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No movimento do caleidoscópio: Escalas sociolinguísticas e o ajuste de foco na pesquisa aplicada em linguagem

In the motion of the kaleidoscope: Doing sociolinguistic scales and refocusing in Applied Linguistics

RESUMO

Neste artigo, parto de um aspecto das reflexões teóricas e metodológicas de Marilda Cavalcanti em seu profícuo trabalho em linguística aplicada - sua atenção ao movimento, ao reajuste de foco e à linguagem não como objeto estático, mas como caleidoscópio de recursos - para fazer um exercício semelhante sobre o conjunto de interações, diálogos, tropeços, planos, fracassos e contínuos ajustes naquilo que chamamos de pesquisa de campo. A pergunta que este artigo faz é: se concebemos linguagem não como objeto fixo, estático e circunscrito, mas como um complexo sociolinguisticamente móvel de vozes, dimensões, espaços, tempos e interações, como evitar tomar como dadas ou reificadas as práticas comunicativas que observamos em nossos campos empíricos? Faço um retorno a minha trajetória de pesquisa sobre a violência na linguagem, mostrando como o foco foi continuamente se ajustando dos processos de dominação simbólica à resistência e à esperança (sem, ao mesmo tempo, desconsiderar a dominação). Concluo que o foco na desigualdade, embora legítimo e necessário, não pode eclipsar a produção de voz e agência no chão de fábrica da escola, do coletivo, da periferia, isto é, do campo de pesquisa.

Palavras-chave:
escalas sociolinguísticas; complexidade sociolinguística; Complexo do Alemão; esperança.

ABSTRACT

In this article, I draw from one aspect of Marilda Cavalcanti’s fruitful work in Applied Linguistics - her attention to movement, to readjusting focus, and to language not as a static object but as a kaleidoscope of resources - to carry out a similar exercise on the set of interactions, dialogues, missteps, plans, failures, and continuous adjustments of what we call field research. The question this paper asks is: If we conceive language not as a fixed, static and circumscribed object, but as a sociolinguistically mobile complex of voices, dimensions, spaces, times and interactions, how can we avoid taking as given or reified the communicative practices we observe in our empirical fields? I return to my research trajectory on violence in language, by demonstrating how the focus shifted from processes of symbolic domination to resistance and hope (without, at the same time, dismissing domination). I conclude that the focus on inequality, while a legitimate and necessary step, should not obscure the production of voice and agency on the ground of the school, the collective, the periphery, that is, the field of research.

Keywords:
Sociolinguistic scales; sociolinguistic complexity; Complexo do Alemão; hope.

Aí, maloqueiro! Aí, maloqueira! Levanta essa cabeça

Enxuga essas lágrimas, certo? (Você memo’)

Respira fundo e volta pro ringue (Vai)

AmarElo, Emicida

1. Línguas como caleidoscópios: Marilda Cavalcanti e a pesquisa de campo em linguagem como movimento

A contribuição de Marilda Cavalcanti ao campo da linguística aplicada é, nacional e internacionalmente, reconhecida por sua profícua produção científica, pelas pesquisadoras que formou, pelas lutas políticas que empreendeu (com grande impacto para a criação da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e do Departamento de Linguística Aplicada da Unicamp) e pelos projetos de pesquisa audaciosos que desenvolveu. Neste artigo, parto de um aspecto de suas reflexões teóricas e metodológicas - sua atenção ao movimento, i.e., ao “reajuste de foco” (Cavalcanti, 1996Cavalcanti, M. C. (1996). Collusion, Resistance, and Reflexivity: Indigenous Teacher Education in Brazil. Linguistics and Education, 8, 175-188.), à contínua vigilância aos riscos de naturalizar conceitos (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ) e à linguagem não como objeto estático mas como “conjunto de variáveis, intersecções, conflitos, contradições, socialmente constituídos ao longo da trajetória de qualquer falante” (César e Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. , p. 61; Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge.) - para fazer um exercício semelhante sobre o conjunto de interações, diálogos, tropeços, planos, fracassos e contínuos ajustes naquilo que chamamos de pesquisa de campo. A pergunta que este artigo faz é: se concebemos linguagem não como objeto fixo, estático e circunscrito, mas como um complexo sociolinguisticamente móvel de vozes, dimensões, espaços, tempos e interações, como evitar tomar como dadas ou reificadas as práticas comunicativas que observamos em nossos campos - nas escolas, nas periferias, nas mídias digitais, nos coletivos (ou em vários desses lugares a um só tempo)? Como evitar “aplicar” os modelos que aprendemos na academia a situações, redes e interações que parecem extrapolar esses modelos?

O trabalho de Marilda Cavalcanti é repleto de reflexões sobre como a abertura ao movimento e ao diálogo com a diferença modificaram o próprio direcionamento dos projetos de pesquisa por ela conduzidos. Por exemplo, em um relato sobre um curso de formação de professores em uma comunidade indígena guarani no interior de São Paulo, Cavalcanti (1996Cavalcanti, M. C. (1996). Collusion, Resistance, and Reflexivity: Indigenous Teacher Education in Brazil. Linguistics and Education, 8, 175-188.) aponta que uma sucessão de dificuldades, ansiedades e tropeços que foram interacionalmente surgindo no curso de formação de professores indígenas a fizeram “reajustar o foco”. Aos poucos, Cavalcanti (1996Cavalcanti, M. C. (1996). Collusion, Resistance, and Reflexivity: Indigenous Teacher Education in Brazil. Linguistics and Education, 8, 175-188., p. 175) e as outras formadoras foram percebendo que “os professores guaranis tinham uma agenda bastante diferente” da que elas haviam desenhado na universidade para o curso de formação2 2 Doravante, todas as traduções de excertos de textos consultados em língua estrangeira são feitas por mim. . Aos poucos, elas foram percebendo que os indígenas não estavam interessados na formação de professores em si, mas sim “em falar como vocês” (p. 186). Dito de outro modo, a agenda dos professores indígenas em formação não era aprender a “ser professor”, nos termos que o projeto de pesquisa original de Cavalcanti e suas colaboradoras previam, mas sim “investir em sua própria educação como potenciais líderes” (p. 186). As professoras-pesquisadoras e os indígenas, no entanto, não chegaram a esse acordo de forma simples e linear. Foi necessário experenciar e refletir sobre uma série de “mal entendidos” culturais - como silêncios mais longos entre turnos e evitação de olhar nos olhos por partes dos indígenas - de forma a aprender a interagir “de outro modo”. Esse aprender a agir de outra forma permitiu, então, que a mudança de foco fosse finalmente realizada:

Quando tentamos trazer essa questão de volta [i.e., o interesse dos indígenas não na formação dos professores e sim no aprendizado de um outro registro do português], os jovens guaranis foram evasivos. Eles disseram que poderiam se tornar professores um dia e terminaram a discussão. Então decidimos que deveríamos focar em desenvolver sua proficiência em português padrão e abandonar o projeto de formação de professores. Olhando em retrospectiva, é hoje para nós claro que a comunidade estava investindo em sua educação (ao se liberar de outros compromissos). Um ou dois deles poderiam se tornar professores, mas esse papel era visto como secundário em relação ao papel a ser desempenhado por líderes, que poderiam estabelecer elos com a sociedade dominante (p. 186).

Em uma coletânea organizada por Moita Lopes (2006), hoje pioneira no campo indisciplinar da linguística aplicada, Cavalcanti (2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ) reflete sobre essa experiência etnográfica e educacional com professores em formação indígenas como evidência de que, por mais bem intencionadas e sofisticadas sejam nossas teorias, “o que parece importante para o não indígena pode não sê-lo para o professor indígena” (p. 246). Em outras palavras, nosso campo - as situações complexas, situadas e múltiplas que encontramos no “chão de fábrica”, no mundo além muros da universidade - sempre excede a caixa de ferramentas teórico-metodológicas que trazemos da universidade, e estarmos abertos a nos modificarmos no diálogo com a diferença dos que habitam esse chão de fábrica é importante (ver, por exemplo, Tsing, 2022Tsing, A. (2022). O cogumelo no fim do mundo: Sobre a possibilidade da vida nas ruínas do capitalismo. N-1 Edições. ; Silva & Fabrício, 2020Silva, D. N., & Fabrício, B. (2020). Monólitos neoliberais, metamorfoses periféricas: Escala e precariedade no Rio de Janeiro e nos Estudos da Linguagem. In A. Butturi Junior, D. Scarso & J. L. Leme (Eds.), Antropoceno, biopolítica e pós-humano (pp. 169-206). Pontes Editores., 2021).

O que eu gostaria de enfatizar na reflexão de Cavalcanti é sobretudo a noção de conhecimento “em construção” que a autora sublinha. Com América César, Marilda Cavalcanti parte da própria “apropriação com modificação” que indígenas do Nordeste fazem do construto “ser falante de língua indígena” para repensar o próprio conceito de língua(gem) como movimento (ver César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. ). As autoras percebem entre os professores indígenas em formação um conjunto diverso de ideologias linguísticas sobre suas práticas comunicativas - a maioria das quais não coincidem com discursos científicos sobre a “língua” como sistema, por exemplo. Um exemplo são jovens pataxó que, recusando a assessoria técnica de linguistas e antropólogos, buscam construir uma gramática do Pataxó a partir de itens lexicais que eles extraem de diálogos com indígenas mais velhos. “Contraditoriamente” - para um/a linguista! - os jovens “purificam” os itens lexicais que identificam como Pataxó eliminando traços de contato com a língua Maxacali (do mesmo tronco Macro-Jê e geograficamente contígua), mas ao mesmo tempo hibridizando as formas Pataxó com a morfossintaxe do português. Se para o discurso da linguística o inventário produzido pelos indígenas não seria bem de uma “língua”, para esses jovens a gramática resultante é um emblema de identidade étnico - útil para uma série de coisas, entre elas a afirmação de sua identidade como indígenas. Ao mesmo tempo, os indígenas em formação enunciavam formulações associadas a outras ideologias linguísticas, como a de que seria necessário aprender a falar “a língua portuguesa, a variedade prestigiada [que] aparece como uma língua distante, língua estrangeira, a ‘língua do invasor’, do ‘colonizador’, do ‘branco’, que precisa ser apropriada como forma de emancipação, para o diálogo ou embate com não índios” (p. 58). Paradoxalmente, apontam as autoras, havia entre esses indígenas também o recurso ao que Maher (1996Maher, T. J. M. (1996). Ser professor sendo índio: questões de língua(gem) e identidade [Tese de doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. ) teorizou como “português indío” - “o uso que fazem da língua portuguesa no horizonte dos seus universos culturais” (César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. , p. 59).

Em vez de enxergar como contraditórias as três formulações diferentes acima sobre linguagem - língua indígena como compartimento, língua portuguesa como estrangeira, língua portuguesa como indígena -, César & Cavalcanti (2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. ) tomam essas diferentes posições (que são enunciadas contextualmente e de forma interessada) como indício de que o que chamamos de língua é um amálgama de recursos (e não um construto estático, fixo e linear). As autoras sugerem, então, a metáfora oportuna de línguas como “caleidoscópios” (ver também Cavalcanti e Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge.) para entender a emergência contextual e não unificada de visões distintas sobre linguagem. Nas palavras das autoras,

O caleidoscópio, sendo feito por diversos pedaços, formas e combinações, é um jogo de (im)possibilidades fortuitas e ao mesmo tempo acondicionadas pelo contexto e pelos elementos, um jogo que se explica sempre fugazmente no exato momento em que o objeto é colocado na mira do olho e a mão o movimenta; depois, um instante depois, já é outra coisa (César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. , p. 61).

As formulações sobre linguagem dos professores indígenas nordestinos são, como caleidoscópios, “contextuais”, “sempre fugazmente” se movendo quando colocamos o objeto “na mira do olho” e no movimento da mão. “Depois, um instante depois”, essas formulações já são outra coisa: se, para nossa formação linguística, línguas como “compartimentos” purificados contradizem o que aprendemos na academia, para os indígenas pataxó esse essencialismo tem uma função estratégia (ver argumento semelhante sobre purificação linguística estratégica nos trabalhos de Kroskrity (2009Kroskrity, P. (2009). Arizona Tewa Kiva speech as a manifestation of a dominant language ideology. In A. Duranti (Ed.), Linguistic anthropology: A reader (pp. 402-419). Wiley. ) com os índios Tewa do Arizona e Bonnin e Unamuno (2021Bonnin, J. E. (2021). Discourse analysis for social change: Voice, agency and hope. International Journal of the Sociology of Language, 267-268, 69-84) com índios da Argentina).

Diante das sugestões que Marilda Cavalcanti nos fez a voltarmos a atenção ao movimento, ao reajuste de foco e à sensibilidade à dinâmica contextual e “não unificada” dos recursos da linguagem, busco nas seções seguintes deste artigo fazer um exercício “metateórico e metametodológico” (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. , p. 233) sobre a pesquisa de campo que tenho realizado no Complexo do Alemão, um grupo de favelas no Rio de Janeiro. Meu foco em relação ao problema da violência na linguagem foi, contextualmente, mudando da violência simbólica contra os nordestinos e as nordestinas na mídia corporativa do Sudeste (Silva, 2012Silva, D. N. (2012). Pragmática da violência: o Nordeste na mídia brasileira. 7 Letras/Faperj. ) à escalada da violência contra moradores de favelas no Rio de Janeiro (Silva, 2022Silva, D. N. (2022). Papo Reto: The politics of enregisterment amid the crossfire in Rio de Janeiro. Signs and Society, 10(2), 239-264.; Silva, Facina & Lopes, 2015Silva, D. N., Facina, A., & Lopes, A.C. (2015). Complex territories, complex circulations: The “pacification” of the Complexo do Alemão in Rio de Janeiro. Pragmatics and Society, 6, 175-196. ; Silva & Maia, 2022Silva, D. N., & Maia, J. (2022). Digital rockets: Resisting necropolitics through defiant languaging and artivism. Discourse, Context & Media, 49, 100630.). Ao longo do tempo, meu diálogo com favelados e faveladas - cuja agenda não coincidia com os interesses da academia pelo estudo do sofrimento do outro como forma (às vezes contraditória) de denúncia de desigualdades (ver Robbins, 2013Robbins, J. (2013). Beyond the suffering subject: toward an anthropology of the good. Journal of the Royal Anthropological Institute, 19(3), 447-462.) - foi me levando a entender essa violência como pano de fundo contra o qual uma resistência cotidiana se constrói. Altamente contextual, gradual e não unificada, essa resistência linguística é fundamentalmente escalar ­- em linha, por exemplo, com estudos sobre escalas sociolinguísticas como os de Blommaert (2007Blommaert, J. (2007). Sociolinguistic Scales. Intercultural Pragmatics, 4(1), 1-19), Carr & Lempert (2016Carr, E., & Lempert, M. (2016). Introduction: Pragmatics of Scale. In E. S. Carr & M. Lempert (Eds.), Scale: Discourse and Dimensions of Social Life (pp. 1-18). University of California Press. ), Fabrício (2019Fabrício, B. F. (2019). Discourse circulation in news coverage of the Zika virus outbreak: Colonial geopolitics, biomediatization and affect. Discourse Context & Media, 30, 100289., 2021) e Windle & Moita Lopes (2021Windle, J., & Moita Lopes, L. P. (2021). Rescaling the global borderlands: Transperipheral projections from the heart of the Amazon? Language in Society, 2, 1-21.). Esse movimento tem me levado a entender esse processo de resistência linguística como esperança (e.g., Borba, 2019Borba, R. (2019). Injurious signs: The geopolitics of hate and hope in the linguistic landscape of a political crisis. In A. Peck, C. Stroud, Q. Williams (Eds.), Making Sense of People and Place in Linguistic Landscapes (pp. 161-181). Bloomsbury.; Lear, 2006Lear, J. (2006). Radical hope: Ethics in the face ofcultural devastation. Harvard University Press. ; Silva & Lee, 2021Silva, D. N., & Lee, J. (2021). “Marielle, presente”: Metaleptic temporality and the enregisterment of hope in Rio de Janeiro. Journal of Sociolinguistics, 25(2), 179-97 https://doi.org/10.1111/josl.12450.
https://doi.org/10.1111/josl.12450...
). Apresento algumas imagens produzidas por esse caleidoscópio no restante deste artigo.

2. Da escalada da violência às escalas da esperança

Iniciei estudos sobre violência e linguagem no doutorado em linguística que realizei no Departamento de Linguística da Unicamp sob orientação do professor Kanavillil Rajagopalan, entre 2006 e 2010. O Brasil vivia outro cenário econômico e político, de modo que me beneficiei de uma bolsa de estudos de um ano do programa de doutorado sanduíche da Capes, na Universidade da Califórnia em Berkeley, ocasião em que estudei com o professor Charles Briggs no Departamento de Antropologia daquela universidade, entre 2007 e 2008. Minha experiência em Campinas e Berkeley me permitiu avançar uma hipótese sobre o caráter a um só tempo destrutivo e produtivo da violência: no caso da violência simbólica contra nordestinos na mídia corporativa do Brasil - o tema de meu doutorado - percebi, nas análises dos materiais e nos diálogos que empreendi naqueles anos, que os nordestinos e as nordestinas eram posicionados/as de modo violento nas páginas de jornais e revistas não só para que se destruíssem certos aspectos de sua condição, mas também para que se produzissem determinado saber sobre esses seres vistos como abjetos (dos quais eu, como cearense, sou parte) e se constituísse, pela via da desidentificação com o Outro repugnante, uma esfera de viabilidade política e subjetiva do Brasil moderno, precisamente o Sudeste do Brasil (ver Silva, 2012Silva, D. N. (2012). Pragmática da violência: o Nordeste na mídia brasileira. 7 Letras/Faperj. e 2017Silva, D. N. (2017). The circulation of violence in discourse. In D. Silva (Ed.), Language and Violence: Pragmatic Perspectives (pp. 107-124). John Benjamins.).

Concluído o doutorado, tive a oportunidade de trabalhar na UNIRIO. Lá o saber etnográfico que aprendi em Berkeley se tornou prática. Em 2012, junto com a antropóloga Adriana Facina e a linguista Adriana Lopes, participei do projeto de pesquisa “Mapeamento da produção cultural e das práticas de letramento em três favelas do Complexo do Alemão, RJ”. Nosso intuito era inicialmente conhecer os saberes locais produzidos, em termos de produção escrita e cultural, nas favelas do Complexo do Alemão. A ONG Raízes em Movimento nos recebeu no território e articulou grande parte dos eventos e rodas de conversa que observamos no grupo de favelas. Dada nossa formação e a pesquisa anterior das duas Adrianas com o funk nas favelas do Rio de Janeiro (Facina, 2010Facina, A. (2010). “Eu só quero é ser feliz”: quem é a juventude funkeira no Rio de Janeiro. Revista Epos, 1, 218. ; Lopes, 2011Lopes, A. (2011) Funk-se quem quiser no batidão negro da cidade carioca. Bom Texto.), participamos de interações na favela não para delinear qualquer tipo de falta - de Estado, de educação, de cultura etc., como se depreende da expressão “comunidade carente”, por exemplo - mas como territórios de encontros, intensa produção cultural, mobilizações políticas e soluções para a vida cotidiana. Nossa ida ao campo, no entanto, coincidiu com a implantação das UPPs - Unidades de Polícia Pacificadora - no Complexo do Alemão e em outras favelas. As favelas que receberam UPPs compunham uma circunferência que seria batizada pela mídia corporativa de “cinturão de segurança” em torno dos aparatos para os megaeventos que se realizariam na cidade: a Jornada da Juventude de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Essa expressão foi utilizada pela primeira vez pelo jornal O Globo de 19/06/2011, numa matéria que indiciava o apoio da mídia corporativa às UPPs como estratégia de contenção de áreas vistas como origem da violência no Rio de Janeiro. Intitulada “Ocupação da Mangueira fecha cinturão em torno do Maracanã; Maré é desafio”, a matéria textualmente associa a estratégia de “pacificação” de favelas à rota dos megaeventos de 2013, 2014 e 2016. Eis o primeiro parágrafo:

A ocupação da Mangueira, realizada no domingo por cerca de 750 policiais civis e militares, com o apoio das Forças Armadas, abre espaço para o fechamento do cinturão de segurança em torno do palco principal da Copa do Mundo de 2014: o Maracanã. O mapa da cidade, no entanto, ainda traz pontos vulneráveis no caminho dos grandes eventos esportivos que se aproximam do Rio. Para a Copa, o Complexo da Maré é o último grande obstáculo: ocupado por traficantes, margeia a Linha Vermelha, principal ligação com o Aeroporto Tom Jobim. Para as Olimpíadas de 2016, há desafios pendentes como a Rocinha e o Vidigal, no meio do caminho entre a Zona Sul e a Barra, regiões que abrigarão provas dos Jogos (Gondin et al., 2011).

Recursos lexicais como “abrir espaço”, “palco principal”, “pontos vulneráveis no caminho” e “grande obstáculo” dão a ver a construção ideológica dos megaeventos como oportunidade para a cidade. Revelam ainda a constituição das favelas como “grande obstáculo” para os investimentos. O Complexo da Maré, por exemplo, é predicado como “ocupado por traficantes”, numa estratégia de generalização que toma a parte pelo todo, isto é, o “mundo do crime” (Feltran, 2011Feltran, G. (2011). Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de S. Paulo. Ed. da UNESP. ) pelo território. Mas não estaria o mundo do crime espalhado por toda a cidade? E por que não se nomeiam bairros como Leblon e Barra da Tijuca como “ocupados por traficantes”, já que alguns dos gerentes desses mercados ilegais vivem nesses locais?

Enquanto frequentávamos o campo, sabíamos que essas formas de referir e predicar andavam de mãos dadas com interesses políticos e econômicos diversos que subjaziam à “pacificação” (ver Gaffney, 2013Gaffney, C. (2013). Between Discourse and Reality: The Un-Sustainability of Mega-Event Planning. Sustainability, 5, 3926-3940. ; Grassiani & Muller, 2019Grassiani, E., & Müller, F. (2019). Brazil-Israel Relations and the Marketing of Urban Security Expertise. Latin American Perspectives, 46(3), 114-130.; Machado da Silva & Menezes, 2019Machado da Silva, L. A., & Menezes, P. (2019). (Des)continuidades na Experiência de ‘Vida sob Cerco’ e na ‘Sociabilidade Violenta’. Novos Estudos, 38(3), 529-51. ). A mídia corporativa foi definitivamente uma das grandes apoiadoras do projeto. Por exemplo, Miriam Leitão, uma importante colunista do Jornal O Globo e comentarista dos vários telejornais do grupo, escreveu o prefácio à autobiografia de José Mariano Beltrame (2014Beltrame, J. M. (2014). Todo dia é segunda-feira. Sextante.), o secretário de segurança do Rio de Janeiro que implantou as UPPs e coordenou o projeto até sua saída do governo, após as Olimpíadas de 2016. Ela escreve que, anteriormente à “pacificação”, as favelas eram como que “terra estrangeira” em próprio solo brasileiro; elas não pertenceriam ao Estado, e o “mundo do crime” seria o seu regulador. Nas palavras da jornalista:

O Brasil havia aceitado que, no Rio de Janeiro, a polícia só daria rápidas investidas em certas favelas, mas não poderia se estabelecer. O Estado não poderia ficar nessas áreas, as empresas formais não fariam negócios, serviços não seriam prestados. A imprensa vivia o dilema: pedir autorização a bandidos para subir os morros cariocas ou não cobrir os eventos locais? Aceitar como terra estrangeira parte do nosso próprio solo? Era mais seguro destacar um correspondente para países em guerra que mandar um enviado especial às favelas do Rio (Leitão, 2014, p. 10).

As narrativas da mídia corporativa e de considerável parte dos espaços de classe média que frequentávamos - que, grosso modo, posicionavam as favelas “como terra estrangeira”, espaços da violência apartados da cidade - colidiam com aquelas que ouvíamos no campo. De forma geral, os moradores resistiam ao estigma e se afirmavam como sujeitos de direitos, participantes da cidade. Assim, na pesquisa que realizamos durante o projeto do mapeamento cultural, procuramos observar uma outra escala da política de “pacificação”. Interessava-nos entender como os moradores resistiam à criminalização e mobilizavam recursos para florescer como indivíduos e como grupo.

Dado que ela se mostrou saliente nos anos iniciais no campo, a questão da escala (Blommaert, 2007Blommaert, J. (2007). Sociolinguistic Scales. Intercultural Pragmatics, 4(1), 1-19; Carr & Lempert, 2016Carr, E., & Lempert, M. (2016). Introduction: Pragmatics of Scale. In E. S. Carr & M. Lempert (Eds.), Scale: Discourse and Dimensions of Social Life (pp. 1-18). University of California Press. ; Fabrício, 2019Fabrício, B. F. (2019). Discourse circulation in news coverage of the Zika virus outbreak: Colonial geopolitics, biomediatization and affect. Discourse Context & Media, 30, 100289., 2021; Windle & Moita Lopes, 2021Windle, J., & Moita Lopes, L. P. (2021). Rescaling the global borderlands: Transperipheral projections from the heart of the Amazon? Language in Society, 2, 1-21.) se mostrou relevante para entender a “pacificação” como constituída por “variáveis, intersecções, conflitos (e) contradições” (César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. , p. 61). Passo agora a um resumo sobre o modo como, contextual e gradualmente, passei a entender as escalas sociolinguísticas que mediavam a violência e a “pacificação”.

3. Escalas sociolinguísticas

Talvez a definição mais sintética e direta da noção de escala em ciências sociais seja a de Marylin Strathern (2004Strathern, M. (2004). Partial Connections. AltaMira Press. , p. xv), segundo a qual escala é “a organização de perspectivas sobre objetos de conhecimento e investigação”. Assim, escalas são, grosso modo, formas de mensurar e tornar um objeto de conhecimento ou um feixe de tais objetos socialmente significativos. Em 2007, Jan Blommaert lançou a proposta de escalas sociolinguísticas aos estudos da linguagem. A proposta original de Blommaert era a de estimular a introdução de uma metáfora vertical adicional em sociolinguística, um campo já repleto de metáforas horizontais como ‘distribuição linguística’, ‘contato linguístico’, ‘comunidade de fala’ etc. (Blommaert, 2010Blommaert, J. (2010) Sociolinguistics of Globalization. Cambridge University Press. ; César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. ; Jacquemet, 2005Jacquemet, M. (2005). Transidiomatic practices: Language and power in the age of globalization. Language & Communication, 25(3), 257-277.). Nos termos de Blommaert (2007Blommaert, J. (2007). Sociolinguistic Scales. Intercultural Pragmatics, 4(1), 1-19, p. 1), escalas sociolinguísticas representam um eixo vertical - a um só tempo multinivelado e multi-hierárquico - a partir do qual as escalas dos fenômenos horizontais “operam e têm valor e validade”.

Poder e desigualdade, assim, estavam na base dessa proposta original do sociolinguista belga. Naquele artigo original, Blommaert ofereceu um exemplo prototípico do funcionamento de escalas na interação. Imagine-se a seguinte conversa entre um/a estudante de pós-graduação (E) e seu/sua orientador/a (O):

E: Eu vou começar minha tese com um capítulo que descreve minha pesquisa de campo.

O: Nós começamos nossas teses com um capítulo de revisão da literatura aqui.

(Blommaert, 2007Blommaert, J. (2007). Sociolinguistic Scales. Intercultural Pragmatics, 4(1), 1-19, p. 6)

No exemplo de Blommaert, O, ao recorrer a operações linguístico-pragmáticas (ele/ela substitui os pronomes “eu” e “meu” por ‘nós’ e ‘nossas’, introduz o advérbio dêitico ‘aqui’ e modifica o sintagma ‘pesquisa de campo’ por ‘revisão da literatura’) e genéricas (o estilo centrado no ‘eu’ individual dá lugar a um estilo ancorado no ‘nós’ institucional) muito simples, redefine o esquema de participação na interação. O footing (Goffman, 2002Goffman, E. (2002). Footing. In B. Ribeiro & P. Garcez (Eds.), Sociolinguística interacional (pp. 107-148). Loyola. ) ou alinhamento dos participantes quanto ao modo como a tese “deve” ser escrita é redefinido pelo/a orientador/a. Na proposta de Blommaert, a mudança de turno entre um participante e outro é feita num espaço vertical, hierárquico, investido de poder, i.e., há aí um salto entre escalas diferentes. Originalmente, escala, para Blommaert, é uma forma de imaginar o espaço e o tempo como forças agentivas, verticais e hierarquizadas: o fluxo da conversa, que Saussure imagina ser linear e, portanto, horizontal, é aqui imaginado também como vertical. Além disso, na visão inicial de Blommaert, os enunciados do/a orientador/a poderiam ser vistos como tipo (type) e os do/a orientando/a como ocorrência (token), isto é, o “poder” tipificaria, definiria o escopo e a produtividade das ocorrências de enunciados subsequentes (da conversa e da tese).

Após essa proposta inicial, o conceito de escalas sociolinguísticas foi amplamente utilizado nos estudos da linguagem, mas Blommaert viria depois a revisar o conceito. Em 2015Blommaert, J., Westinen, E., & Leppänen, S. (2015). Further notes on sociolinguistic scales. Intercultural Pragmatics , 12(1), 119-127., ele viria a publicar dois artigos (Blommaert, 2015Blommaert, J. (2015). Chronotopes, Scales, and Complexity in the Study of Language in Society. Annual Review of Anthropology, 44, 105-116. e Blommaert, Westinen & Leppanen, 2015Blommaert, J., Westinen, E., & Leppänen, S. (2015). Further notes on sociolinguistic scales. Intercultural Pragmatics , 12(1), 119-127.) que visavam “corrigir” alguns aspectos vistos por ele e suas colaboradoras como problemáticos na proposta inicial. Permita-me citar um excerto maior da autocrítica de Blommaert:

O artigo de 2007 foi uma tentativa desajeitada e totalmente infrutífera, alcançando talvez pouco mais do que uma certa aceitação da necessidade de se considerar a natureza não unificada da produção de sentido em uma sociolinguística da globalização. Foram feitas várias tentativas para refinar a noção (vejam-se notavelmente os artigos de Collins et al. (2009Collins, James, Slembrouck S., &, Baynham, M. (Eds.). (2009). Globalisation and language in contact: Scale, migration, and communicative practices. Continuum.); veja-se Kell (2013Kell, C. (2013). Ariadne’s thread: Literacy, scale and meaning making across space and time. Working Papers in Urban Language and Literacies, Paper 118.) para um levantamento crítico). Alguns autores tentaram ater-se aos aspectos espaciais da comunicação - escala como o escopo distributivo dos discursos, por exemplo - enquanto outros se satisfizeram em ver escala como uma forma de capturar as relações type-token (de tipo e ocorrência) na linguagem (tornando cada instância de produção de significados, de assimilação de significado por um interlocutor, uma instância de escala), ou como uma forma de conectar enunciados individuais - o aspecto ‘micro’ da sociolinguística - com normas, padrões, políticas e instituições, os aspectos ‘macro’ (Blommaert, Westinen & Leppanen, 2015Blommaert, J., Westinen, E., & Leppänen, S. (2015). Further notes on sociolinguistic scales. Intercultural Pragmatics , 12(1), 119-127., p. 121).

Confesso que tentativas minhas de empregar o conceito de escala em minhas análises de eventos no campo resultaram em tentativas de linearizar o significado local e conectá-lo a ‘macro’ escalas: assim, busquei ver instâncias de discordância interacional sobre significados locais (por exemplo, um comentário sobre a distribuição irregular de água na favela, feito por uma participante de classe média em uma roda de conversa, percebido como um “ataque” por um morador da favela - o que a participante tenta retificar, apontando que ela apenas queria entender qual a regularidade do fornecimento de água)3 3 Este dado é narrado em detalhe em Silva, Facina & Lopes (2015, p. 186-189). . Ambos os participantes estariam se movendo em enunciados cronotópicos, semiotizados de forma hierárquica: a participante de classe média vista como alguém “de cima” que estaria invocando pressuposições de outro tempo e espaço (dos bairros e discursos de classe média, por exemplo), em contraste com o morador do Complexo do Alemão, posicionado como alguém cujo discurso indicia um espaço e tempo da denúncia de desigualdades e da cooperação periférica. A instância de conflito entre os dois participantes indica que essas pressuposições não funcionam de forma homogênea ou linear: no dado interacional, depois que a participante de classe média se desculpa e esclarece que seu objetivo não era avaliar negativamente, os dois participantes passam a conjuntamente construir o significado interacional.

A complexidade de um breve momento de conflito interacional (ou “mal entendido”, ver Pinto, 2001Pinto, J. (2001). Pragmática. In F. Mussalin & A. C. Bentes (Eds.) Introdução à Linguística: domínios e fronteiras (pp. 47-68). Cortez.) aponta que a noção de escala é muito mais do que uma relação linear entre tipo e ocorrência, ou do que indiciamento, no ‘micro’, de aspectos ‘macro’. Na revisão do conceito, Blommaert propõe que escala se refere a “escopo de entendimento” (Blommaert, Westinen & Leppanen, 2015Blommaert, J., Westinen, E., & Leppänen, S. (2015). Further notes on sociolinguistic scales. Intercultural Pragmatics , 12(1), 119-127.). Para oferecer outro exemplo do autor, uma narrativa que comece com “era uma vez” invoca esquemas relativamente estáveis de personagens (princesas, dragões, anões, fadas etc.), enredo (sucessão de ações envolvendo mágica, feitiços, lutas), universo moral (do tipo bem e mal) e desfecho (“e viveram felizes para sempre”) que funcionam, nos termos de Bakhtin (1981Bakhtin, M. (1981). The Dialogic Imagination. University of Texas Press. ), como índices organizadores da narrativa. O acesso aos índices que um cronotopo fornece, no entanto, é desigualmente distribuído socialmente - daí a importância de incluir escalas, como escopo de entendimento de cronotopos, na compreensão de como atores sociais invocam determinados esquemas de espaço, tempo e pessoa na prática discursiva. Como argumenta Blommaert (2015Blommaert, J. (2015). Chronotopes, Scales, and Complexity in the Study of Language in Society. Annual Review of Anthropology, 44, 105-116., p. 113), “eu posso ter vivido eventos históricos importantes - contextos disponíveis para mim - mas se não disponho dos recursos reais para narrar esses eventos de modo que sua importância ressoe em meus interlocutores - uma questão de acessibilidade - eu irei provavelmente acabar falando para mim mesmo”. Um exemplo adicional que o autor oferece tem a ver com a disponibilidade “cognitiva” de nomes de cidades na Europa para uma pessoa da Europa Ocidental:

Na Europa Ocidental mais pessoas seriam capazes de se basear num conjunto de inferências sobre lugares como Londres e Paris (mesmo que nunca tenham visitado estes lugares) do que, digamos, em lugares como Bielefeld na Alemanha ou Gijon na Espanha. Falar sobre Bielefeld e Gijon, consequentemente, exigirá cada vez mais informação detalhada e explícita do que falar sobre Paris e Londres, uma vez que podemos esperar que mais pessoas tenham prontamente disponíveis associações (estereotipadas) sobre Paris e Londres do que sobre Bielefeld e Gijon. Paris e Londres são mais pressuponíveis como signos do que Bielefeld e Gijon. Paris e Londres, consequentemente, operam semioticamente numa escala superior à de Bielefeld e Gijon - têm um maior alcance de compreensibilidade (Blommaert, Westinen & Leppanen, 2015Blommaert, J., Westinen, E., & Leppänen, S. (2015). Further notes on sociolinguistic scales. Intercultural Pragmatics , 12(1), 119-127., p. 123).

Essa questão do “escopo de entendimento” ou “alcance de compreensibilidade” é a um só tempo cognitiva, semiótica e social. O fato de Paris e Londres estarem numa escala superior - i.e., o fato de podermos fazermos inferências mais facilmente sobre elas, mesmo não tendo estado lá - do que Bielefeld e Gijon têm a ver com a comunicabilidade (Briggs, 2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580.) que se construiu historicamente sobre elas. Essas cidades estão ligadas a produções de discurso sobre o lugar - e sobre produção de valor econômico e simbólico sobre esse lugar - numa escala inferior a Bielefeld e Gijon. A proliferação ou infecciosidade desses nomes - o que tem a ver com o sentido médico de “comunicável” (ver definição abaixo conforme Briggs, 2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580.) - participa do próprio modo como organizamos mapas cognitivos sobre o mundo, do modo como determinados signos se tornam disponíveis para nossa ação semiótica, e também do acesso desigual a essas pressuposições.

Em meu trabalho no campo e na análise do campo que empreendi nesses três anos, busquei observar outros escopos de compreensibilidade sobre a favela. Alguns desses escopos dizem respeito à própria invenção da favela como lugar de cooperação e de resistência à violência de Estado. Vale lembrar que a primeira nomeação do Morro da Providência como Morro da Favella, ao final do século XIX, está enredada em um processo de comunicabilidade e mediação semiótica. Gonçalves (2018Gonçalves, R. (2018). Favelas no Rio de Janeiro: História e direito. Pallas & PUC-Rio.) conta que o termo favela certamente advém da Guerra de Canudos (1896-1897):

Naquela região do sertão do estado da Bahia, existia um morro chamado Favella, talvez porque fosse coberto por uma espécie de planta cujo nome era justamente “favella” (Jathropa phyllaconcha), uma euforbiácea bastante comum nas regiões Nordeste e Sudeste do país. Os soldados que retornavam da guerra se estabeleceram, com a tolerância do Exército, no Morro da Providência, que se encontra atrás do prédio do antigo Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro. Em alusão a essa campanha militar, o morro passou a ser conhecido como o “Morro da Favella”. A partir da segunda década do século XX, esse termo passou a designar todas as habitações precárias do mesmo tipo espalhadas nos diversos morros da cidade (Gonçalves, 2018Gonçalves, R. (2018). Favelas no Rio de Janeiro: História e direito. Pallas & PUC-Rio., p. 44).

Publicada pela primeira vez em 1902, a obra Os sertões, de Euclides da Cunha, foi fundamental para a popularização e, portanto, para a pressuposição da favela como território antimoderno, fincado no meio de um Brasil que se modernizava. Licia Valladares (2005Valladares, L. (2005). A invenção da favela: Do mito de origem a favela.com. FGV Editora.) aponta duas razões interessantes para a generalização do termo favela para os outros conglomerados de habitações autoconstruídas em espaços da cidade ocupados ilegalmente: “1ª) a planta favella, que dera seu nome ao Morro da Favella - situado no município de Monte Santo no Estado da Bahia - [era] também encontrada na vegetação que recobria o Morro da Providência; e 2ª) a feroz resistência dos combatentes entrincheirados nesse morro baiano da Favella, durante a guerra de Canudos, [...] retarda[ou] a vitória final do exército da República” (p. 29). Processos paralelos de iconização e indexicalidade (Peirce, 1955Peirce, C. S. (1955[1897]). Logic as semiotic: the theory of signs. In J. Buchler (Ed.), Philosophical writings of Peirce. Dover Publications. ; Gal & Irvine, 2019Gal, S., & Irvine, J. (2019). Signs of difference: Language and ideology in social life. Cambridge University Press. ) participaram da comunicabilidade do nome “favella”: em termos indiciais, a mesma planta podia ser vista nos dois morros, na Bahia e no Rio de Janeiro; em termos icônicos, ambos os morros iconizavam resistência à ordem estabelecida. Essa resistência, porém, não deve ser vista aqui em seu sentido político atual, mas sim como regresso, como modo de habitar um lugar visto como inferior. Trata-se de resistência a uma ordem tida como moderna. Licia Valladares exemplifica essa pressuposição de inferioridade em uma crônica de João do Rio, publicada no jornal Gazeta de Notícias, em 1908. Intitulando-a de “Os livres acampamentos da miséria”, João do Rio relata sua visita ao Morro de Santo Antônio, “que havia sido favelizado, assim como o Morro da Providência, durante os últimos anos do século XIX” (Valladares, 2005Valladares, L. (2005). A invenção da favela: Do mito de origem a favela.com. FGV Editora., p. 30). Nas palavras de João do Rio:

Eu tinha do morro de Santo Antônio a ideia de um lugar onde pobres operários se aglomeravam à espera de habitações, e a tentação veio de acompanhar a seresta. (...) O morro era como qualquer morro. Um caminho amplo e mal tratado, descobrindo de um lado, em planos que mais e mais se alargavam, a iluminação da cidade. (...) Acompanhei-os e dei num outro mundo. A iluminação desaparecera. Estávamos na roça, no sertão, longe da cidade. O caminho que serpeava descendo era ora estreito, ora largo, mas cheio de depressões e buracos. De um lado e de outro casinhas estreitas, feitas de tábuas de caixão, com cercados indicando quintais. A descida tornava-se difícil.

Continua o autor:

Como se criou ali aquela curiosa vila de miséria indolente? O certo é que hoje há, talvez, mais de mil e quinhentas pessoas abrigadas lá por cima. As casas não se alugam, vendem-se. (...) o preço de uma casa regula de 40 a 70 mil réis. Todas são feitas sobre o chão, sem importar as depressões do terreno, com caixões de madeira, folhas-de-flandres, taquaras. (...) Tinha-se, na treva luminosa da noite estrelada, a impressão lida na entrada do arraial de Canudos ou a funambulesca ideia de um vasto galinheiro uniforme (João do Rio, 1908, apud Valladares, 2005Valladares, L. (2005). A invenção da favela: Do mito de origem a favela.com. FGV Editora., p. 30).

A crônica “Os livres acampamentos da miséria” é bastante significativa porque ela denuncia uma acumulação histórica (Derrida, 1991Derrida, J. (1991). Assinatura acontecimento contexto. In J. Derrida, Limited inc (pp. 11-37). Papirus. ; Butler, 1997Butler, J. (1997). Excitable speech: a politics of the performative. Routledge. ). Particularmente, ela denuncia a mediação textual dessa acumulação: João do Rio relata que “a impressão lida na entrada do arraial de Canudos” o surpreendeu na visita ao Morro Santo Antônio. A atividade escalar de João do Rio - a atividade de fazer sentido do morro e de mensurá-lo em relação a outras grandezas - é, portanto, mediada por discursos comunicáveis. Euclides da Cunha havia legitimado certa visão da oposição entre litoral e sertão: o primeiro visto como epítome do progresso e das relações do Brasil com a Europa; o segundo visto como território pré-moderno, rural, subdesenvolvido. João do Rio confirma a força da pressuposição euclidiana: ele percebe o Morro de Antônio como a “roça, [o] sertão, longe da cidade.” As formas de predicar esse “outro mundo” - como lugar “de miséria indolente”, “um vasto galinheiro uniforme” - indicam o conjunto de valores que se cristalizavam com as pressuposições que se tornavam disponíveis com a publicação de Os sertões, com os discursos higienistas que denunciavam o “problema” da pobreza, com a solidificação de discursos que comparavam a negritude e a favela à animalidade e à miséria.

Datada de 1908, a descrição de João do Rio sobre o Morro de Santo Antônio soa incrivelmente atual. Jogando com os termos propostos por Blommaert e suas colaboradoras, parece-nos que há uma escala durável em questão. O escopo de compreensibilidade citado por João do Rio - o autor diz textual e sinestesicamente que leu sua impressão da favela visitada em Os Sertões - faz parte de um processo comunicável. Em 2021, com Branca Fabrício resumi o conceito de comunicabilidade, tal como Briggs (2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580.) o propôs. Tomo a liberdade de reproduzir o resumo aqui, de forma a criar nexo sobre como fui contextual e gradualmente entendendo as escalas da violência simbólica e empírica contra moradores de favelas:

Briggs sugere que as narrativas se tornam comunicáveis em seu enredamento com meta-narrativas que projetam trajetórias de recepção e convidam as pessoas a ocupar dimensões da vida social de formas particulares. O conceito faz um trocadilho com o sentido médico de “comunicável”: diz-se que uma doença é comunicável quando é contagiosa. Briggs (2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580., p. 556) combina assim sentidos metafísicos de comunicabilidade como “algo que é prontamente comunicado e compreendido” e os usos médicos do termo, que se referem à “capacidade de propagação dos micróbios”. Esse conceito metacomunicativo sugere que “a comunicabilidade é infecciosa - a forma como os textos e as ideologias encontram o público e o localizam social/politicamente” (Briggs, 2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580., p. 556).

Para resumir um processo que está longe de ser simples, a comunicabilidade envolve quatro componentes: Primeiro, Briggs (2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580., p. 556) assinala que se trata de um processo reflexivo de uso da linguagem, “referindo-se a construções socialmente situadas de processos comunicativos - formas pelas quais as pessoas imaginam a produção, circulação, e recepção de discurso”. Segundo, as cartografias de comunicabilidade estão “situadas dentro daquilo que Bourdieu (1993Bourdieu, P. (1993) The field of cultural production: Essays on art and literature. Columbia University Press. ) chama campos sociais, arenas de organização social que produzem papéis sociais, posições, agência e relações sociais e que moldam (sem determinar) a forma como indivíduos e coletivos são interpelados por tais campos e os ocupam” (Briggs, 2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580., p. 556). Terceiro, as cartografias comunicáveis são “cronótopos (Bakhtin, 1981Bakhtin, M. (1981). The Dialogic Imagination. University of Texas Press. ), que projetam o discurso como emergindo de lugares particulares (clínicas, laboratórios, unidades académicas, etc.), como viajando por locais particulares (tais como conferências, salas de aula, jornais e Internet) e atividades (entrevistas, análise e publicação de dados etc.) e como sendo recebido em outros (cafeterias, casas, carros e escritórios)” (Briggs, 2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580., p. 556). Quarto, Briggs comenta finalmente que do mesmo modo que a comunicabilidade é um processo “poderoso” e “modelador”, é também “contestável”. Em suas palavras: “apesar da sua base nas desigualdades materiais e institucionais, os mapas comunicáveis produzem efeitos à medida que as pessoas respondem às formas como os textos procuram interpelá-las - inclusive pela recusa a ocupar as posições a elas oferecidas, pela revisão crítica desses mapas ou por sua completa rejeição” (Briggs, 2007Briggs, C. (2007). Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society. Current Anthropology, 48(4), 551-580., p. 556) (Silva & Fabrício, 2021Silva, D. N., & Fabrício, B. (2021). Self-containment and contamination: Two competing circuits of adaptability. In D. Silva & J. Mey (Eds.), The Pragmatics of Adaptability (pp. 117-141). John Benjamins Publishing Company., p. 131).

A proposta de Blommaert sobre escalas e as evidências textuais que busquei apresentar aqui apontam para importantes camadas e nuance dos processos de dominação na sociedade. Em primeiro lugar, podemos perceber com uma certa clareza que o estigma é, pelo menos em parte, textualmente mediado, como podemos perceber nas cadeias de citação a Euclides da Cunha nos modos de citar a favela, desde João do Rio em 1908 até as citações contemporâneas na mídia corporativa que apresento no texto acima. Em segundo lugar, produzir uma determinada escala sobre um enunciado (ou sobre um texto, ou sobre um problema social etc.) significa adentrar em um terreno onde atuam questões de disponibilidade cognitiva ou semiótica de conceitos ou unidades textuais e de acesso a essas unidades (creio haver abordado com certo detalhamento a questão da disponibilidade; o acesso se encontra mais elaborado abaixo). Terceiro, disponibilidade e acesso, questões relativas a escala, são parte de construções comunicáveis, isto é, são, como Briggs apontou, processos reflexivos ou metapragmáticos, são campos sociais, são semiotizacões de espaço e tempo, são formas de interpelação e, finalmente, são processos sujeitos a contestação.

Creio que o último elemento - contestação - tem a ver com algo que eu presenciei em quase todos os cursos de formação, grupos focais, entrevistas e demais interações de que participei com os/as ativistas do Complexo do Alemão. Seguindo um movimento de pesquisas bastante intenso em ciências humanas, “contestação” é um outro nome para a esperança como método (Miyazaki, 2004Miyazaki, H. (2004). The method of hope: Anthropology, philosophy, and Fijian knowledge. Stanford University Press. ), razão prática (Bloch, 1986Bloch, E. (1986). The principle of hope. The MIT Press.) e modo situado de resistir a condições de precariedade, incerteza ou violência (Borba, 2019Borba, R. (2019). Injurious signs: The geopolitics of hate and hope in the linguistic landscape of a political crisis. In A. Peck, C. Stroud, Q. Williams (Eds.), Making Sense of People and Place in Linguistic Landscapes (pp. 161-181). Bloomsbury.; Bonnin, 2021Bonnin, J. E. (2021). Discourse analysis for social change: Voice, agency and hope. International Journal of the Sociology of Language, 267-268, 69-84; Heller & McElhinny, 2017Heller, M., & McElhinny, B. (2017). Language, capitalism, colonialism: Toward a critical history. University of Toronto Press.; Lear, 2006Lear, J. (2006). Radical hope: Ethics in the face ofcultural devastation. Harvard University Press. ; Silva & Alencar, 2018Silva, D. N., & Alencar, C. (2018). Arranjos violentos e esperança: Como a linguagem dos direitos humanos operou num atentado em Fortaleza, CE. Trabalhos em Linguística Aplicada, 57(2), 675-698. https://doi.org/10.1590/010318138652730402141.
https://doi.org/10.1590/0103181386527304...
; Silva & Lee, 2021Silva, D. N., & Lee, J. (2021). “Marielle, presente”: Metaleptic temporality and the enregisterment of hope in Rio de Janeiro. Journal of Sociolinguistics, 25(2), 179-97 https://doi.org/10.1111/josl.12450.
https://doi.org/10.1111/josl.12450...
). “Contestação” é sobretudo o que move a intensa atividade política e epistêmica que venho testemunhando no Complexo de favelas do Alemão, desde 2012, quando pela primeira vez subi o morro. Venho percebendo um outro tipo de escala, uma outra construção comunicável, que me dedico a narrar na seção seguinte.

4. Contestação e escalas horizontais

Inicialmente, pensei de dar o nome de “escalas sociolinguísticas horizontais” à contestação a essa escala durável que produz os tipos de pressuposição que exemplifiquei anteriormente: a favela vista como “obstáculo”, “terra estrangeira”, “outro mundo”, “acampamento da miséria”, “vasto galinheiro uniforme”. Os ativistas de direitos humanos do Complexo do Alemão com quem venho interagindo contestam esse estigma e procuram promover acesso não apenas a outras representações, mas também a recursos materiais e simbólicos, como emprego, renda e formação escolar. Os moradores da favela com quem tive contato a partir desses ativistas - isto é, a partir da ONG Raízes em Movimento, que medeia meu acesso ao território - também, em sua maioria, contestam esse estigma. Para dar nuance a essa contestação, em vários momentos pensei na noção de horizontalidade (tal como ela comparece, por exemplo, no trabalho de Brown & Gilman (1960Brown, R., & Gilman, A. (1960). The pronouns of power and solidarity. In T. A. Sebeok (Ed.), Style in language (pp. 252-281). MIT Press.) como elemento para entender, na alternância de pronomes de tratamento, a escala da “solidariedade”, em oposição à escala do “poder”).

A ideia de horizontalidade emergiu contextualmente em diversas situações no campo. Por exemplo, em novembro de 2012, ela surgiu em entrevista que fizemos com um jovem morador do Complexo do Alemão, MC Calazans. Membro do Raízes em Movimento, Calazans era à época estudante de Serviço Social na UFRJ. Na entrevista, ele respondeu à pergunta de Adriana Facina sobre a sua visão da produção de cultura na favela dizendo que, antes de tudo, cultura na favela é “cultura de sobrevivência”:

É, eu acho assim, cultura no Complexo do Alemão, não existiria Complexo do Alemão se não fosse a cultura, daí não só a cultura artística, é… sabe? Do grafitti, do rap, do pagode e do samba. Não. Eu acho que é uma cultura de sobrevivência, por exemplo, o “gato net”, o “gato net” nada mais é do que uma cultura de universalizar o acesso à internet, né, o “gato luz”, nada mais é do que uma cultura de sobrevivência pra universalizar o acesso à luz, né? Cultura da favela, do Complexo do Alemão principalmente, ela sempre saiu da solidariedade, então assim, se você que mora embaixo do morro, tem uma internet, eu que moro aqui no pico da grota tenho que ter, né? Então pega, faz os fiozinhos e vai engatando até chegar lá, né? Se você mora no pé do morro e tem saneamento básico, mano, puxa o caninho lá da puta que pariu e vem emendando, vem fazendo gato, vem passando perrengue, né, então essa cultura que eu acho cultura mais importante, foda e incrível, né? Essa cultura da sobrevivência, assim, fundada numa solidariedade, numa identidade, assim como, de irmandade mesmo, que eu acho assim que é a mais… que poucas pessoas assim né, valorizam isso, e quando valorizam é pra legalizar, né? “ah não, vamos botar TV assinatura, né? Vamos acabar com os gatos nets”, né? Quando isso é uma cultura que o morro criou, lan house que foi criada na própria favela, assim, de dar acesso à internet, o moto taxi, então assim, foi uma cultura… A primeira cultura que a gente tem é uma cultura da sobrevivência, né? E a gente tem uma realidade difícil então como a gente vai superar ela né?

Neste excerto, que Adriana Facina (2014Facina, A. (2014). Sobreviver e sonhar: reflexões sobre cultura e “pacificação” no Complexo do Alemão. In M. A. Fernandes & R. D. Pedrinha. (Eds.), Escritos Transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal: homenagem aos mestres Vera Malaguti e Nilo Batista (pp. 39-47). Revan. ) analisa de forma magistral, Calazans nos explica que o Complexo do Alemão não existiria se não fosse a cultura de sobrevivência. Trata-se de uma formação cultural que transforma o espaço e o tempo vividos a partir da “solidariedade” e “irmandade” entre os moradores. Diante da narrativa de Calazans, fomos até a literatura sobre noção de sobrevivência nos campos da filosofia e estudos culturais, mais especificamente os trabalhos de Derrida (1979[2004]Derrida, J. (2004). Living on. In H. Bloom (Ed.), Deconstruction and criticism (pp. 62-142). Continuum. ) e Bhabha (1998Bhabha, H. (1998). O local da cultura. Editora da UFMG.) em terno da sobrevivência na textualidade e na cultura. Antes de escutar a intervenção de Calazans, em minha tese de doutorado, eu havia me dedicado a delinear a proposta de Derrida quanto à sobrevivência. No ensaio “Sobreviver, diário de borda”, Derrida aponta que “o sobreviver transborda, ao mesmo tempo, o viver e o morrer, suplementando-os, um e outro, com um sobressalto e um certo alívio temporário, parando a morte e a vida ao mesmo tempo” (Derrida, [1979]2004Derrida, J. (2004). Living on. In H. Bloom (Ed.), Deconstruction and criticism (pp. 62-142). Continuum. , p. 89). Na pesquisa de doutorado, essa formulação era particularmente significativa, pois explicava o desafio que as identidades nordestinas ofereciam aos “discursos da vida” nos quais a modernidade e a nação são constituídas. Calcadas numa oposição entre vida e morte, a modernidade e a nação são vistas como o domínio da vida e do futuro, um domínio que superaria a morte e o passado de formações pré-modernas como o Nordeste. Porém, os nordestinos, embora figurassem como vencidos pela morte nas páginas de jornais e revistas do sudeste, seguiam sobrevivendo4 4 Dentre as várias reportagens que analiso na tese, uma matéria de Veja intitulada “As vitórias da morte”, publicada em 17/08/1983, é uma evidência importante deste ponto. Eis um trecho da análise sobre essa reportagem que retiro da tese: “A morte comparece nessa reportagem como condição de inteligibilidade dessas comunidades nordestinas, onde a morte vence e “as crianças não viscejam (sic)” (...). No início do texto, aspas dão voz e verdade aos nordestinos, com sua fala “arrastada”, estranha. Essa fala dá à morte o privilégio de um neologismo pouco conhecido por sujeitos modernos: “morredor”. O tópico frasal “Meus filhos são muito morredor” funciona como mote para as temporalidades da morte nessa cartografia discursiva. O “rigor cronológico” da morte é marcado por diversos recursos textuais. As aspas, reconhecidas marcas da iterabilidade do signo, são empregadas segundo uma violenta lógica de ruptura: a apresentação da primeira família, cujos dois primeiros filhos morreram e a terceira filha “sobra”, é precedida e sucedida por dizeres entre aspas, que indiciam a presença da morte, “Meus filhos são muito morredor”, “Essa aí, ninguém sabe se se cria”. Outras aspas ao longo do texto reforçam a política de verdade da revista. A fala do médico da Santa Casa de Sobral, um especialista moderno, é trazida para dar sustentação ao anúncio de genocídio no Nordeste e à sentença de morte de crianças da região. Representante político da região, o então governador de Sergipe, João Alves, tem sua fala citada na reportagem para fundamentar a tese da inferioridade racial nordestina. Diz a revista: “‘Estamos criando uma sub-raça’, ecoa o governador de Sergipe, João Alves. ‘É como no Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley: teremos uma categoria de homens inferiores pela própria constituição’” (Silva, 2010, p. 84-85). . No campo das artes, por exemplo, os nordestinos da série Os retirantes, de Candido Portinari, ou aqueles de Vidas secas, de Graciliano Ramos, embora cadavéricos, famintos, mortos-vivos, não estavam propriamente mortos. Na tese, procurei explicar que o sobreviver se distancia da ontologia vitalista que concebe o sujeito a partir de uma matéria orgânica que triunfa sobre a morte e sobre o resto apodrecido do passado. É importante ter em mente que a ideia do sobreviver, por rechaçar a lógica vitalista, não se funda nos parâmetros da vida como o substrato orgânico que vence. E Derrida toma justamente a imagem do fantasma - aquele que, afinal, não segue as leis da matéria orgânica - para falar desse intervalo de sobrevida. “Essa sobrevivência é também um ressurgimento espectral (aquele que sobrevive é sempre um fantasma) que é observável e é representado desde o começo, desde o momento em que o caráter póstumo, testamentário, escritural da narrativa vem se desdobrar” (p. 112-113). Lembremos que o aspecto fantasmagórico dos retirantes de Portinari é algo que imediatamente nos salta à vista (Silva, 2010Silva, D. N. (2010). Pragmática da violência: o Nordeste na mídia brasileira. [Tese de doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. , p. 68).

Na pesquisa de campo no Complexo do Alemão, foi significativo acompanhar o movimento do caleidoscópio e encontrar a formulação de Calazans sobre a cultura de sobrevivência. Eu percebia que não só o Nordeste, mas também a favela são territórios sobreviventes, desafiadores da lógica vitalista que informa os discursos do progresso.

Para Calazans, a cultura no Complexo do Alemão sempre desafiou enquadres hegemônicos, na medida em que a própria favela é uma solução à ausência de políticas de habitação para escravizados liberto, que construíram as primeiras favelas depois que a monarquia brasileira relutantemente, em 1888, pôs fim ao regime escravocrata mais longo e mais numeroso das Américas. Essa forma de resistir à precariedade de Estado, além disso, tem uma dimensão semiótica e comunicativa, que o próprio Calazans esboça em sua fala. Perceba que, em seu comentário, Calazans elabora sobre recursos semióticos: gato net, gato luz, gato água, moto-taxis e lan houses. Definir esses tropos como ‘recursos’ alinha-se à sociolinguística e à pragmática contemporâneas, que veem os elementos das línguas naturais não como itens compartimentados, mas como “recursos de fato situados, empregados por pessoas reais em contextos reais, e recontextualizados” por outras pessoas (Blommaert, 2010Blommaert, J. (2010) Sociolinguistics of Globalization. Cambridge University Press. , p. 43; ver também Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge.). Calazans inclusive reflete sobre esses recursos semióticos em seu discurso como elementos de uma economia de fato: tropos como “gato net”, “lan house” e “moto-taxi” fazem parte da economia de sobrevivência da favela (ver Heller & McElhinny, 2017Heller, M., & McElhinny, B. (2017). Language, capitalism, colonialism: Toward a critical history. University of Toronto Press.; Park, 2021Park, J. (2021). In Pursuit of English: Language and Subjectivity in Neoliberal South Korea. Oxford.). Calazans conecta esses tropos econômicos a pessoas, práticas e perspectivas sobre pertencer à favela.

O jovem MC explora, portanto, a camada reflexiva do uso da língua - a metapragmática - de forma a situar a sobrevivência da juventude periférica como uma forma de sociabilidade e de atividade material e econômica de solidariedade. É significativo no excerto acima seu recurso a operações pragmáticas típicas do registro ativista papo reto (Silva, 2022Silva, D. N., & Maia, J. (2022). Digital rockets: Resisting necropolitics through defiant languaging and artivism. Discourse, Context & Media, 49, 100630.) - uma formação enregistrada comum em círculos ativistas de periferias que formula a ação comunicativa contextual como “direta”, sem as circumlocuções e marcadores de polidez típicos de registros de elite como o português padrão. Assim, por exemplo, mesmo diante de uma audiência de pessoas de classe média, muitos dos quais à época ele ainda tinha pouca familiaridade, Calazans suspende expectativas de polidez e utiliza tropos indexicais que marcam sua identidade como de favelado: “Se você mora no pé do morro e tem saneamento básico, mano, puxa o caninho lá da puta que pariu e vem emendando.” Dito de outro modo, Calazans adota uma atitude reflexiva direta, alinhada à informalidade das práticas cotidianas da juventude negra. Ele opõe essa linguagem informal e direta a registros de elite, como a burocracia e a linguagem do mercado formal: “quando valorizam [a cultura de sobrevivência] é pra legalizar. ‘Ah, vamos botar TV por assinatura, vamos acabar com os gatos net’”. A valorização que Calazans faz do registro papo reto e dos termos da economia de sobrevivência da favela indica que ele adota uma perspectiva interessada, isto é, ideológica, da língua e da cultura (Blommaert, 2006; Moita Lopes, 2013Moita Lopes, L. P. (Ed.). (2013). O português no século XXI: Cenário geopolítico e sociolinguístico. Parábola. ; Gal & Irvine, 2019Gal, S., & Irvine, J. (2019). Signs of difference: Language and ideology in social life. Cambridge University Press. ). Como ativista da juventude periférica, Calazans utiliza uma linguagem ideologicamente orientada à sobrevivência e ao mesmo tempo pensa sobre ela; seus comentários valorativos têm um impacto sobre a própria forma da língua e sobre como essa forma será entextualizada ou citada - estou, por exemplo, citando seu discurso metapragmático em um periódico acadêmico, numa temporalidade enunciativa que é aberta (Butler, 1997Butler, J. (1997). Excitable speech: a politics of the performative. Routledge. ). Vale ressaltar que Calazans é participante de diversas redes, dentro e fora da favela, e seu discurso tem viajado para diversos circuitos mundo afora, o que aponta para o caráter contagiante ou disseminador do ativismo da juventude negra e periférica.

Conclusão

Neste artigo, inspirado pelas reflexões sobre “movimento”, “ajuste de foco” e “línguas como caleidoscópios de recursos” no trabalho de Marilda Cavalcanti e suas colaboradoras, refleti sobre um ajuste de foco no modo como venho investigando a violência: dos processos de dominação e violência simbólica aos processos de contestação situados e à produção da esperança. Por meio do exemplo de meu diálogo com Raphael Calazans, jovem MC de funk e ativista do Complexo do Alemão, discuti como metadiscursos que emergem em nossa interação no campo - por exemplo, a noção de “sobrevivência” - nos demandam que reorientemos nossas aspirações, perspectivas e teorias sobre linguagem. “Comunicabilidade” e “escalas sociolinguísticas” têm sido úteis para eu entender antigas e duráveis histórias de dominação e criminalização no campo, mas eu precisava de mais - necessitava escutar o que os/as interlocutores/as no campo tinham a dizer sobre resistência à dominação, sobre a vida que emerge nesse território complexo.

Se, por um lado, as pesquisas críticas em linguagem e ciências humanas de forma mais ampla são animadas por um ímpeto de denúncia das desigualdades sociais, nossos interlocutores no campo podem estar apontando para táticas de sobrevivência, resistência e esperança a essas desigualdades. Como Marilda Cavalcanti sugeriu ao longo de sua carreira, nossos interesses teóricos não podem desconsiderar a agenda “do chão de fábrica” - a qual pode apontar para aspectos imprevisíveis. Na mesma direção, Bonnin (2021Bonnin, J. E. (2021). Discourse analysis for social change: Voice, agency and hope. International Journal of the Sociology of Language, 267-268, 69-84) sugere um reajuste de foco nos estudos da linguagem em sociedade que ele identifica com o método da “esperança”, não como afeto passivo de espera, mas como trabalho prático de reorientação do conhecimento (Miyazaki, 2004Miyazaki, H. (2004). The method of hope: Anthropology, philosophy, and Fijian knowledge. Stanford University Press. ). Bonnin oferece como exemplo empírico uma entrevista com uma trabalhadora do Metrô de Buenos Aires. Ela responde a uma pergunta sobre sua participação no movimento sindical não com o esperado “discurso sindical”, de tom aguerrido, mas sim pelo encaixe de vozes bem humoradas e facetas - iconizando modos bastante elaborados de “reinterpretar regulações institucionais - literalmente - de forma a resisti-las” (Bonnin, 2021Bonnin, J., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging: A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. , p. 70). A proposta de Bonnin (2021Bonnin, J., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging: A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. , p. 75) é que, diante de um texto interacional como este, o interesse típico dos estudos críticos da linguagem por dimensões como “a denúncia da desigualdade linguística, de ideologias dominantes, do racismo, dos discursos sexistas” não pode eclipsar a produção de voz e agência - em outras palavras, a esperança - dos que sofrem esses processos de desigualdade.

Como normalmente um ímpeto de denúncia de desigualdades acompanha o trabalho crítico nos estudos da linguagem em sociedade, Bonnin (2021Bonnin, J. E. (2021). Discourse analysis for social change: Voice, agency and hope. International Journal of the Sociology of Language, 267-268, 69-84) aponta dois limites para esse trabalho de denúncia na academia. O primeiro tem a ver com o alcance de nossas publicações: nós tendemos a escrever para nossos pares, em publicações que tendem a não ser lidas pelos (e muitas vezes nem oferecem acesso aos) envolvidos nas realidades que buscamos criticar. O segundo limite tem a ver com o próprio foco dos estudos: “se nós privilegiamos apenas a análise de práticas sociais de controle, dominação ideológica, hegemonia discursive, ordens sociolinguísticas ou ideologias dominantes, bloqueamos nossa percepção, e mesmo nossa imaginação, àquelas voices que agem pela mudança” (p. 75).

A conclusão de Bonnin ecoa outras de estudos sobre agência, resistência e esperança (e.g., Borba, 2019Borba, R. (2019). Injurious signs: The geopolitics of hate and hope in the linguistic landscape of a political crisis. In A. Peck, C. Stroud, Q. Williams (Eds.), Making Sense of People and Place in Linguistic Landscapes (pp. 161-181). Bloomsbury.; Lear, 2006Lear, J. (2006). Radical hope: Ethics in the face ofcultural devastation. Harvard University Press. , Silva & Lee, 2021Silva, D. N., & Lee, J. (2021). “Marielle, presente”: Metaleptic temporality and the enregisterment of hope in Rio de Janeiro. Journal of Sociolinguistics, 25(2), 179-97 https://doi.org/10.1111/josl.12450.
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). Mas essa conclusão também reverberou em minha percepção do caleidoscópio na favela: tenho percebido que uma postura agentiva, não melancólica, irreverente e propositiva vai continuamente se modulando diante das dinâmicas de dominação sociais. As palavras de Emicida na epígrafe desse texto exemplificam algumas imagens em movimento desse caleidoscópio: “Aí, maloqueiro! Aí, maloqueira! / Levanta essa cabeça / Enxuga essas lágrimas, certo? (...) Respira fundo e volta pro ringue”. Nesse sentido, as palavras de Mattingly (2010Mattingly, C. (2010). The paradox of hope: Journeys through a clinical borderland. University of California Press., p. 39) sobre a tensa relação entre estrutura e agência são tão incisivas quanto são críticas para o que escutamos de nossos interlocutores: “a realidade precisa ser exposta como espaço de possibilidade e não apenas de aprisionamento ou reprodução estrutural. Apesar do imenso poder das estruturas sociais opressivas, a realidade não se resume a sua existência”.

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  • 2
    Doravante, todas as traduções de excertos de textos consultados em língua estrangeira são feitas por mim.
  • 3
    Este dado é narrado em detalhe em Silva, Facina & Lopes (2015Silva, D. N., Facina, A., & Lopes, A.C. (2015). Complex territories, complex circulations: The “pacification” of the Complexo do Alemão in Rio de Janeiro. Pragmatics and Society, 6, 175-196. , p. 186-189).
  • 4
    Dentre as várias reportagens que analiso na tese, uma matéria de Veja intitulada “As vitórias da morte”, publicada em 17/08/1983, é uma evidência importante deste ponto. Eis um trecho da análise sobre essa reportagem que retiro da tese: “A morte comparece nessa reportagem como condição de inteligibilidade dessas comunidades nordestinas, onde a morte vence e “as crianças não viscejam (sic)” (...). No início do texto, aspas dão voz e verdade aos nordestinos, com sua fala “arrastada”, estranha. Essa fala dá à morte o privilégio de um neologismo pouco conhecido por sujeitos modernos: “morredor”. O tópico frasal “Meus filhos são muito morredor” funciona como mote para as temporalidades da morte nessa cartografia discursiva. O “rigor cronológico” da morte é marcado por diversos recursos textuais. As aspas, reconhecidas marcas da iterabilidade do signo, são empregadas segundo uma violenta lógica de ruptura: a apresentação da primeira família, cujos dois primeiros filhos morreram e a terceira filha “sobra”, é precedida e sucedida por dizeres entre aspas, que indiciam a presença da morte, “Meus filhos são muito morredor”, “Essa aí, ninguém sabe se se cria”. Outras aspas ao longo do texto reforçam a política de verdade da revista. A fala do médico da Santa Casa de Sobral, um especialista moderno, é trazida para dar sustentação ao anúncio de genocídio no Nordeste e à sentença de morte de crianças da região. Representante político da região, o então governador de Sergipe, João Alves, tem sua fala citada na reportagem para fundamentar a tese da inferioridade racial nordestina. Diz a revista: “‘Estamos criando uma sub-raça’, ecoa o governador de Sergipe, João Alves. ‘É como no Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley: teremos uma categoria de homens inferiores pela própria constituição’” (Silva, 2010Silva, D. N. (2010). Pragmática da violência: o Nordeste na mídia brasileira. [Tese de doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. , p. 84-85).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2022
  • Aceito
    27 Ago 2022
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