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Sistema eleitoral e sistema partidário

Electoral system and party system

Resumos

Na literatura sobre as instituições políticas brasileiras, é freqüente considerar-se que o sistema eleitoral é a causa da fragmentação nentes do sistema eleitoral - a fórmula eleitoral, a magnitude do distrito e o processo de escolha intra-lista dos candidatos - sobre o sistema partidário. As conclusões do estudo não confirmam a suposição prevalecente na literatura.


A supposition often found in the literature on Brazilian political institutions is that the cause of the fragmentation of the party system is to be found in the electoral system. After an examination of the main relevant features the conclusions do not support this claim.


DEMOCRACIA

Sistema eleitoral e sistema partidário* * Este artigo é uma versão revista e atualizada do capítulo 3 de O sistema partidário brasileiro (1985-94): um estudo sobre as razões da fragmentação, Tese de doutorado de Jairo Marconi Nicolau, Iuperj, 1995.

Electoral system and party system

Jairo Marconi NicolauI; Rogério Augusto SchmittII

IPesquisador do IUPERJ

IIPesquisador do LEEX, professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ e doutorando do IUPERJ

RESUMO

Na literatura sobre as instituições políticas brasileiras, é freqüente considerar-se que o sistema eleitoral é a causa da fragmentação nentes do sistema eleitoral – a fórmula eleitoral, a magnitude do distrito e o processo de escolha intra-lista dos candidatos – sobre o sistema partidário. As conclusões do estudo não confirmam a suposição prevalecente na literatura.

ABSTRACT

A supposition often found in the literature on Brazilian political institutions is that the cause of the fragmentation of the party system is to be found in the electoral system. After an examination of the main relevant features the conclusions do not support this claim.

"O que dizer das instituições políticas? O mais sério é o caso dos sistemas eleitorais, que funcionam mal e que criaram o sistema partidário mais fragmentado de qualquer democracia no mundo."1 1 Thomas Skidmore, Folha de S. Paulo, 14/8/1994.

Mais do que um comentário isolado de um "brasilianista", esta é uma concepção disseminada na reflexão política brasileira. Não são poucos os que procuram no formato do sistema eleitoral a causa da alta fragmentação partidária brasileira. Nossa hipótese é que a generalização desse argumento se deve a uma leitura simplificada da literatura de ciência política, que consolidou uma forte tradição de estudos sobre a relação entre essas duas esferas do sistema político.

O objetivo deste trabalho é avaliar o verdadeiro impacto do sistema eleitoral sobre o sistema partidário no Brasil, particularmente sobre a fragmentação partidária. Na primeira seção, apresentamos as importantes proposições de Maurice Duverger sobre o tema. Em seguida, analisamos três componentes do sistema eleitoral brasileiro: a fórmula eleitoral, a magnitude do distrito e o processo de escolha dos candidatos intrálista (o voto preferencial). Nossa conclusão é que, ao contrário da versão corrente, as causas da fragmentação partidária não são derivadas do sistema eleitoral.

AS PROPOSIÇÕES DE DUVERGER

É inescapável, em qualquer estudo sobre os efeitos do sistema eleitoral sobre o sistema partidário, uma passagem pelas considerações de Maurice Duverger sobre o tema. Duas de suas proposições ficaram conhecidas como as "Leis de Duverger" e, em sua versão clássica, foram assim explicitadas:

a) O sistema majoritário de um só turno tende ao dualismo dos partidos.

b) O sistema majoritário de dois turnos e a representação proporcional tendem ao multipartidarismo.2 2 Maurice Duverger, Os Partidos Políticos. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 1987.

Essas assertivas de Duverger foram submetidas a diversos testes empíricos. Arend Lijphart, por exemplo, após examinar 22 democracias, chegou à conclusão de que existem apenas dois casos desviantes: o Canadá e a Áustria. Como o Canadá utiliza um sistema majoritário de um único turno, era de se esperar um sistema bipartidário.3 3 Arend Lijphart, As Democracias Contemporâneas. Lisboa, Gradiva, 1989. pp. 209-11. Na realidade, o Canadá possui um sistema de dois partidos e meio, com dois grandes partidos (Partidos Liberal e Conservador) e um terceiro, médio (Partido da Nova Democracia). A Áustria, por sua vez, utiliza um sistema de representação proporcional, e por essa razão deveria apresentar um sistema multipartidário. Isso também não ocorre, pois a Áustria tem um sistema com apenas dois partidos expressivos (Partido Socialista e Partido do Povo).

Tentativas de tornar as "Leis de Duverger" mais flexíveis foram realizadas por Sartori e por Taagepera e Shugart. Sartori propôs duas leis tendenciais:

a) Fórmulas de maioria simples favorecem um formato bipartidário e, inversamente, dificultam o multipartidarismo.

b) Fórmulas de representação proporcional favorecem o multipartidarismo e, inversamente, dificilmente produzem o bipartidarismo.4 4 Giovanni Sartori, "The Influence of Electoral Systems: Faulty Laws or Faulty Methods?", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.

Taagepera e Shugart preferiram apresentá-las na forma de duas proposições, as quais eles denominaram lei e hipótese de Duverger:5 5 A sugestão para denominar as proposições de Duverger de lei e hipótese foi feita por: William Riker, "Duverger's Law Revisited", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.

a. Lei de Duverger: A regra de maioria simples tende a reduzir o número de partidos para dois, independentemente do número de clivagens políticas.

b. Hipótese de Duverger: Regras de representação proporcional tendem a não reduzir o número de partidos, caso o número de clivagens políticas favoreça a existência de muitos partidos.6 6 Rein Taagepera e Matthew Shugart. Seats and Votes. New Haven, Yale University Press, 1989.

Em que pesem as críticas recebidas e os aperfeiçoamentos propostos, as "Leis de Duverger" mantêm o seu poder analítico, sobretudo se interpretadas como leis no sentido probabilístico e tendencial, e não no sentido estritamente causal. Lijphart, em seu Electoral Systems and Party Systems7 7 Arend Lijphart, Electoral Systems and Party Systems. London, Cambridge University Press, 1994. - que é o estudo mais sofisticado e abrangente sobre a relação entre essas duas dimensões dos sistemas políticos -, mostra a alta correlação entre sistemas de maioria simples e bipartidarismo e entre representação proporcional e multipartidarismo. Enquanto o número de partidos parlamentares efetivos nas democracias tradicionais com sistemas de maioria simples é de 2,0, a média nos diversos sistemas eleitorais de representação proporcional é de 3,5 partidos parlamentares efetivos.

Verifiquemos, agora, por intermédio de que mecanismos o sistema eleitoral atua sobre o sistema partidário. Vejamos, então, o que ficou conhecido como os efeitos mecânico e psicológico de Duverger.

Efeito Mecânico de Duverger - é a tendência que todos os sistemas eleitorais em prática nas democracias têm de sub-representar os menores partidos e sobre-representar os maiores.8 8 Essa tendência foi primeiramente confirmada por Douglas Rae, The Political Consequences of Electoral Laws. New Haven, Yale University Press, 1967. Mesmo sistemas eleitorais com um único distrito nacional, ou que utilizam fórmulas altamente proporcionais como a "Sainte-Laguë" e a de "Maiores Sobras", podem operar de maneira desproporcional, caso os partidos recebam votações abaixo do quociente eleitoral mínimo. Isso por si só fará com que os maiores partidos recebam percentualmente mais cadeiras do que votos recebidos. O efeito mecânico pode ser observado simplesmente comparando-se o percentual de votos com o de cadeiras de cada partido. Tal efeito - dos maiores partidos serem beneficiados com mais cadeiras e os menores serem penalizados - opera mecanicamente e está livre de qualquer cálculo estratégico. Portanto, ele ocorre em uma eleição, e, para usar uma linguagem direta, depois de as urnas estarem fechadas.

Efeito Psicológico de Duverger: a concretização do efeito mecânico - de punição para os menores partidos - pode estimular os eleitores a deixar de votar em um partido sub-representado em eleição anterior para não desperdiçar seu voto. Esse efeito do sistema eleitoral sobre os eleitores ficou conhecido como efeito psicológico de Duverger. Se ele ocorre, um partido terá menos votos, o que acaba reforçando o efeito psicológico sobre os eleitores na eleição seguinte. Ao contrário do efeito mecânico, o efeito psicológico necessita de pelo menos duas eleições para ocorrer. Como André Blais e R. K. Carty destacaram, há uma nítida distância entre os dois efeitos: o psicológico afeta o voto, o mecânico afeta as cadeiras.9 9 André Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor". British Journal of Political Science, vol.21, nº1, 1991. p.80.

Além de influenciar os eleitores, o efeito psicológico atua também sobre o comportamento dos dirigentes partidários, na medida em que eles definem suas estratégias de campanha eleitoral a partir da intensidade com que o efeito mecânico influencia suas oportunidades eleitorais. Na experiência brasileira dos anos 80, o efeito mecânico pode ter funcionado como um filtro para que as lideranças partidárias, por exemplo, determinassem a oportunidade de apresentar candidatos para o Executivo ou Legislativo, definissem o número de candidatos em eleições proporcionais e estabelecessem estratégias de coligação.

Lijphart chamou a atenção para o impacto dos efeitos mecânico e psicológico sobre as arenas eleitoral e parlamentar:

"O número de partidos eleitorais efetivos é afetado unicamente pelos efeitos psicológicos dos sistemas eleitorais – as expectativas sobre como os votos serão traduzidos em cadeiras – enquanto que o número de partidos parlamentares efetivos é influenciado tanto por tais expectativas (efeitos psicológicos) quanto pelo processo real (mecânico) de tradução de votos em cadeiras. Dito de outra maneira, o número de partidos eleitorais efetivos tende a ser reduzido pelos efeitos psicológicos, mas qualquer redução adicional do número de partidos eleitorais para o de partidos parlamentares é produzido exclusivamente por fatores mecânicos."10 10 Arend Lijphart, Electoral Systems and Party Systems, 1994, p. 96.

Em sistemas eleitorais majoritários, a difusão de pesquisas de opinião no período pré-eleitoral pode estimular o comportamento estratégico dos eleitores (efeito psicológico). Lembremos das eleições brasileiras para os governos de estado em 1982 e 1986, anteriores, portanto, à introdução da cláusula de dois turnos. A divulgação de pesquisas que mostravam o baixo percentual de algumas candidaturas foi um forte estímulo para que se praticasse o que ficou conhecido como voto útil: os eleitores trocavam seus candidatos preferidos por uma segunda alternativa com maiores possibilidades de vitória. A literatura sobre o tema destaca o caráter diacrônico do efeito psicológico. O que estamos sugerindo é que as pesquisas, ao mostrarem as tendências das preferências do eleitor antes do pleito, podem servir como equivalente funcional do efeito mecânico, e também estimular o efeito psicológico.11 11 A observação do comportamento dos eleitores nas eleições realizadas após a implantação do mecanismo de dois turnos no País, revela a permanência do efeito psicológico (voto útil). Em geral, tal fenômeno ocorre com eleitores do mesmo campo político (esquerda/direita), que trocam seu candidato por outro com mais chances de passar para o segundo turno.

A proposição de Duverger acerca da relação entre sistema majoritário de um só turno e bipartidarismo pode ser vista como o resultado da composição dos efeitos mecânico e psicológico. Em um sistema eleitoral de magnitude (M) = 1, os dois efeitos ocorrem apenas em âmbito distrital.12 12 A magnitude (M) é o número de representantes de um distrito eleitoral. Ao contrário de toda a literatura sobre o tema, Blais e Carty sugerem que o efeito psicológico ocorre no âmbito nacional. Ver: André Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor", 1991, p. 82. A questão fundamental é investigar em que circunstâncias uma tendência ao bipartidarismo distrital se torna um bipartidarismo nacional. é logicamente possível imaginar um país com um sistema multipartidário em termos nacionais derivado de um sistema eleitoral majoritário-distrital. Para isso bastaria, por exemplo, que quatro partidos vencessem as eleições em um significativo número de distritos.

A resposta para o problema da passagem do bipartidarismo local para o nacional, tanto para Duverger como para Sartori, encontra-se fora da dinâmica específica do sistema eleitoral (entendido como mecanismo de transformação de preferências eleitorais em representação política). Para Duverger é necessário um nível adequado de centralização e nacionalização de duas grandes organizações partidárias.13 13 Sobre este ponto particular, ver José Antônio Giusti Tavares, Os sistemas eleitorais na perspectiva comparada: teoria, instituições, estratégia. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993. p. 549. Já Sartori reconhece como fundamentais, o padrão de distribuição geográfica do voto, a presença de clivagens sociais e a existência de um sistema partidário estruturado. Para Sartori, o melhor cenário para o bipartidarismo nacional seria a existência de partidos estruturados e o eleitorado do terceiro partido disperso, com baixas votações nas várias circunscrições eleitorais. O pior cenário seria a existência de grupos específicos (raciais, lingüísticos, com ideologias marginais) concentrados em distritos particulares.

Resumindo os efeitos do sistema eleitoral majoritário de um único turno (M=l), podemos dizer que:

• os efeitos mecânico e psicológico ocorrem no âmbito distrital;

• a tendência ao bipartidarismo, por conseguinte, opera também na esfera distrital;

• a existência de um bipartidarismo nacional deve-se a fatores extra-sistema eleitoral, tais como: distribuição geográfica do voto, dispersão de minorias, grau de estruturação e nacionalização dos partidos.

Resta avaliar os efeitos da representação proporcional sobre o sistema partidário. Em sistemas eleitorais puros de representação proporcional (com alto M e que utiliza fórmulas proporcionais), por conta do baixo impacto do efeito mecânico, tem-se também um baixo (ou inexistente) impacto do efeito psicológico.14 14 A noção de sistema de representação proporcional puro foi proposta por Giovanni Sartori, "The influence of Electoral Systems: Faulty Laws or Faulty Methods?", 1986, p. 59. O resultado disso sobre os eleitores é óbvio: eles ficam livres para votar na sua primeira preferência; por outro lado, reduzem-se os obstáculos à formação de novos partidos. Enquanto nos sistemas eleitorais de maioria simples há uma média de 4,6 partidos por eleição, nos sistemas proporcionais esse número sobe para 7,8.15 15 Ver Andre Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor", 1991, p. 87.

É ingênua a versão de que os sistemas eleitorais de representação proporcional puros multiplicam ou fragmentam o sistema partidário. Na realidade, ao suspender os efeitos mecânico e psicológico, eles suspendem os obstáculos à atividade da elite partidária e eliminam os constrangimentos à manifestação das primeiras opções do eleitorado. Dito em uma linguagem alegórica: não é a abertura da barragem (representação proporcional) que produz um rio mais caudaloso (multipartidarismo), mas a construção de barragens (sistema eleitoral majoritário) que torna o rio menos caudaloso (bipartidarismo).

É com esse espírito que passamos às seções seguintes deste artigo. Queremos deixar claro que recusamos qualquer tentativa fácil e ingênua de explicar o multipartidarismo brasileiro como efeito mecânico e direto da representação proporcional. O que fazemos, a seguir, é discutir como os vários aspectos do sistema eleitoral (fórmula, magnitude e voto preferencial) influenciam a fragmentação partidária.

A interpretação que anteriormente chamamos de ingênua pode ter conseqüências políticas de alto impacto: quando o multipartidarismo é visto simples e inevitavelmente como efeito da representação proporcional, para reduzir a fragmentação partidária, obviamente, a melhor opção é propor o fim da representação proporcional.

FÓRMULA ELEITORAL E CLÁUSULA DE EXCLUSÃO

Nos sistemas de representação proporcional, um aspecto fundamental é a fórmula utilizada para distribuir as cadeiras parlamentares entre os partidos em uma eleição. Em que pese a grande variedade teórica dessas fórmulas, três delas são de fato as mais utilizadas nas democracias tradicionais: a D'Hondt de maiores médias, a Sainte-Laguë de maiores médias modificada e a de maiores sobras.16 16 Para uma discussão mais detalhada dos efeitos destas três fórmulas, ver Jairo Marconi Nicolau, Sistema eleitoral e reforma política. Rio de Janeiro, Foglio, 1993.

Longe de serem sempre neutras, essas fórmulas operam em um continuum da menos proporcional (favorece os maiores partidos) para a mais proporcional (neutras na distribuição). A fórmula D'Hondt é a mais desproporcional das três e, sistematicamente, ajuda os maiores partidos; a fórmula Sainte-Laguë modificada situa-se em uma categoria intermediária; e a de maiores sobras é a mais proporcional.17 17 Essa hierarquização é apresentada por Arend Lijphart, "Degrees of Proportionality of Proportional Representation Formulas", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986. A fórmula D'Hondt beneficia os maiores partidos por conta da proximidade dos divisores utilizados (1,2,3,4,5,6...), já que, ao contrário da fórmula Sainte-Laguë (divisores 1,3,5,7,9...), fica mais fácil para um grande partido que obteve uma cadeira distribuída nas sobras receber a seguinte. Conseqüentemente, torna-se mais difícil para uma legenda com votação menor receber sua primeira cadeira. Observe-se que o que conta não é o valor absoluto dos divisores, mas a razão entre eles: enquanto na fórmula D'Hondt o segundo divisor é metade do primeiro, na fórmula Sainte-Laguë é 1/3.

O Brasil, a exemplo da maioria das democracias proporcionais, utiliza a fórmula D'Hondt de maiores médias. Como esta fórmula favorece os partidos mais votados em detrimento dos menos sufragados, pode-se dizer que, isoladamente, a fórmula eleitoral não é a razão da alta fragmentação da representação parlamentar no País.

Verifica-se, ainda, dois agravantes que também trabalham em favor dos maiores partidos, quando da distribuição das cadeiras parlamentares no Brasil: a inclusão dos votos em branco no cálculo do quociente e a exclusão dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral da disputa das sobras. Vejamos o efeito dessas cláusulas.

Inclusão dos votos em branco no cálculo do quociente eleitoral - o primeiro passo para a distribuição das cadeiras entre os partidos em sistemas eleitorais de representação proporcional de lista, é dividir por M o total de votos dos eleitores que compareceram à eleição e votaram positivamente (nominal ou na legenda), para se calcular o quociente eleitoral. Essa simples operação não favorece nem os partidos mais votados, nem os menos votados. Porém, no caso brasileiro, os votos em branco são incluídos no cálculo, o que eleva artificialmente o quociente: quanto mais votos em branco, mais alto é o quociente eleitoral em relação ao quociente sem os votos em branco, como pode ser observado no Exemplo 1.

Este quadro revela claramente que quanto maior for o percentual de votos em branco, maior será a diferença entre os dois quocientes (ver última coluna), e portanto mais difícil para os pequenos partidos obterem representação, o que reforça o viés do sistema em favor dos maiores partidos.

A Tabela 1, a seguir, apresenta o percentual de votos em branco (como porcentagem do eleitorado), o quociente eleitoral esperado (sem os brancos) e o quociente eleitoral real (com os brancos) nas eleições brasileiras para a Câmara dos Deputados em 1994. O efeito da inclusão dos votos em branco pode ser observado na comparação dos estados de mesma magnitude: quanto maior a taxa de votos em branco, mais difícil para um partido obter representação na Câmara. Essa diferença entre os dois quocientes eleitorais foi mais acentuada em Alagoas, aonde a taxa de crescimento do quociente eleitoral esperado para o real foi de 41,6%. A simples inclusão dos votos em branco no cálculo do quociente eleitoral produz, em todos os estados, um aumento da votação mínima exigida dos partidos para o acesso à representação política. Isso demonstra de maneira inequívoca que, na prática, é muito mais difícil para um partido obter representação do que se imagina à primeira vista. O aumento médio do quociente eleitoral foi de nada menos que 27,7 pontos percentuais.

Exclusão dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral da disputa das sobras - outra cláusula específica do sistema eleitoral brasileiro é a exclusão (da disputa das cadeiras não ocupadas em primeira alocação) dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral, o que ocorre mesmo quando os votos recebidos por um partido são superiores às sobras dos outros. Com isso, o sistema eleitoral brasileiro opera com uma cláusula de exclusão estadual que varia de acordo com a taxa de votos em branco. Mais uma vez, tem-se um mecanismo funcionando em favor dos maiores partidos.

Podemos concluir esta seção chamando a atenção para o fato de que se o propósito é compreender as razões da alta fragmentação do sistema partidário brasileiro, a fórmula eleitoral deve ser rejeitada como explicação, pois tal como em vigor atualmente no Brasil ela opera em sentido oposto, reforçando o efeito mecânico de Duverger. As razões para isso decorrem:

• do uso da fórmula D'Hondt de maiores médias, que opera matematicamente em favor dos maiores partidos;

• da inclusão dos votos brancos no cálculo do quociente eleitoral; e

• da exclusão dos partidos que não alcançaram o quociente eleitoral da disputa das sobras.

A MAGNITUDE DO DISTRITO ELEITORAL

Há um consenso na literatura recente sobre sistemas eleitorais de que a magnitude do distrito eleitoral (M) - número de cadeiras de um distrito eleitoral - é o aspecto mais importante de um sistema eleitoral. A razão é simples: nos sistemas de representação proporcional, quanto maior M, menor o efeito mecânico de Duverger, e, portanto, mais fácil para um pequeno partido obter representação; quanto maior M, maior a tendência de os partidos receberem proporcionalmente tantas cadeiras quantos forem os seus votos. O efeito de M pode ser observado na Tabela 2: mantidas as votações dos partidos, observa-se uma tendência à diminuição da desproporcionalidade; apenas quando M é igual a 20 o menor partido (5%) consegue obter sua primeira cadeira.

A maioria das Câmaras Baixas em sistemas de representação proporcional é composta por distritos eleitorais de diferentes magnitudes. Os distritos geralmente são unidades administrativas do país (estados e regiões). Duas exceções a esse padrão ocorrem em Israel18 18 A Holanda e metade dos representantes da Alemanha são um caso intermediário, já que nesses países embora o cálculo das cadeiras seja feito nacionalmente, há uma posterior alocação entre as diversas listas partidárias das regiões. – que tem um único distrito eleitoral nacional, com M=120 – e nas democracias com sistema eleitoral majoritário, com M=l, que desenham seus distritos com propósitos puramente eleitorais.

Se uma Câmara é composta por diferentes distritos com magnitudes variáveis, é de se esperar que o efeito de um sistema eleitoral nacional seja o resultado agregado do efeito mecânico produzido no âmbito de cada distrito. Portanto, a variação das magnitudes dos vários distritos de um país é quesito fundamental para a compreensão dos efeitos finais (nacionais) de um sistema eleitoral. Essa constatação suscita um problema: como avaliar nacionalmente o efeito produzido pela mecânica de distritos de diferentes magnitudes?

A solução mais simples é calcular a magnitude média em cada país (número total de cadeiras da Câmara dividido pelo número de distritos).19 19 A respeito do cálculo da magnitude média, ver Arend Lijphart, Electoral Systems and Party Systems, 1994, p. 11. Justamente por trabalhar com médias, a magnitude média apresenta algumas limitações, já que ela pode esconder uma enorme gradação entre os maiores e menores distritos. Ela mostra, porém, uma tendência geral de como opera o efeito mecânico. Para fins comparativos, apresentamos uma tabela com a magnitude média de 19 democracias que utilizam a representação proporcional (Tabela 3). Excluindo Israel, que tem um único distrito eleitoral nacional, o Brasil aparece, ao lado de Itália e Áustria, como um dos países de mais alta magnitude média.

Taagepera e Shugart mostraram que até M=4 o sistema eleitoral tende a operar fortemente de maneira a sobre-representar os menores partidos.20 20 Rein Taagepera e Matthew Shugart, Seats and Votes, 1989, p. 114. Como no Brasil o menor distrito tem M=8, pode-se dizer que embora haja um razoável efeito mecânico ele não é tão intenso como no caso dos distritos de magnitude até 4. Para melhor investigar os efeitos da gradação dos distritos eleitorais brasileiros, eles foram divididos em três grupos de acordo com a magnitude, tomando como padrão a referência internacional: distritos médios (M entre 8 e 12), distritos grandes (M entre 16 e 31) e megadistritos (M entre 39 e 60). Somando o número de cadeiras de cada tipo de distrito, tem-se 198 (39%) em megadistritos, 176 (35%) em distritos grandes e 129 (26%) em distritos médios (ver coluna 1 da Tabela 4).

É possível dizer que, pelo menos teoricamente, em termos agregados, o sistema eleitoral brasileiro opera com uma tendência à alta magnitude, até porque o efeito dos megadistritos compensa os dos distritos com média magnitude. A magnitude média de 19 deputados federais por distrito (Tabela 3) pode ser vista como um bom indicador dessa tendência.

Teoricamente, porque na prática as coisas ocorrem de maneira diferente. Voltemos ao problema da seção anterior: a inclusão dos votos em branco no cálculo da distribuição de cadeiras. Como salientado, tal inclusão altera substantivamente o quociente eleitoral. Na Tabela 4, percorremos outro caminho. Procuramos calcular o que chamamos de magnitude efetiva das representações políticas estaduais na Câmara dos Deputados, para tanto dividindo o total de votos positivos de cada estado (nominais e de legenda) pelo respectivo quociente eleitoral real. O artifício legal da inclusão dos votos em branco no cálculo do quociente eleitoral faz com que, efetivamente, os colégios eleitorais estaduais funcionem como distritos de menor magnitude, já que se eleva a votação mínima exigida dos partidos. Assim, São Paulo, por exemplo, operou na prática como um distrito de 58 cadeiras, e não de 70. balanço final é um sistema com distritos menores, portanto, com efeito mecânico mais acentuado. A magnitude média cai de 19 para 15.

Nesse sentido, conclui-se que:

• embora a magnitude média hipotética coloque o Brasil entre os países de alta magnitude global, a magnitude real o aproxima do padrão de países com média magnitude;

• na prática, a maioria dos distritos funciona de maneira menos proporcional que a esperada. Observa-se que eles majoritariamente operam como distritos médios (M<12);

• a alta magnitude de alguns distritos brasileiros minimiza as distorções produzidas nos distritos com M<12.

Portanto, as causas da alta fragmentação partidária brasileira não derivam das duas principais características do sistema eleitoral: fórmula e magnitude, já que a primeira funciona de maneira a favorecer os maiores partidos, reduzindo conseqüentemente a fragmentação eleitoral, e a segunda, no agregado, acaba exigindo dos partidos, na maioria dos estados, um patamar razoável de votação para que eles tenham representação parlamentar.

A LISTA ABERTA: O SISTEMA BRASILEIRO

Em alguns países de representação proporcional é permitido ao eleitor, além de votar em um partido, escolher também um candidato individual. O voto preferencial é a possibilidade de os eleitores definirem entre os diversos candidatos de um partido qual o seu predileto. Essa opção não é dada aos eleitores de sistemas majoritários de M=l, já que, ao escolherem um partido, automaticamente estão votando em um candidato particular; nem aos eleitores de países com lista fechada, que não podem alterar o ordenamento da lista estabelecido pelo partido.

Entre os países com sistemas eleitorais majoritários, apenas os Estados Unidos têm o mecanismo do voto preferencial. As primárias americanas, que ocorrem antes das eleições, permitem aos eleitores escolherem qual candidato representará o partido no pleito. Segundo Michael Marsh há dois tipos de voto preferencial em sistemas de representação proporcional de lista:

"Há apenas dois tipos de sistemas de voto preferencial. No primeiro, apenas os eleitores decidem quais candidatos devem ocupar as cadeiras conquistadas por um partido. No segundo, a decisão resulta de uma combinação entre ordenamento partidário e escolha eleitoral – normalmente com ênfase no segundo fator."21 21 Michael Marsh "The Voters Decide?: Preferential Voting in European List "Systems". European Journal of Political Research, 1985, p. 366.

As possibilidades dos eleitores podem ser dispostas em um continuum: da dependência total do ordenamento da lista pelos eleitores, até uma combinação que inclui a expressão de preferências e o ordenamento estipulado pelos partidos antes do pleito. Entre as democracias tradicionais, Suíça, Luxemburgo, Itália (até 1992) e Finlândia oferecem aos eleitores a prerrogativa de decidir quais candidatos serão eleitos. Em outros países, tais como Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca e Noruega, há métodos que combinam as preferências do eleitor com as do partido.22 22 Uma introdução à questão dos diversos tipos de lista nos sistemas de representação proporcional pode ser encontrada em Jairo Marconi Nicolau, Sistema eleitoral e reforma política, 1993. Para maiores detalhes, ver: Richard S. Katz, "Intraparty Preference Voting", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.

Nesta seção pretendemos discutir as possíveis conseqüências da utilização da lista aberta - uma variante do voto preferencial - sobre o sistema partidário brasileiro. A questão é verificar se existe relação entre a lista aberta e a fragmentação partidária. O mecanismo de funcionamento da lista aberta no Brasil é muito simples: o eleitor tem duas escolhas, ou vota em um partido (voto de legenda), ou em um candidato (voto nominal). A votação total de um partido - que será usada para a alocação de cadeiras - é o resultado da soma dos votos dados à legenda mais os votos nominais. Diferentemente da maioria das democracias que empregam a representação proporcional de lista, não há no sistema de voto preferencial brasileiro nenhum tipo de ordenamento dos nomes da lista antes das eleições, nem qualquer forma de favorecimento para candidatos específicos da lista.

Apresentamos, a seguir, um modelo do funcionamento do voto preferencial no Brasil, tendo como referência as eleições do período 1982-94. Apesar de algumas variações específicas, imaginamos que ele retrate o padrão básico de comportamento dos eleitores e dos dirigentes partidários.

1. Os nomes que compõem a lista são escolhidos pelos dirigentes partidários; não há nenhum caso de partido, pelo que se sabe, que tenha definido os nomes da lista por intermédio de consulta direta (primárias) aos filiados. No PT, por exemplo, para um filiado tornar-se candidato ele necessita ser indicado por um núcleo ou diretório, e não ser votado nas convenções estaduais do partido.

2. Os candidatos estruturam suas campanhas com grande autonomia em relação ao partido. Cada candidato organiza individualmente sua estrutura de captação de votos: recursos financeiros, material de campanha, comitês etc.

3. Devido à intensa individualização da campanha, a bancada eleita por um partido é, sobretudo, o resultado agregado da ação de diversos candidatos individuais.

4. O sucesso eleitoral de um partido tem relação direta com a presença de candidatos competitivos (capazes de obter votações expressivas) na lista.

5. A forma de intervenção dos dirigentes partidários, com o intuito de reduzir resultados não antecipados da alta competição intrapartidária, é escolher um ou mais candidatos como "puxadores de legenda". O puxador de legenda é beneficiado com recursos do partido, sobretudo o tempo no horário gratuito no rádio e televisão.

Um dos efeitos da individualização das campanhas para o Legislativo é que o eleitor vota prioritariamente nos candidatos e não nos partidos.23 23 A individualização das campanhas nas eleições para a Câmara dos Deputados é confirmada por dados de pesquisa de opinião realizada pelo Iuperj, junto a eleitores da cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 1994. Perguntados acerca do procedimento para a escolha do candidato a deputado federal, 74% revelaram escolher o candidato independente do partido; 14% disseram escolher primeiro o partido e depois o candidato; e apenas 7% revelaram votar somente no partido (legenda). Ver: Jairo Marconi Nicolau, Eleições de 1994 na Cidade do Rio de Janeiro, Iuperj, mimeo, 1994. Na medida em que a disputa nas eleições para as Casas Parlamentares se torna uma competição intercandidatos, o efeito psicológico tende a ter baixa influência sobre o eleitor. Ou seja, é difícil imaginar que alguém deixe de votar em um candidato para o Legislativo, avaliando que ele não tem condições de se eleger.24 24 As eleições de 1994 no Estado do Rio de Janeiro protagonizaram um excelente exemplo dos efeitos psicológicos de Duverger. Com a anulação das eleições proporcionais e a realização de novo pleito, verificou-se, na prática, um caso único de eleições em dois turnos em um sistema proporcional de lista. Com isso, na segunda eleição, o efeito psicológico passou a ser relevante. Por parte de diversos partidos, houve concentração dos recursos de campanha nos candidatos mais votados, e os candidatos menos votados passaram a apoiar outros mais cotados. Muitos eleitores também trocaram seus votos, sacrificando os candidatos muito mal posicionados nas listas, em prol dos candidatos que apareciam com alguma chance de se eleger. A transferência de votos pode ser constatada, por exemplo, nas eleições para a Assembléia Legislativa: 61 deputados, dos 65 eleitos nas duas eleições, tiveram mais votos na segunda eleição.

Além do desempenho dos candidatos, um outro aspecto tem efeito sobre o resultado final obtido pelos partidos: os votos dados à legenda. Nas eleições de 1994, por exemplo, o voto de legenda representou 8,3% da votação total para a Câmara dos Deputados. A Tabela 5 mostra que apenas dois dos onze maiores partidos, PT e PSDB, receberam mais de 10% de votação decorrente do voto de legenda. O PT foi o grande beneficiado desse tipo de voto, já que cerca de 1/3 de seus votos derivaram da votação dada à legenda.

Vejamos alguns dos efeitos da lista aberta sobre o sistema partidário. Ao produzir campanhas altamente individualizadas, e com intensa competição intrapartidária, o sistema de lista aberta tende a transformar os partidos brasileiros, pelo menos no período eleitoral, em uma confederação de candidatos. O sistema de lista aberta é constantemente acusado de produzir resultados deletérios para os partidos brasileiros. (São necessários estudos mais detalhados para prová-lo.) Uma contraprova dessa relação pode ser observada no caso da Finlândia, que também utiliza um sistema de representação proporcional de lista aberta e tem partidos altamente estruturados e programáticos. é inegável que o não-ordenamento da lista e a não-especificação legal de candidaturas preferenciais transferem poder das lideranças partidárias (e dos componentes do partido) para o eleitorado.

O sistema de lista aberta estimula a criação, por parte dos candidatos, de lealdades extrapartidárias com clientelas específicas do eleitorado (bases territoriais, grupos profissionais, segmentos sociais). Passadas as eleições, os eleitos estabelecem mecanismos, geralmente extrapartidários, de atendimento a essas clientelas. Tanto as freqüentes viagens dos deputados federais para os seus estados, para não "abandonarem as suas bases", como os efeitos mais letais de alocação orçamentária de recursos da União para suas circunscrições eleitorais, podem ser interpretados como formas de satisfação de demandas de clientelas de campanha. Obviamente, o problema não é específico aos sistemas de lista aberta, mas uma marca presente nos sistemas de voto preferencial.25 25 Para uma avaliação da "personalização" da representação e da criação de mandatos parlamentares a serviço dos distritos, em sistemas de maioria simples, ver: Bruce Cain, John Ferejohn e Moris Fiorina, The Personal Vote: Constituency Service and Electoral Independence. Cambridge, Cambridge University Press, 1987.

Por fim, chegamos ao ponto crucial: será que existe alguma relação entre lista aberta e multipartidarismo? Dada a impossibilidade de realização de uma pesquisa empírica para avaliar essa questão, o caminho é trabalhar em termos lógicos. O que sabemos é que o sistema de lista aberta produz: a) campanhas eleitorais altamente individualizadas; e b) baixo poder dos partidos vis-à-vis o eleitorado para definir a ordem na lista.

No primeiro caso, nada indica que o formato de confederação de campanhas individuais para o Legislativo seja um estímulo ao multipartidarismo, pois tal poderia ocorrer também em um sistema bipartidário. O mesmo se dá no segundo caso, ou seja, a transferência da resolução das disputas intra-listas do âmbito do partido para o eleitorado pode ser analisada como um incentivo para que os candidatos permaneçam nos seus partidos, e não para os abandonar, pois, em última instância, nesse sistema, o árbitro das disputas intrapartidárias passa a ser o eleitor. Portanto, pelo menos logicamente, não existe nenhuma relação entre a lista aberta e o incentivo ao multipartidarismo.

CONCLUSÕES

As conclusões a que podemos chegar a respeito do possível impacto do sistema eleitoral sobre a fragmentação partidária vão na direção contrária às tradicionais interpretações sobre o tema. O sistema eleitoral brasileiro é composto por mecanismos contrários; dois deles (fórmula e inclusão dos votos em branco no cálculo do quociente) favorecem os maiores partidos, outro (a alta magnitude de alguns distritos) tende a tornar mais fácil a representação dos menores partidos. Na prática, esses efeitos acabam se anulando.

Os pontos abaixo resumem as principais conclusões deste trabalho:

• a fórmula eleitoral (D'Hondt de maiores médias) usada no Brasil favorece os maiores partidos;

• esta tendência é agravada pela inclusão dos votos em branco no cálculo e pela exclusão dos menores partidos da distribuição das sobras;

• a alta magnitude de alguns distritos reduz o efeito mecânico produzido pela fórmula eleitoral, em que pese a inclusão dos votos em branco torná-lo intenso em alguns estados;

• a individualização das campanhas para o Parlamento anula o efeito psicológico por parte dos eleitores;

• não há nenhuma relação lógica entre lista aberta e fragmentação partidária.

Podemos concluir, então, que o sistema eleitoral brasileiro não favorece os menores partidos, o que teria de ocorrer para ele ser produtor de fragmentação partidária. Portanto, se a fragmentação partidária é um fato, suas causas devem ser buscadas em outras esferas do sistema político.26 26 Uma análise das variáveis responsáveis pela fragmentação partidária brasileira está em: Jairo Marconi Nicolau, O sistema partidário brasileiro (1985-94): um estudo sobre as razões da fragmentação, tese de doutorado, Iuperj, 1995.

  • * Este artigo é uma versão revista e atualizada do capítulo 3 de O sistema partidário brasileiro (1985-94): um estudo sobre as razões da fragmentação, Tese de doutorado de Jairo Marconi Nicolau, Iuperj, 1995.
  • 1 Thomas Skidmore, Folha de S. Paulo, 14/8/1994.
  • 2 Maurice Duverger, Os Partidos Políticos. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 1987.
  • 3 Arend Lijphart, As Democracias Contemporâneas. Lisboa, Gradiva, 1989. pp. 209-11.
  • 4 Giovanni Sartori, "The Influence of Electoral Systems: Faulty Laws or Faulty Methods?", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 5 A sugestão para denominar as proposições de Duverger de lei e hipótese foi feita por: William Riker, "Duverger's Law Revisited", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 6 Rein Taagepera e Matthew Shugart. Seats and Votes. New Haven, Yale University Press, 1989.
  • 7 Arend Lijphart, Electoral Systems and Party Systems. London, Cambridge University Press, 1994.
  • 8 Essa tendência foi primeiramente confirmada por Douglas Rae, The Political Consequences of Electoral Laws. New Haven, Yale University Press, 1967.
  • 9 André Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor". British Journal of Political Science, vol.21, nş1, 1991. p.80.
  • 10 Arend Lijphart, Electoral Systems and Party Systems, 1994, p. 96.
  • 12 A magnitude (M) é o número de representantes de um distrito eleitoral. Ao contrário de toda a literatura sobre o tema, Blais e Carty sugerem que o efeito psicológico ocorre no âmbito nacional. Ver: André Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor", 1991, p. 82.
  • 13 Sobre este ponto particular, ver José Antônio Giusti Tavares, Os sistemas eleitorais na perspectiva comparada: teoria, instituições, estratégia. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993. p. 549.
  • 14 A noção de sistema de representação proporcional puro foi proposta por Giovanni Sartori, "The influence of Electoral Systems: Faulty Laws or Faulty Methods?", 1986, p. 59.
  • 15 Ver Andre Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor", 1991, p. 87.
  • 16 Para uma discussão mais detalhada dos efeitos destas três fórmulas, ver Jairo Marconi Nicolau, Sistema eleitoral e reforma política. Rio de Janeiro, Foglio, 1993.
  • 17 Essa hierarquização é apresentada por Arend Lijphart, "Degrees of Proportionality of Proportional Representation Formulas", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 19 A respeito do cálculo da magnitude média, ver Arend Lijphart, Electoral Systems and Party Systems, 1994, p. 11.
  • 20 Rein Taagepera e Matthew Shugart, Seats and Votes, 1989, p. 114.
  • 21 Michael Marsh "The Voters Decide?: Preferential Voting in European List "Systems". European Journal of Political Research, 1985, p. 366.
  • 22 Uma introdução à questão dos diversos tipos de lista nos sistemas de representação proporcional pode ser encontrada em Jairo Marconi Nicolau, Sistema eleitoral e reforma política, 1993.
  • Para maiores detalhes, ver: Richard S. Katz, "Intraparty Preference Voting", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.), Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 23 A individualização das campanhas nas eleições para a Câmara dos Deputados é confirmada por dados de pesquisa de opinião realizada pelo Iuperj, junto a eleitores da cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 1994. Perguntados acerca do procedimento para a escolha do candidato a deputado federal, 74% revelaram escolher o candidato independente do partido; 14% disseram escolher primeiro o partido e depois o candidato; e apenas 7% revelaram votar somente no partido (legenda). Ver: Jairo Marconi Nicolau, Eleições de 1994 na Cidade do Rio de Janeiro, Iuperj, mimeo, 1994.
  • 25 Para uma avaliação da "personalização" da representação e da criação de mandatos parlamentares a serviço dos distritos, em sistemas de maioria simples, ver: Bruce Cain, John Ferejohn e Moris Fiorina, The Personal Vote: Constituency Service and Electoral Independence. Cambridge, Cambridge University Press, 1987.
  • 26 Uma análise das variáveis responsáveis pela fragmentação partidária brasileira está em: Jairo Marconi Nicolau, O sistema partidário brasileiro (1985-94): um estudo sobre as razões da fragmentação, tese de doutorado, Iuperj, 1995.
  • *
    Este artigo é uma versão revista e atualizada do capítulo 3 de O
    sistema partidário brasileiro (1985-94): um estudo sobre as razões da fragmentação, Tese de doutorado de Jairo Marconi Nicolau, Iuperj, 1995.
  • 1
    Thomas Skidmore,
    Folha de S. Paulo, 14/8/1994.
  • 2
    Maurice Duverger,
    Os Partidos Políticos. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 1987.
  • 3
    Arend Lijphart,
    As Democracias Contemporâneas. Lisboa, Gradiva, 1989. pp. 209-11.
  • 4
    Giovanni Sartori, "The Influence of Electoral Systems: Faulty Laws or Faulty Methods?", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.),
    Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 5
    A sugestão para denominar as proposições de Duverger de lei e hipótese foi feita por: William Riker, "Duverger's Law Revisited", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.),
    Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 6
    Rein Taagepera e Matthew Shugart.
    Seats and Votes. New Haven, Yale University Press, 1989.
  • 7
    Arend Lijphart,
    Electoral Systems and Party Systems. London, Cambridge University Press, 1994.
  • 8
    Essa tendência foi primeiramente confirmada por Douglas Rae,
    The Political Consequences of Electoral Laws. New Haven, Yale University Press, 1967.
  • 9
    André Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor".
    British Journal of Political Science, vol.21, nº1, 1991. p.80.
  • 10
    Arend Lijphart,
    Electoral Systems and Party Systems, 1994, p. 96.
  • 11
    A observação do comportamento dos eleitores nas eleições realizadas após a implantação do mecanismo de dois turnos no País, revela a permanência do efeito psicológico (voto útil). Em geral, tal fenômeno ocorre com eleitores do mesmo campo político (esquerda/direita), que trocam seu candidato por outro com mais chances de passar para o segundo turno.
  • 12
    A magnitude (M) é o número de representantes de um distrito eleitoral. Ao contrário de toda a literatura sobre o tema, Blais e Carty sugerem que o efeito psicológico ocorre no âmbito nacional. Ver: André Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor", 1991, p. 82.
  • 13
    Sobre este ponto particular, ver José Antônio Giusti Tavares,
    Os sistemas eleitorais na perspectiva comparada: teoria, instituições, estratégia. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993. p. 549.
  • 14
    A noção de sistema de representação proporcional puro foi proposta por Giovanni Sartori, "The influence of Electoral Systems: Faulty Laws or Faulty Methods?", 1986, p. 59.
  • 15
    Ver Andre Blais e R. K. Carty, "The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger's Elusive Factor", 1991, p. 87.
  • 16
    Para uma discussão mais detalhada dos efeitos destas três fórmulas, ver Jairo Marconi Nicolau,
    Sistema eleitoral e reforma política. Rio de Janeiro, Foglio, 1993.
  • 17
    Essa hierarquização é apresentada por Arend Lijphart, "Degrees of Proportionality of Proportional Representation Formulas", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.),
    Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 18
    A Holanda e metade dos representantes da Alemanha são um caso intermediário, já que nesses países embora o cálculo das cadeiras seja feito nacionalmente, há uma posterior alocação entre as diversas listas partidárias das regiões.
  • 19
    A respeito do cálculo da magnitude média, ver Arend Lijphart,
    Electoral Systems and Party Systems, 1994, p. 11.
  • 20
    Rein Taagepera e Matthew Shugart,
    Seats and Votes, 1989, p. 114.
  • 21
    Michael Marsh "The Voters Decide?: Preferential Voting in European List "Systems".
    European Journal of Political Research, 1985, p. 366.
  • 22
    Uma introdução à questão dos diversos tipos de lista nos sistemas de representação proporcional pode ser encontrada em Jairo Marconi Nicolau,
    Sistema eleitoral e reforma política, 1993. Para maiores detalhes, ver: Richard S. Katz, "Intraparty Preference Voting", in Bernard Grofman e Arend Lijphart (orgs.),
    Electoral Laws and their Political Consequences. New York, Agathon Press, 1986.
  • 23
    A individualização das campanhas nas eleições para a Câmara dos Deputados é confirmada por dados de pesquisa de opinião realizada pelo Iuperj, junto a eleitores da cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 1994. Perguntados acerca do procedimento para a escolha do candidato a deputado federal, 74% revelaram escolher o candidato independente do partido; 14% disseram escolher primeiro o partido e depois o candidato; e apenas 7% revelaram votar somente no partido (legenda). Ver: Jairo Marconi Nicolau, Eleições de 1994 na Cidade do Rio de Janeiro, Iuperj, mimeo, 1994.
  • 24
    As eleições de 1994 no Estado do Rio de Janeiro protagonizaram um excelente exemplo dos efeitos psicológicos de Duverger. Com a anulação das eleições proporcionais e a realização de novo pleito, verificou-se, na prática, um caso único de eleições em dois turnos em um sistema proporcional de lista. Com isso, na segunda eleição, o efeito psicológico passou a ser relevante.
    Por parte de diversos partidos, houve concentração dos recursos de campanha nos candidatos mais votados, e os candidatos menos votados passaram a apoiar outros mais cotados. Muitos eleitores também trocaram seus votos, sacrificando os candidatos muito mal posicionados nas listas, em prol dos candidatos que apareciam com alguma chance de se eleger. A transferência de votos pode ser constatada, por exemplo, nas eleições para a Assembléia Legislativa: 61 deputados, dos 65 eleitos nas duas eleições, tiveram mais votos na segunda eleição.
  • 25
    Para uma avaliação da "personalização" da representação e da criação de mandatos parlamentares a serviço dos distritos, em sistemas de maioria simples, ver: Bruce Cain, John Ferejohn e Moris Fiorina,
    The Personal Vote: Constituency Service and Electoral Independence. Cambridge, Cambridge University Press, 1987.
  • 26
    Uma análise das variáveis responsáveis pela fragmentação partidária brasileira está em: Jairo Marconi Nicolau,
    O sistema partidário brasileiro (1985-94):
    um estudo sobre as razões da fragmentação, tese de doutorado, Iuperj, 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      1995
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