Resumos
Apresentam-se dados parciais do projeto "As crianças são importantes: a reorganização curricular no 1º CEB e as concepções de infância dos professores"¹, que pretendeu conhecer as concepções de infância que emergem dos discursos dos professores sobre as suas práticas. Os resultados parciais revelam-nos concepções sobre a infância ambíguas e contraditórias, fazendo corresponder as possibilidades de expressão das subjetividades das crianças a seres que não parecem partilhar a mesma categoria social, quando se encontram fora e dentro do contexto escolar. A idealização sobre a infância e a sua relação com os princípios estruturantes da escolarização situam-se num domínio mais simbólico do que real e a sua distanciação relativamente às subjetividades das crianças e às práticas sociais escolares tem constituído um fator de sofrimento para as professoras e para os alunos.
Infância; Educação Escolar; Aluno
A presentation of partial data taken from "Children matter: curricular reorganization of the first basic course and teachers' childhood conceptions" project is made. This project intended to disclose the childhood conceptions emerging from the teachers' speeches concerning their practice. Partial results reveal ambiguous and contradictory conceptions of childhood, linking children´s expression possibilities of subjectivities to beings who do not seem to share the same social category, both outside and inside the school context. The idealization of childhood and its relationship to the structural principles of scholarship are set on a rather symbolic than real domain, and their distance regarding the children's subjectivities and the social practices at school have constituted a suffering factor to both teachers and students.
Childhood; School Education; Student
ARTIGOS ARTICLES
Ser criança e ser aluno: concepções das professoras do 1° ciclo do ensino básico1 1 Projeto de investigação em Ciências da Educação desenvolvido em 2003, no Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, coordenado pela Dra. Amélia Lopes e financiado pelo Instituto de Inovação Educacional.
Being a child and being a student:social categories in conflict? Views from first basic course teachers
Fátima PereiraI; Amélia LopesII
IProfessora Auxiliar do Grupo de Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Universidade do Porto (FPCE-UP). E-mail: fpereira@fpce.up.pt
IIProfessora Associada com Agregação do Grupo de Ciências da Educação da FPCE-UP
Contato
RESUMO
Apresentam-se dados parciais do projeto "As crianças são importantes: a reorganização curricular no 1º CEB e as concepções de infância dos professores"
Palavras-chave: Infância; Educação Escolar; Aluno/Criança
ABSTRACT
A presentation of partial data taken from "Children matter: curricular reorganization of the first basic course and teachers' childhood conceptions" project is made. This project intended to disclose the childhood conceptions emerging from the teachers' speeches concerning their practice. Partial results reveal ambiguous and contradictory conceptions of childhood, linking children´s expression possibilities of subjectivities to beings who do not seem to share the same social category, both outside and inside the school context. The idealization of childhood and its relationship to the structural principles of scholarship are set on a rather symbolic than real domain, and their distance regarding the children's subjectivities and the social practices at school have constituted a suffering factor to both teachers and students.
Keywords:Childhood; School Education; Student/Child
1. INTRODUÇÃO
As crianças vivem um tempo fundamental dos seus quotidianos no mundo escolar, que se revela uma realidade social complexa e heterogênea à qual não se adequam os valores e dispositivos pedagógicos que edificaram a escola como instituição social moderna. Essa constatação, sendo incontornável, não deixa de nos inquietar, no sentido de tentarmos compreender essa(s) mesma(s) realidade(s) e as dimensões que interagem na sua produção.
A idéia de infância relaciona-se intrinsecamente com a emergência e o desenvolvimento da escolarização obrigatória, universal e laica, nas sociedades ocidentais, e tem constituído um referencial orientador dos sentidos e das práticas educativas na instituição escolar. O conceito social de infância representa uma configuração simbólica, constituída histórica e ontologicamente a partir de diversas realidades de se ser criança e de se estabelecer relações com as crianças. A essas realidades não são indiferentes as crenças, os saberes e as ideologias que se têm divulgado sobre as crianças.
Neste artigo, apresentam-se alguns dos resultados do projeto "As crianças são importantes: a reorganização curricular no 1º CEB e as concepções de infância dos professores", relativos ao processo de análise de conteúdo de vinte entrevistas realizadas, no início dos anos 1990, a professoras do 1º CEB, com idades compreendidas, sensivelmente, entre os 25 e os 45 anos. Pressupõe-se que os discursos dos professores sobre as crianças/alunos integram o resultado da sinergia de diversas formas de discurso e de representações sobre as suas práticas docentes, que poderão elucidar-nos quer sobre os quadros ideo-normativos de figuração da infância, no contexto escolar, quer sobre os obstáculos à implementação de transformações curriculares que incidem em mudanças no "ofício" do aluno.
2. INFÂNCIA E EDUCAÇÃO ESCOLAR
2.1. A institucionalização da educação escolar
A instituição escolar, como hoje a conhecemos na forma e na essência, é um fenômeno relativamente recente e que se relaciona intrinsecamente com a necessidade de socializar um novo "ser social" - o Homem moderno (QUEIROZ, 1995).
A construção social da modernidade originou a emergência de uma verdadeira revolução nos modos de socialização, de aprendizagem e de relação social. Os ideais iluministas, que sustentaram as transformações sociopolíticas e econômicas que ocorreram nos séculos XVII, XVIII e XIX na Europa, preconizavam um modelo de sociedade liberto da subjugação humana aos mitos e à religião por meio do acesso à verdade científica que deveria também associar-se ao desenvolvimento da técnica, para permitir o bem-estar social e a igualdade entre todos os homens.
O processo de modernização integra-se na ascensão econômica da classe burguesa e na sua pretensão de conquistar poder político e social e, por isso, emergiu e teve o seu maior campo de influência nas cidades européias, onde se concentravam as atividades comerciais burguesas, se criavam as primeiras fábricas e se encontravam os grupos populacionais - o objeto, por excelência, da revolução moderna. As relações sociais, até aí, eram reguladas sobretudo por influências de cariz religioso e simbólico e definiam-se na ação social concreta. As sociedades modernas introduziram novas formas de regulação, desvinculadas das práticas concretas dos indivíduos e veiculadas pela institucionalização de normas e de regras impostas pelo mercado econômico, pelas relações em comunidade e pelas leis do estado (QUEIROZ, 1995). Esta reestruturação profunda tornou-se possível por meio de uma transformação nas formas de aprendizagem e de socialização que foi realizada pela institucionalização da educação escolar. A aprendizagem, que se desenvolvia essencialmente por imitação e nas tarefas concretas, passou a ser mediada por um dispositivo abstrato e simbólico - a leitura-escrita - e a sua organização alicerçou-se na definição de tempos e lugares específicos e distintos das restantes atividades sociais, onde grupos homogêneos de alunos e um professor seriam sujeitos a uma relação social inédita: a relação pedagógica. Tratava-se de possibilitar o acesso ao conhecimento da ciência e da técnica e de, simultaneamente, formar seres sociais capazes de interiorizar normas e modelos abstratos a que apelava a regulação social moderna. Mas a escrita não constituiu apenas um dispositivo instrumental na construção da modernidade, ela foi essencialmente um dispositivo simbólico na aprendizagem de um novo tipo de poder. Nas sociedades medievais, o exercício do poder definia-se na interação social e era legitimado por mandatos de natureza simbólica; a dominação moderna exerce-se por processos de objetivação, ou seja, pela existência de instituições impessoais, geradas e geridas racional e burocraticamente de acordo com modelos abstratos sobre as relações sociais e a essência da humanidade, definidos por um poder centralizado: o estado-nação; a escrita possibilitou a fixação e a transmissão dos saberes definidos como fundamentais para esse processo de objetivação. A institucionalização da educação escolar pretendia ser determinante nos modos de socialização do cidadão e a relação pedagógica foi o dispositivo desenvolvido para esse efeito. À semelhança das regras impessoais que se veiculavam por meio das instituições, também a relação pedagógica se caracterizava pelo distanciamento físico e psicológico e pela disciplinação dos "corpos" e das "mentes" (FOUCAULT, 1989).
A socialização e a aprendizagem escolares deram origem a um novo modo de subjetivação que pressupunha uma concepção humana bipolarizada entre o "indivíduo civilizado" e o "indivíduo pessoal-democrático" (QUEIROZ, 1995). O indivíduo civilizado seria alguém capaz de discernir entre o espaço público e o espaço privado, adequando os seus comportamentos e atitudes; teria a capacidade de autodomínio na expressão dos afetos e de controle nas manifestações corporais. A autonomização da relação pedagógica, relativamente às restantes relações sociais, foi marcada por uma acentuada intencionalidade de favorecer a submissão dos indivíduos a regras impessoais e a aprendizagem da disciplina que permitia uma relação particular com os afetos, remetendo as emoções para o domínio íntimo das famílias. A concepção de "indivíduo pessoal-democrático" constitui um dos paradoxos mais marcantes da institucionalização escolar, pois pretendia formar um ser universal e simultaneamente único e incomensurável. A escolarização integrava esta dupla função: retirava a criança do mundo adulto, contrariando a formação de identidades particulares, vinculadas a grupos de pertença - homogeneizava - e objetivava uma formação pela abstração e habilitação individuais - individualizava.
2.2. A "idade da infância"
A institucionalização da relação pedagógica tornou-se possível pela sua intrínseca associação ao processo sócio-histórico de "construção da idade da infância" (cf. ARIÈS, 1978). A infância é uma interpretação cultural específica sobre os primeiros anos de vida cuja "invenção" remonta ao século XVI, às classes superiores das sociedades européias e se integra num processo mais lato de transformação sociocultural e econômica. Os discursos moralizadores e higienistas sobre a decadência moral e física da vida nas cidades e a conseqüente necessidade de preservar a inocência das crianças, não as misturando com o mundo "sujo" dos adultos, convergiram com a emergência da institucionalização da educação escolar, no sentido de as sujeitar a uma longa "quarentena", antes de passarem à idade adulta (ARIÈS, 1978). A escolarização naturalizou-se, então, como o dispositivo social normal de socialização das crianças. Durante os séculos XVII e XVIII, e segundo o mesmo autor, a idéia de infância, como uma idade particular e frágil da vida humana, especificou-se e individualizou-se, tornando possível a sua institucionalização. A escola e a família constituíram-se como as instituições modernas mais determinantes na consolidação do sentimento de infância que viria a configurar, não só os dispositivos pedagógicos desenvolvidos na educação das crianças, mas também os quotidianos condicionadores das suas formas de vida.
Embora, do ponto de vista instrumental, a socialização escolar, em Portugal, necessitasse de mais de um século para se generalizar a todas as crianças, do ponto de vista simbólico, os saberes teóricos que sustentaram as concepções sobre a infância, orientadoras da sua socialização escolar, influenciaram desde cedo as decisões políticas, designadamente nos domínios educativo e jurídico, regulando as práticas sociais e escolares, com impacto incontornável na vida das crianças.
2.3. A educação escolar da infância, em Portugal: um trabalho de mulheres
A transformação do ensino primário num trabalho de mulheres ocorreu em sintonia com a sua integração na esfera pública que teve origem numa configuração sócio-histórica e cultural específica e associada ao desenvolvimento da modernidade. Segundo Lopes (2001, p. 265), as alterações nas estruturas social e produtiva, que ocorreram a partir do século XVIII, permitiram um processo de "reajustamento social conflitual" que possibilitou a emergência das concepções de espaço público e de espaço privado, implicitamente vinculadas aos conceitos, respectivamente, do masculino e do feminino, do societário e do comunitário. As possibilidades de emancipação das mulheres, proporcionadas por essas transformações, à semelhança das promessas emancipatórias da modernidade, também se revelaram de realização tensa, conflituosa e inacabada.
O acesso ao saber escolar, por parte das mulheres, foi facultado inicialmente na intimidade do espaço privado das famílias da classe média e média alta e contribuiu para a formação de um novo ideal de feminilidade, centrado no desempenho das funções de esposa e de mãe. O ideal de mulher moderna definia-se, então, como o da companheira que, no espaço privado, assume a responsabilidade de educar os filhos e de gerir a economia do lar; no espaço público, competia ao homem o protagonismo e a capacidade de decisão. Esses ideais acabaram por se generalizar também às famílias operárias, influenciando, até muito recentemente, o lugar social da mulher e as suas relações societárias; a sua entrada no mundo do trabalho constituiu, de um modo bastante expressivo, uma atividade subsidiária e não essencial na construção das identidades femininas. Neste domínio, interessa-nos salientar a responsabilização das mulheres na moralização das futuras gerações e as suas articulações com os desígnios de desenvolvimento das sociedades industriais modernas. A moralização das crianças, fundamentada inicialmente em concepções, essencialmente, de natureza religiosa, acabaria por ser instrumentada face a uma futura ocupação de lugares hierarquizados nas relações sociais de produção. Assim, a análise da construção social da infância não pode ser dissociada do seu carácter não universal e relativo a práticas educativas de matriz social e ideológica diferenciada. Também a abordagem às relações entre o espaço privado e o espaço público, nas suas vinculações ao conceito de sociedade e de comunidade, nos surge como uma análise que não pode ser dicotomizada, mas que se torna necessário desenvolver, no sentido da compreensão das suas interações e interdeterminações.
De acordo com Araújo (1993), a escolarização das moças surgiu com acentuada distanciação temporal em relação à emergência da escola de massas, em Portugal, e originou a entrada das mulheres na profissão docente. A autora associa a feminização da profissão docente (a sua ocupação crescente pelas mulheres) à convergência de constrangimentos econômicos - a necessidade de extensão da escola pública com contenção de gastos - da ideologia do maternalismo e das aspirações de autonomia das mulheres. A intrínseca justificação educativa da hegemonização ocupacional da profissão docente pelas mulheres, através da ideologia do maternalismo, poderá estar relacionada com fenômenos psicossociais profundamente paradoxais que têm caracterizado o contexto educativo; referimo-nos à justificação do espaço público pelo recurso a ideologias do domínio do espaço privado que originam tensões e ambigüidades incontornáveis e de natureza social e psicológica conflitual, designadamente as tensões entre a disciplina e o afeto, o universal e o particular, o social e o comunitário.
A desqualificação socioprofissional da função docente (cf. NÓVOA, 1995), durante o Estado Novo, constituiu-se como um dos fatores mais determinantes na feminização da profissão docente. Contrariamente à imagem maternal (afetiva e protetora) que se associa às identidades femininas, este fato não se refletiu nas práticas escolares que se tornaram paradigmáticas de uma escola profundamente autoritária, repressiva, punitiva e elitista. O caráter discricionário da escola salazarista permite-nos perspectivar impactos diferenciados nos contributos da institucionalização escolar para a construção das possibilidades de se ser criança, por relação às suas origens socioeconômicas e culturais, pressupondo que as práticas das professoras não se baseavam necessariamente na mesma matriz socializadora.
As transformações sociais e políticas que ocorreram, em Portugal, nas últimas décadas não alteraram significativamente a situação de feminização da profissão docente, sobretudo no 1º CEB. Este fato permite-nos considerar que os processos de escolarização vividos pelas crianças e o seu conseqüente impacto na construção social da infância integram especificidades relativas à gestão feminina desses processos.
3. A CONCEPTUALIZAÇÃO DA INFÂNCIA
A configuração da idéia de infância, que se consolidou em articulação com a emergência da modernidade, a que fizemos referência, tem sofrido processos de transformação - dialéticos e contraditoriamente dinâmicos - a que não são indiferentes as mudanças nas formas institucionais nas quais as crianças são socializadas. A escola constituiu-se como o lugar social da infância mais determinante nas suas configurações e como a instituição "natural" de socialização das crianças e, por isso, refletir sobre a infância na modernidade encaminha-nos para a análise das concepções sobre a infância - e sobre as dimensões sociais, culturais e econômicas que a afetam - veiculadas em diferentes discursos que sustentaram a universalização dos sistemas de ensino, nos países da Europa ocidental.
Ora, nos últimos dois séculos, a infância foi construída e reconstruída, em grande medida, por meio de um trabalho de síntese entre poder e conhecimento: o discurso profissional e os saberes especializados (SCRATON, 1997, p. 16); o autor designa por "profissionalização da infância" a emergência e o desenvolvimento de "especialismos discretos - cada um com o seu conhecimento e poder" -, que têm um mandato especializado e específico para manter e reproduzir instituições que penetram e regulam o mundo social e subjetivo da infância. O trabalho de cuidar e instruir as crianças integrou-se numa rede extensa de atividades profissionais institucionalizadas, na qual cada uma desenvolveu um corpo próprio de conhecimento especializado e de técnicas que expressam a sua autoridade e especificidade profissionais (SCRATON, 1997). A profissionalização dos professores é, a esse propósito paradigmática, uma vez que se constituiu como a formação dos especialistas na educação escolar das crianças.
Todavia, o conceito de infância pode ser interpretado de modo diverso, e nem sempre convergente, a partir das diferentes abordagens que a tomam por objeto. As perspectivas desenvolvimentais e maturacionistas, que foram dominantes até a década de 1980, conceptualizam a infância como uma fase transitória e preparatória da vida humana, na qual se adquirem as condições naturais e sociais de tornar-se adulto, salientando o caráter da sua incompletude, dependência e incompetência por contraponto a uma adultez, supostamente, completa, autônoma e competente. Os estudos sociais sobre a infância, de essência funcionalista, contribuíram para uma visão deficitária das crianças - que as caracteriza mais pelo que lhes falta do que pelo que são - e legitimaram, em nome da sua fragilidade e da sua plasticidade, a criação de dispositivos de controle e de regulação da infância que estão na origem da consolidação das instituições modernas que a têm tutelado: a escola, a família e a justiça.
Perspectivas mais recentes nos estudos sociológicos remetem-nos para concepções que interpretam a infância na condição de categoria social, com implicações distintas para as crianças e para a sociedade - para as crianças, trata-se de um período temporário, mas para a sociedade é uma forma estrutural permanente que se inter-relaciona com outras categorias estruturais, cujas mudanças afetam a natureza da infância - enquanto outros consideram as crianças como agentes sociais produtores das suas próprias culturas e participantes na produção das sociedades adultas (CORSARO, 2005). A infância é, ainda, analisada como um construto social que, no mundo quotidiano, se revela um conceito totalizante, constituinte de uma comunidade da qual, em dado momento, todos fazemos parte; as suas fronteiras são fluidas - em função do tempo e do espaço social que as condiciona - e a sua substância é culturalmente contextualizada (JENKS, 2002). Outras abordagens sociológicas, no entanto, referem como uma limitação epistemológica a tendência para se centrar o estudo da infância apenas num dos seus pólos, a natureza ou a cultura, e consideram a infância como uma multiplicidade de "naturezas-culturas", heterogênea e emergente através do tempo, o que implica compreender a infância como um fenômeno não-unitário e como um lugar de múltiplas construções a partir de materiais heterogêneos, tendo por isso características abertas e não teleológicas (PROUT, 2005, p. 144).
No caso da psicologia do desenvolvimento que tem dominado, nas últimas décadas, a conceptualização curricular no domínio da educação escolar da infância, ela tem revelado enfoques e definição de campos de pesquisa diversificados, que repercutiram nas formas de apropriação dos seus conhecimentos pelos discursos educativos; essas abordagens distintas apresentam algumas regularidades de tipo ético-ontológico e metodológico, com implicações para a educação da infância que interessa realçar. A psicologia do desenvolvimento corresponde a uma demanda social no sentido da produção de tecnologias de medida dos comportamentos e das capacidades humanas - pretensamente apazigüadoras das ansiedades sociais -, cujos instrumentos definiram tanto os seus objetos quanto os seus sujeitos; esses parâmetros metodológicos configuraram assunções ideológicas que especificaram (reduzindo-o a padrões psicológicos normativos) e tornaram abstrato o conceito de infância (BURMAN, 1994).
Num campo epistemológico distinto, a psicologia da educação contemporânea incide na dimensão psicológica e psicossocial dos fenômenos educativos e procura potenciar uma função empática na compreensão desses fenômenos, situando o objeto de estudo ao nível do ato educativo e o campo de análise, no processo/situação educativa. A psicologia da educação define os seus objetos, teóricos e empíricos, não estritamente no domínio psicológico, mas também nas suas interfaces com o social, focalizando: as características dos indivíduos e dos grupos em interacção numa situação educativa; as componentes psicológicas das relações entre os sujeitos e destes com os sistemas envolvidos; as relações interpessoais, os fenômenos de agressividade, de oposição e liderança; a construção das identidades, etc. Nesse sentido, encontra-se numa posição privilegiada para a reflexão crítica em torno da educação escolar da infância. Todavia, a sua perspectiva, mais interpretativa e compreensiva do que explicativa e instrumentalizadora, tem dificultado a sua integração nos discursos e nas práticas sobre a educação escolar das crianças.
Prout (2005) alerta-nos para o fato de os diferentes estudos sobre a infância, na modernidade, se terem desenvolvido com base num conjunto de dicotomias que não possibilitam uma abordagem epistemológica adequada à complexidade dos seus mundos. Essas dicotomias não são exclusivas dos estudos sobre a infância, antes se inserem nos fundamentos da modernidade que estabeleceu uma separação entre o mundo natural e o mundo social, que tem marcado o debate epistemológico intra e interdisciplinar e configurado uma dupla distinção ontológica entre a natureza e a cultura (LATOUR, 1994).
Consideramos, por isso, que a infância se tem caracterizado por um estatuto epistemológico plural e até contraditório, em diferentes abordagens científicas, e por concepções ambíguas nos discursos educativos que têm contribuído para configurar um campo escolar profundamente complexo e de difícil reconstrução simbólica e praxeológica.
A ação, a interação, as representações simbólicas, o tempo e o espaço social da infância são constitutivos do domínio epistemológico da conceptualização da infância e da sua educação escolar que integra uma tensão essencial sobre a dificuldade em se estabelecer uma articulação teórica entre as abordagens estruturalistas e as interacionistas e fenomenológicas que possibilite uma compreensão mais fecunda das condições atuais da diversidade da infância no mundo escolar. Como refere James (1998), embora os estudos que consideram as crianças como atores sociais e focalizam a sua ação nas circunstâncias locais constituam uma abordagem enriquecedora, relativamente aos estudos que desenvolvem análises globais de tipo estruturalista, o debate científico não pode limitar-se a contrapor o global e o local e a estrutura e a agência, sob pena de ocultar a sua interconectividade e a instabilidade e indefinição dos seus limites.
Salientamos, ainda, que os estudos sobre a infância têm um sentido ontológico mais amplo, pois os discursos que produzem são centrais nos modos como estruturamos o nosso senso e o dos outros sobre o lugar e a posição que nos cabe na sociedade; constituem parte fundamental das narrativas que definem quem nós somos, por que somos como somos e para onde vamos e, por isso, a definição e demarcação da infância está repleta de significados políticos e sociais (BURMAN, 1994). A categoria infância compõe-se de representações sociais que a caracterizam por relação com outras categorias de estatuto: a infância existe por relação com a adultez e numa perspectiva de incompletude ontológica e dependência sociocultural.
As concepções sobre a infância e a educação escolar que estão na origem dos discursos pedagógicos contemporâneos partilham da assunção de três lugares comuns da modernidade educativa, explicitados em Hameline (2000): o progresso, a educabilidade humana e a superioridade da democracia igualitária. O lugar comum proporciona fundamentos para a concepção de idéias, princípios de inteligibilidade e uma hierarquia de valores a que nos referimos sistematicamente, sem necessitar de explicitar a nossa condição. Por isso, todas as sociedades vivem dos seus lugares comuns; eles simbolizam as crenças necessárias à atribuição de significado e à orientação das nossas ações e constituem "plataformas invisíveis" que possibilitam o estabelecimento de consensos, mesmo sem conhecermos as suas verdadeiras implicações (HAMELINE, 2000, p. 24.). Os três lugares comuns da educação escolar moderna fundam uma ideologia que tem contribuído, nos últimos dois séculos, para a formação de significações imaginárias sociais (cf. CASTORIADIS, 1982) sobre as relações entre a escolarização da infância e a transformação social, cultural e econômica e não tem possibilitado discernir e desconstruir as suas reais implicações no mundo da vida das crianças.
4. A DINÂMICA DA PESQUISA
4.1. O projeto: A reorganização curricular no 1º CEB e as concepções de infância dos(as) professores(as)
O contexto institucional educativo que enquadra o problema que procuramos investigar caracteriza-se por uma profunda instabilidade relacionada com a emergência de problemas socioeducativos de natureza essencial e inadiável, para os quais a escola, como instituição social pública, não integra no seu patrimônio de "soluções" as possíveis respostas.
Consideramos o campo educativo escolar como configurador de um contexto cultural no qual se produzem novos significados sobre a infância, fundamentados na ação docente global, na interação entre as crianças e destas com os adultos e, ainda, nas possibilidades de desocultação da criança que existe no aluno. Por isso, salientamos a importância epistemológica e pragmática de se conhecer e compreender os sentidos e os significados atribuídos pelos professores à sua ação profissional, focalizando a relação que desenvolvem com as crianças. Procurou-se, assim, inferir as concepções que os professores têm sobre a crianças e divulgar histórias de vida das crianças que, apesar de dadas a conhecer no espaço escolar e relatadas pelas suas professoras, se situam para além dele, definindo-se como objetivos de investigação: tornar visível a criança em desenvolvimento e em relação que o "aluno" da "escola primária" esconde, para mudar a escola e para mudar a vida das crianças desta idade; conhecer as concepções de infância que emergem dos discursos dos professores do 1º CEB sobre as suas práticas educativas, para fundamentar cientificamente a elaboração de dispositivos de intervenção facilitadores da implementação de transformações curriculares no ensino básico.
Este artigo centra-se em alguns dos resultados constituídos na prossecução do segundo objetivo, que se consubstanciou na realização de um estudo comparativo dos discursos dos professores sobre as crianças e as relações educativas que se estabelecem, em contexto escolar, pela análise de entrevistas a professoras do 1º CEB, recolhidas com intervalo de tempo de cerca de uma década (1990 e 2003). O corpus da pesquisa foi constituído pelos discursos sobre as crianças identificados em entrevistas realizadas em 1990, a professoras portuguesas do 1º CEB, com base no Inventário de Identidade Social (IIS) de Marisa Zavalloni (1984), e em entrevistas de tipo biográfico realizadas, recentemente, a oito professoras do 1º CEB. A análise de conteúdo desenvolveu-se segundo um registo epistemológico convergente com a investigação qualitativa em educação e, tecnicamente, por procedimentos de indução de categorias, a partir do conteúdo analisado.
Os resultados que em seguida se apresentam dizem respeito à análise das entrevistas realizadas em 1990 e a definição do corpus da pesquisa que lhe subjaz considerou critérios de natureza interpretativa e relacionada com referências, explícitas ou implícitas, às crianças. O conteúdo selecionado foi submetido a uma análise qualitativa, por meio da identificação de unidades temáticas que emergiram, independentemente do seu modo de inserção léxico-sintático, destacando-se antes pela informação semântica que facultavam. Essa informação foi constituindo um complexo heurístico organizado em torno das categorias: Ser professor; Ser mãe; Ser mulher; Conceito de criança; Conceito de aluno; Relação com os alunos; Relação com os pais; Métodos pedagógicos; Obstáculos. A categoria Ser professor, devido à diversidade dimensional que apresentava, possibilitou a formação das subcategorias: Papel; Imagem social; Eu real; Eu ideal; Os outros professores.
Para tratamento técnico do conteúdo em análise, recorremos ao programa informático NUD* IST, que permitiu formatar as categorias e subcategorias, ordenar as respectivas unidades de registo e realizar comparações e cruzamento de dados.
4.2. As concepções das professoras
Ser professor: papel
De acordo com a análise, o papel que está cometido à profissão docente representa uma intervenção sócio-histórica insubstituível, na medida em que as professoras referem os contributos da ação docente como fundamentais para a transformação social e para a atenuação das desigualdades, "(...) se não for o professor mais ninguém lhe vai dar: porque são meninos de bairros de lata que não têm acesso a nada, (...) nós somos muito importantes na sociedade porque podemos eventualmente modificar muita coisa" (Eunice, 83 3 Os nomes referidos são fictícios e a numeração corresponde à ordenação, no texto e em cada categoria ou subcategoria, das unidades de registo. ). Identificam-se, ainda, como referências ao papel do professor: a responsabilidade social e moral, o assegurar o futuro das crianças, a capacidade de transformar o mundo - "(...) os professores modificam o mundo e eu gosto." (Isabel, 7) - a formação do homem e da mulher, a assistência social, o cuidar e orientar as crianças, a constituição de modelos a seguir pelas crianças e ainda as dimensões de altruísta, amigo, mãe, confidente e colaborador.
Ser professor: imagem social
As professoras entrevistadas referem que a imagem social sobre a sua profissão se encontra profundamente desvalorizada; esta imagem é sentida como estando relacionada com a incompreensão, pela população em geral, das especificidades do trabalho dos professores do 1º CEB e, ainda, com a discriminação negativa, relativamente aos professores dos outros ciclos de ensino. As professoras revelam uma representação muito negativa sobre a opinião dos outros a propósito do seu trabalho, considerando que a profissão docente é vista como um trabalho sem exigência de qualificação profissional: "(...) as pessoas até dizem: 'Ah, mas vocês até só trabalham 4 ou 5 horas, mas vocês até ganham bem para aquilo que fazem, mas afinal o que é que fazem? O que vocês fazem qualquer um faria'". (Eunice, 4).
Ser professor: eu real
A análise do conteúdo que integra esta categoria revela a complexidade e a conflitualidade de que se reveste a identidade profissional docente, designadamente das professoras do 1º CEB. Complexidade devido à diversidade de dimensões referidas: a dimensão relacional, "(...) uma pessoa habitua-se a gostar das crianças mesmo maternalmente" (Eunice 61); a dimensão clínica, "(...) muitas vezes somos nós que acabamos por resolver problemas pessoais porque chamamos os pais e porque o miúdo até conta na escola ou então estamos muito mais atentas a alterações de comportamento, falamos com eles e acabamos por resolver alguns problemas que poderiam ser muito graves (...)" (Rute 11); a dimensão de serviço social, "(...) e preocupo-me com o futuro delas (crianças), o que vai ser daqueles meninos?" (Rute 21); a dimensão pedagógico-didática, "Engendramos situações, às vezes, para motivar aulas que por falta de material didático temos que criar, criar situações, motivações" (Odete 8); conflitualidade, uma vez que essas dimensões se apresentam com fortes tensões discursivas e, por vezes, com explicitação de contradições e de sentimentos de incapacidade: "Mas eu sou tolerante, eu sou tolerante mas não deixo passar um erro" (Odete 156); "Sou capaz de pregar um bofetão ao aluno se mentir" (Odete 164-168), "E depois é isso a pessoa sente-se desanimada, porque afinal eu não posso mudar... eu recupero dois ou três meninos dentro da escola onde tenho duzentos (...)" (Gabriela 27). As referências às crianças salientam-se como a característica dominante no discurso das professoras sobre a sua prática profissional. Em todas as entrevistas, as dimensões afetiva e emocional, que relacionam as professoras com as crianças, parecem ser a motivação primeira para o exercício de uma profissão que é referida, simultaneamente, como muito compensadora e desgastante: "... gosto de ser professora... gosto das crianças" (Ana 27), "... acho que é uma profissão que nos enriquece muito" (Ana 30), "Agora estou um bocadito cansada" (Sofia 164-166)", "Já estou saturada de tudo, é um ano isso e depois aquilo, nós temos que servir de secretaria, temos que desempenhar tarefas (...)" (Ângela 22). Curiosamente, não são as relações de ensino-aprendizagem que, nesses discursos, caracterizam o eu profissional real, mas, sim, o maternalismo e a responsabilidade moral e social sobre o futuro das crianças, em especial das crianças socioeconomicamente mais desfavorecidas. À intenção de proteção e de orientação das crianças, associam-se observações sobre as dificuldades concretas da sua consecução. Na maioria dos casos, as professoras explicitam uma auto-imagem profissional positiva, embora, em alguns deles, o façam por oposição à imagem que têm da maioria dos seus colegas.
Ser professor: eu ideal
A configuração do eu ideal remete-nos para uma idealização focalizada na conciliação, nas relações com as crianças, das dimensões afetiva e de ensino - "(...) eu preocupo-me em ser atenta, em ser maternal em ser protetora. Porque se eu conseguir estes meus objetivos eu consigo ser mestre" (Sofia 117) - , no desejo de atualização permanente - "(...) não estagnar, não parar, não seguir aquele 'rame-rame' do dia-a-dia (...)" (Manuela 89) - e na intenção de se contribuir para a transformação social por meio da formação dos alunos - " (...) por dar àquelas crianças, dar coisas novas e por elas serem muito diferentes, modificar uma pessoa, de certa maneira modificar o mundo" (Isabel 6). A idéia de transformação da escola num espaço de prazer, de criatividade e de implicação a "tempo inteiro" emerge também no discurso das professoras. Esses ideais são, por vezes, explicitados num registo semântico de frustração: "(...) ao fim de dez anos de carreira eu devia virar tudo de pernas para o ar e ensinar de outra forma (...)" (Gabriela 36), "(...) pensava que as coisas eram mais bonitas e mais simples" (Júlia 20); noutros casos, surgem associados a expressões de entusiasmo e de crença nas capacidades dos professores "ativos e criativos": "Pois idealista é isso, uma pessoa ter na cabeça a idéia dessa escola, escola grandiosa em que se fazem coisas fantásticas, saem de lá pessoas fantásticas, pessoas com capacidade de fazer coisas imaginárias e com muita criatividade..." (Isabel 12), "(...) é ser ativo, trabalhar numa escola ativa, numa escola moderna, que evolui e dá outros horizontes à criança..." (Manuela 89).
Ser professor: os outros professores
A representação das professoras relativamente aos seus colegas, docentes do 1º CEB, é, de modo geral, bastante negativa. Os outros são referidos como profissionais desmotivados, autoritários, acomodados e sem interesse pelas crianças que revelam dificuldades de aprendizagem; são tradicionalistas nos métodos e repressivos na relação com os alunos: " (...) a maior parte do pessoal cristalizou (...). É pouco lutador e nem sempre se atualiza (...)." (Joana 6), "Não as deixam ser livres, ser espontâneas..." (Isabel 15), "Velhos, não em idade (...)" (Lurdes 23), "Mas o tipo de castigo, as próprias atividades que se fazem, já acho isso velho" (idem 27), "(...) as outras colegas se as (crianças com insucesso escolar) ensinassem a ler, se as motivassem e se criassem outras formas de trabalho..." (Gabriela 28).
Ser Mãe
Esta dimensão é referida como a mais genuína da identidade pessoal das professoras e aquela que ocupa um lugar central no seu quotidiano, ainda que nem sempre traduzido em tempo real disponibilizado para estar com os filhos, mas antes pela intensidade de sentimentos que se exprimem nessa relação: "Como mãe, acho que sermos mães acima de tudo (...)" (Eunice 16). O discurso das professoras sobre a sua condição de mãe deixa ainda transparecer um sentimento de frustração, relativamente ao que consideram como ideal, na relação com os filhos.
Ser mulher
A condição de ser mulher surge, quase sempre, associada à condição de esposa, de mãe ou de professora e, raramente, integra o domínio das relações de amizade ou de outro tipo não-familiar. Trata-se de um discurso formulado numa perspectiva bastante positiva sobre si próprias e, freqüentemente, explicitado por contraponto relativamente ao que pensam sobre o sexo masculino: "(...) acho que as mulheres, quando querem, conseguem ser muito mais amigas do que os homens em determinadas situações, conseguem dar-se muito mais, o homem é mais egoísta (...) (Eunice 18), "(...) os homens são menos pacientes em geral (...)" (Gabriela 66).
Conceito de criança
O conceito de criança configura um ser humano irresponsável, sem capacidades de autoproteção e de decisão; profundamente carente de afetos, de orientação e dependente de modelos de adulto para imitar. Simultaneamente, a criança é referida como alguém que surpreende os adultos pela sua imprevisibilidade e que, por isso, desperta sentimentos de ambigüidade e de incompreensão: "(...) se lhes deve incutir já, desde pequeninos, o sentido da responsabilidade, obrigá-los (...)" (Manuela 63-64), "(...) eles quase obedecem porque são obrigados (...)" (Maria 17), "Muitas vezes se não somos nós a protegê-los, e somos, a protegê-los em tudo, em todos os passos do seu dia, a criança anda assim muito à deriva" (Sofia 106).
Conceito de aluno
No conceito de aluno, salienta-se, sobretudo, a dimensão humana do trabalho escolar, com referências à criança e às suas idiossincrasias: "Porque é minha preocupação conhecer bem a criança, portanto, ser atenta às suas reações, à sua maneira de ser, aos seus problemas, às suas alegrias também" (Sofia 103); "(...) eles traziam os problemas para a escola (...)" (Carla 28); "(...) tento ter em linha de conta que o mais importante na sala de aula não sou eu, mas são os meninos que eu lá tenho, e que cada um é um" (Eunice 50). Embora se identifique, em alguns discursos, um conceito tradicional de aluno, inferido pelas referências à sua dependência da autoridade e do controle do professor, relativamente aos processos de ensino-aprendizagem, em particular, e da relação educativa, em geral - "(...) a gente tem que acabar por exercer coação (...) tem que se exercer coação..." (Maria 16) - e ainda por uma referência ao sucesso escolar como dependente apenas das capacidades intelectuais do aluno, na maioria dos casos, o aluno é referido como um sujeito ativo, participativo e com algum poder de influência na definição das tarefas escolares: "Acho que eles (os alunos) também têm uma palavra a dizer em toda esta modificação" (Helena 7); "(...) eles não têm problemas, levantam-se, vêm ter comigo e perguntam-me (...) vão ver os livros e vão procurar (...) eu gosto muito de os deixar" (Manuela 98). Identificamos também algumas observações que nos permitem inferir uma idéia de aluno que não se limita ao espaço escolar, uma vez que o espaço familiar é referido como imbuído dos mesmos objetivos de escolarização, designadamente no que diz respeito à coação que as famílias exercem sobre as crianças, no sentido de desenvolver competências escolares precocemente ou de modo desajustado ao ritmo de aprendizagem das crianças: "(...) a criança vem para a escola porque tem que vir, os próprios pais que dizem que tem que vir para a escola, tem que aprender, muitas vezes quando vêm para a escola, para a primeira classe, já vêm preocupados porque não sabem escrever, porque a mãe em casa manda-os escrever e eles não sabem, e vêm tristes (...) agora elas (as crianças) têm medo de não saber!" (Ana 38); o espaço familiar (incluindo o período de férias escolares) é, ainda, invadido pela obrigatoriedade de realização, por parte das crianças, de uma série de tarefas escolares.
Os alunos são caracterizados como "trabalhadores" em permanente atividade e a quem se exige esforço: "(...) e atividade pela sala toda, sempre com atividade constante, nunca ter os miúdos parados (...)" (Carolina 5); "(...) obrigava-os a trabalhar, eu gosto muito de pôr, de ter os miúdos a trabalhar (...)" (Manuela 98); "(...) estamos à espera que o aluno dê mais, dê mais e então vamos reprová-lo à espera que o aluno dê mais" (Noémia 9-11). Simultaneamente, surgem referências às dificuldades que os professores enfrentam para impor os ritmos de realização do trabalho escolar: "(...) é o eles fazerem barulho, que é incrível, e o eles fazerem o que querem e lhes apetece, é o eles demorarem a fazer uma ficha (...)" (Lurdes 19). Paradoxalmente, as referências sobre os alunos que revelam maior expressão nas entrevistas são aquelas que salientam preocupações com uma escolarização agradável, lúdica e comunicativa; que consideram a idéia de aluno como uma criança carente de afetos e de atenção e para quem as relações educativas constituem relações de agrado e de ajuda que, em muitos casos, não são vivenciadas no contexto familiar.
Relação com os alunos
O modo como se explicitam os contornos desta relação raramente inclui as relações de ensino-aprendizagem, salientando-se antes as dimensões:
- de afeto: "Portanto, mas para ela (a criança) lidar comigo, para ter abertura comigo, ela precisa de sentir que eu gosto dela. Não é?" (Sofia 109); "Dentro da sala de aula sinto que consigo criar fortes elos afetivos com os alunos" (Fernanda 4);
- de ajuda: "Lidamos de perto com as crianças, conhecemo-las e interessamo-nos muito pelos problemas delas: vida de casa, a família... às vezes até mais do que alguns pais. Algumas crianças têm mais apoio na escola, nos professores, do que têm dos pais" (Odete 6);
- de agrado: "(...) sinto-me bem na ligação com os miúdos" (Lurdes 3), "Fundamentalmente, é uma preocupação que eu tenho, é fazer com que os miúdos gostem de estar ali, se sintam bem ali" (Odete 8).
As poucas alusões à relação pedagógica confluem com a convicção de que a sua eficácia se articula com o desenvolvimento das relações de afeto, de ajuda e de agrado: "(...) e às vezes digo às minhas colegas, acho que qualquer método é bom, desde que a pessoa tenha, quer dizer, a criança sinta que nós temos amor (...), a criança tem que adquirir saber, mas primeiro acho que, se não houver um apoio afetivo, a criança não aprende (...)" (Gabriela 18). A relação com os alunos é referida como uma relação mais maternal do que profissional e na qual se destacam a confiança, a proteção, a tolerância e o respeito pelas especificidades de cada criança e a intensidade de sentimentos que despoleta nas entrevistadas: "(...) envolvo-me muito, às vezes até demais" (Júlia 12), "(...) é com eles que estou mais próxima do que com qualquer ser humano (...) e isso preocupa-me, a vida" (Rute 21), "(...) que é formidável, acho que os miúdos nos ajudam a equilibrar-nos, porque nós sentimos que quando eles vêm para o nosso pé, seis aninhos, cinco aninhos, são de nós, não é nada, não é de ninguém..." (Gabriela 10).
Relação com os pais
A relação com os pais não é aludida, de modo similar, pelas professoras; assim, nuns casos, as professoras dão conta de uma relação conflituosa e problemática, enquanto noutros referem uma relação de diálogo e de colaboração entre os pais e a escola. As situações de conflito surgem associadas ao desinteresse, manifestado pelos pais, relativamente à atividade escolar dos alunos que, por vezes, se extrapola para a produção de inferências sobre um desinteresse mais geral pelos filhos: "Negativa, muito negativa (a relação com os pais) (...) Não aparecem nem querem saber, e se for preciso, o filho até reprova no fim do ano, eles nem sequer assinam a folha de informação, nem sequer sabem se os filhos passam ou não passam (...)" (Eunice 27 e 33). Também são referidas situações de conflito pelas dificuldades na comunicação com os pais relativamente às metodologias de ensino-aprendizagem, designadamente a sua contestação às inovações pedagógicas.
Métodos pedagógicos
Embora identificássemos referências aos métodos pedagógicos, em quase metade das entrevistas analisadas essas referências não são muito esclarecedoras do tipo de metodologias utilizadas e revelam, sobretudo, uma atitude educativa contextualizada em atividades escolares específicas. Assim, os discursos das professoras sobre as suas práticas profissionais com os alunos induzem-nos à idéia de que, embora as docentes planifiquem o seu trabalho, essa planificação é flexível e contempla a imprevisibilidade, ao dar prioridade aos interesses e problemas que as crianças manifestam no decurso dessa ação, relativamente ao cumprimento da planificação: "Tenho presente que este ano aconteceu-me várias vezes isso, aconteceu-me uma altura que foi com Timor, que a planificação que tinha pensado, e depois dei uma aula completamente diferente" (Gabriela 62). Salientam-se ainda, na análise, o recurso freqüente às histórias das crianças, para desenvolver determinados conteúdos programáticos, e a preocupação com a dimensão lúdica e motivadora do trabalho escolar: "(...) saber pegar na história do miúdo e aproveitá-la para o que eu queria" (Manuela 28), "O engendrar uma história para motivar a aula; o improvisar uma canção de momento; essas coisas assim que às vezes surgem e outras vezes não surgem" (Odete 30).
Obstáculos
Os obstáculos referidos situam-se no domínio dos saberes, dos meios e das condições de trabalho. As dificuldades na fixação dos professores a determinadas escolas e na comunicação profissional entre pares surgem como os principais obstáculos à satisfação docente: "E tenho pena não poder ainda aprofundar mais, porque estou num ano, no ano seguinte posso já não estar" (Lurdes 10), "(...) sinto uma certa frustração de grupo (...). Há muita dificuldade em encontrar um grupo coeso, em que as pessoas tenham muita vontade de trabalhar, em atingir um fim comum..." (Maria 8). As professoras referem, também, a falta de estruturas de apoio para a resolução dos problemas com que se deparam no cotidiano escolar, designadamente no domínio das dificuldades de aprendizagem e das deficientes condições socioeconômicas de muitos alunos. Quanto às dificuldades dos alunos em aprender, as professoras não só manifestam a sua incapacidade profissional como consideram o saber disponível escasso e inadequado às situações concretas. As deficientes condições socioeconômicas dos alunos são apontadas como a causa primeira do insucesso dessas crianças e, sobre isso, culpabiliza-se a falta de estruturas de apoio social às famílias e a inexistência de outros profissionais, nas escolas, para assumirem parte dessas funções.
4.3. Os discursos das professoras sobre a infância: ambigüidades e contradições
Ao analisarmos as concepções das professoras entrevistadas sobre distintas dimensões da sua prática profissional - acautelando o fato de não serem reveladoras das condições reais da sua ação docente - não podemos deixar de salientar quer a sua complexidade quer a perplexidade que nos suscitam, pela incoerência intrínseca dos seus discursos.
Ao encontrarmos poucas referências sobre os processos de ensino-aprendizagem e de as concepções sobre a relação educativa se inserirem, predominantemente, no domínio das emoções e dos afetos, perspectivamos a vivência, por parte das professoras, de conflitos perturbadores sobre a dualidade de se ser criança e ser-se aluno, o que aliás converge com a constatação de que os seus discursos revelam uma abordagem mais maternalista do que profissional. A identificação da identidade maternal como a mais genuína e relevante na vida das professoras associada ao discurso maternalista sobre a sua ação profissional poderá significar que a escola constitui, para elas, uma extensão da instituição familiar e que, por isso e também devido ao fenômeno de feminização da profissão docente no 1º CEB, as pretensões institucionais originárias da escola pública, de ruptura entre os domínios público e privado, possam estar a ser subvertidas.
A idéia de aluno que emerge da análise não corresponde à entidade abstrata e homogênea que a escolarização pretendeu criar, antes nos revela um conceito difuso e pluridimensional; por um lado, admite-se a idiossincrasia e a diversidade dos alunos, mas, por outro, explicitam-se intenções de fazer convergir as suas atitudes com modos de trabalho escolar padronizados. O trabalho escolar é referido com contornos de exterioridade relativamente à vida das crianças, como algo que lhes é exterior e estranho e relativamente ao qual os professores sentem dificuldades em as motivar.
Os discursos das professoras sobre os conceitos de criança e de aluno anunciam possíveis contradições e discrepâncias: a criança "rousseuniana", frágil, imatura, carente e dependente da proteção dos adultos, e o aluno dotado de vontade própria e com capacidades de trabalho que não se adequam à fragilidade com que é referido na condição de criança. O aluno é ainda configurado como um ser capaz de "manipular" a relação educativa por meio do poder que lhe é outorgado pela capacidade de surpreender e cativar os adultos.
Os discursos das professoras realçam as dificuldades e as frustrações sentidas na intencionalidade instrutiva da sua ação, o que é justificado pela referência a obstáculos centrados nas características dos alunos e em incapacidades nos domínios do saber e das competências profissionais. Talvez, por isso, se saliente a dimensão maternal em detrimento da dimensão profissional.
O sentido de crítica negativa que as professoras exprimem, relativamente aos restantes docentes, é revelador de possíveis perturbações nos processos de construção da identidade profissional docente devido, por um lado, à rejeição da imagem pública e estereotipada do professor tradicional do 1º CEB e, por outro, à dificuldade em construir um discurso coerente sobre a sua própria identidade.
De modo geral, a profissão docente é vivida como um trabalho de profunda exigência ética, social e psicológica: as referências às capacidades que é necessário mobilizar nas práticas educativas quotidianas incidem na responsabilidade, na consciencialização social, na comunicação, no dinamismo, na atualização de conhecimentos profissionais, na implicação psicológica, na solidariedade, na compreensão, na atenção, no carinho, na paciência, etc. Não se estranha, por isso, que à definição de um perfil humanamente tão exigente corresponda a explicitação de frustrações, descontrole e desânimo.
A idealização sobre uma escola que constitua um contexto educativo global, um espaço de prazer e de comunicação e no qual as crianças encontrem os apoios que escasseiam na família distancia-se do mundo complexo e contraditório, feito de tensões, de emoções e de angústias, que é inferido pelos discursos das professoras sobre os seus cotidianos profissionais.
5. CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA E DE EDUCAÇÃO ESCOLAR: O SENTIDO DAS TRANSFORMAÇÕES NOS DISCURSOS DAS PROFESSORAS
Argumentamos, ao longo desta exposição, que a infância constitui uma categoria social que tem sido configurada por meio de práticas sociais diversas e até por vezes contraditórias, articulando-se com uma configuração simbólica fundamentada em discursos socioculturais e científicos relacionados com a institucionalização da família, da escola e do direito e relativa a uma idéia singular de humanidade e de sociedade. A escolarização das crianças assumiu uma dimensão estruturante na formação dessa configuração e contribuiu decisivamente para a construção do senso comum da idéia de infância. A escola não se limitou a instruir os mais novos, mas foi o dispositivo social e epistemológico da subjetivação moderna. A feminização da profissão docente, por razões sócio-históricas e políticas, associou-se a esse processo e imprimiu-lhe especificações particulares.
As transformações sociais, políticas, econômicas e científicas das últimas décadas perturbaram a matriz ideológica de sustentação da subjetivação moderna, dando origem a um estado de crise das instituições e, por isso também, dos processos de escolarização e das significações que lhes estão associadas. As concepções sobre a infância relacionam-se, intrinsecamente, com as concepções de adulto e de maturidade pessoal e social, não podendo estas ser compreendidas sem esclarecermos as primeiras. Estamos convictas de que as práticas escolares, como realidades situadas de uma configuração específica sobre a infância, resultante das concepções dos professores, das prescrições curriculares, das culturas instituídas e instituintes e das práticas sociais particulares das crianças, contribuem para esse esclarecimento.
A análise dos discursos das professoras sobre as práticas escolares permitiu-nos compreender as suas concepções sobre a infância e inferir o seu desdobramento em dois seres distintos: as crianças e os alunos; permitiu-nos, ainda, compreender quer as perturbações de natureza emocional e moral dessa duplicidade quer a incapacidade profissional para fazer cumprir os objetivos da escolarização de massas. Percebe-se, também, nos seus discursos, uma profunda discrepância entre a escola idealizada e a escola percepcionada, sendo esta referida como uma realidade complexa e geradora de sofrimento.
A comparação dos resultados aqui apresentados aos resultados da análise das entrevistas biográficas, realizadas recentemente (PEREIRA, 2007), permitiu-nos constatar a existência de algumas regularidades, designadamente quanto ao conflito entre o controle e a expressão dos afetos, às dificuldades em gerir a relação educativa e em individualizar o ensino e à afirmação de uma identidade por oposição a outras subculturas docentes. No entanto, registamos uma alteração muito significativa e de sentido positivo na capacidade de refletir e argumentar sobre a ação profissional e no domínio dos saberes sobre as crianças. Centrando-nos especificamente na relação entre as dimensões relativas aos conceitos de aluno, de criança, de currículo e de relação educativa, foi possível configurar dois ideais-tipo4 4 O ideal-tipo resulta da organização e da unificação de um conjunto de informações, integrando-as numa "constelação" de traços próprios ao fenômeno investigado (BRUYNE; HERMAN; SCHOUTHEETE,1991). distintos e que nos possibilitam uma reflexão sobre possíveis transformações em curso (FIGURAS 1 e 2).
A comparação destes ideais-tipo revela-nos uma deslocação do locus da relação educativa, da tensão entre a criança e o aluno, para uma articulação entre o currículo e um novo tipo de aluno que integra e redimensiona a criança, desenvolvendo novas competências e formas de interação. Parece que o desdobramento da infância em dois tipos de seres distintos - a criança e o aluno -, identificado nas entrevistas realizadas em 1990, deu lugar a uma recomposição que nos revela um ser criado pela escolarização e que existe em função dela, mas que a ultrapassa e subverte - pela rejeição, pela sedução e pela competência -, integrando na sua essência a qualidade de ser criança.
Pensamos que a idealização sobre a infância e a sua relação com os princípios estruturantes da escolarização se situam num domínio mais simbólico do que real e que a sua distanciação relativamente às subjetividades das crianças e das práticas sociais escolares tem constituído um fator de sofrimento para as professoras e para os alunos. Na realidade, nem o conceito de infância como dizendo respeito a um ser frágil, incapaz e imaturo se reflete nas práticas sociais das crianças, que nos revelam capacidades de resistência, iniciativa, organização política e sentido de justiça, subversão, sedução e até contestação à autoridade, nem o ofício de aluno tem em conta essas capacidades. Não estranha, por isso, que à ausência de referências sobre processos de escolarização, desenvolvidos segundo a lógica curricular instituída, corresponda a explicitação, por parte das professoras, sobre as dificuldades e os constrangimentos no seu desenvolvimento; pois, apesar disso, insistem em práticas pedagógicas padronizadas e convergentes com uma idéia estereotipada de aluno.
As reformas curriculares mais recentes têm integrado as reflexões que tendem a complexificar e redimensionar o conceito de aluno e das capacidades que lhe são reconhecidas. No entanto, o fato de essas reformas se implementarem segundo racionalidades lineares e teleológicas e numa lógica de exterioridade relativamente às práticas sociais com as crianças e para as crianças (referimo-nos designadamente aos materiais produzidos para a infância, aos manuais escolares, aos programas dos media, à publicidade, às práticas familiares, escolares, de saúde e do direito e às relações entre pares) e aos processos de desenvolvimento profissional dos professores tem contribuído para o seu fraco impacto na instituição escolar.
O contexto socioeducativo no qual as crianças produzem e reproduzem formas de vida é, hoje, um contexto incerto, inseguro e justificado por racionalidades divergentes e conflituais: as pretensões de escolarização pública, os mandatos sociopolíticos, os interesses locais e contingentes, as demandas socioprofissionais, a ocupação dos tempos livres dos mais jovens, o maternalismo, o autoritarismo, a introdução das novas tecnologias, etc. Esta complexidade não tem sido objeto de reflexão institucional, o que tem favorecido a subjugação da intersubjectividade, que caracteriza o mundo da vida, a uma hegemonização do sistema, por meio de ações estratégicas e instrumentais que não consideram os processos de intercompreensão humana.
Como refere Habermas (1987), o mundo da vida é constituído por dimensões especializadas na reprodução cultural, na socialização e na integração social que dependem da ação orientada para o entendimento e as suas lógicas fundamentam-se nos princípios da ação comunicativa. Por isso, as relações entre a infância, a educação escolar e as concepções dos professores só poderão recompor-se segundo uma ética comunicativa que integre processos de consciencialização crítica sobre o conhecimento e a ação escolares e sobre as formas de vida diversas que constituem os mundos das crianças.
NOTAS
2 Research project in Educational Sciences developed in 2003, at the Educative Research and Intervention Centre of the Faculty of Psychology and Educational Sciences of the University of Porto, supervised by Prof. Amélia Lopes and financed by the Instituto de Inovação Educacional.
Contato:
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Rua Dr. Manuel Pereira da Silva
4200-392
Porto
Portugal
Recebido: 17/09/08
Aprovado: 25/09/08
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Abr 2009 -
Data do Fascículo
Abr 2009