ADLER, 1968ADLER, Alfred. 1968 [1933]. Le Sens de La Vie. Etude de psychologie individuelle. Paris: Payot. Disponível em: classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfred/sens_de_la_vie/adler_le_sens_de_la_ vie.pdf. Acesso em: 9/03/2014.
classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfr...
, p. 144). Assim, um sentimento social suficientemente forte e desenvolvido garantirá um caminho produtivo de cooperação, ao passo que a falta desse sentimento social (aliada a um sentimento de inferioridade exacerbado) implicará que se tome a direção oposta. É aqui, então, que se instala o complexo de inferioridade segundo o autor:

O complexo de inferioridade, isto é, a manifestação permanente das consequências do sentimento de inferioridade e a manutenção desse sentimento, se explica a partir de uma falta exagerada de sentimento social. (ADLER, 1968ADLER, Alfred. 1968 [1933]. Le Sens de La Vie. Etude de psychologie individuelle. Paris: Payot. Disponível em: classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfred/sens_de_la_vie/adler_le_sens_de_la_ vie.pdf. Acesso em: 9/03/2014.
classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfr...
, p. 65)14 14 Uma coisa, portanto, é o sentimento de inferioridade - produtivo enquanto expressão do homem diante de sua fragilidade no mundo - cuja intensidade vai diminuindo à medida que se logra produzir situações mais favoráveis; outra coisa é o complexo de inferioridade, resultante de uma ação insuficiente do homem para produzir coisas boas por lhe faltar o que Adler chama de "sentimento social". Neste caso, por mais que se tente fazer algo para superar a dificuldade encontrada, não se chega a um resultado compensador e, com isso, eterniza-se o sentimento de inferioridade. Multiplicam-se os fracassos.

Enfatizemos que não existe nenhuma categoria de situação que possa ser vista per se como geradora desse complexo, e o autor mostra que tudo é determinado pelo modo como cada um de nós reage a tais situações. Assim, um mesmo acontecimento poderá gerar coisas muito diversas em dois indivíduos: uma reação de combate para a produção de algo mais satisfatório, como resposta diante do sentimento de inferioridade experimentado; uma ação improdutiva, caso o indivíduo seja movido por um fraco sentimento social, o que implicará seu aprisionamento naquele sentimento de inferioridade sucessivamente reiterado. Eis o sentido do que defende o autor: "os mesmos acontecimentos, os mesmos traumas, as mesmas situações e os mesmos problemas de vida, se fosse possível uma semelhança absoluta a esse respeito, manifestam-se diferentemente dependendo do indivíduo. (ADLER, 1968ADLER, Alfred. 1968 [1933]. Le Sens de La Vie. Etude de psychologie individuelle. Paris: Payot. Disponível em: classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfred/sens_de_la_vie/adler_le_sens_de_la_ vie.pdf. Acesso em: 9/03/2014.
classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfr...
, p. 65)

Sem entrarmos no mérito da reflexão de Adler, diremos apenas que, enquanto profissionais de linguística aplicada, podemos assumir nosso sentimento de inferioridade - o qual, aliás, compartilhamos com todos aqueles que se envolvem com o trabalho científico -, uma vez que adversidades e desafios não nos faltam na área, mas não podemos corroborar qualquer complexo de inferioridade de efeitos paralisantes, resultante da falta de sintonia com um sentimento social. Se os linguistas aplicados se encontram distanciados desse sentimento social, fator gerador do complexo de inferioridade, então a situação é grave, uma vez que, por definição, seu território de ação é o espaço das trocas (verbais) em sociedade, com a missão de buscar solucionar (ou compreender de formas diversificadas) problemas do mundo que se atualizam pelo viés das práticas de linguagem cotidianas. De que modo conceber que um profissional com esse perfil possa estar desconectado de um sentimento social? E, se este for o caso, de que modo poderá (re)conectar-se a esse sentimento social?

Uma coisa, portanto, é certa: pela ótica de Adler, o sentimento de inferioridade experimentado em uma dada situação nada tem a ver com a real superioridade de um outro. Dito de outro modo, o que explicaria o complexo de inferioridade já experimentado pelo linguista aplicado ou pelos praticantes das ciências humanas nada teria a ver com uma efetiva superioridade da linguística teórica ou das ciências naturais, respectivamente. Pelo contrário, segundo Adler, o motor do sentimento de inferioridade deve ser buscado precisamente naquele que o experimenta, uma vez que é o preço que deve pagar por um excessivo autocentramento, em detrimento de uma maior sintonia e articulação com o plano social. Cabe, pois à linguística aplicada a tarefa de encontrar seus pontos de autocentramento, assim como as insuficiências do modo como vem lidando com a dimensão social das práticas linguageiras.

4.3. Redefinir nosso entendimento sobre o social

Após havermos argumentado no sentido de conferir à linguística aplicada um lugar mais compatível com um fazer científico marcado pelas indeterminações, resta-nos apresentar algumas pistas relativas ao modo pelo qual entenderemos o social - questão já introduzida no item anterior.

Com base na discussão feita por (Santos 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez.), sabemos que o século XIX assistiu ao nascimento das ciências sociais de inspiração positivista, caracterizadas por uma aura mecanicista que se atualizou em duas vertentes: por um lado, a "física social" preconizada pelo positivismo, posição segundo a qual o social é apreendido por meio dos mesmos princípios que regem o estudo da natureza; por outro, um entendimento de social que reivindica um estatuto epistemológico próprio, em respeito à distância que distingue o estudo do ser humano, radialmente subjetivo, em relação ao estudo da natureza, objetivável e explicado por regras estabilizadas. Como se percebe, nenhuma dessas abordagens conseguiu abrir mão das dualidades construídas no interior do paradigma da modernidade e, por isso, ambas são inadequadas (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez.).

Talvez se possa ter como parâmetro de distinção de uma linguística aplicada o tipo de tratamento conferido a esse plano do social. Nesse caso, o desafio que se coloca é o de construir uma concepção de social que não se defina nem em consonância com o modelo hegemônico das ciências exatas, nem que a ele se oponha como seu contrário. Em outras palavras, não mais bastará dizer que o viés que propomos para caracterizar o trabalho da linguística aplicada é o da ênfase no social. Antes, será preciso que explicitemos como entendemos esse social: que concepção de social sustentamos? a quem concedemos a palavra como legítimos demandantes? que disciplinas chamamos para o diálogo? que convites de interlocução acolhemos como produtivos? Também não bastará dizer que a linguística aplicada é inter/multidisciplinar; antes, teremos de explicitar o lugar que ela dedicará a esse outro, ao não linguístico - um outro que funcionará como efetivo intercessor na produção de um sentido de social que não guarde nenhuma relação com a idéia rasa de social que a modernidade pôde produzir.

Com base em tais formulações, talvez possamos então nos voltar para o que se indaga no título deste texto: como funciona a linguística aplicada e o que pode ela se tornar? Feitas as considerações aqui apresentadas, diremos simplesmente, concluindo, que ela pode se tornar a oportunidade de efetivamente exercermos, na qualidade de linguistas aplicados, o papel de cientistas sociais, de podermos mapear um social que se deixará apreender por meio da qualidade das trocas verbais que se atualizam e pelo modo como seremos então capazes de lê-las. O que se impõe como tarefa inadiável é, desse modo, reescrever uma história da linguística aplicada, revendo-se suas alianças e seus antagonismos, mas fazê-lo em novas bases: "escreve-se a história, mas ela sempre foi escrita do ponto de vista dos sedentários, e em nome de um aparelho unitário de Estado, ... O que falta é uma Nomadologia, o contrário de uma história ..." (DELEUZE; GUATTARI, 1995_______; GUATTARI, Félix. 1995 [1980]. Introdução: Rizoma. In: DELEUZE, F.; GUATTARI, F. Mil PLatôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Trad. de Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa. São Paulo: Ed. 34., p. 35).

O que temos feito para evitar a busca de um perfil identitário para a linguística aplicada? Pensar em questões como essa significa aproximar-se (ainda que timidamente) de uma nomadologia da linguística aplicada - ou implicada, como prefere (Matencio 2006MATENCIO, Maria de Lourdes M. 2006. Formação do professor e representações sociais de língua(gem): por uma linguística implicada. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 8, p. 439-449.) -, elegendo outros domínios do linguístico e do extralinguístico para fazer interseções ... e intercessões; significa, enfim, promover o pensamento, um pensamento que não coincida com a mera recognição do que já se conhece, mas que seja invenção de caminhos que resultem na produção do novo (KASTRUP, 1999KASTRUP, Virgínia. 1999. A invenção de si e do mundo. Campinas, SP: Papirus.).

Até encontrarmos respostas (parciais, é claro, e sempre provisórias) para essas questões, experimentemos o mais intensamente possível nossos sentimentos de inferioridade - no sentido adleriano do termo, é claro. E que possamos o mais brevemente possível inventar o sentido de social no qual desejamos investir e pelo qual entendemos que vale a pena lutar.

  • ADLER, Alfred. 1968 [1933]. Le Sens de La Vie. Etude de psychologie individuelle. Paris: Payot. Disponível em: classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfred/sens_de_la_vie/adler_le_sens_de_la_ vie.pdf. Acesso em: 9/03/2014.
    » classiques.uqac.ca/classiques/adler_alfred/sens_de_la_vie/adler_le_sens_de_la_ vie.pdf
  • AILA. 2014. What is AILA. Website: aila.info/en/about.html. Acesso em: 2/03/2014.
    » aila.info/en/about.html
  • ALMEIDA, Fábio S. de. 2008. O que (não) é um RPG: polêmica e produção de sentidos em discursos sobre o role playing game. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • APRESJAN, Juri. 1980. Ideias e Métodos da Linguística Estrutural Contemporânea. São Paulo: Cultrix; Campinas: Fund. de Desenvolvimento da Unicamp.
  • BAALBAKI, Angela C. F. 2010. A revista Ciência Hoje das Crianças e o discurso de divulgação científica: entre o ludicismo e a necessidade. Tese de Doutorado. Niterói: UFF, 308 f.
  • BLOOMFIELD, Leonard. 1970 [1933]. Le Langage. Paris: Payot.
  • BRASIL. MEC. Documento de Área Letras / Linguística - CAPES 2013. Disponível em: www.capes.gov.br/component/content/article/44-avaliacao/4675-letraslingueistica. Acesso em: 07/03/2014.
    » www.capes.gov.br/component/content/article/44-avaliacao/4675-letraslingueistica
  • BUD, Robert. 2012. "Applied Science": a phrase in search of a meaning. Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/667977. Acesso em: 04/03/2014.
    » www.jstor.org/stable/10.1086/667977
  • BUSH, Vannevar. 1945. Science: the endless frontier. Disponível em: archive.org/details/scienceendlessfr00unit. Acesso em: 04/03/2014.
    » archive.org/details/scienceendlessfr00unit
  • CAVALCANTI, Marília. 2004. Applied Linguistics: Brazilian perspectives. AILA Review vol. 17. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing Company.
  • CARTA de FLORIANÓPOLIS - XXVIII Enanpoll. 2013.
  • CAZAU, Pablo. 2009. La Teoria del Caos. Disponível em: www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=152. Acesso em: 12/01/2014.
    » www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=152
  • CELANI, Maria Antonieta A. 1992. Afinal, o que é LA? In: PASCHOAL, M. S. Z.; CELANI, M. A. A. Linguística aplicada: da aplicação da linguística à linguística transdisciplinar. São Paulo: EDUC.
  • CHOMSKY, Noam. 1980. Estruturas sintáticas. Lisboa: Ed. 70.
  • DELEUZE, Gilles. 1979. Os Intelectuais e o Poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal.
  • _______; GUATTARI, Félix. 1995 [1980]. Introdução: Rizoma. In: DELEUZE, F.; GUATTARI, F. Mil PLatôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Trad. de Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa. São Paulo: Ed. 34.
  • DEUSDARÁ, Bruno R. 2011. Fazendo planos para a Educação: políticas do dizer e processos de subjetivação. Tese de Doutorado em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • DIAS. Rosane M. de M. 2008. A construção das normas: o trabalho de professores de espanhol como língua estrangeira (E/LE) junto a alunos deficientes visuais. Dissertação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. 201f.
  • GRABE, William. 2004. Perspectives in applied linguistics: a North American view. AILA Review vol. 17. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing Company.
  • FORTKAMP, Mailce B. M.; TOMICH, Maria. B. (Orgs.). 2000. Aspectos da linguística aplicada: estudos em homenagem ao professor Hilário Inácio Bohn. Florianópolis: Insular.
  • FREIRE, Maximina M.; VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helena; BARCELOS, Ana Maria F. (Orgs.). 2005. Linguística Aplicada e contemporaneidade. Campinas, SP: ALAB/Pontes.
  • GIORGI, Maria Cristina. 2012. Da Escola Técnica à Universidade ecnológica: o lugar da Educação de nível médio no plano de desenvolvimento instiitucional do CEFET/RJ. Tese de Doutorado em Letras Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal Fluminense.
  • GIRARD, Denis. 1975. Linguística aplicada e didáctica das línguas. Lisboa: Editorial Estampa.
  • HARRIS, Tony. 2002. Linguistics in Applied Linguistics: a Historical Overview. Journal of English Studies, v. 3. La Rioja: Universidad de La Rioja. Disponível em: publicaciones.unirioja.es/ojs-2.4.2/index.php/jes/article/view/72/52. Acesso em: 7/03/2014.
    » publicaciones.unirioja.es/ojs-2.4.2/index.php/jes/article/view/72/52
  • KASTRUP, Virgínia. 1999. A invenção de si e do mundo. Campinas, SP: Papirus.
  • KLEIMAN, Angela B. 1992. O ensino de línguas no Brasil: In: PASCHOAL, M. S. Z.; CELANI, M. A. A. Linguística aplicada: da aplicação da linguística à linguística transdisciplinar. São Paulo: EDUC, p. 25-36.
  • LUCIER, Paul. 2012. The origins of pure and applied science in gilded age America. Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/667976. Acesso em: 04/03/2014.
    » www.jstor.org/stable/10.1086/667976
  • LYONS, John. 1973. As idéias de Chomsky. São Paulo: Cultrix.
  • MAINGUENEAU, Dominique. 1996. Aborder la linguistique. Paris: Seuil.
  • MARTINET, André. 1969. Langue et Fonction. Paris: Denoël.
  • MATENCIO, Maria de Lourdes M. 2006. Formação do professor e representações sociais de língua(gem): por uma linguística implicada. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 8, p. 439-449.
  • MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. 1980- Autopoiesis and Cognition. The realization of the living. Dordrecht: D. Reidel.
  • MOITA-LOPES, Luiz Paulo da. 1996. Oficina de linguística aplicada. A natureza social e educacional dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas, SP: Mercado de Letras.
  • _______. (Org.). 2006. Por uma linguística aplicada indisciplinar São Paulo: Parábola.
  • OLIVEIRA, Marcos B. de. 1998. A Crise e o Ensino de Ciências. Educação & Sociedade, vol. 19 n. 62 Campinas. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73301998000100008. Acesso em: 05/02/2014.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73301998000100008
  • PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina B. 2000. A Construção do plano da Clínica e o Conceito de Transdisciplinaridade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 16, n. 1. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722000000100010&script=sci_arttext. Acesso em: 28/02/2014.
    » www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722000000100010&script=sci_arttext
  • PEREIRA, Regina Celi; ROCA, Pilar. (Orgs.). 2009. Linguística aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto.
  • RAJAGOPALAN, Kanavilil. 2003. Por uma linguística crítica. Linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola.
  • _______. 2006. Repensar o papel da Linguística Aplicada. In: MOITA LOPES Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola.
  • SANTOS, Boaventura de S. 2010 [1987]. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez.
  • SARANGI, Sarangi; CANDLIN, Christopher. 2011. Applied Linguistics and professional practice: Mapping a future agenda. Journal of Applied Linguistics and Professional Practice - JALPP, vol. 7.1. Sheffield: Equinox. Disponível em: www.equinoxpub.com/journals/index.php/JALPP/article/viewFile/9843/7747. Acesso em: 18/02/2014.
    » www.equinoxpub.com/journals/index.php/JALPP/article/viewFile/9843/7747
  • SAUSSURE, Ferdinand de. 1974 [1916]. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix.
  • SIGNORINI, Ines (Org.). 1998. Lingua(gem) e identidade. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras.
  • SMITH, Richard. 2000. 'Developing the History of Applied Linguistics': Introductory Remarks. Disponível em: warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collect/elt_archive/presentations/developing_history_of_ applied_linguistics. Acesso em: 20/02/2014.
    » warwick.ac.uk/fac/soc/al/research/collect/elt_archive/presentations/developing_history_of_ applied_linguistics
  • SZUNDY, Paula T. C. et alii (Orgs.). 2011. Linguística Aplicada e sociedade : ensino e aprendizagem de línguas no contexto brasileiro. Campinas, SP: Pontes
  • The ESPecialist. 1998. vol. 19, no. especial, São Paulo: Educ-PUC/SP.
  • TODOROV, Tzvetan. 1981. Mikhaïl Bakhtine - Le principe dialogique. Paris: Seuil.
  • 1
    A ideia deste artigo, bem como a de um segundo artigo que ora se encontra em fase de conclusão, teve origem em um curso de Linguística Aplicada ministrado em parceria pelos autores no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, no segundo semestre de 2012. Agradecemos aos alunos que lá estiveram compartilhando nossas inquietações e incentivando uma reflexão que se revelou bastante produtiva.
  • 2
    Em obra de 1786, intitulada Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft, Kant estabelecera a diferença entre reine Wissenschaft (ciência pura) e angewandte Vernunfterkenntnis (cognição racional aplicada), contexto no qual "aplicada" significava "aprendida empiricamente", e não "utilitária". (BUD, 2012)
  • 3
    A herança kantiana, decorrência direta de uma viagem de estudos de Coleridge na Alemanha, se consolidou na Encyclopaedia Metropolitana, obra que também contou com a intervenção de Coleridge como editor.
  • 4
    Neste contexto, "arte" deve ser entendida como "destreza", "capacidade especial", "dom".
  • 5
    Tradução nossa, procedimento a ser adotado em todo o artigo.
  • 6
    Engenheiro, diretor do Office of Scientific Research and Development, agência do governo norte-americano criada em maio de 1941 para coordenar pesquisa científica com fins militares durante a II Guerra Mundial.
  • 7
    O percentual de crescimento das demais áreas variou entre 63,9% e 94%.
  • 8
    Os fragmentos que reproduzimos de Richard Smith são suas observações como organizador e coordenador de uma mesa-redonda intitulada "Desenvolvendo a história da Linguística Aplicada", por ocasião do Simpósio Anual da Sociedade Henry Sweet para a História das Ideias Linguísticas, realizado na Universidade de Edinburgh em 21 de setembro de 2000.
  • 9
    Diferentemente desse modelo de cognição, a teoria da autopoiese (MATURANA & VARELA, 1980MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. 1980- Autopoiesis and Cognition. The realization of the living. Dordrecht: D. Reidel.) entende a cognição como enação: tomando por base a implicação e a interferência (e não a representação), o conhecimento é o responsável pela produção tanto do sujeito quanto do objeto, ou seja, não há precedência dos polos subjetivo e objetivo.
  • 10
    Deleuze e Guattari não chegam a definir o conceito de intercessores (usado sempre no plural). Recorremos a (Passos & Barros 2000PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina B. 2000. A Construção do plano da Clínica e o Conceito de Transdisciplinaridade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 16, n. 1. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722000000100010&script=sci_arttext. Acesso em: 28/02/2014.
    www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722...
    ) para tentar sistematizar a ideia desse conceito-ferramenta que, em uma relação de encontro, de interferência, de intervenção (ou ainda de contágio, de perturbação, de agenciamento) de um domínio sobre outro, logra produzir desestabilizações do pensamento, desnaturalizando-o e atualizando o devir. (Passos & Barros 2000PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina B. 2000. A Construção do plano da Clínica e o Conceito de Transdisciplinaridade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 16, n. 1. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722000000100010&script=sci_arttext. Acesso em: 28/02/2014.
    www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722...
    , p. 77) exemplificam: ao cruzar a história do cinema, intercessores relacionados à situação de guerra mundial produzem seus efeitos de crise / desestabilização da narrativa fílmica com as imagens sem reação do neorrealismo italiano.
  • 11
    Sobre a multiplicação de perspectivas epistemológicas (ou linhas temáticas) em torno do ensino / aprendizagem de línguas, ver (Harris 2002HARRIS, Tony. 2002. Linguistics in Applied Linguistics: a Historical Overview. Journal of English Studies, v. 3. La Rioja: Universidad de La Rioja. Disponível em: publicaciones.unirioja.es/ojs-2.4.2/index.php/jes/article/view/72/52. Acesso em: 7/03/2014.
    publicaciones.unirioja.es/ojs-2.4.2/inde...
    , p. 103).
  • 12
    Esses resultados parecem corroborar os de (Cavalcanti 2004CAVALCANTI, Marília. 2004. Applied Linguistics: Brazilian perspectives. AILA Review vol. 17. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing Company.) em texto publicado na edição de AILA Review que tematizou a linguística aplicada no mundo, por ocasião das comemorações dos 40 anos da AILA. No mesmo volume, a linguística aplicada praticada nos Estados Unidos parece indicar ser essa uma tendência mais ampla: "A pesquisa em aquisição de segunda língua é a maior subárea de pesquisa na Linguistica Aplicada norte-americana" (GRABE, 2004, p.109), sendo seguida por duas outras subáreas afins, a saber, leitura / escrita em L2 e ensino / aprendizagem de línguas.
  • 13
    O termo original em alemão, Gemeinschaftsgefuehl, vem recebendo diversas traduções em inglês: community feeling, social interest, social feeling, social sense, feeling of community, humanistic identification. Trata-se de um conceito que busca atenuar polarizações como sujeito versus sociedade.
  • 14
    Uma coisa, portanto, é o sentimento de inferioridade - produtivo enquanto expressão do homem diante de sua fragilidade no mundo - cuja intensidade vai diminuindo à medida que se logra produzir situações mais favoráveis; outra coisa é o complexo de inferioridade, resultante de uma ação insuficiente do homem para produzir coisas boas por lhe faltar o que Adler chama de "sentimento social". Neste caso, por mais que se tente fazer algo para superar a dificuldade encontrada, não se chega a um resultado compensador e, com isso, eterniza-se o sentimento de inferioridade. Multiplicam-se os fracassos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    Abr 2004
  • Aceito
    Jun 2014
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: delta@pucsp.br