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Os Conselhos e a participação do trabalhadores

Os Conselhos e a participação do trabalhadores

Silvio Caccia-Bava

Sociólogo e pesquisador da URPLAN

Passado um ano de governo do PMDB, em São Paulo, o que se pode dizer do projeto de democracia participativa e da defesa dos interesses dos trabalhadores, ambas pregadas na campanha eleitoral? Segundo os professores secundários em greve, que tomaram as ruas de São Paulo em enormes passeatas, "o povo elegeu, mas já se arrependeu"!

De fato, são inúmeros os exemplos de como o PMDB se mostrou incapaz de honrar os seus compromissos assumidos em praça pública. O prefeito de São Paulo foi nomeado por Montoro, os administradores regionais nomeados pelo prefeito, os Conselhos Populares propostos para atuarem junto às administrações regionais não existem, o funcionalismo vive o maior arrocho salarial de sua história, os movimentos sociais não encontram eco para as suas reivindicações junto à administração pública, o orçamento proposto pelo PMDB para a capital mantém os mesmos critérios de distribuição de verbas para atender às necessidades da população que aquele outrora elaborado pelo PDS, na administração anterior.

Tudo isso tem levado a um crescente descrédito da população, não só com a administração do PMDB, mas também com as instituições. A população passa a assumir, cada vez mais, com as suas próprias mãos, a luta por seus direitos e pela sua sobrevivência. Os saques de abril e setembro, as greves, as depredações de trens e ônibus, as ocupações de terras, a pressão dos movimentos populares são expressão da revolta que o povo manifesta quanto à incapacidade do governo em resolver seus problemas.

No centro desta crise está a resistência deste governo em se abrir à participação política dos trabalhadores. Há dias, nos jornais, surgiu a menção de que, comandando a ação política no interior do PMDB, haveria um "partido clandestino da burguesia", o extinto PP, que estaria muito mais interessado em estabelecer fórmulas de conciliação com o governo federal que em se colocar ao lado dos interesses dos trabalhadores. Frente a esta realidade política, quais as alternativas que se colocam para os trabalhadores, suas entidades e seus movimentos?

Um caminho de fortalecimento das lutas

A meu ver, a única saída é tentar negociar seus interesses a partir de uma posição de força, como fizeram os metalúrgicos do ABC, os professores e a população desabrigada, que ocupou o terreno da Santa Casa na Zona Norte de São Paulo. Só nestes casos temos visto o governo preocupado em encontrar soluções para os problemas da população. E é bom que fique claro que a radicalização de posições não vem do movimento social, que tem tentado todas as vias de negociação para resolver os seus problemas, mas da intransigência e da insensibilidade das autoridades para com as questões que afligem a população.

Esta conclusão nos leva a discutir as possibilidades de unificação e politização das lutas que se multiplicam pelos bairros da periferia de São Paulo e de outras cidades de nosso estado. Por isso, é preciso aprofundar a compreensão de algumas importantes experiências que vêm ocorrendo nos últimos anos, no Brasil, e que apontam para a proposta de formação de Conselhos Populares como um caminho de fortalecimento das lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida dos bairros e, também, como um instrumento de acúmulo de forças que prepare o terreno para lutas maiores dos trabalhadores.

Já existem experiências, no Estado de São Paulo, da união de lutas que aumentaram em muito o poder dos trabalhadores de exigirem os seus direitos frente ao Estado. É o caso dos Conselhos Populares de Saúde, que atuam sobre os postos de saúde e a Secretaria de Saúde. Na Zona Leste, no município de São Paulo, existem 18 conselhos que, obedecendo à política definida pelo movimento de saúde, e eleitos por voto direto de 95 mil moradores da região, exercem o controle sobre o poder público e interferem na política de saúde do município, defendendo os interesses da população. São conselhos que atuam dentro de uma instituição.

Já o Conselho Popular das Comunidades de Osasco, que reúne 46 entidades populares e tem sindicatos participando, tem objetivos bem mais amplos: luta pela solução dos problemas gerais dos trabalhadores de Osasco e discute até o orçamento do município, a distribuição das verbas da prefeitura. Outro exemplo é a Assembléia do Povo, de Campinas, uma entidade que reúne 21 associações e potencializa a luta dos favelados: trata da questão da posse da terra e das benfeitorias necessárias às favelas.

Essas experiências surgem das lutas e não de uma fórmula que possa ser aplicada em qualquer caso. A unificação das lutas populares se dá onde já existem movimentos organizados e tomam a forma que os movimentos decidem. Elas, entretanto, apontam para o fortalecimento do poder popular, para a politização dos movimentos, para a construção de formas de controle e intervenção dos trabalhadores na definição das políticas públicas. Num regime autoritário, como o que vivemos, essas práticas colocam o poder popular embrionário em contraposição ao poder do Estado. Têm um significado importante para os trabalhadores porque lhes dão maior força na luta e lhes permitem pensar como querem modificar a sociedade para atender às suas necessidades e interesses.

Os Conselhos Populares, tal como foram construídos nos casos de Osasco, Campinas e da Zona Leste de São Paulo, são organismos autônomos, independentes do Estado e dos partidos políticos, que impulsionam a formação de um poder popular cuja força está na sua sustentação por amplas mobilizações de massa. Seu objetivo é pressionar o governo para atender às reivindicações populares e reconhecer o peso político que têm os trabalhadores organizados. São conselhos que visam impulsionar a capacidade de luta dos movimentos e entidades populares que, sozinhos, não têm o necessário poder de pressão para ver as suas reivindicações atendidas pelo Estado.

Há, entretanto, um grande desconhecimento destas experiências no conjunto do movimento popular. Se estas práticas não forem discutidas amplamente, muitas entidades e movimentos continuarão enfrentando, sem sucesso, as dificuldades que têm os trabalhadores em se manter continuamente mobilizados em torno das suas reivindicações.

A participação política dos trabalhadores implica a construção de formas de organização e de luta que venham a romper com as formas tradicionais de representação impostas pelo regime autoritário em que vivemos. É só a partir de uma posição de força, garantida pela capacidade de amplas mobilizações de massa, que os trabalhadores terão condições de intervir no plano institucional da política, nos parlamentos, nas definições das políticas públicas e no controle das ações do executivo, de maneira a garantir que os seus interesses sejam considerados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Set 1984
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