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Trabalho, sindicalismo e reconversão industrial no Brasil nos anos 90

ARTIGOS

Trabalho, sindicalismo e reconversão industrial no Brasil nos anos 90* * A discussão de versões prévias deste texto no IV Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia (Kio, julho de 1989) e na Mesa Redonda "Le Brésil à l'Aube du Troisiemc Milenaire"'(IHEAL, Paris, fevereiro de 1990) em muito 'contribuiu para a clareza das idéias aqui expressas. Agradecemos ainda os comentários de Anete Brito Leal Ivo e Milton Santos Filho.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães; Nadya Araújo Castro

Professores adjuntos do Departamento e do mestrado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia e pesquisadores do Centro de Recursos Humanos da mesma Universidade

Estudos sobre trabalho industrial e sindicalismo no Brasil foram constantes nas últimas décadas. Do mesmo modo, são várias, sistemáticas e cuidadosas as revisões bibliográficas que discutiram esses estudos, sob diversas óticas (Pinheiro, 1975; Erber et al, 1981; Vianna, 1982, 1984; Sorj, 1983; Abreu, 1985; Guimarães e Castro, 1987; Sader, Paoli e Telles, 1983).

Não é nosso objetivo aqui trilhar os mesmos caminhos na busca de um novo reordenamento de idéias. Ao contrário, desejamos explorar uma vertente ainda incipiente dessa literatura. Referimo-nos especialmente às reflexões que, contextualizando a crise atual e as tendências internacionais de reconversão industrial, começam a pensar as modificações por que passam, no Brasil, o processo, a gestão do trabalho e a organização da classe operária. Isso nos exigirá alguma ousadia interpretativa, a qual estará, todavia, bem calçada nos inúmeros estudos, alguns já clássicos, outros recentes, que analisam as tendências das transformações que despontavam desde o final dos anos setenta.

A RECONVERSÃO INDUSTRIAL EM CURSO

Nunca, no Brasil, tivemos tão pouca confiança no futuro quanto hoje. O nosso tempo e marcado pela confluência e pela superposição de várias crises que se acirram mutuamente e se amplificam. São crises econômicas e políticas, com determinantes nacionais e internacionais. Refletir sobre o nosso futuro industrial, significa, portanto, começar por deslindar os elos que articulam a reconversão em curso, a nível mundial. De fato, em sociedades umbilicalmente ligadas ao movimento das trocas internacionais, como o Brasil, a reflexão tem forçosamente que se dar nos parâmetros oferecidos pelos novos paradigmas de produção que se formaram a partir da crise de acumulação dos anos setenta. Em que consistem esses paradigmas? Comecemos pela nova razão tecnológica.

Kaplinsky (1989) fala da transição de um modelo organizacional do tipo "maquinofatura" para um modelo de tipo "sistemofatura"; nessa transição, mais que uma mera transformação da base técnica, de eletromecânica para micro-eletrônica, verificam-se mudanças organizacionais internas e externas à empresa. A alteração nos padrões de organização da produção vem associada à mudança das relações industriais e à tendência à cooperação no plano das relações inter-empresariais.

Fleury e Salerno (1989:4) destacam que nesse novo modelo organizacional tornam-se "mais intensos, rápidos e confiáveis a aquisição, (o) processamento e (a) disseminação de informações"'. E isso que, segundo eles, possibilita a adequação dos processos de planejamento, decisão e controle "ao contexto de 'turbulência' e mudança que caracteriza a conjuntura atual". A mudança tecnológica em direção à microeletrônica faculta, sem dúvida, o desenvolvimento desse novo modelo, possibilitando que a automação deixe de ser um mero processo de transformação física de materiais para ser um processo de manipulação, controle e transferência de informações.

O desenvolvimento deste modelo em escala mundial teria posto em cheque o antigo paradigma industrial da produção em massa. O novo paradigma, chamado por Piore e Sabei (1984) de especialização flexível, ao invés de manufaturar bens padronizados através do uso de maquinaria especializada e de um exército de trabalhadores desqualificados, estaria fundado numa lógica diferente. Consistiria no uso de máquinas destinadas a produzir bens heterogêneos, aptas a responder aos requisitos de mudança do mercado, para o que deveriam ser operadas por trabalhadores especializados e responsáveis.

Estas considerações abrem, sem dúvida, toda uma nova gama de indagações relativas ao caso brasileiro. Inicialmente, parace plausível a formulação de Schmitz (1989) segundo a qual a nossa permanência num mercado internacional altamente competitivo requer a capacidade de adaptação ágil a situações disruptivas. Isso porque a dinâmica geral da crise internacional e dos realinhamentos na organização industrial, por ela ocasionados, deve ser enfrentada em .condições especiais, marcadas por dois fatores agravantes: o crescimento da dívida externa e o decréscimo do poder de compra das exportações.

Nesse sentido, numa economia tão fortemente articulada em escala internacional, como já havia se tornado o Brasil nos anos 70, rapidamente se propagam os efeitos da reestruturação industrial resultantes da dinâmica dos países capitalistas centrais. Esses, entrentanto, se particularizam tanto pelas restrições econômicas destacadas por Schmitz, quanto pelas características sócio-culturais que redefinem a absorção das políticas participativas emprestadas, via de regra, ao chamado "modelo japonês" (Hirata, 1983).

De qualquer modo, parece certo que o aprofundamento da crise interna, nos anos 81-83, intensificou o processo de orientação da produção para o mercado internacional, marcado pelos padrões de concorrência ditados pelo novo modelo de organização da produção (Carvalho, 1988). O curioso é que a produção brasileira, que se consolidara exatamente com base em padrões de tecnologia e de organização industrial marcados pela rigidez da produção em massa, precisou voltar-se para o mercado externo de modo mais marcante justamente quando, no plano internacional, se aprofundavam as características da nova modalidade de acumulação flexível.

Mais ainda, no caso brasileiro há que se recuperar um outro ingrediente que torna a crise ainda mais disruptiva: a mudança na natureza da ação estatal. Durante todo o desenvolvi mento do modelo de produção em massa no Brasil, especialmente na década de 60 e 70, o Estado teve um papel preponderante na orientação, no fomento e na inversão industrial. Os anos 80, entretanto, vão encontrar o Estado marcado pela passividade, só parcialmente creditável à aguda crise financeira na qual se vê envolvido. Fleury e Salerno (1989) chamam a atenção para a enorme inconsistência que marca as políticas recentes de crescimento industrial, reflexo, segundo eles, da falta de consenso em torno de metas e da desarticulação entre o Estado, a iniciativa privada e a comunidade científico-tecnológica.

Tal situação é agravada por um traço adicional, insistentemente reiterado na literatura: a inapetência empresarial para a inovação, frequentemente apenas assumida em condições de ausência de riscos produzidas pelo anteparo estatal. Estudo recente (IA, 1989 apud Fleury, 1989:8) apontou tendências preocupantes no comportamento tecnológico das firmas industriais brasileiras, cujas características em muito pouco se aproximam do quadro típico à ação empresarial, tal como concebida no novo paradigma internacional de organização industrial flexível. Esse estudo verificou: i) a baixa propensão à inversão em tecnologia; ii) a propensão, ao contrário, ao planejamento de curto prazo, iii) a resistência ao comportamento associativo para a capacitação tecnológica;- iv) a tendência ao comportamento imitativo e dependente.

Assim sendo, quais as reais possibilidades de ampla inovação tecnológica num país onde a trajetória de modernização industrial, quando não tributária da presença de subsidiárias de multinacionais (como é o caso da automobilística), tem estado fortemente assentada na ação do investimento estatal (e. g., setores capital-intensivos das indústrias de processo contínuo e semi-contínuo, além do caso especial da aeronáutica)? Que esperar do futuro imediato quando o Estado se vê imerso numa profunda crise financeira e também numa crise de legitimidade, de alcance imprevisível? Nesse sentido, até onde a reestruturação industrial capitalista dos anos 70-80 repercutiu no Brasil na forma de uma verdadeira e abrangente modernização tecnológica?

Os múltiplos estudos de caso que a produção acadêmica brasileira tem desenvolvido desde meados dessa década parecem apontar algumas tendências importantes no que se refere à realidade atual da modernização industrial (Fleury e Salerno, 1989):

(i) É grande a heterogeneidade entre setores e até mesmo entre empresas de um mesmo setor; na automobilística, por exemplo, as montadoras modernizaram os seus equipamentos e a sua gestão da produção, mas entre as empresas de autopeças apenas algumas se modernizaram, e mesmo assim parcialmente, pois somente os aspectos organizacionais foram tocados;

(ii) A competição no mercado internacional se constituiu no móvel de todo o esforço: não por acaso, são as empresas exportadoras dos setores dinâmicos aquelas que têm buscado a modernização. Contudo, embora a condição historicamente necessária, a competição no mercado externo não parece ter sido suficiente para, sozinha, induzir à modernização de todo o parque. O caso típico são as indústrias que se voltam para o mercado externo após a crise e que, em sua maioria, continuam a basear sua competitividade no baixo preço do salário;

(iii) A modernização resulta de ações individualizadas, sendo raras as experiências de articulação entre empresas ou entre empresas e universidades. Isso deve ser creditado tanto à falta de uma ação governamental que promova essa articulação, quanto à excessiva verticalização das firmas industriais brasileiras. A primeira é resultado da ausência de uma clara política industrial, a segunda advém da heterogeneidade do tecido industrial, que as obrigaria a desenvolver tecnologia em várias áreas;

(iv) O modelo real de modernização predominante até agora tem sido o de flexibilização de produção em massa, seja através da reorganização das grandes empresas (melhor integração interdepartamental), seja através da modernização da rede de fornecedores em torno de uma grande empresa. Em ambos os casos, a indução à automação parece advir da fixação dos preços dos produtos e componentes a níveis internacionais (Costa e Rabelo, 1989).

Esses traços, sozinhos, já nos indicariam prudência ao trabalhar com o chamado "paradigma de flexibilização" para explicar as recentes tendências industriais no Brasil. Eles estão a demonstrar, claramente, a presença de alguns limites societários para o curso da reconversão e para transposição de modelos organizacionais ou tecnológicos.

FLEXIBILIZAÇÃO E PÓS-FORDISMO

De fato, para os teóricos da reconversão; a busca de novas formas de organização da produção, além de requisito técnico para a economia de custos, seria essencial para garantir o incessante aperfeiçoamento do processo produtivo. O novo paradigma de produção, unindo razão tecnológica e razão organizativa deveria colocar na ordem do dia a mudança nas relações de trabalho (Schmitz, 1988; Freyssenet, 1989). Para alguns autores, inclusive, a rígida separação taylorista entre concepção e execução estaria nas raízes da crise (Lipietz, 1982). Esta seria, portanto, ao mesmo tempo, uma crise de produtividade (devida ao fordismo** ** Usamos o conceito de fordismo no seu sentido estrito, i. e., de forma de organização produtiva em grandes escalas, baseada no controle mecânico do ritmo de trabalho, na fragmentação das tarefas e na supervisão direta sobre os trabalhadores. Não o empregamos, por razões analíticas, na acepção mais ampla que lhe dá a escola regulacionista. ) e uma crise de lucratividade (provocada pelo aumento constante da composição orgânica do capital).

A conclusão necessária, portanto, é de que a saída da crise deveria se dar por um revolucionamento não apenas no plano da tecnologia, mas por uma equivalente transformação das relações sociais de trabalho. Nesse sentido, os teóricos do novo paradigma são enfáticos em realçar as múltiplas conseqüências do pós-fordismo, que poderiam ser sumarizadas em seis pontos principais:

(i) a divisão e desqualificação do trabalho parecem ceder lugar ao múltiplo encargo (multi-tasking) e à poli-qualificação (multi-skilling); ou seja, o trabalhador preferencial é visto como aquele capacitado para o desempenho de várias tarefas com qualificação igual para todas (Schmitz, 1988, 1989; Freyssenet, 1989);

(ii) o número de trabalhadores manuais (blue collars) tende a ser superado pelo de não-manuais (white collars) mesmo ao nível do setor industrial. Aumenta enormemente a necessidade de serviços de produção (consultoria, engenharia de produção, programação, projeto e desenho, marketing) (Schmitz, 1988; Coriat, 1983). Esses serviços tendem a se tornar, no futuro, parte da divisão social do trabalho (como setor separado), substituindo a divisão técnica de trabalho ao interior da empresa (Kaplinsky, 1889);

(iii) a organização hierárquica passa a ser substituída pela troca de informações entre gerentes e trabalhadores e pela maior responsabilidade do trabalhador de linha; por outro lado, o aprofundamento dos padrões da sistemofatura reata o nexo entre fábrica e escritório (Schmitz, 1988, 1989), não apenas no sentido da ampliação do controle de linha, mas da necessidade de interconexão entre tarefas de planejamento e de execução (operadores que programam e programadores que requerem o diálogo cada vez mais constante com o pessoal de operação);

(iv) a separação entre controle de qualidade e produção é desfeita e esses dois âmbitos são reintegrados pelo controle de qualidade total (Kaplinsky, 1989);

(v) a ênfase no desempenho individual cede lugar à preocupação com o desempenho de equipes; assim, eficiência e confiabilidade dos trabalhadores tornam-se possíveis apenas enquanto atributos de coletivos (Schmitz, 1988);

(vi) introduz-se, ou pelo menos consolida-se, a tendência à subcontratação de trabalhadores que, longe de ser uma exigência técnica do processo de trabalho, parece ser uma estratégia de controle social que se generaliza (Coriat, 1983). Isso estimula a competição entre os ocupados e exploração da pouca capacidade de resistência dos não-organizados (Terssac, 1978; Coriat, 1983). Em contrapartida, no intuito de se criar uma comunidade de interesses, ampliam-se as benesses para o segmento dos trabalhadores estabilizados.

O ideário desse paradigma é muito importante para se entender o futuro das relações sociais de trabalho nos países de industrialização recente, como o Brasil. Países que ingressaram no circuito do capital industrial nos marcos do modelo fordista de produção em massa, organizado por grandes corporações internacionais, as quais, na busca de novos mercados e de áreas de baixo salário, promoveram um movimento de relocalização industrial em larga escala. Que esperar desse fordismo periférico quando a desqualificação do trabalho deixa de ser uma vantagem para se tornar um estorvo e quando a proximidade dos mercados consumidores e as constelações de pequenas empresas inter-complementares, em condições que exigem eficiência coletiva, passam a ser um ganho comparativo (Schmitz, 1989)? O fordismo estaria mesmo com seus dias contados?

Carvalho e Schmitz (1989), baseados em sólida evidência empírica, fazem a contundente afirmação de que, na indústria automobilística brasileira, a adoção da automação programável vem associada não a um abrandamento mas a um fortalecimento do fordismo. Nas suas palavras:

"Nas montadoras brasileiras, a automação programável tem sido adotada para substituir apenas aquelas operações que são cruciais para a qualidade do produto ou constituem engargalamentos no fluxo produtivo. O núcleo das operações de manufatura continuam a ser manuais" (Carvalho e Schmitz, 1989:19).

Apesar disso, parece ser verdade que, mesmo no caso brasileiro, há uma crença teórica e ideológica, seja nos meios empresariais, seja nos meios sindicais, seja nos meios intelectuais, de que um aprofundamento da modernização tecnológica dependerá forçosamente das ações coletivas construídas ao interior de um sistema de relações industriais mais adequado.

Uma conclusão preliminar, portanto, é de que a modernização das relações de trabalho parece ser uma condição para o êxito de todo esforço de aprofundamento da automação. Por um lado, sobejam as ações isoladas no sentido da livre negociação das condições de trabalho entre gerentes e trabalhadores, apesar de insuficientes para modificar a realidade da tensa macropolítica das relações entre capital e trabalho no Brasil. Por outro lado, parece inegável que a reconversão industrial tem conduzido os atores à experimentação de novos regimes de trabalho.

REGIMES ALTERNATIVOS DE GESTÃO DO TRABALHO

Comecemos por analisar o quadro institucional e político sobre o qual se assentam as relações industriais no Brasil. Antes de mais nada, há que se salientar o histórico atrelamento e o rígido controle da estrutura sindical pelo Estado. É certo que desde as ações sindicais no final dos 70 abriu-se o horizonte para um grande espaço de luta pela autonomia, expresso hoje não apenas no reconhecimento da existência legal das centrais sindicais, mas na crescente aquisição pela CUT e pela CGT de feições ideológicas próprias e de peso político não desprezível. É certo também que essa identidade e esse peso têm se expressado em greves e em negociações de escala nacional.

Todavia, embora o Estado tenha sido pressionado a deslocar-se do seu papel, de interventor e regulador dos conflitos, não se erigiu, alternativamente, uma estrutura de representação sindical nos locais de trabalho que fosse capaz de operar a mediação das tensões no cotidiano fabril e desse às relações capital-trabalho um curso onde o processamento regular de demandas promovesse a absorção cotidiana das tensões.

Ao contrário, à brutal assimetria nas relações capital-trabalho, herdada da experiência dos regimes ditatoriais, seguiu-se, na transição, um real vazio normativo, seja por serem ilegítimas e contestadas as regras anteriormente impostas ao operariado (lei de greve, legislação salarial, etc), seja pela falta de credibilidade do Governo Sarney para ditar novas regras transitórias, seja por ineficiência do Parlamento para regulamentar as regras gerais estabelecidas na nova carta constitucional. Esse vazio normativo, numa conjuntura de ilegitimidade do Executivo, de crise econômica e de política recessiva, chegou, por vezes, a induzir os diferentes atores desse campo (órgãos estatais, movimento sindical e patronato) a ações nitidamente selvagens. Foi o caso de assassinatos de trabalhadores em confronto com a polícia, ocupações e depredações de fábricas, pedidos de intervenção policial, etc.

A conclusão inescapável, portanto, é a de que a reorganização do modelo industrial brasileiro, seja no que se refere à introdução de novos padrões tecnológicos, seja no que concerne à inovação dos regimes de trabalho, tem sido feita ao sabor das conjunturas, de modo descompromissado e contingente.

No plano micro, os conflitos são agravados pela longa experiência de gestão despótica e pela presente exposição das lideranças operárias ao arbítrio patronal, de difícil superação na ausência de uma prática de negociação coletiva. Assim sendo, as escassas demandas operárias face à introdução de mudanças tecnológicas (Fleury e Salerno, 1989; Abramo, 1988) são freqüentemente respondidas pelo patronato com posições que esvaziam a possibilidade dos chãos-de-fábrica virem a se constituir num espaço legítimo de negociação. Isso parece se dar mesmo com as demandas sindicais mais usuais (nos países centrais), como aquelas que almejam o acesso aos planos de investimento e de modernização (visando a garantia de emprego, o controle do ritmo e da carga de trabalho, a isonomia salarial, etc.), ou aquelas que visam o acesso à qualificação e à maior interveniência nos novos processos de trabalho (como operadores que desejam programar).

Seguramente, o despotismo não é a única forma histórica de buscar gerenciar os conflitos e tensões que emergem no cotidiano fabril, mormente nos momentos em que à crise se alia a difusão de novos padrões tecnológicos com novas bases técnicas e novas modalidades de organização da produção.

Se considerarmos a experiência internacional, haveria ao menos três modelos possíveis de reorganização do processo de trabalho e de regulação da relação salarial face aos novos requisitos colocados pela introdução de novas tecnologias. Esses modelos não seguem obviamente determinações puramente técnicas pois estão de algum modo referidos a contextos sócio-culturais concretos. Podem, no entanto, ser apresentados como modelos, na medida que apresentam soluções típicas que cercam o leque de possibilidades concretas no Brasil atual.

De fato, a literatura internacional (Leborgne & Lipietz, 1988; Lipietz, 1982) aponta para três estratégias patronais face às necessidades de flexibilização do trabalho: (1) extensão do fordismo (modelo americano); (2) segmentação da força de trabalho entre estabilizados e subcontratados, com envolvimento individual dos trabalhadores (modelo japonês); e (3) democratização dos chãos-de-fábrica (modelo sueco). Descreveremos brevemente cada um desses modelos, ao tempo em que comentamos a sua repercussão no Brasil.

A saída neofordista consiste num esforço de puxar a automação aos seus limites, enrijecendo ao máximo a separação entre concepção e execução, entre trabalho qualificado e desqualificado. Tem ocorrido até agora em contextos marcados por forte conflito capital-trabalho (Fiat-Turim) ou forte tradição taylorista (Estados Unidos). Trata-se, invariavelmente, de uma resposta dura a um movimento sindical que não aceita renegociar níveis salariais face à perda de competitividade internacional de certas indústrias nacionais. Nesses casos, a tendência patronal tem sido quebrar os "ofícios" através da introdução de novas tecnologias (máquinas de comando numérico e robôs), diminuindo assim o poder de barganha sindical. Os limites dessa estratégia estariam dados pelo seu;-fracasso a nível internacional- Kaplinsky (1989:10), por exemplo, observa que "a indústria americana investiu US$90 milhões entre 1976 e 1985 numa tentativa de atingir eficiência através da automação, apenas para se aperceber que o fosso entre ela e a japonesa tinha aumentado ainda mais". No Brasil, esta é uma estratégia favorecida pelo predomínio de uma cultura gerencial autoritária e pela ausência dos sindicatos ao nível das plantas. No entanto, o volume de recursos e o alto nível de domínio tecnológico envolvidos, além do desestímulo à automação que representa um grande contingente de força de trabalho excedente, tornam tal opção difícil de ser conciliada com uma ampliação da automação. Ao contrário, como vimos anteriormente, o aprofundamento do fordismo no Brasil parece vir associado a um nível restrito de automação (Carvalho e Schmitz, 1989).

A segmentação dos trabalhadores em estabilizados e subcontratados foi a forma que as firmas japonesas acharam para envolver completamente uma parcela significante de seus trabalhadores com o processo de trabalho, "reconectando o que o taylorismo havia desconectado" (Leborgne e Lipietz, 1988). Desse modo se garante um aumento da responsabilidade operária e uma maior eficiência produtiva (diminuição de custos operacionais, maior qualidade de produto, maior inventividade). O modelo consiste na contratação direta dos trabalhadores mais centrais para a produtividade, os quais são objeto de uma política de envolvimento através da concessão de um estatuto operário (benefícios, estabilidade, responsabilidade) que os separam da força de trabalho secundária. Apesar de limitações culturais inegáveis, alguns aspectos do modelo japonês têm sido largamente importados pelas grandes empresas (o CCQ, por exemplo). A difusão do modelo no Brasil foi facilitada por algumas de nossas características: a ausência sindical nas plantas favorece as relações indivíduo trabalhador-empresa; o excesso de oferta de força de trabalho torna supérflua a automação de certas tarefas e postos e incentiva a contratação de mão-de-obra desqualificada, a qual deve receber um tratamento negativamente diferenciado.

Surge assim, naturalmente, a expectativa de que a segmentação entre qualificados e desqualificados se sobreponha à política, de estabilização e subcontratação. Essa segmentação interna, todavia, não, garante o êxito dos programas de envolvimento operário. Hirata (1983) nota, por exemplo, que os CCQ no Brasil não têm o caráter abrangente que têm no Japão, onde "atingem os mesmos objetivos .da, organização taylorista diminuindo a porosidade da jornada de trabalho e acelerando as cadências". Aqui, ao contrário, os programas de envolvimento são dirigidos a grupos restritos de técnicos, chefias-intermediárias e poucos trabalhadores qualificados, justamente aqueles que manifestam uma certa anuência prévia com os objetivos empresariais. Os sindicatos, ao contrário, se colocaram, desde o início, frontal mente contra esses programas, enxergando neles instrumentos de substituição da ação sindical.

Ao contrário do Japão, uma maior participação dos trabalhadores nas decisões que dizem respeito à organização e ao processo de trabalho parece ser a marca da reconversão industrial na Suécia. A flexibilidade que os italianos em Turim tentaram através dos robôs e que os japoneses atingiram pelo envolvimento individual de seus trabalhadores, os suecos parecem conseguir por intermédio de uma maior participação de seus sindicatos na gestão do trabalho.

Evidentemente, mais que diante de padrões culturais, estamos diante de padrões societários distintos que refletem os resultados das lutas de classe nas diferentes formações sociais da Europa, América e Ásia. No caso sueco, parece incontestável que o movimento sindical foi capaz de expressar no plano das políticas públicas as aspirações das classes trabalhadoras e populares, de modo que sua ação deixou de ser orientada para âmbitos particulares (tanto a nível de práticas, quanto de instituições) dirigindo-se para o âmbito da sociedade global. Desse modo, o movimento operário nas plantas segue uma lógica informada não apenas pela gestão de uma empresa particular mas pela gestão da política industrial do pais. Isso o diferencia tanto daqueles movimentos sindicais de caráter excessivamente privado (a lógica do embate entre classes ao nível de cada unidade de produção) quanto daqueles de caráter nitidamente corporativo (a lógica do embate de classes ao nível econômico).

No Brasil, a democratização dos chãos-de-fábrica tem sido até aqui a meta do movimento sindical. Essa meta têm-se esbarrado invariavelmente na estrutura corporativista das relações industriais. Desde 1977, a marca registrada do novo sindicalismo tem sido a luta constante contra a tutela governamental e pela livre negociação entre empresários e trabalhadores organizados ao nível das plantas. O assalto à ordem corporativa e às formas corporativistas de ação sindical teve, entretanto, até agora, eficácia limitada. A principal razão para esse relativo fracasso parece ter sido a forte oposição a tal investida por parte do sindicalismo patronal e de algumas lideranças sindicais e partidárias, provavelmente porque esses setores sentem-se ameaçados pela perspectiva de perda de seus bastiões de poder, seja frente a um movimento operário ascendente, seja frente a ascensão de novas lideranças de base. Ademais, e mais fundamentalmente, o Estado, como maior empregador da economia brasileira, parece temer o crescimento do sindicalismo no setor público, pois isso não apenas criaria problemas orçamentários como poderia também ameaçar a continuidade das práticas clientelistas.

Os limites institucionais do sindicalismo brasileiro não esgotam, todavia, a questão de saber porque o ideal de democratização da gestão fabril, embora presente no "novo sindicalismo", não foi suficiente para informar um movimento sindical mais abrangente em seu escopo, menos voltado para conflitos industriais particulares e, logo, mais politicamente inclinado a construir compromissos sociais inclusivos.

SINDICALISMO E RECONVERSÃO INDUSTRIAL NO BRASIL

Para responder à indagação anterior, devemos examinar melhor o quadro político-institucional das relações industriais no Brasil.

Um dos traços mais marcantes do sindicalismo brasileiro atual é, sem dúvida, a grande mobilização dos trabalhadores da grande indústria moderna (automobilística, metalúrgica, siderurgia, metal-mecânica, petroquímica e química). A simetria existente entre a ponta da mobilização operária e a indústria de ponta poderia nos remeter, de imediato, a duas teses clássicas com respeito à relação entre sindicalismo e a formação da classe operária. De um lado, poderia ocorrer que o sindicalismo dos setores de ponta viesse a ter um caráter "aristocrático"; de outro, poderia se dar que esses setores adquirissem a virtualidade de forjar uma espécie de vanguarda operária socialista.

Essas duas possibilidades serviram, de fato, para que diferentes autores organizassem os seus estudos sobre o caráter do movimento operário que emergiu no final dos anos setenta (Weffort, 1978, 1979; Almeida, ;1975; Oliveira, 1987; Guimarães e Castro, 1988, 1990; Guimarães, 1988). O saldo mais importante deixado por eles não foi, entretanto, o de contrariar ou de reafirmar a velha sugestão de que os segmentos estabilizados da força de trabalho tendem a se transformar em "aristocracias operárias". Mais importante foram os resultados marginais a esse debate: primeiro, salientou-se a diversidade sócio-cultural do sindicalismo num país onde a indústria mais dinâmica localiza-se hoje em diversos centros regionais, como Manaus, Camaçari, Betim, Baixada Fluminense, ABC, Triunfo, etc.; segundo, desnudaram-se os limites teóricos de uma interpretação excessivamente marcada pelo conflito entre proletariado e burguesia, que pressupõe uma situação onde os resultados são tudo ou nada; terceiro, e talvez o mais importante dentre esses resultados, centrou-se o debate sobre o tema da cidadania operária, enfocada tanto do ponto de vista dos locais de trabalho, quanto da perspectiva do sistema político e do Estado.

No que se refere aos direitos dos trabalhadores nas fábricas, os estudos sobre o processo de trabalho (Sorj, 1981, Humphrey, 1982; Le Ven et al., 1983; Le Ven & Neves, 1985; Guimarães, 1988a) assim como os estudos sobre greves (Maroni, 1982; Abramo, 1986; Le Ven, 1988; Guimarães, 1989) demonstraram que nos conflitos de classe decisivos, ou seja, aqueles que demarcaram novos patamares para a construção de um padrão de relações industriais, a principal força aglutinadora e geradora de solidariedade entre os operários foi a busca de recuperação da dignidade pessoal - ou seja, da garantia de direitos básicos diante do arbítrio e do autoritarismo das gerências. A luta pela institucionalização de mecanismos de organização coletiva ao nível fabril (comissões de fábrica, delegados sindicais etc.) que marcaram o "novo sindicalismo" vai ao encontro desse tipo de aspiração.

No que se refere aos direitos trabalhistas mais gerais, é certo que a nova constituição do país demarcou o terreno da cidadania. Contudo, Almeida (1988) parece coberta de razão quando estranha o fato do movimento sindical brasileiro ter-se mostrado tão exitoso na conquista de direitos básicos (como negociação direta e coletiva, aumentos salariais, autonomia sindical, direito de greve etc.) sem que sua organização se espelhasse em força política capaz de influenciar a política econômica do governo ou mesmo a modificação da ordem jurídico-institucional do país. Assim, na conjuntura da chamada "transição", nem os sindicatos teriam sido capazes de aparecer frente ao Estado como interlocutores respeitáveis (as várias tentativas do pacto social, por exemplo, teriam servido mais à função de legitimação que à de negociação de políticas), nem os partidos teriam expressado no Congresso as demandas sindicais com a força suficiente para forçar um compromisso, É certo que isso cria o paradoxo de direitos formalmente conquistados embora escassamente implementados (veja-se, por exemplo, a ausência de legislação ordinária que regulamente direitos constitucionais conquistados há quase dois anos).

Almeida não nota, contudo, que tal incapacidade política, longe de restringir-se aos trabalhadores, parece ser a característica comum a todos os atores em cena. De fato, o que tem sido a ação empresarial e ação estatal no Brasil, no que tange às relações industriais?

O empresariado parece oscilar entre a prepotência e a negociação, ora repelindo, ora escudando-se na ação estatal. O Estado, por seu turno, parece paralisado em seu próprio paradoxo; o de ser ao mesmo tempo empregador e garantidor das relações industriais. Muito da resistência à modernização das relações capital-trabalho no Brasil deve-se à reação do Estado-patrão. Reação que é exercida num leque enorme de itens que vai, por exemplo, da fixação do salário mínimo até ao reconhecimento das comissões de fábrica. O Estado hesita na política salarial porque o aumento dos salários compromete diretamente os orçamentos de municípios, estados e união e os coloca mais próximos da insolvência financeira. Hesita na regulação da representação nos locais de trabalho porque esta desafia o caráter autoritário e militar de algumas estruturas burocráticas de empresas públicas (Guimarães, 1988a; Sorj, 1985). A reação se estende dos setores mais modernos e produtivos do Estado, que são as empresas públicas, até os setores mais arcaicos e patrimonialistas, que são as administrações diretas. Nos primeiros porque desafia uma gestão ainda caudatária da ideologia de segurança nacional, nos segundos porque contraria a política clientelística.

Não há dúvida de que os atores sociais no Brasil são ainda frágeis e incapazes de propor um padrão de relações industriais coerente com as exigências de uma ampla re-organização da produção. Se atentarmos para o que se passa nos países escandinavos, onde a renovação tecnológica tem sido negociada entre sindicatos, empresas e Estado, veremos o alcance dessa fragilidade política. Nesses países a participação dos sindicatos na negociação das condições de trabalho ao nível da planta (que se expressa na preservação de postos, na re-qualificação dos trabalhadores e na melhoria das condições de saúde ocupacional) está associada a uma política de gestão que se expressa societalmente em significativo aumento do emprego e da renda, e está pautada numa política de investimento e de re-treinamento fortemente controlada pelo Estado.

Vê-se assim que desenvolvimento sindical e democracia não são apenas complementares mas também, e especialmente, que a força da intervenção sindical tem conseqüências mais duradouras e eficazes quando cria legitimidade social para as duas ações, vale dizer, quando é capaz de exprimir politicamente um projeto histórico para a sociedade como um todo. Isso significa superar o horizonte monotemático da luta por salário, ultrapassar a ação defensiva e auto-referida para ter como parâmetro um projeto de transformação social. É necessário que exista, portanto, um nexo estreito entre a conquista da cidadania operária nas fábricas (representação, estabilidade, redução da jornada) e a ampliação das conquistas democráticas e dos direitos de cidadão (seguro-desemprego, capacitação, aposentadoria flexível), fundado na emergência do movimento sindical como ator político de expressão social.

Quando não se dá esse nexo, mesmo num contexto de forte mobilização sindical, fruto de uma ampla tradição de força de classe operária, como na Itália (Falabella, 1988:180), a cidadania logra ser efetiva apenas nas grandes fábricas, ou melhor, naquelas onde existem comissões de fábrica com representação nas federações regional c do ramo. Mesmo a nível setorial, na Itália ou na Inglaterra, as conquistas são inexpressivas ou virtualmente inexistentes.

Mas é óbvio que o movimento sindical só é capaz de expressar-se num projeto societário, se encontra condições ideológicas e políticas que tornem factível essa expressão. No início da "abertura política", autores como Vianna chamavam a atenção para o perigo que representava a "modernização" que não preservasse a unidade da ação política dos trabalhadores, o que significava, para ele, tanto unidade de ação quanto unicidade de representação sindical. Naquela época, ainda que tais temores fossem, em princípio, pertinentes não havia perigo real que os justificasse. O prestígio do marxismo nos meios intelectuais brasileiros tinha persistido e mesmo se ampliado durante o regime militar. Importantes teses da esquerda passaram a fazer parte do "saber convencional", criando um "marxismo prático" que, fundido ao catolicismo popular, gerava um ideal igualitário e coletivista. Naquela época, havia, de fato, uma cisão na esquerda, mas não uma cisão do movimento sindical entre direita e esquerda.

Esta é um produto dos anos 80 quando passa a ter ressonância nas bases operárias, ao informar as práticas de setores não-desprezíveis, um discurso alternativo ao do "marxismo prático". Para esse, o conflito capital-trabalho deixa de ser a referência central da ação, sendo substituído por uma visão da inevitabilidade da relação capitalista e pela busca de formas de negociação de interesses. Ao nível concreto, essa tendência se manifesta de dois modos principais. De um lado, a antiga separação entre "pelegos" e sindicalistas cedeu lugar à cisão do movimento sindical entre "direita" e "esquerda". De outro lado, constituiu-se na sociedade brasileira um modelo conservador "não-autoritário" de "sindicalismo de negócios" que não constrange a reprodução do capital, na luta por direitos mais amplos, mas não prescinde de reivindicar melhorias no padrão de vida da classe trabalhadora.

Esse sindicalismo de direita é totalmente novo e não deve ser confundido com uma nova forma de peleguismo. É um sindicalismo independente e autônomo embora politicamente conservador. O antigo pelego era um "funcionário" do Estado enquanto o sindicalista de direita abomina o Estado e sua tutelagem, do mesmo modo que abomina as ideologias anti-capitalistas.

A emergência em cena dessa nova figura, controlando uma central sindical que, embora embrionária, é importante em termos numéricos, torna-se um desafio para a militância sindical socialista e social-democrata posto que: (i) redefine o seu espaço relativo no seio do movimento operário e (ii) problematiza o horizonte de seus nexos possíveis com o Estado e o patronato. Esse cenário demonstra com nitidez as limitações das teses sobre a formação de classe a que nos referimos acima. Ele nega o pretenso caráter socialista da emergência sindical em contextos de crise, ao tempo em que reitera a ausência de aristocracias do trabalho. Mais importante que tudo, ele coloca um complicador adicional para o ideal de democratização fabril que movera a ponta do movimento sindical brasileiro até aqui.

Como esse desafio afetará as relações industriais num contexto de mutações organizacionais e tecnológicas? A eficácia da ação sindical, no que tange à reorganização da produção, parece depender em grande medida da capacidade de imprimir seus interesses à ação do Estado, o que, obviamente, só é possível se neles se expressam compromissos socialmente mais inclusivos. Essa capacidade viu-se contrariada, ate agora, pelos paradoxos inerentes à ação do Estado e do empresariado. Ora, no momento em que o movimento sindical passou a ser conduzido por lideranças concorrentes, não apenas em termos políticos mas também ideológicos, os paradoxos que informam a ação de cada um dos atores viram-se reforçados.

O Estado e o patronato, ao invés de serem incentivados a produzir compromissos abrangentes para as questões reais, passam a se mover na crença de que a solução possa ser negociada com apenas um dos interlocutores sindicais concorrentes, aquele que lhe pareça ideologicamente mais próximo. Nesse caso, o equívoco é total, pois não pode mais haver aliados incondicionais, como no tempo do peleguismo. Mesmo porque, o móvel da concorrência entre as lideranças sindicais está na forma alternativa de entender a autonomia face ao Estado e ao patronato. Essa concorrência supõe, portanto, que algum plano de reunificação de ação sindical seja encontrado.

Na ausência desse plano propriamente político, onde os diversos atores (lideranças sindicais, empresários e representantes estatais) se movam com segurança, a reconversão da indústria brasileira vai sendo guiada pelos resultados contingentes das diversas conjunturas. Isso pode dar a cada um dos atores em separado o sentimento de sair ganhando; na verdade, passa-se o contrário: justamente porque o processo não tem um horizonte negociado, diminuem-se as chances reais de que cada um deles influencie eficazmente o seu curso.

Podemos concluir, portanto, que importantes limites societais e culturais restringem o avanço do processo de difusão tecnológica e de reorganização da produção industrial no Brasil. Não há possibilidade de automatismo na assimilação de modelos internacionais, nem há embutido nas tecnologias nenhuma forma social necessária. No caso brasileiro, a instabilidade da cena econômica e política torna de difícil previsibilidade os contornos da reconversão em curso. Não há dúvida, entretanto, de que o movimento sindical brasileiro tem mais chance hoje (pela inserção que logrou junto às bases operárias e pela articulação internacional que foi capaz de construir) de enfrentar uma conjuntura de intensa mudança tecnológica e organizacional, livre de provincianismo e corporativismo.

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    A discussão de versões prévias deste texto no IV Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia (Kio, julho de 1989) e na Mesa Redonda "Le Brésil à l'Aube du Troisiemc Milenaire"'(IHEAL, Paris, fevereiro de 1990) em muito 'contribuiu para a clareza das idéias aqui expressas. Agradecemos ainda os comentários de Anete Brito Leal Ivo e Milton Santos Filho.
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    Usamos o conceito de fordismo no seu sentido estrito, i. e., de forma de organização produtiva em grandes escalas, baseada no controle mecânico do ritmo de trabalho, na fragmentação das tarefas e na supervisão direta sobre os trabalhadores. Não o empregamos, por razões analíticas, na acepção mais ampla que lhe dá a escola regulacionista.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 1990
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