Acessibilidade / Reportar erro

Democracia constituinte

Constituent democracy

Resumos

O artigo busca discutir a democracia, tomando-a em sua dimensão mais radical, ou seja, como espaço e forma de relações de poder constituinte do povo. De outro lado, recorda que conceitual e analiticamente nascem juntos o princípio da soberania do povo e o do poder permanente de se constituir. A isto se une uma analogia conceitual entre poder constituinte e democracia à medida que ambos se referem e - não apenas isto - descrevem a ação coletiva de autolegislação e de automudança. Deste modo, debater a democracia contemporânea e suas incompletudes exige que se retome a articulação histórica e conceitual entre poder constituinte e democracia. Somente assim se resgata a verdade radical da política e da democracia moderna; suas potencialidades de emancipação humana.

Democracia; Poder Soberano; Poder Constituinte; Verdade radical; Política Emancipatória


The article seeks to discuss democracy on the basis of its most radical dimension, i. e., as space and form of relations of people's constituent power. On the other hand, points out that born together, conceptually and analytically, the principle of popular sovereignty and the permanent power of constitute itself. To this is added a conceptual analogy between constituent power and democracy as far as both are relate with each other, and not only so, as both describe the collective action of self-legislation and self-change. In this way, to discuss the contemporary democracy and its huge incompleteness it requires that be resumed the historical and conceptual linkage between constituent power and democracy. Only thus you rescue the radical truth of politics and modern democracy; its potential for human emancipation.

Democracy; Sovereign Power; Constituent Power; Radical Truth; Emancipation Policy


DOSSIÊ DEMOCRACIA EM DEBATE

Democracia constituinte* * Tradução de Florência Mendes Ferreira da Costa.

Constituent democracy

Andreas Kalyvas

Professor associado de ciência política da New School for Social Research

RESUMO

O artigo busca discutir a democracia, tomando-a em sua dimensão mais radical, ou seja, como espaço e forma de relações de poder constituinte do povo. De outro lado, recorda que conceitual e analiticamente nascem juntos o princípio da soberania do povo e o do poder permanente de se constituir. A isto se une uma analogia conceitual entre poder constituinte e democracia à medida que ambos se referem e – não apenas isto – descrevem a ação coletiva de autolegislação e de automudança. Deste modo, debater a democracia contemporânea e suas incompletudes exige que se retome a articulação histórica e conceitual entre poder constituinte e democracia. Somente assim se resgata a verdade radical da política e da democracia moderna; suas potencialidades de emancipação humana.

Palavras-chave: Democracia; Poder Soberano; Poder Constituinte; Verdade radical; Política Emancipatória.

ABSTRACT

The article seeks to discuss democracy on the basis of its most radical dimension, i. e., as space and form of relations of people's constituent power. On the other hand, points out that born together, conceptually and analytically, the principle of popular sovereignty and the permanent power of constitute itself. To this is added a conceptual analogy between constituent power and democracy as far as both are relate with each other, and not only so, as both describe the collective action of self-legislation and self-change. In this way, to discuss the contemporary democracy and its huge incompleteness it requires that be resumed the historical and conceptual linkage between constituent power and democracy. Only thus you rescue the radical truth of politics and modern democracy; its potential for human emancipation.

Keywords: Democracy; Sovereign Power; Constituent Power; Radical Truth; Emancipation Policy.

O poder constituinte é a verdade radical da democracia moderna. Por duas razões principais: uma histórica e outra analítica. Em primeiro lugar, o nascimento da moderna doutrina acerca da soberania popular coincide com o advento conceitual do poder constituinte. Eles têm a mesma origem e são contemporâneos (Böckenforde, 1991, pp. 11-12; Arato, 1995; Negri, 1999, p. 1; Loughlin, 2004, p. 100; Loughlin e Walker, 2007, p. 6). A supremacia política da multidão sobre príncipes, reis, imperadores e papas foi formulada inicialmente em termos de poder originário da comunidade para determinar as formas políticas de sua existência coletiva. Foi durante o volátil período entre o fim da Idade Média e o começo da Modernidade que a multidão foi identificada ao sujeito constituinte soberano e, respectivamente, a democracia foi reimaginada como a política de fundações populares. Em segundo lugar, há uma analogia conceitual profundamente sistemática entre poder constituinte e democracia à medida que ambos descrevem atos coletivos de autolegislação e eventos públicos de automudança. A partir dessa afinidade eletiva, a política constituinte democrática evoca o princípio da liberdade como autonomia política por meio do qual os membros da coletividade constituem deliberadamente as formas políticas da autoridade de maneira a organizar e institucionalizar suas vidas comuns. Os destinatários da lei tornam-se seus autores. Por isso, formular a soberania popular como poder constituinte é afirmar o valor democrático básico de autogoverno.

Essa articulação tanto histórica quanto conceitual entre poder constituinte e democracia deve ser enfatizada. A soberania popular como poder para constituir é reconhecida erroneamente por discursos democráticos contemporâneos, faltando um lugar para ela no nosso vocabulário político1 1 Desde que Malberg (1922, p. 483) assegurou que o poder constituinte é "o problema capital na lei pública", esse poder é repetidamente tratado como uma anomalia legal, uma irregularidade perturbadora e uma ameaça política. Para uma reformulação contemporânea dessa posição, ver Agamben (1998, pp. 39-48). Para dois diferentes cômputos do desaparecimento do poder constituinte do discurso constitucional contemporâneo, ver Beaud (1994, pp. 210-14) e Negri (1999, pp. 1-35, 303-6). Para recentes negações do poder constituinte, ver Ackerman (1998, pp. 11, 425), Habermas (1998, p. 148; 1996, pp. 462-90), Preuss (1995, pp. 19, 75-6, 95-8), Lindahl (2007, pp. 19-24), Dyzenhaus (2007, 2012), Arato (2007, pp. 427-43, 2011, pp. 324-51). . De fato, durante a longa história do pensamento político ocidental, a soberania como poder constituinte foi sistematicamente ofuscada pela doutrina concorrente da soberania como "o mais alto poder de comando", pronunciada orgulhosamente por Jean Bodin no livro I, capítulo 8, de seu celebrado tratado ([1576] 1992, p. 1). Sua nova definição absolutista e unitária da soberania se espalhou rapidamente por meio de vários discursos políticos e jurídicos e apareceu em diversos contextos históricos e distintos sistemas teóricos de vários pensadores canônicos2 2 No capítulo IV de Do cidadão, Thomas Hobbes concordou que "Poder Soberano" é "esse Direito a dar os Comandos" ([1642] 1998, p. 73); trata-se de uma visão propagandeada por Samuel Pufendorf, que foi adotada por autores desde Jeremy Bentham e John Austin a Max Weber, inclusive por Baruch Spinoza ([1670] 1951, p. 207) que, como muitos outros, enquanto discutia democracia absoluta formulava a questão da soberania à luz de quem "tem o direito soberano de impor qualquer comando que agrade". . Esse paradigma de poder supremo que atravessa tanto a jurisprudência natural quanto o positivismo legal – embora de formas diversas –, identifica o soberano como aquele que comanda sem estar sujeito ao comando de outro, isto é, de um superior (Negri e Hardt, 2008, pp. 48-59).

O soberano de Bodin é um "comandante não comandado". A relação política essencial é vertical entre "ele que comanda" e "ele que deve obediência", ou seja, entre monarcas e súditos, governantes e governados (Bodin, [1576] 1992, p. 49; Arendt, 1958, p. 234-5). Esse poder para comandar, baseado no direito divino, é absoluto, inalienável e perpétuo; subordina-se à lei divina e natural; identificado com frequência a prerrogativas executivas, é hierárquico, unitário e personificado. Internamente, não pode ser dividido ou compartilhado; externamente, não deve ser sobrepujado ou rebaixado. A teoria de Bodin sobre soberania tornou-se um paradigma da modernidade política, uma característica essencial para o entendimento moderno do Estado, de sua autoridade e de sua unidade (Gierke, 1957, p. 40; Franklin, 1991, p. 307). De fato, ele propôs a teoria do Estado soberano e, ao fazer isso, estabeleceu as bases, no fim do século XVI, para o que veio a ser a exemplar a teoria do poder soberano no pensamento legal e político ocidental.

Quando se trata do advento da democracia moderna, o paradigma do comando tende a explicar isso como mera transferência de soberania do rei para o povo, do Um para os Muitos (Arendt, 1963, pp. 154-8). A moderna inauguração da democracia qua soberania popular significa uma passagem de comando de um que o detém para outro, pelo qual o poder pessoal é transformado em coletivo. Nesse aspecto, a soberania democrática inverte o paradigma monárquico: o povo se apropria do poder do rei, invertendo as fontes da autoridade política. A democracia é retratada como pós-monárquica, a ponto de a abolição da realeza não necessariamente eliminar o discurso absolutista da soberania como comando, mas sim substituir um comando supremo por outro. A soberania muda de mãos, mas permanece essencialmente a mesma3 3 A observação de Judith Shklar (1969, p. 168) de que "A palavra soberania mal tem qualquer significado além do de monarquia absoluta", sucintamente representa essa tradição poderosa. . Dessa maneira, o discurso do comando reduz a moderna democracia a uma instituição centralizada de poder coercitivo4 4 "A doutrina [da soberania] assegura que em cada sociedade humana, onde há lei, há, no fim das contas, sob a variedade de formas políticas – em uma democracia tanto quanto em uma monarquia absoluta – essa simples e latente relação entre sujeitos que rende obediência e um soberano que não rende obediência a ninguém. Essa estrutura vertical composta de soberano e sujeito é, segundo a teoria, tão essencial a uma sociedade com lei quanto a coluna vertebral é para o homem" (Hart, [1961] 2012, p. 50). . A doutrina do Estado-nação é uma narrativa acerca da democratização gradual do absolutismo da soberania monárquica.

A teoria de Bodin sobre soberania dominou com sucesso a teoria e a prática política moderna, modelando o entendimento de democracia prevalecente. Seu compromisso com a primazia do comando coercitivo sugere uma concepção estatista e estática de soberania, a qual consiste em uma força repressiva, emanada de cima, hierárquica e unitária, apoiada por uma administração centralizada e que precisa de checagens externas e de equilíbrio. Michel Foucault (1990, p. 85) descreveu esse modelo jurídico de soberania como uma "antienergia [...] um poder que somente tem a força negativa a seu lado, um poder de dizer não; sem condição de produzir, capaz somente de impor limites"5 5 Ver também Arendt (1993 pp. 152, 164). .

A história política do poder constituinte fala diretamente contra essa grande narrativa do comando e da sujeição (Negri, 1999, p. 332; 2008a, p. 103). Ilumina dimensões importantes, mas negligenciadas, da experiência democrática e desvenda um entendimento radical da soberania popular. Para falar negativamente, o advento da democracia moderna não pode e não deve ser tratado como uma mera transferência de soberania do rei para o povo, desdobrado imanentemente dentro de uma continuidade ininterrupta de um paradigma estatizado do comando supremo. Em termos positivos, a democracia qua poder constituinte desvenda uma ideia diferente de soberania, não apenas historicamente anterior, mas também politicamente distinta do paradigma real, oposto e antagonístico a ela: o poder do povo para decretar. Dessa forma, modernidade política pode ser vista como consistindo de duas formas de poder soberano e duas visões de política: a democrática e a monárquica, a constitucional e a absolutista, a federalista e a estatista, o poder de Muitos para eleger contra o poder de Um para comandar.

A seguir, eu procuro recuperar essa teoria radical da soberania democrática como poder constituinte que afasta-se significantemente do paradigma canônico de comando. Na primeira seção, eu tracei o princípio etimológico e conceitual do poder constituinte. A segunda e a terceira seções revisitam os episódios formativos da história da soberania popular, esta associada com desobediência, resistência, insurreição e revolução. A quarta seção segue os passos do jovem Marx para tentar reconstruir, na parte conclusiva, os princípios políticos da democracia constituinte.

Poder constituinte e soberania popular

O verbo "constituir" vem do Latim constitūeure, que é uma combinação do prefixo con- e do verbo statūere. O prefixo con- tem vários significados gramaticais, o mais importante dos quais é "com" ou "junto". O verbo statūere, por outro lado, deriva de stăo, que significa "causar um repouso", "organizar", "construir", "ordenar", "eregir", "estabelecer", "criar"6 6 Stătūo é por si mesmo derivado de stăre, ou seja, se manter firme e imóvel. . A palavra constitūere, portanto, denota literalmente o ato de fundar junto, de criar juntamente, ou coestabelecer (McIlwain, 1947, pp. 23-42; Kalyvas, 2005).

Na Roma antiga, o verbo constitūere era usado para designar, no vocabulário econômico das relações de troca, um acordo com o outro sobre algo, um acordo entre uma pluralidade de indivíduos. Além disso, na lei pública de Roma, denominava um tipo muito específico de prática legislativa que foi tida como superior à legislação ordinária, isto é, atos extraordinários para estabelecer ou alterar as leis fundamentais e as instituições da república (Mommsen, 1884, pp. 425-70; Schmitt, 1994, pp. 127-49.). Por exemplo, a forma jurídica do rei publicae constituendae significa o poder para iniciar mudanças legais radicais (Cícero, 1994, pp. 264-7; 2010; Tito Lívio, 1997, pp. 333-4; Apiano, 2002, p. 185; Lúcio Ampélio, 1935). A sala do ditador, o decenvirato, os triunviratos e outras comissões especiais e regulares eram tratadas como instituições do poder constituinte. No entanto, porque essas magistraturas eram comissões especiais autorizadas por uma autoridade constitucional superior, elas não eram consideradas soberanas. Da mesma forma, o título de cõnstitūtor significava aquele que estabelece, aquele que ordena, o fundador que exercita o poder e a autoridade para reformar e transformar (Georges, 1869, pp. 1151-2.). Depois do colapso da república, o poder de constituir foi tomado pelo imperador romano e acabou descrevendo suas decisões judiciais, sua posição executiva superior e seus decretos-leis (constitutio)7 7 A esse respeito, ver 1.1.6, 1.2.18 do Digesto de Justiniano. A partir desses primeiros significados etimológicos pré-democráticos e suas várias aplicações econômicas, políticas e legais, seguem-se certas conclusões preliminares. A primeira sugere pressuposições semânticas inescapáveis de uma prática coletiva. Trata-se da prática da pluralidade de atores que engaja publicamente um com outro, associando e agindo em acordo para mutuamente erigir e estabelecer algo junto, para criar algo conjuntamente. Segundo, o termo é historicamente associado com episódios transformativos críticos na história da república romana. Assim, "constituir" também designa atos extraordinários de fundação e refundação, eventos descontínuos que transformaram a constituição da cidade alterando as normas, as regras e instituições que determinam espaço de política normal. .

Durante o início da Idade Média, o uso político e jurídico do termo "constituir" quase desapareceu, perdendo seu antigo significado legal e político para se tornar puramente descritivo, no sentido literal, reduzido à faculdade de fazer ou de construir8 8 Também foi invocado por vários discursos médicos para descrever a ordem anatômica de um ser humano, seu corpo físico e sua constituição material. . Ele reapareceu no vocabulário político do final da Idade Média investido com um novo significado: o ato de nomear. Do século X em diante, "constituir" passou a significar o ato de nomear um funcionário, investir uma pessoa com certos poderes específicos, atribuir funções públicas concretas e particulares a um indivíduo, eleger alguém para um cargo, em resumo, autorizar. Foi dentro dessa concha conceitual de uso medieval que o conteúdo democrático do conceito do poder constituinte foi pela primeira vez incubado e formado. Duas inovações importantes, no entanto, foram necessárias para o desenvolvimento da democracia constituinte, ambas levadas a cabo no início do século XIV por Marsílio de Pádua cuja contribuição estabeleceu as bases de um novo conceito de soberania e pavimentou o caminho para a reinvenção da moderna democracia (Gierke, 1900, pp. 46-7; McIlwain, 1932, p. 305; D'Entreves, 1939, p. 59; Ullmann, 2010, p. 282).

A primeira inovação de Marsílio refere-se à eleição e ao poder de nomear. Seu renomado e controverso texto, Defensor pacis, foi completado em 1324 durante o conflito turbulento entre o imperador do sacro império romano-germânico, Luís IV, e o papa João XXII9 9 Marsílio tomava seu próprio trabalho como uma intervenção política concreta em um momento de crise severa e também como uma justificativa de sua inequívoca decisão de se ladear com o imperador contra o papa e assim defender a autoridade secular contra a espiritual. Como resultado, em 1327, esse olhar dissidente e opositor provocou sua condenação como herege pela igreja católica. . A disputa entre os dois acerca do locus supremo da soberania causou uma temporária quebra de legitimidade, o que criou uma fissura interna na qual a soberania popular acabou eventualmente se formando.

Marsílio alegava que nem o imperador nem o papa poderiam acertar essa rixa. Nenhum dos dois poderia ser soberano já que a ambos faltava o poder final para nomear a si próprio ou outro. Nessa situação extrema, argumentava Marsílio, sempre haveria uma autoridade final que decidiria o assunto. A multidão é que, assegurava ele, possuía o direito de nomear seus governantes seculares e espirituais, isto é, que os autorizava a governar. No espaço que separa os dois soberanos instituídos, no vácuo aberto na luta pela supremacia entre o secular e o espiritual, surgiu um novo sujeito político: a multidão, com direito supremo de nomear seus imperadores e papas.

Marsílio atribuía o poder de nomeação à multidão mais do que às autoridades constituídas, magistrados ou pessoas. Ele explicava esse poder em termos de direito coletivo que fortalece o governado na escolha de seu líder. Além dos elementos de consenso e pacto que seus argumentos invocavam, Marsílio proclamava explicitamente e apresentava sistematicamente os princípios centrais de uma nova teoria democrática de soberania popular (Gierke, 1990, pp. 38-9, 146):

O poder competente para estabelecer ou eleger o governante pertence ao legislador ou a todo corpo de cidadãos [...] E, similarmente, ao legislador pertence o poder de fazer qualquer correção ao governante e até de depô-lo, se isso for aconselhável para o bem comum. Esta é uma das mais importantes questões na política; e essas questões se referem a toda multidão de cidadãos [...] (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 61).

O segundo ponto de inovação de Marsílio marca outra contribuição. Ele reconhecia a multidão não apenas como o sujeito verdadeiro e legítimo, com suprema autoridade para escolher seus governantes; ele também estendia o alcance desta para incluir a formação do governo, o estabelecimento das leis fundamentais deste e a criação de repartições públicas. Assim, ele assegurava, "cabe ao legislador [i.e. à multidão] corrigir governos ou mudá-los completamente, assim como para estabelecê-los" (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 87, grifos meus). Marsílio, de fato, transformou o ato de nomeação em um ato de fundação, introduzindo assim a ideia de soberania em termos de uma multidão produtiva, "uma casualidade ativa universal" que "forma", "estabelece" e "diferencia" as partes do Estado (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 26, 63-4). Ele definia esse poder soberano, que reside em "todo o corpo de cidadãos ou em sua parte mais pesada" como um originário e produtivo "poder para gerar" (generare formam) novas formas legais e instituições políticas:

Uma vez que, por conseguinte, cabe a todo o conjunto dos cidadãos gerar a forma, ou seja, a lei, segundo a qual todos os atos civis deverão ser regulados, será visto que cabe ao mesmo grupo determinar esta forma de matéria, isto é, o governante, cuja função é ordenar, segundo essa forma, os atos civis dos homens [...] Pois a quem cabe gerar alguma forma, cabe também determinar o sujeito dessa forma (Marsílio de Pádua, [1324], 1956, p. 62, 64-5, grifos meus).

Essa formulação singular acerca do poder soberano da multidão enquanto formador [form-giving], sugere uma força extrainstitucional que institui a autoridade política, determina a forma de governo e estabelece uma ordem constituída justa. É importante notar, no entanto, que a teoria da soberania popular de Marsílio deslancha a partir da ideologia teológica da Idade Média. Em vez de se basear na lógica da transcendência e no modelo de uma figura divina demiúrgica como poder externo ordenador, ele se volta para as tradições materialistas antigas de forte orientação biológica (Gewirth, 1951, pp. 50-6). Misturando criativamente o texto de Aristóteles Das partes dos animais (De partibus animalium) e o tratado de Cláudio Galeno A formação do feto (De formatione foetus), Marsílio descreveu em termos de natalidade física o poder para constituir e comparou o ato de soberania criativa com o nascimento de um animal (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 63; Gierke, 1990, pp. 24-6.). A constituição política de uma comunidade é similar ("de maneira análoga") à constituição orgânica do animal (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 64). A ação soberana, argumentava ele, "ao estabelecer apropriadamente o Estado e suas partes era proporcional, portanto, à ação da natureza em aperfeiçoar a formação do animal" (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 62, grifos meus). Sua teoria incipiente acerca do poder constituinte da multidão é instruída por um materialismo físico-biológico e tem como base a razão naturalística – sem qualquer transcendentalismo –, deslocando com sucesso a metáfora teológica e mística de Pauline acerca do corpo político sagrado. Em um gesto ousado, ele descreveu a instituição da comunidade política em termos de anatomia animal e desejo físico, iniciando assim a mais ambiciosa dessacralização e desteologização da política no contexto da filosofia medieval (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 27). O corpo político, por meio da metáfora animal, expressa sua imanência ao mundo material e mortal dos seres vivos e seus relacionamentos. Com Marsílio, o advento moderno da democracia resulta de uma teoria política profana e antirreligiosa e é levada a cabo por meio de um método materialista.

A originalidade de Marsílio é múltipla. Ela se apoia em primeiro lugar na apropriação da antiga figura do legislador de maneira a retrabalhá-la na direção não de um legislador mítico e fundador de cidades, mas sim de uma comunidade real, "a multidão dos necessitados", a "multidão agregada" (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, pp. 53, 27-28, 53, 52, 54-55). O "legislador primário" é uma "autoridade primária" e a multidão é sempre o legislador porque tem o poder supremo para estabelecer e abolir seus governos e depor seus governantes (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, pp. 45, 48, 64, 87-8). Correspondentemente, as leis derivam sua autoridade do legislador, isto é, da multidão. Com essa síntese, ele reuniu o legislador, a soberania e a multidão em uma nova forma de poder coletivo de muitos para constituir o próprio mundo político. Os muitos, os pobres e o vulgus são nomes intercambiáveis usados para descrever a soberania como fundador coletivo que pode decidir a forma política de sua existência comum, seja por uma assembleia primária de todos por meio da decisão da maioria, seja por seus representantes eleitos (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, pp. 45-6)10 10 Marsílio também antecipa a ideia revolucionária da convenção constitucional. .

Além do mais, ao empregar a faculdade de constituir de modo a incluir o poder para formar e estabelecer governos, Marsílio sugeria uma distinção crucial ao diferenciar dois atos: o ato de fazer leis e o ato que institui um governo. O último designa um momento fundador, temporária e ontologicamente anterior a qualquer governo. A distinção entre o legislador e o governo aponta para a diferenciação do conceito binário de poder dividido entre o universitas civium da multidão e o pars principans do governo. Dessa forma, Marsílio antecipa a distinção-chave entre uma comunidade constituinte e a comunidade constituída, que será central em doutrinas posteriores do constitucionalismo moderno como pouvoir constituant/pouvoir constituée11 11 Por conseguinte, Marsílio relegou o poder de comando a um status inferior até mesmo dentro da ordem instituída; colocando-o abaixo do ato de legislar, assim minimizou ainda mais seu significado político. Em sua diferenciada hierarquia de poderes, o comando é secundário à legislação que em si mesma é inferior ao ato de constituir. O último pertence exclusivamente ao conjunto da comunidade enquanto os dois primeiros são admitidos à estrutura constitucional do governo e permanecem subordinados à autoridade soberana da multidão. .

Marsílio, mais adiante, assegurava a superioridade daqueles que participam do estabelecimento do governo sobre aqueles que governam, legislam e comandam dentro de uma determinada moldura constitucional (Gewirth, 1951, pp. 167-225). O ato de estabelecer/formar é superior ao ato de comandar. Uma importante razão é que a vida comum da multidão não emana nem depende dos governantes ou do governo. Trata-se de uma vida dividida que procede imanente e autossuficientemente de muitos, isto é, autonomamente da forma do Estado. A multidão tem uma dimensão de externalidade com respeito às próprias instituições como um sujeito político que pode existir fora da lei positiva. Enquanto os muitos podem existir separadamente ao Estado, este não pode viver separado daqueles. Além do mais, governar depende de e é inferior a constituir porque, como Marsílio declarou ao organizar categorias de causalidade aristotélicas, o anterior é subordinado ao último da mesma forma que a causa é sempre anterior e superior aos efeitos que gera. Mais ainda, a supremacia dos muitos sobre os poucos é apoiada por uma lógica segundo a qual "cada conjunto inteiro [...] é maior em massa e em virtude do que qualquer parte tomada separadamente" (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, p. 46). Por fim, ele também ecoa Aristóteles quando clama que a multidão é também superior no que se refere à sabedoria que ela possui, que é maior do que a de qualquer parte tomada separadamente (Marsílio de Pádua, [1324] 1956, pp. 49-55). Nessa elaborada defesa do princípio da soberania popular, os muitos são tratados como supremos porque eles antecedem a todas as autoridades constituídas, são autossuficientes, virtuosos, sapientes e, por essa razão, autores de suas formas políticas. Marsílio, em resumo, é o primeiro pensador a definir a soberania popular em termos de poder da multidão para constituir12 12 Há uma última observação a fazer acerca da alegada proveniência teológica do poder constituinte, poderosamente capturada na influente afirmação feita por Carl Schmitt de que este se trata meramente de outro secularizado conceito teológico na teoria moderna do Estado. Essa invenção incipiente feita por Marsílio da soberania democrática muda tal narrativa política-ideológica e quebra com noções medievais transcendentais metafísicas de poder e de política. Sua intervenção situa o início da democracia moderna separadamente do imaginário religioso monoteísta judaico-cristão. Sua teoria de soberania popular opera estritamente no plano da imanência. Trata-se de uma afirmação de poderes desse mundo que dispensa causa externa. Ele entendeu a política constituinte como "aqueles métodos de estabelecer governos que são afetados pela vontade humana". A existência do governo não é divinamente ordenada nem se baseia em ideias de pecado e transgressão bíblica; antes, emana materialmente da real atividade social da multidão que almeja uma vida livre, pacífica e adequada (Schmitt, [1922] 1988, pp. 36, 51; 2008, pp. 126-8; Marsílio de Pádua, [1324] 1956, pp. 29, 89-97). Ver também Preuss (1994, pp. 144-5). .

Poder constitucional e resistência democrática

Dois séculos e meio depois da "descoberta" por Marsílio do poder constituinte, durante um outro intenso conflito como consequência do dia do massacre de São Bartolomeu em 1572, muitos escritores franceses huguenotes, conhecidos como monarcômacos ("aqueles que combatem reis"), renovaram esse discurso democrático de soberania popular de maneira a defender sua doutrina radical sobre o tiranicídio13 13 O jurista católico escocês William Barclay (1600) cunhou o nome "monarcômaco" [ monarchomach] (Allen, [1922] 1977, pp. 306-8). Ver também Cummings (1904, pp. 277-301), Jászi e Lewis (1957, pp. 59-74), Stankiewicz (1960) e Giesey (1970, pp. 41-56). . Ao radicalizar aspectos da filosofia de Marsílio, eles trouxeram com esta a resistência ativa e o poder constituinte para avançar suas doutrinas de soberania e, assim, ultimamente estabeleceram as bases para posteriores teorias democráticas acerca da rebelião, da revolta, da insurreição e da revolução (Franklin, 1969, p. 11-2; Maier, 1972, pp. 3-49; Negri, 2008b, pp. 109-26). A resistência ativa e até violenta é tratada como uma legítima força extralegal de mudança política, corretamente exercitada pelo povo ou por seus representantes em casos excepcionais de autodefesa. Baseando-se na sugestão de Marsílio de que a multidão pode depor governantes injustos e suspender a lei em tempos de crise, os monarcômacos foram adiante ao explorar os efeitos desobedientes e indisciplinados da política constituinte e repensar a natureza conflituosa e revolucionária da soberania popular.

De fato, essa reavaliação antecipa o direito à revolução democrática. O direito de um povo à desobediência, à resistência, a depor ou matar seus governantes (tirânicos), deriva de seu poder soberano para determinar as formas políticas de sua vida comum (Friedrich, 1950, pp. 129-31). Resistência contra governo tirânico é uma manifestação da política constituinte e uma afirmação da soberania popular (Franklin, 1993, pp. 47-53). Os monarcômacos apresentam uma nova justificativa baseada em uma lógica democrática distinta segundo a qual "aqueles que constituem uma Forma, podem anulá-la", ou seja, baseada sobre o princípio da soberania popular, segundo o qual o povo, como poder constituinte, é superior e anterior às formas que eles constituem, inclusive reis14 14 Esta é a versão clássica de Sidney ([1680] 1996, p. 20) que, quase um século depois, exemplifica o significado normativo de soberania popular baseado no poder para constituir. Também testemunha sua permanência discursiva além e depois dos monarcômacos (Gierke, 1957, pp. 256-7; Franklin, 1993, pp. 43-8). . Esse direito coletivo que prevalece sobre a legalidade monárquica se apoia no poder de muitos para constituir. Oferece validade política e normativa ao recurso excepcional para legitimar a resistência por parte do povo. Para os monarcômacos, o povo soberano é que decide a respeito da extrema situação de tiranicídio. Dessa maneira, eles podem ganhar o crédito corretamente por terem inventado a primeira teoria democrática moderna de resistência.

A ênfase no excesso revolucionário do poder constituinte carrega um duplo sentido. De um lado, revela a existência condicional e autorizada de todos os poderes constituídos (Allen, [1922] 1977, pp. 311-2, 316-8; Jászi e Lewis, 1957, pp. 52). Formas políticas são desnaturalizadas a ponto de serem tidas como criações humanas históricas, o resultado de uma ação coletiva, provisional e revogável, a ser emendada, transformada, e/ou substituída. Por outro lado, argumenta em favor de uma checagem extraconstitucional sobre as autoridades constituídas, um dispositivo imparcial para a manutenção do reino da lei e limitando os perigos da arbitrariedade e da tirania. Assim, governantes são responsabilizáveis, sujeitos a limitações e obrigações estabelecidas por muitos com sua própria capacidade constituinte. Aqui, a noção de um governo constitucional liderado por lei parece inerente à doutrina democrática de resistência ativa, ou seja, intrínseca ao poder radical para constituir (Franklin, 1969, pp. 37, 42-5).

Em 1573, François Hotman assegurou, "que o povo reservava para si o poder não apenas de criar, mas também de abdicar de seus reis" ([1573] 2007, p. 82, grifos meus). Um ano depois, o francês Théodore de Bèze, protestante, proclamou o primeiro princípio de sua nova doutrina de resistência legítima (violenta): "eles que têm o poder para criar o rei, têm o poder de depô-lo" assim como eles têm "o poder de julgá-lo" ([1574] 1969, pp. 124, 126, grifos meus). Esse poder supremo para julgar e derrubar governantes pertence apenas ao povo porque "as pessoas não se originam dos governantes [...] e essas pessoas não são geradas para seus governantes, mas sim os governantes para seu povo" (Theodore de Bèze, [1574] 1969, p. 104). Para falar politicamente: o povo está acima da monarquia (Franklin, 1969, p. 33). O direito de desobedecer e de resistir que os muitos possuem resulta da primazia do sujeito constituinte sobre a ordem constituída. Porque o povo constitui seus governantes, ele tem o direito de resistir e de depô-los. De acordo com Bèze ([1574] 1969, p. 104), as pessoas não podem desobedecer e se rebelar contra um governante injusto se eles não o constituíram primeiro. O poder de constituir confere ao povo o direito soberano de resistir; seu princípio é inequívoco: apenas aqueles que constituem tem o direito de desobedecer.

Cinco anos depois, Stephanus Junius Brutus, o Celta (ou mais provavelmente Philippe du Plessis-Mornay), apelou para o mesmo princípio ao acentuar ainda mais os elementos de autodeterminação na soberania popular ([1579] 1994, pp. 68-76; Gierke, 1957, pp. 44-8; Franklin, 1969, pp. 39-44). Ele sucintamente assegurou, seguindo Marsílio e Bèze, que "as pessoas não podem existir por si mesmas e são anteriores no tempo ao rei" (Brutus, [1579] 1994, pp. 71, 156). Sua existência coletiva é superior e não depende do governo porque elas dão mais do que recebem (Brutus, [1579] 1994, pp. 99-102). De fato, a vida das pessoas procede imanentemente delas mesmas já que elas são capazes de viver separadamente do Estado. Ao reconhecer a exterioridade política do povo com relação às formas instituídas de governo, Brutus expôs a vida autônoma e extrainstitucional deste como soberania do "populus constituens" (Brutus, [1579] 1994, pp. 75, 169). Ele chegou à conclusão de que, "Como reis são constituídos pelo povo, parece definitivo concluir que o povo é mais poderoso do que o rei. Tal é a força do mundo: um que é constituído por outro é tido como menor; e aquele que recebe sua autoridade de outro é inferior a quem o nomeou" (Brutus, [1579] 1994, pp. 68-74, 92, 94, 130, grifos meus).

Brutus, igualmente a outros monarcômacos, trata como derivativo – ao emanar do poder soberano do povo para constituir – o direito de remover e de depor qualquer autoridade constituída e até mesmo o de matar governantes injustos. Ele também antecipou a ideia da convenção constitucional quando reconheceu a "cláusula" excepcional segundo a qual regras estabelecidas e procedimentos da ordem normal ficavam suspensos porque "se os necessitados se rebelassem, ou o povo todo ou um tipo de epítome de todo o povo, seria convocado em assembleia extraordinária" (Brutus, [1579] 1994, pp. 78, 82). Da mesma forma, o jurista Calvinista Johannes Althusius, baseando-se nas doutrinas dos monarcômacos, afirmava o mesmo princípio de soberania popular qua poder constituinte e forneceu a mais clara formulação até então (Gierke, 1957, pp. 241, 244, 257). Em Politica, publicado em 1603, ele defendeu a resistência ativa com base em que,

Não se pode negar que o maior é o que constitui o outro e é imortal em sua fundação, e que isso é o povo [...] Por natureza e circunstância, o povo é anterior, mais importante do que, e superior a seus governantes, assim como cada corpo constituinte é anterior e superior ao que é constituído por ele (Althusius, [1603] 1995, pp. 72-3, 93, 96-7, 110-1, grifos meus)15 15 Para a teoria da resistência ativa e tiranicídio, ver Althusius ([1603] 1995 pp. 191-200). .

Para Althusius, "o direito à soberania [...] não pertence a indivíduos, mas a todos os membros juntos e a todo corpo associado do reino" ([1603] 1995, p. 70). O poder soberano, desta forma, quando apropriadamente compreendido como poder para constituir, não pode residir de modo conceptível em qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos menor do que o povo todo. Além do mais, como um poder se baseia em uma ordem constitucional e política, permanece heterogêneo e irredutível a esta ordem. Esse direito coletivo soberano é que justifica a deposição das autoridades constituídas pelo povo quando elas se tornam injustas e tiranas (Althusius, [1603] 1995, p. 72-3). Althusius, assim como os monarcômacos, formulou uma teoria democrática de resistência baseada no princípio do poder soberano de muitos para constituir, isto é, seu poder autônomo de associação "para o objetivo de estabelecer, cultivar e conservar a vida social entre eles" (Althusius, [1603] 1995, p. 17)16 16 A refutação de Althusius a Bodin em nome da soberania popular qua poder constituinte não apenas muda o paradigma monárquico da soberania, mas também questiona a legitimidade do Estado moderno. De fato, o desenvolvimento da soberania como poder para constituir formas de governo passa pela redescoberta da federação como alternativa superior à unidade e à autoridade indivisível do Estado moderno. Althusius é ao mesmo tempo um pensador do poder constituinte do povo e o primeiro proponente moderno do federalismo, entendido como oferta mútua de família, cidades, associações, comunidades e províncias que se associam por meio de promessas mútuas e dentro de um corpo constitutivo, fora e anterior a qualquer forma de Estado. Com Althusius, dessa forma, a federação torna-se a expressão mais apropriada e natural da política constituinte; o Estado, por contraste, aparece como seu inimigo (Gierke, 1957, pp. 71-2). .

Revoluções constituintes

Até a época da Guerra Civil Inglesa (1642-1651) e da Revolução Gloriosa (1688), os atributos básicos conceituais da doutrina do poder constituinte foram estabelecidos e implantados durante os acalorados debates entre os realistas, niveladores e parlamentarianos (Morgan, 1989, pp. 55-121; Loughlin, 2007, pp. 27-48). Foi durante esse período crítico que a doutrina da soberania popular qua o poder do povo para constituir foi politicamente assegurada e amplamente disseminada em inúmeros panfletos revolucionários e teoricamente realçada nos escritos de George Lawson ([1660] 1992, pp. 21-30, 41-76, 88-125, 218-51), Algernon Sidney ([1680] 1996, pp. 20-3, 30-2, 46-52, 69-76, 91-2, 97-107) e John Locke ([1689] 1991, pp. 318-74, 406-28)17 17 Ver a esse respeito Maclean (1947, pp. 69-77) e Franklin (1978, pp. 88-126). . Isso veio à tona na cena política, exercendo uma influência tangível sobre as estruturas do governo político e do desenvolvimento normativo do constitucionalismo moderno como o "poder para constituir", ou seja, o poder soberano de muitos para "abolir, alterar, restaurar formas de governo [...] [e] para formar um Estado, onde não há nenhum, e depois de a forma uma vez introduzida, se a ordem não for boa, alterá-la" (Lawson [1660] 1992, pp. 47, 46, grifos meus). A partir dessa época, a distinção entre constituinte e poder legislativo (constituído) atinge seu lugar central e indispensável no pensamento constitucional, estabelecendo as fundações para a superioridade da lei constitucional sobre a legislação ordinária. Enquanto, de um lado, o poder delegado para legislar é condicionalmente exercitado por uma assembleia representativa eleita dentro de um limite prescrito, de outro, o poder para constituir, ou seja, para formar, alterar ou dissolver o governo é absoluto, investido na comunidade inteira e nas pessoas que agem do lado de fora do parlamento. Como um autor anônimo explicou poucos anos antes, estava "além do poder do constituído, e somente no dos constituidores fazer tal alteração na Constituição fundamental" ([Anônimo], 1650, pp. 8, 73, grifos meus)18 18 A esse respeito, ver também Gee (1650, pp. 26-7). . Dessa distinção cresceu a ideia de uma convenção temporária e extraordinária, um dispositivo revolucionário para a expressão institucional da soberania popular estabelecida contra a supremacia parlamentar. Lawson é o primeiro a desenvolver uma teoria sistemática da assembleia constituinte, reforçada por mandatos especiais e temporários para "modelar um Estado", porque, como ele explicou, "O que pode ser feito em casos extraordinários é uma coisa, o que pode ser feito em casos ordinários, é outra" (Lawson, [1660] 1992, pp. 48-9, 107-8)19 19 Ver também Franklin (1978, pp. 73-5), Morgan (1989, pp. 88-93) e Jameson (1898, pp. 477-87) e Vane (1662, pp. 2-8, 18, 20-1). .

Locke, da mesma forma, argumentava que abaixo e antes da "comunidade constituída" há um poder extralegal mais alto, investido na comunidade original auto-organizada ou sociedade civil, situada entre o estado natural e o político, "que começa e realmente constitui qualquer sociedade política" (Locke, [1689] 1991, pp. 333). Surpreendentemente foi Hobbes quem explicitamente reconheceu já no ano de 1642 que todas as fundações deliberativas são democráticas em natureza, independentemente das formas políticas que elas erguem porque emanam do poder constituinte do povo. A democracia está na raiz de todas as formas de regime. Há, ele escreveu, uma forma de começo político que "se origina na determinação e decisão (a consilio and constitutione) dos partidos unidos, e esta é a origem pelo intento (origo ex instituto)" (Hobbes, [1642] 1998, p. 74)20 20 A esse respeito, ver Forsyth (1981). . Quando isso acontece e "homens encontram-se para construir uma comunidade, eles são, quase que apenas pelo próprio fato de que eles se encontraram, uma democracia" (Hobbes, [1642] 1998, p. 94). Dez anos depois, Hobbes repudiou essa posição inicial para advogar em seu lugar a impossibilidade institucional e política da democracia. Mas isso reapareceria na descrição e na defesa do "povo como poder supremo" com o direito inalienável para decidir a estrutura do governo (Locke, [1689] 1991, pp. 366-7, 427-8, grifos meus). Ele reforça a clássica distinção entre poder constituinte e ordem constituída, desenhando uma clara linha entre "dissolução do governo" e "dissolução da sociedade": o primeiro não afeta a segunda porque a sociedade existe independentemente e separada do Estado (Locke, [1689] 1991, p. 406). Para Locke, a soberania popular é um poder fundador, uma força insurgente irregular e excepcional, antecedente à lei positiva e externa a qualquer forma de Estado, o que justifica resistência legítima e revolução por parte do povo (Locke, [1689] 1991, pp. 406-28)21 21 Ver também Franklin (1978, pp. 93-8) e Ashcroft (1986, pp. 228-85). .

No século seguinte, a doutrina do poder constituinte migrou através do Atlântico e encontrou terreno fértil nas colônias da América do Norte, inspirando a Guerra pela Independência Americana e a revolucionária formação da república federal (Palmer, 1959, pp. 213-38; Wood, 1998, pp. 306-89; Morris, 1987, pp. 115-6; Arendt, 1963; Kramer, 2005; Richards, 1994, pp. 85-142). Uma vez mais evocada na linguagem da soberania popular e como um direito a se revoltar, ela supriu os recursos normativos para a guerra revolucionária contra o império britânico e a legitimidade política por um novo governo republicano. Já em abril de 1777, Thomas Young, um patriota radical da Pensilvânia, em uma carta aberta dirigida aos habitantes de Vermont, urgiu-os a estabelecer seu próprio governo e a moldurar uma constituição, porque "Eles são o poder constituinte supremo e, é claro, seus representantes imediatos são o supremo poder delegado; e logo que seu poder delegado fica fora do alcance do poder constituinte, uma tirania é em certo grau estabelecida" (Young, 1842, p. 106, grifos meus)22 22 Sobre esse ponto, ver também Paine ([1791] 1995f, pp. 467-8), Madison (1938, pp. 233-42, 348). . Mais provavelmente ele se inspirou na Declaração de Independência de 4 de julho de 1776 escrita na linguagem do poder constituinte: governos são instituídos para assegurar a vida, a liberdade, a busca da felicidade e "onde quer que qualquer forma de governo se torne destrutiva com relação a esse fim, é direito dos cidadãos alterar, aboli-la e instituir um novo governo, estabelecendo as bases sobre tais princípios e organizando seu poder de tal maneira que eles sintam que sua segurança e sua felicidade estejam asseguradas" (grifos meus). Poucos anos depois, Thomas Paine articulou a lógica democrática do poder constituinte com sua exemplar formulação: "Uma constituição não é um ato de governo, mas de um povo que constitui um governo. E um governo sem uma constituição é poder sem direito" (Paine, [1791] 1995f, p. 572, grifos meus)23 23 A esse respeito, ver também Arendt (1963, pp. 203-4). .

Notavelmente, pela primeira vez desde que Marsílio estabeleceu as bases conceituais e Lawson imaginou sua forma institucional, o poder constituinte foi enfim colocado em prática e, dada a forma política nas convenções revolucionárias, foi estabelecido fora da moldura colonial legal, por organismos irregulares com uma autoridade superior às legislaturas ordinárias (Paine [1776] 1995a, pp. 32-4, [1776] 1995c, pp. 85-90; [1791] 1995f, p. 469; Jefferson, [1784] 1999, pp. 327-31; Madison, 1938, pp. 224-32). A começar por Virginia, Carolina do Norte, Pensilvânia e Massachusetts, esses entes políticos brotaram por toda a América do Norte com a tarefa especial de elaborar novas constituições. Eles substituíram as ordens reais [royal charters], frequentemente eram eleitos por homens livres e recorriam aos conselhos de município para consultas e legitimação (Nevins, 1927; Adams, 1980; Morgan, 1989, pp. 237-62). Eles transformaram as colônias em estados independentes, culminando na Grande Convenção de 1787 na Filadélfia, que delineou a Constituição federal que então foi submetida às convenções estatais para ratificação (Jameson, [1867] 2009; Rossiter, 1987; Gillespie e Lienesch, 1992).

O problema inquietante da autoautorização da Convenção, sua ilegalidade e arbitrariedade (Madison, 1938, pp. 250-9)24 24 Sobre esse ponto, ver Arendt (1963, pp. 179-214), Derrida (1986, pp. 7-15), Ackerman (1988, pp. 153-94), Michelman (1998, pp. 64-98), Arato (2000, pp. 170-5), Frank (2007, pp. 103-120). , foi resolvido com um apelo ao "poder constituinte original" do povo em sua capacidade soberana (Paine, [1791] 1995f, pp. 579, 537, 545-58, 572-9). James Madison, por exemplo, defendeu a decisão da Convenção da Filadélfia de se reunir sem autorização prévia contra as regras estabelecidas pelos Artigos da Confederação, em nome de um poder revolucionário superior às normas positivas, emanadas "do direito precioso das pessoas de 'abolir ou alterar seus governos para que elas sintam que sua segurança e sua felicidade estejam asseguradas'" (Madison, 1938, pp. 257, 258, 243, grifos meus). O princípio democrático do poder constituinte compensava o déficit legal da ruptura revolucionária. Nas palavras de James Wilson,

Existe necessariamente, em cada governo, um poder do qual não há apelo e o qual, por essa razão, pode ser chamado supremo, absoluto e incontrolável [...] Talvez algum político que não considere com suficiente exatidão nosso sistema político, possa explicar que, nos nossos governos, o poder supremo vinha investido nas constituições [...] Essa opinião está quase a um passo da verdade, mas não a alcança. A verdade é que em nossos governos o poder supremo, absoluto e incontrolável permanece com o povo.

Como as nossas constituições são superiores às nossas legislaturas, as pessoas são superiores às nossas constituições. De fato, a superioridade, nesse último exemplo, é muito maior, já que o povo possui sobre nossa constituição o direito e o controle de ação. A consequência é de que os cidadãos podem mudar constituições quando e como quiser. Este é um direito do qual nenhuma instituição positiva pode privá-los (Wilson apud McClellan e Bradford, 1989, p. 432)25 25 A esse respeito, ver também Wills (1988, pp. 99-106). .

Poucos anos depois, o conceito, então enriquecido pela Revolução Americana, ressurgiu no continente europeu para moldar o discurso e a política da Revolução Francesa (Zweig, 1909; Groethuysen, 1956, p. 247-304; Jaume, 2007, pp. 67-85). Foi marques de La Fayette e Emmanuel Sieyès e, mais notavelmente, Antoine-Nicolas de Condorcet que ardentemente propagandearam a doutrina democrática do poder constituinte. Essa redescoberta introduzida por La Fayette teve impacto decisivo no desenvolvimento democrático do poder constituinte (La Fayette, 1837b, p. 36; 1837a, p. 263; 1837c, pp. 445; Regnault-Warin, 1824; Laboulaye, 1872, p. 397). O esforço de Condorcet, em particular, é impressionante porque ele procurou compreender institucionalmente o conteúdo democrático ao advogar a ratificação popular, as iniciativas dos cidadãos, as assembleias primárias múltiplas, as convenções recorrentes e o direito à insurreição (Condorcet, [1786] 1976a; [1788] 1976b; [1793] 1976c; 1847, pp. 413-30). Fazendo assim, ele procurou formalizar a pressão democrática da soberania popular (Urbinati, 2008). Sua influência é decisiva na elaboração da Constituição de 1793, mas a permanente suspensão desta indica o destino infeliz da teoria do poder constituinte de Condorcet (Salle, 1795; 1997).

Em contraste, Sieyès tenta reduzir o conceito a um sujeito nacional homogêneo e orgânico, la nation, entendido como uma comunidade pré-política que habita um estado de natureza sem norma que provou ser de maior sucesso, mas de pernicioso efeito político (Sieyès, 1970, pp. 180-91; Jaume, 2007, p. 84). Ele inaugurou a doutrina da soberania nacional à custa da democracia. Como ele notoriamente declarou,

[...] o poder constituinte pode fazer qualquer coisa com relação à elaboração constitucional. Não é subordinado a uma constituição prévia. A nação que exercita o maior e o mais importante de seus poderes deve ser, enquanto desempenha essa função, livre de todas as contrições, livre de todas as formas exceto daquela que julga melhor adotar (Sieyès, 1989, p. 1013, grifos meus).

Há uma importante e não resolvida tensão na famosa definição de Sieyès. Ao misturar de modo seletivo elementos do pensamento político de Rousseau e Hobbes, ele exaltou a instituição do poder constituinte e a natureza revolucionária como se ele o juridificasse em uma força puramente legal: "Sua vontade é sempre legal, trata-se da lei em si própria" (Sieyès, 1970, p. 180). O poder constitucional se torna uma vontade nacional. Assim, de um lado, ele reconheceu o poder constituinte como livre, ilimitado por normas constitucionais, a fonte extralegal de toda a legalidade, enquanto, de outro lado, ele tratava isso como conceito jurídico, com uma identidade fixa, sempre já mediada pela representação (Sieyès, 1970, pp. 184-6). Essa ambivalência resultou em minar a distinção-chave constituinte/constituído que ele havia formalmente endossado e que acabou politicamente na autoautorizada Convenção Constituinte (1789-1791) e a popularmente eleita Convenção Nacional (1792-1795) com consequências insidiosas26 26 No final, a versão nacionalista de Sieyès não apenas deslocou e derrotou a contribuição democrática de Condorcet, mas também possibilitou a subsequente exploração nacional-plebiscitária e desfiguração populista do poder constituinte. Com a Revolução Francesa, o conceito, capturado no domínio da representação, tornou-se um intricado paradoxo lógico e uma formulação legal enigmática que produziu apropriações politicamente suspeitas e refutações polêmicas. Assim, ao tornar-se imperador em 1804, Napoleão declarou: "Eu sou o poder constitucional" (Napoleão I, 1858, p. 314). No entanto, sob o governo de seu sobrinho Luís Napoleão Bonaparte que o poder constituinte foi convertido em plebiscitos nacionais da base e transformou-se em um instrumento protopopulista de governo que se tornou quase que um sinônimo do bonapartismo. .

Durante o século XIX, na América do Norte e na Europa Ocidental, o poder constituinte acabou sendo desviado, domesticado, neutralizado ou diminuído. Sua absorção gradual pela ordem constituída não apenas o privou de seus atributos democráticos e revolucionários, como também o degradou ao transformá-lo em ideologia indeterminada, abstrata, maleável, a mercê das elites governantes que competiam por poder. Seu impacto, no entanto, começou a ser sentido em outra parte, nos movimentos anticoloniais de independência da América do Sul e do Caribe e nos Bálcãs, no sul da Europa, movendo-se para o Leste na direção do império otomano27 27 A moderna redescoberta da democracia como poder constituinte é anticolonial. Precede a era das conquistas mundiais, mas, acima de tudo, muda de forma normativa e analisa qualquer tentativa de impor uma ordem política para aqueles que não participam de seu estabelecimento e de sua instituição. De fato, os cinco séculos de tentativas imperiais do Ocidente de se apropriar do espaço demanda a elaboração de um discurso crítico, como aquele fornecido pelo poder constituinte para entender e se contrapor ao déficit democrático de tais tentativas imperiais discricionárias no comando global. Nesse sentido, a doutrina da democracia constituinte é profundamente anti-imperial e anticolonial na sua raiz. . A história política do poder constituinte se tornou quase que global em seu alcance. De fato, a ideia de que o poder final para estabelecer e alterar a moldura do governo pertence ao povo em sua capacidade soberana para erigir suas próprias constituições, livre de normas anteriormente instituídas, marcou profundamente a consciência democrática, insurrecional e anticolonial da modernidade política.

Democracia constituinte

Essa curta e superficial história política do poder constituinte, mesmo incompleta, sugere uma clara distinção entre soberania do Estado como comando e soberania democrática como poder de constituir. Suas diferenças são substanciais já que são separadas por histórias distintas, ontologias, orientações normativas e objetivos políticos.

Como Martin Loughlin corretamente destacou, "Poder Constituinte como 'poder de' é diferente de 'poder sobre'" (1992, p. 112). É muito diferente, de fato. No paradigma do Estado a ênfase está no momento do comando (coercitivo) enquanto a versão constituinte privilegia o ato de estabelecer e de ordenar. Um é repressivo e estático quando contrastado com a dimensão dinâmica e produtiva do outro. O primeiro objetiva a continuidade e permanência enquanto o segundo deseja mudança e renovação. Consequentemente, enquanto o princípio de comando é baseado no modelo de governo, o princípio de comando da soberania constitucional evoca um evento fundador. O soberano não é um governante, mas um legislador. Então, no lugar de se fixar em um comando superior emanado do topo, a noção de soberano constituinte redireciona a atenção para as fontes subjacentes da realidade instituída localizada na parte mais baixa. O primeiro confia na estrutura vertical enquanto o segundo opera verticalmente. Além do mais, ao contrário do paradigma do comando soberano que convida à personificação – do antigo imperatore, passando pelo rei, ao moderno executivo – o poder constituinte carrega os atributos coletivos e impessoais da soberania, sua dimensão pública associativa e de suas inclinações federativas. Todos esses contrastes ilustram como o poder constituinte reimaginou em tempos modernos a democracia contra o paradigma de comando real.

Nesse contexto, a primeira tentativa de Marx de decifrar a charada do constitucionalismo é paradigmática por prover apoio ao conteúdo radical da democracia constituinte (Marx, 1975a, p. 158). Ele se convenceu de que as contradições constitucionais que envolvem forma e conteúdo, objeto e sujeito, poderiam ser resolvidas apenas por meio de uma redefinição fundamental e radicalização política em termos de poder constituinte. O método crítico que ele propôs aproximou democracia e poder, chamada de "verdadeira democracia" (Marx, 1975a, p. 88). Essa mistura singular foi inventiva e original assim como foi radical, como método e solução. "Para ser radical" Marx ousadamente proclamou em 1844, "é preciso agarrar as coisas pela raiz" (1975b, p. 251). E para as "coisas" constitucionais, a "raiz" é o poder constituinte: "o poder da constituição é [...] o poder de organizar o universal" (Marx, 1975a, p. 117).

A crítica radical de Marx ao constitucionalismo liberal consiste em compreender todas as constituições por suas raízes constituintes (Marx, 1975b, p. 245, 1975a, p. 158). O encontro de sua teoria crítica e do poder constituinte permitiu a ele mudar do plano da necessidade para o da liberdade28 28 Para leituras políticas incisivas dos primeiros escritos de Marx, ver dois excelentes trabalhos: Abensour (2004) e Kouvelakis (2003, pp. 295-315). Há também Balibar e Raulet (2001). Para interpretações e abordagens diferentes, ver Hyppolite (1955, pp. 120-41), Avineri (1966, pp. 45-81, 1968, pp. 31-40), Henry (1976, pp. 35-83), Kolakowski (1978, pp. 120-31); O'Malley e Algozin (1984) e Duquette (1989). . Fazendo isso, ele redefiniu a constituição como puramente imanente, humana, uma criação artificial, "os determinantes universal e fundamental da vontade racional" (Marx, 1975a, p. 120). Marx escorrega de um objeto abstrato e volta para o "sujeito real", ou seja, para a raiz de todas as constituições, "o povo", "o demos" (Marx, 1975a, pp. 80, 85, 87). Nessa base, a democracia encontra o poder constituinte: em sua fundação, em seu início e em sua renovação (Abensour, 2004, pp. 106-7, 109-10).

Muitos meses antes, em 1843, enquanto expunha as contradições e limitações da filosofia constitucional de Hegel e procurava decifrar o quebra-cabeça desta, invertendo e subvertendo sua estrutura conceitual, e comprometido com uma total reconsideração da experiência revolucionária, Marx afirmou a primazia do constituant sobre o constituée (Marx, 1975a, pp. 98, 118, 121, 167-8). Ele reordenou a relação entre o sujeito e o predicado, causa e efeito, o real e sua representação, o geral e o particular. Ele elevou o destinatário da lei a seu autor verdadeiro e afirmou a superioridade do poder constituinte sobre a ordem constituída do Estado (Abensour, 2004, pp. 83-8). "Não é a constituição que cria o povo", afirmou ele, "mas o povo que cria a constituição" (Marx, 1975a, p. 87)29 29 A esse respeito, ver Rubel (1962; 1983), Luc (1982), Springborg (1984) e Mostov (1989). . A charada estava finalmente resolvida (Abensour, 2004, pp. 89-104):

A democracia é a charada resolvida de todas as constituições. Aqui, não apenas implícita e essencialmente, mas existente na realidade, a parte mais importante da constituição é constantemente trazida de volta à sua base real – ao ser humano real, ao povo real – e estabelecida como o próprio trabalho do povo. A constituição aparece como ela é: uma criação livre do homem (Marx, 1975a, p. 87).

O poder constituinte é a chave para o enigma do constitucionalismo. A "verdade" da democracia – a constituição da política de Estado é o "real desejo do povo – provê a solução (Marx, 1975a, p. 120). A política liberal e a filosofia legal procuraram ocultar e suprimir essa verdade, mas apenas ao custo de contradições e paradoxos insuperáveis. A filosofia do direito de Hegel é o último grande sintoma, a culminação de uma longa tradição em crise. Ao confiar no poder constituinte, Marx clamava não apenas ter resolvido o enigma constitucional, mas também ter revelado a verdade radical da democracia, a verdadeira essência desta. A democracia é o movimento de autodeterminação do povo, de sua autoconstituição, um sujeito popular constituinte em constante moção (Henry, 1976, pp. 55-6).

Com essa definição, Marx propôs a primeira teoria sistemática e explícita de democracia constituinte. Seu princípio central reconhece uma inescapável falta na forma constitucional do Estado. Sua fonte e começo, seu conteúdo e força, existe fora de si mesma e escapa às leis. O poder democrático para constituir, ele insistiu, "deve existir ou existia antes da constituição ou afora a constituição [...] prolonga-se além da constituição" (Marx, 1975a, p. 117). O Estado constitucional confronta no poder constituinte seu limite objetivo, a totalidade das pessoas como sujeito político consciente e concreto que decide a instituição da política sem e independentemente do Estado (Marx, 1975a, p. 87-8). Uma segunda implicação se segue. O poder constituinte em Marx substituiu a universidade formal da sociedade instituída. Há um outro irredutível à forma de Estado organizacional e institucional que "existe separadamente de sua essência e se distingue dela" (Marx, 1975a, p. 88). O poder constituinte não pode ser absorvido ou consumido pela ordem da constituição. A democracia foge de sua "objetificação" constitucional, sua alienação" não pode ser subordinada à sua forma constituída (Marx, 1975a, p. 80, 90). Ela permanece abaixo e próxima dos poderes constituídos como uma força de inovação e mudança. A democracia constituinte é o excesso da ordem institucional por meio da qual se manifesta e assim designa / demarca as relações políticas concretas indisciplinadas por normas legais e formalismo burocrático (Abensour, 2004, pp. 5-19). Como Marx insistiu, a "constituição não é mais equivalente ao resto", não monopoliza a política e, assim, corresponde a "apenas uma faceta do povo" (Marx, 1975a, p. 87-8). Há aqui uma terceira implicação crítica para se observar: Marx apelou ao poder constituinte para dissipar a ilusão da metafísica da ausência e para prevenir a legalidade do Estado burocrático da total objetificação do concreto e da realidade material das pessoas. Por exemplo, na democracia verdadeira, "o homem não existe para a lei, mas a lei existe para o homem – é uma existência humana; enquanto em outras formas do Estado o homem é uma existência legal. Esta é a característica fundamental de distinção da democracia" (Marx, 1975a, p. 88).

Uma observação final: o conceito de Marx sobre democracia verdadeira situa a invenção da moderna política democrática ao exato momento que a relação do sujeito e do predicado reverte para seu justo ordenamento e o povo se apropria do poder constituinte para se organizar a si próprio e seu mundo político (Marx, 1975a, p. 120). Marx sugere uma política democrática de auto-organização, onde "a constituição, a lei, o próprio Estado, à medida que é uma constituição política, é apenas a autodeterminação do povo e um conteúdo determinante do povo" (Marx, 1975a, p. 89, 120). Democracia constituinte, para Marx, existe no ato extremo de sua autorreforma, nos atos de novos princípios pelos quais as pessoas, como sujeitos do poder constituinte e livres de determinações externas, dão si mesmas sua própria constituição e assim determinam autonomamente a forma de sua existência política (Marx, 1975a, p. 120). Política democrática é a política constituinte (Marx, 1975a, p. 120); é a política radical de formação, o "movimento" emancipatório da transformação política e do "progresso" constitucional, com a ordem jurídica e institucional do Estado sendo objeto de permanente modificação (Marx, 1975a, p. 120). Para o jovem Marx, poder constituinte designa a vida revolucionária da democracia moderna e suas potencialidades participatórias e insurrecionais (Marx, 1975a, p. 120). A prática constituinte de autodeterminação é o que faz da liberdade humana uma realidade política concreta e eleva o princípio de autonomia ao verdadeiro "credo político" da democracia (Marx, 1975a, p. 120). Para parafrasear levemente Marx, democracia constituinte aparece no fato "de que meu desejo" não é mais "a inacessível possessão de outro" (Marx, 1975c, p. 366).

A ideia de liberdade política como revolução explica sua teoria de política constituinte. É precisamente durante o sancionamento da democracia – a democracia autoelaborada – que a liberdade é concretizada no mundo real. Para Marx, democracia deve começar democraticamente e a constituição deve permanecer permanentemente aberta a intervenções populares e lúcidas para emendá-la e recriá-la. Apenas dessa forma as tendências repressivas, a objetificação legal e a alienação política são contidas. Em uma verdadeira democracia, a ação política e a vida cívica retêm seu imediatismo e a existência concreta contra a ritualização da política burguesa que, com seu formalismo e legalidade, oculta e reproduz a objetificação estatizante. A constituição democrática, para Marx, "se molda à realidade (verdade)" (Marx, 1975a, p. 118). Esse movimento real, essa alteração constitucional e legal constante impede a esfera jurídica de se transformar em um fim em si própria ao objetificar o campo político na sua totalidade ao mesmo tempo que o separa entre governantes e governados30 30 Marx parece ter abandonado sua ideia de democracia constituinte nos seus escritos posteriores. Isso por que suas preocupações políticas foram gradualmente subordinadas a uma lógica e orientação econômica predominante? Parece que sim. Quinze anos depois, ao investigar mais profundamente abaixo da raiz constitucional e, além disso, ao reverter a relação entre o político e o social, Marx topou com "a estrutura econômica da sociedade", ou seja, "a fundação real": "Meu questionamento levou à conclusão de que nem as relações legais nem as formas políticas poderiam ser compreendidas, seja por elas mesmas, seja na base de um chamado desenvolvimento geral da mente humana, mas antes, têm suas raízes nas condições materiais da vida". Uma explicação provável, portanto, para o desaparecimento da democracia e do poder constituinte é a interpretação de Marx sobre política e lei como um epifenômeno puramente superestrutural, determinado pelo movimento e desenvolvimento da realidade material, ou seja, "o fundamento econômico". Dentro desse contexto, o poder constituinte é subordinado a forças e relações de produção já que a política é transformada em mera reflexão da economia (Marx, 1989, p. 20-1). Mas pode ser, como argumenta Abensour, que a democracia tenha sobrevivido clandestinamente nos escritos posteriores de Marx sobre a Comuna de Paris, a "Constituição comunal" e suas erráticas alusões a uma nova forma de Estado verdadeiramente democrática? Ou, a democracia foi totalmente deslocada pelo conceito da ditadura quando o proletariado tomou o poder do povo como sujeito revolucionário? A ideia de uma sociedade comunista absorveu o poder constituinte? Ou o poder constituinte talvez tenha minguado com a eventual abolição do poder e da política? (Abensour, 2004, pp. 140-2; Marx, 1978, pp. 633, 628; Kolakowski, 1978, pp. 127-131; Carver, 2004, pp. 103-128; Avineri, 1968, p. 34). .

* * *

Um olhar cuidadoso sobre como o poder constituinte e a democracia foram historicamente articulados possibilita esboçar os princípios básicos da democracia constituinte. Para concluir, dessa forma, eu vou considerar brevemente alguns dos temas que recorrem mais frequentemente nas teorias democráticas do poder constituinte. São os princípios da democracia constituinte.

Para começar, democracia constituinte se refere a uma prática coletiva, envolvendo uma pluralidade de atores que juntos coinstituem, para estabelecê-la conjuntamente. Dois aspectos cruciais estão envolvidos, indicativos de seus dois primeiros princípios.

Primeiro, uma ênfase no prefixo co- apresenta igualdade de forma descritiva: de um lado, como uma negação, ou seja, a impossibilidade de que um possa coestabelecer qualquer coisa por si só; de outro, prescrevendo de forma positiva, que se um quer coestabelcer algo, é preciso fazê-lo em cooperação com outros. Agindo juntos, em acordo, significa "tomar certas atitudes comuns como uma sociedade, atos que não sejam não só de uma única parte, mas de um todo" (Lawson, [1660] 1992, p. 24). Esses atos apontam para uma estrutura associativa e federativa da autoridade pública que desafia a centralização, a hierarquia e o monopólio de coerção. São igualitários a um ponto em que vir junto é entendido como participação igualitária. Em todas as teorias de poder constituinte, as políticas dos novos princípios são adotadas conjuntamente e voluntariamente, livres de relações de poder assimétricas e de interferências arbitrárias, ou seja, livre da desigualdade, em verdadeira cooperação31 31 Sidney de forma acurada compreendia essa presença igualitária quando ele afirmava que "cada agrupamento de homens, concordando entre si e emoldurando uma sociedade, torna-se um corpo completo, ao ter em si próprios todo o poder sobre eles próprios, ao não estarem sujeitos a nenhuma outra lei humana a não ser a deles próprios. Todos aqueles que compõem a sociedade, são igualmente livres para entrar nela ou não, e nenhum homem tem a prerrogativa de estar acima dos outros" (Sidney, [1680] 1996, 1.5, p. 99). . Esse significado igualitário indica como o ato de constituir é levado a cabo entre iguais por associação mútua.

Segundo, a democracia consiste também de um princípio produtivo32 32 Para uma abordagem mais sistemática do poder para instituir, ver Castoriadis (1987, pp. 369-73; 1988, pp. 39-51; 1991, pp. 143-75; 1997a; 1997b). . Ao sublinhar o segundo componente do verbo coestabelecer, teorias do poder constituinte viram na soberania uma forma criativa de dar poder (Negri, 1999, pp. 22, 305-7). A soberania popular é apresentada em sua capacidade elaboradora, como a faculdade de estabelecer uma nova ordem política, para vir a ser uma nova forma constitucional. A soberania democrática encontra ordem legal e política e determina as formas constitucionais (Schmitt, 2008, p. 125)33 33 Beaud propõe a seguinte formulação: "Soberania constituinte significa que, em estados contemporâneos, o Soberano é aquele que faz a constituição" (1994, p. 208). . Em uma palavra, é um poder produtivo, frequentemente retratado como fonte extralegal de toda a legalidade. Esse pressuposto da soberania constituinte é totalmente capturado pela definição de Schmitt sobre soberania como um "poder de fundar" (die begründende Gewalt) (Schmitt, 1994, pp. 134, 137-8; [1933] 1993, pp. 21, 23-4)34 34 Consequentemente, o acadêmico constitucional francês Maurice Hauriou descreveu o poder constituinte como "um poder legislativo fundador" (1929, p. 246). . O segundo princípio da democracia constituinte é positivo, produtivo e instituinte.

Correspondentemente, o poder democrático para constituir refere-se às relações de associação mútua e autoconstituição. O sujeito do poder constituinte não é anterior ou externo ao ato de constituir. Antes, constitui a si mesmo e para si mesmo (Paine, [1777] 1995c; [1791] 1995f, pp. 464-8, 551-8; Wolin, 1990, pp. 8-31). Ao moldar a forma política de sua existência coletiva, produz sua própria identidade pública (Negri, 2008a, pp. 109-10).

Esse processo de autoformação é imanente ao grau em que o poder constituinte cria tanto o sujeito quanto o objeto da política, na ausência de um antecedente, de uma causalidade externa. Ele é mais bem explicado pela definição de Althusius acerca da política constituinte como "simbiótica", ou seja, como prática horizontal de livremente se associar e de se dissociar de outros; como formação de uma comunidade por meio de promessas recíprocas e compromissos pelo bem da "comunicação mútua sobre o que for útil e necessário para o exercício harmonioso da vida social" (Althusius, 1995, p. 17). O povo não nomeia uma unidade homogênea natural que tenha sido creditada como uma individualidade orgânica coletiva. Antes, eles compõem um corpo artificial, formado fora da comunidade instituída, incluída e investida em comum com certas "coisas, direitos, privilégios e interesses" (Lawson, [1660] 1992, p. 24).

A democracia constituinte consiste de um princípio revolucionário (Paine, [1776] 1995a, pp. 42, 52; [1783] 1995e; [1791] 1995f, p. 512-3, 536-40, 547-51, 572-9; Jefferson, [1787] 1955; Arendt, 1963, pp. 141-214; Arato, 2000; Beaud, 1994, pp. 359-76; Abensour, 2004, pp. 5-19). Ela é forjada durante situações extremas de crise, conflito e transformação radical, designada para resistência e revolução, uma exortação à rebeldia35 35 Sobre a relação entre poder constituinte e crise, ver Negri (1999, pp. 1-36, 319) e Elster (1995, pp. 370, 375). . Ela é definida por um princípio de disrupção: autoautorizada, desgovernada, contra a firmeza e a permanência do nomos estatista. Há aqui um forte "desejo por mudança" (Lawson, [1660] 1992, p. 227). A democracia existe em e por meio de descontinuidades e rupturas; considera a qualidade de ser outro e a diversidade contra a conclusão legal e é atenta a temporalidades aceleradas com resultados repentinos imprevisíveis e contingentes. Teorias de poder constituinte ultrapassam as fronteiras da política para incluir seus próprios fundamentos e princípios. Desde a formulação original de Marsílio, o povo aparece no momento da ruptura, encenando uma disputa, em tempos de exceção, para constituir de novo sua existência política e para renovar sua identidade constitucional36 36 Até pensadores contemporâneos liberais acabaram percebendo que a legitimidade democrática pressupõe uma quebra com a legalidade herdada. John Rawls, por exemplo, reconheceu que o "poder constituinte do povo estabeleceu uma moldura para regular o poder ordinário e a acionava apenas quando o regime existente é dissolvido" (1993, p. 23). . Na reinvenção moderna da democracia, a soberania popular é revolucionária (Rosanvallon, 2007, pp. 79-97; Wolin, 1990, pp. 29, 37-41, 47-8, 53-7; Preuss, 1995, pp. 2-3).

Por mais surpreendente que isso possa parecer a alguns, esse princípio revolucionário coexiste com a organização constitucional do poder (Loughlin, 2004, pp. 110, 113). Revoluções democráticas são constitucionais, ou seja, expressões de soberania popular e genuína elaboração constitucional. O poder constituinte é certamente uma das principais bases do constitucionalismo moderno e da lei pública (Loughlin, 2004, pp. 99-113). Esse princípio consistentemente trata política em termos de política constitucional; a constituição é entendida politicamente e a política, por sua vez, é analisada constitucionalmente, conectando, por tanto, a inconvincente e politicamente suspeita distinção entre política como campo de poder real e a constituição como domínio de pura normatividade. Qualquer distinção significativa e forçada entre leis ordinárias e superiores na verdade pressupõe o poder constituinte do povo. A distinção, que corresponde a um dos mais importantes princípios do constitucionalismo moderno emana da soberania popular: o povo é soberano por virtude de seu poder de constituir37 37 Para uma distinção detalhada desse ponto, ver Malberg (1984, pp. 103-39). . A lei constitucional fundamental, "a lei do legislativo", goza de maior legitimidade do que a legislação normal porque é expressão soberana do poder constituinte (Michelman, 1999, p. 48). Esta é a ideia moderna de legitimidade democrática e das bases democráticas do constitucionalismo38 38 Segundo Maurice Duverger, "é a Constituição que deriva sua autoridade de poder constituinte e não o poder constituinte que deriva a sua autoridade da constituição" (1948, p. 78). .

"Teoria democrática", argumentava Schmitt, "apenas considera uma constituição legítima aquela que se apoia no poder constituinte do povo" (2008, pp. 143, 112, 120-1, 136-9, 255-67)39 39 A esse respeito, ver também Kalyvas (2000). . Em um regime democrático, a legitimidade depende de o quanto a política constitucional é livre, inclusiva e promova a participação igualitária. Precisamente porque esse conceito de soberania evoca o centro da teoria democrática moderna, o ideal normativo da autonomia política aponta para a teoria distintiva da legitimidade política que foca no ato de elaborar a lei superior. Participação na base define a moderna experiência de democracia. Essa primazia da participação sobre a obediência exige dos sujeitos de uma ordem política a coinstituição. O poder constitucional evoca o valor geral da autonomia política: livre para viver sob as leis feitas por ele mesmo. A soberania popular qua poder constituinte reinventa o antigo princípio democrático do autogoverno. Esta é a explícita e lúcida autoinstituição da sociedade, na formulação de Cornelius Castoriadis (1987, pp. 369-74; 1991, pp. 81-123; 1997a, pp. 319-37).

Ao mesmo tempo, a relação entre soberania e constitucionalismo, democracia e lei, prova ser dialética até o ponto em que o poder constituinte substitui a universalidade constitucional da sociedade instituída. A ideia da democracia constituída como excesso de constitucionalismo é uma lembrança de que a política não pode ser resumida à legalidade abstrata e de que a democracia excede sua forma constitucional (Castoriadis, 1991, pp. 152-3; Wolin, 1996, p. 64).

Por fim, a democracia constituinte decreta uma ruptura com noções teológicas e transcendentes de poder, com a política e a subjetividade. Um princípio de imanência existe no poder constituinte. Por exemplo, esse conceito de poder tem se situado sempre sob o edifício legal e civil, não acima ou sobre ele, emana de baixo, de muitos, daqueles que compõem a coletividade concreta. Suas várias designações – "a comunidade", "a sociedade civil", "a multidão", "o pobre", "a plebe", "os comuns", ''o povo" – sugerem que, em última instância, os muitos são a base última da política, o limite social absoluto de qualquer política, que sobrevive à dissolução de governos, à disrupção de sistemas legais e ao colapso de poderes instituídos (Negri, 1999, p. 13). Essa externalidade constitucional persistente deve-se à imanência do poder constituinte para a vida social. Este é intrínseco a relações concretas de associações mútuas, formada por reivindicações reais e promessas; em trocas, acordos, convenções, e contatos; em corporações, alianças, e federações (Marx, 1989 pp. 20-1; Arendt, 1958, pp. 243-7; 1963, pp. 165-78). O conceito é relativo e plural e opera estritamente no plano da historicidade e imanência. Ele é profano e material; a afirmação dos poderes desse mundo, de mudança e contingência, de inícios e fins e o reconhecimento de que o mundo político é feito por seus participantes40 40 Até o terceiro quarto do século XVIII, Hamilton proclamava na primeira linha do The federalist papers: "[...] parece ter sido reservado ao povo desse país, por sua conduta e exemplo, a importante questão, se sociedades de homens são realmente capazes ou não de estabelecer bom governo, a partir da reflexão e da escolha, ou se eles estarão sempre destinados a depender das constituições políticas por acidente e força" (Hamilton et al., 1938, p. 3). Madison concordava e explicava "a melhoria feita pela América no antigo modo de preparar e estabelecer planos regulares de governo" como "uma revolução por intervenção de um corpo deliberativo de cidadãos" (Hamilton et al., 1938, pp. 235, 234; Paine, [1778] 1995d, p. 169; [1791] 1995f, p. 668; Arendt, 1963, pp. 46-7). Do século XVII em diante, o termo constitutio veio a significar um documento escrito e um conjunto de normas legais, fundamentais, superiores, e procedimentos instituídos por seres humanos em oposição a costumes e convenções a uma lei natural transcendental (Stourzh, 1988, pp. 43-4; Preuss, 1994, p. 4). . A autoridade democrática, a base do comando, o governo em si, não são inacessíveis além do julgamento e contestação; em vez disso, eles são relativizados e descentralizados, tidos como humanos, ou seja, um instrumento humano mortal, sem apoio extrassocial, sem veracidade ou marcas de certeza, abertos a questionamento, e assim, provisionais e revocáveis, condicionais e frágeis (Burdeau, 1983, pp. 172-173; Arato, 2000, pp. 170-5; Castoriadis, 1997b, pp. 311-30).

Essa reorientação da moderna teoria democrática na direção do poder para constituir inicia uma mudança da lógica de firmeza do princípio de autodeterminação, da imobilidade para o movimento, do Um para o Muitos, do transcendente para o imanente, da heteronomia para a autonomia (Marx, 1975c, p. 348, 366; 1975a, pp. 118-20). Trata-se de uma mudança que marca o nascimento moderno do projeto democrático e da "imaginação social moderna da autonomia" (Castoriadis, 1987, pp. 135-59, 353-68). Com o poder constituinte, a democracia existe como evento radical de sua autorreforma (Gourgouris, 2010). Trata-se da política do tornar-se; movimento da transformação política e da mudança constitucional (Marx, 1975a pp. 80, 87-8, 90, 98, 117-119; Abensour, 2004, pp. 105, 112-113; Christodoulidis, 2007, p. 195). Hannah Arendt, seguindo Maquiavel, descreveu essa política constituinte como o "acréscimo de princípios [...] essa noção da coincidência da fundação e preservação pela virtude do acréscimo" (1963, pp. 201-2). A democracia constituinte inaugura uma fascinante e inédita exploração na natureza radical da política emancipatória, ou seja, uma política que revisita seus fundamentos e politiza suas origens (Marx, 1975a, pp. 80, 85, 87; 1978, pp. 633, 628; Abensour, 2004, pp. 106-7, 109-10, 127-30, 140-2). Por essa razão, a ordem democrática é sempre provisional, revocável e transitória. Democracia, em resumo, começa democraticamente41 41 Hoje, com o projeto de constituição europeia encarando maiores desafios, o problema dos fundamentos democráticos se torna novamente crucial. De forma similar, a apropriação norte-americana do poder constituinte para estabelecer novos regimes demanda a elaboração de um discurso crítico contra o déficit democrático de tentativas imperiais no comando global. O conceito democrático de soberania popular como poder constituinte prescreve que nenhum ato pode clamar ser constituinte e nenhum ator pode disputar ser um fundador, mesmo que esse ator e o ato tenham obtido sucesso, ou seja, tenham tido resultado efetivo ao criar uma nova ordem política. Se uma pessoa ou um grupo se apropria do poder de constituir uma ordem legal pela exclusão de todos aqueles que serão os seus destinatários, o governo deveria ser considerado inválido, resultado de um ato de usurpação. Um ato desse tipo não é democrático, mas sim um comando repressivo de imposição coercitiva. Como Friedrich observou corretamente, "Para elaborar a genuína decisão constitucional é também necessário que aqueles que sejam governados participem dela em oposição àqueles que governam. Isso diferencia tal ato constitucional de um coup d' état (Friedrich,1950, p. 128). Ver também Arendt (1963, p. 146) e Schmitt (2008, pp. 104-105). .

Referências Bibliográficas

ABENSOUR, M. 2004. La démocratie contre l'état: Marx et le moment machiavélien. Paris: Félin.

ACKERMAN , B. 1988. "Neo-federalism?" In: ELSTER, J.; SLAGSTAD, R. (eds.) Constitutionalism and democracy. Cambridge: CUP, pp. 153-94.

_____. 1998. We the people: transformations. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, v. 2.

ADAMS, W. P. 1980. The first American constitutions: republican ideology and the making of state constitutions in the revolutionary era. Chapel Hill: University of North Carolina Press.

AGAMBEN, G. 1998. Homo sacer: sovereign power and bare life. Stanford, CA.: Stanford University Press.

ALLEN, J. W. [1922] 1977. A history of political thought in the sixteenth century. London/Totowa, N.J.: Methuen/Rowman e Littlefield.

ALTHUSIUS, J. 1995. Politica methodice digesta. Indianapolis: Liberty Fund.

[ANÔNIMO]. 1650. An exercitation concerning usurped powers. London: [s.n.].

APIANO. 2002. Civil wars. Harvard: HUP.

ARATO, A. 1995. "Forms of constitution making and theories of democracy". Cardozo Law Review, v. 17, n. 2, pp. 191-231.

_____. 2000. Civil society, constitution, and legitimacy. Lanham, MD: Rowman & Littlefield.

_____. 2007. "Redeeming the still redeemable: post sovereign constitution making". International Journal of Culture, Politics, and Society, v. 22, n. 4, pp. 427-43.

_____. 2011. "Multi-track constitutionalism beyond Carl Schmitt". Constellations, v. 18, n. 3, pp. 324-51.

ARENDT, H. 1958. The human condition. Chicago: The University of Chicago Press.

_____. 1963. On revolution. New York: Viking Press.

_____. 1993. "What is freedom?" In: _____. Between past and future: eight exercises in political thought. New York: Penguin Books.

ASHCROFT, R. 1986. Revolutionary politics and Locke's two treatises of government. New Jersey: Princeton University Press.

AVINERI, S. 1966. "Marx critique of Hegel's philosophy of right in its systematic setting". Cahiers de l'Institut de Sciences Mathématique et Économique Appliquée, série S, n. 10, pp. 45-81.

_____. 1968. The social and political thought of Karl Marx. Cambridge: CUP.

BALIBAR, E.; RAULET, G. (éds.) 2001. Marx démocrate: le manuscript de 1843. Paris: PUF.

BARCLAY, W. 1600. De regno et regali potestate adversus buchanum, brutum, boucherium et reliquios monarchomacos. Paris: G. Chaudière.

BEAUD, O. 1994. La puissance de l'état. Paris: PUF.

BÈZE, T. [1574] 1969. "Rights of magistrates". In: HOTMAN, F. et al. Constitutionalism and resistance in the sixteenth century: three treatises. New York: Pegasus.

BÖCKENFORDE, E.-W. 1991. "Die Verfassungsggebende Gewalt des Volkes-Ein Grenzbegriff des Verfassungsrechts". Staat, Verfassung, Democratie: Studien zur Verfassungstheorie und zum Verfassungsrecht. Frankfurt-am-Main: Suhrkamp.

BODIN, J. [1576] 1992. On sovereignty. Cambridge: CUP.

BRUTUS, S. J. [1579] 1994. Vindiciae, contra tyrannos: or, concerning the legitimate power of a prince over the people, and of the people over a prince. Cambridge, UK: CUP.

BURDEAU, G. 1983. Traité de science politique. Paris: Librarie Génétale de Droit et de Jurisprudence, v. 4.

CARVER , T. 2004. "Marx's Eighteenth brumaire of Louis Bonaparte: democracy, dictatorship, and the politics of social struggle". In: BAEHR, P.; RICHTER, M. (eds.). Dictatorship in history and theory: Bonapartism, Caesarism, and totalitarianism. Cambridge: CUP, pp. 103-28.

CASTORIADIS, C. 1987. The imaginary institution of society. Cambridge: Polity.

_____. 1988. "The first institution of society and second-order institutions". Free Associations, n. 12, pp. 39-51.

_____. 1991. Philosophy, politics, autonomy: essays in political philosophy. New York/Oxford: OUP.

_____. 1997a. "Radical imagination and the social instituting imaginary". In: CURTIS, D. A. (ed.) The Castoriadis reader. Oxford: Blackwell, pp. 319-38

_____. 1997b. World in fragments: writings on politics, society, psychoanalysis, and the imagination. Stanford: Stanford University Press.

CÍCERO. 1994. De re publica. Harvard: HUP.

_____. 2010. Philipics. Harvard: HUP.

CONDORCET , J.-A.-N. C. [1786] 1976a. "On the influence of the American revolution on Europe". In: BAKER, K. M. (ed.). Condorcet: selected writings. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co., pp. 71-83.

_____. [1788] 1976b. "Essay on the constitution and functions of the provincial assemblies". In: BAKER, K. M. (ed.). Condorcet: selected writings. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co., pp. 84-7.

_____. [1793] 1976c. "On the principles of the constitutional plan presented to the national convention". In: BAKER, K. M. (ed.). Condorcet: selected writings. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co., pp. 143-82.

_____. 1847. "Sur la nécessité de faire ratifier la constitution par les citoyens". In: _____. Oeuvres de Condorcet. Paris: Firmin-Didot, v. 9.

CHRISTODOULIDIS, E. 2007. "Against substitution: the constitutional thinking of dissensus". In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/New York: OUP.

CUMMINGS, W. A. 1904. "The monarchomachs: theories of popular sovereignty in the sixteenth century". Political Science Quarterly, v. 19, n. 2, pp. 277-301.

D'ENTREVES, A. P. 1939. The medieval contribution to political thought. London: OUP.

DERRIDA, J. 1986. "Declarations of independence". New Political Science, v. 7, n. 1, pp. 7-15.

DUQUETTE, D. A. 1989. "Marx's idealist critique of Hegel's theory of society and politics". The Review of Politics, v. 51, n.2, pp. 218-40.

DUVERGER, M. 1948. "Contribution à l'étude de la légitimité des gouvernements de faits". Revue du Droit Publique, pp. 73-100.

DYZENHAUS, D. 2007. "The politics of the question of the constituent power" In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/NewYork: OUP, pp. 129-47.

_____. 2012. "Constitutionalism in an old key: legality and constituent power". Global Constitutionalism, v. 1, n. 2, pp. 229-60.

ELSTER, J. 1995. "Forces and mechanisms in the constitution-making process". Duke Law Journal, v. 45, n. 2, pp. 364-96.

FRANK, J. 2007. "Unauthorized propositions: The federalist papers and constituent power". Diacritics, v. 37, n. 2-3, pp. 103-20.

FRANKLIN, J. H. 1978. John Locke and the theory of sovereignty. Cambridge: CUP.

_____. 1991. "Sovereignty and the mixed constitution: Bodin and his critics". In: BURNS, J. H. (ed.) The Cambridge history of political thought 1450-1700. Cambridge: CUP, pp. 298-328.

_____. 1993. Jean Bodin and the rise of absolutist theory. Cambridge, UK: CUP.

_____. 1969. "Introduction". In: HOTMAN, F. et al. Constitutionalism and resistance in the sixteenth century: three treatises. New York: Pegasus.

FRIEDRICH, C. J. 1950. Constitutional government and democracy: theory and practice in Europe and America. Boston: Ginn and Co.

FORSYTH, M. 1981. "Thomas Hobbes and the constituent power of the people". Political Studies, v. 29, n. 2, pp. 191-203.

FOUCAULT, M. 1990. The history of sexuality: an introduction. New York: Vintage Books, v. 1.

GEE, E. 1650. A plea for non-scribers. London: [s.n. ].

GEORGES, K. E. 1869. Ausführliches lateinisch-deutsches und deutsch-lateinisches Handwörterbuch aus den Quellen zusammengetragen und mit besonderer Bezugnahme auf Synonymik und Antiquitäten unter Berücksichtigung der besten Hülfsmittel. Leipzig: Hahn.

GEWIRTH, A. 1951. Marsilius of Padua: the defender of peace. New York, NY: Columbia University Press.

GIERKE, O. 1990. Political theories in the middle age. Cambridge: CUP.

_____. 1957. Natural law and the theory of society 1500-1800. Boston: Beacon.

GIESEY, R. E. 1970. "The monarchomach triumvirs: Hotman, Beza, and Mornay". Bibliothèque d'Humanisme et Renaissance, v. 32, n.1, pp. 41-56.

GILLESPIE, M. A. LIENESCH, M. 1992. Ratifying the constitution. Lawrence, Kan : The University Press of Kansas.

GOURGOURIS, S. 2010. "On self-alteration". Parrhesia, v. 9, pp. 1-17.

GROETHUYSEN, B. 1956. Philosophie de la revolution française. Paris: Gallimard.

HABERMAS, J. 1996. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge, Mass.: The MIT Press.

_____. 1998. The inclusion of the other: studies in political theory. Cambridge, Mass.: The MIT Press.

HAMILTON, A. et al. 1938. The federalist papers. New York: Modern Library.

HART, L. H. A. [1961] 2012. The concept of law. Oxford: OUP.

HAURIOU, M. 1929. Précis de droit constitutionnel. Paris: Sirey.

HENRY, M. 1976. Marx: une philosophie de la realité. Paris: Gallimard, v.1.

HOBBES, T. [1642] 1998. On the citizen. New York: CUP.

HOTMAN, F. [1573] 2007. Franco-Gallia: or an account of the ancient free state of France. Charleston: BiblioBazaar.

HYPPOLITE, J. 1955. "Le concept hégélien de l'état et sa critique par K. Marx". In : _____. Études sur Marx et Hegel. Paris: Marcel Rivière, pp. 120-141.

JAMESON, J. F. 1898. "The Early Political Uses of the Word Convention". The American Historical Review, v. 3, n. 3, pp. 477-87.

JAMESON, J. A. [1867] 2009. The constitutional convention: its history, powers, and modes of proceedings. Durham: Cornel University Library.

JÁSZI, O.; Lewis, J. D. 1957. Against the tyrant: the tradition and theory of tyrannicide. Glencoe: The Free Press.

JAUME, L. 2007. "Constituent power in France: the revolution and its consequences". In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/New York: OUP, pp. 67-85

JEFFERSON, T. 1787. "Letter to Stephens Smith, November 13". Disponível em http://www.let.rug.nl/usa/presidents/thomas-jefferson/letters-of-thomas-jefferson/jefl64.php. Acesso em 13/05/2013.

_____. [1784] 1999. "Notes on the Virginia constitution: Query XIII". In: Jefferson: political writings. Cambridge: CUP, pp. 327-31.

_____. [1787] 1955. "Letter to James Madison, January 30". In: BOYD, J. (ed.). The papers of Thomas Jefferson. Princeton: PUP, pp. 92-7.

KALYVAS, A. 2000. "Carl Schmitt and the three moments of democracy". Cardozo Review of Law, v. 21, n. 5, pp. 1525-45.

_____. 2005. "Popular sovereignty, democracy, the constituent power". Constellations, v. 12, n. 2, pp. 223-44.

KOLAKOWSKI, L. 1978. Main currents in Marxism: the founders. Oxford: OUP, v. 1.

KOUVELAKIS, S. 2003. Philosophy and revolution: from Kant to Marx. London: Verso.

KRAMER, L. D. 2005. The people themselves: popular constitutionalism and judicial review. Oxford: OUP.

LA FAYETTE, M. J. 1837a. Mémoires: correspondance et manuscrits. Paris, H. Fournier, v. 2.

_____. 1837b. Mémoires: correspondance et manuscrits. Paris, H. Fournier, v. 4.

_____. 1837c. Mémoires: correspondance et manuscrits. Paris, H. Fournier, v. 5.

LABOULAYE, E. 1872. Questions constitutionnelles. Paris: Charpentier.

LAWSON, G. [1660] 1992. Politica sacra et civilis. Cambridge: CUP.

LINDAHL, H. 2007. "Constituent power and reflexive identity: towards an ontology of collective selfhood". In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/New York: OUP, pp. 9-24.

LOCKE, J. [1689] 1991. The second treatise of government: an essay concerning the true original, extent, and end of civil government. Cambridge: CUP.

LOUGHLIN, M. 1992. Public law and political theory. Oxford/New York: OUP/Clarendon.

_____. 2004. The idea of public law. Oxford/New York: OUP.

_____. 2007. "Constituent power subverted: from English constitutional argument to British constitutional practice". In: LOUGHLIN, M.; WALKER, N. (eds.) The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford: OUP, pp. 27-48

______; WALKER, N. 2007. "Introduction". In: _____. (eds.) The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford: OUP, pp. 1-8.

LUC, L.-P. 1982. "Le concept de démocratie dans la critique du droit politique hégélien". Philosophiques, v. 9, n. 1, pp. 119-34.

LÚCIO AMPÉLIO. 1935. Liber memorialis. Leipzig: B. G. Teubner.

MACLEAN, A. H. 1947. "George Lawson and John Locke". Cambridge Historical Journal, v. 9, n. 1, pp. 69-77.

MADISON, J. 1938. The federalist papers. New York: The Modern Library.

MALBERG, R. C. 1922. Contribution á la theorie generale de l'état. Paris: Librairie de la Société du Recueil Sirey, v. 2.

_____. 1994. La loi: expression de la volonté générale. Paris: Economica.

MARSÍLIO DE PÁDUA. [1324] 1956. Defensor Pacis. Toronto: The University of Toronto Press.

MARX, K. 1975. "Critique of Hegel's doctrine of the state". In: _____. Early writings. New York: Penguin Books.

_____. 1975b. "A contribution to the critique of Hegel's Philosophy of Right: an introduction" In: _____. Early writings. New York: Penguin Books.

_____. 1975c. "Economic and philosophical manuscripts of 1844" In: _____. Early writings. New York: Penguin Books.

_____. 1978. "The Civil Wars in France". In: TUCKER, R. C. (ed.) The Marx-Engels Reader. New York: W.W. Norton.

_____. 1989. "Preface to a contribution to the critique of political economy". In: _____. A contribution to the critique of political economy. New York: International Publishers.

MCCLELLAN , J.; BRADFORD, M. E. (eds.). 1989. Jonathan Elliot's debates in the several state conventions on the adoption of the federal constitution as recommended by the general convention at Philadelphia in 1787. Cumberland, Va.: J. River, v. 2.

MCILWAIN, C. H. 1932. The growth of political thought in the west: from the Greeks to the end of the middle ages. New York: Macmillan Co.

_____.1947. Constitutionalism: ancient and modern. Ithaca: Cornell University Press.

MAIER, P. 1972. From resistance to revolution: colonial radicals and the development of American opposition to Britain, 1765-1776. New York: Alfred A. Knopf.

MICHELMAN , F. 1998. "Constitutional authorship". In: ALEXANDER, L. (ed.). Constitutionalism: philosophical foundations. Cambridge: CUP, pp. 64-98.

_____. 1999. Brennan and democracy. Princeton: PUP.

MOMMSEN, T. 1884. Le droit public romain. Paris: Thorin and Fils, v. 4.

MORGAN, E. S. 1989. Inventing the people: the rise of popular sovereignty in England and America. New York/London: W.W. Norton & Co.

MORRIS, R. B. 1987. "The people and the states: constitutional-making and constituent power". In: _____. The forging of the union 1781-1789. New York: Harper and Row Publishers, pp. XXX.

MOSTOV, J. 1989. "Karl Marx as democratic theorist". Polity, v. 22, n. 2, pp. 195-212.

NAPOLEÃO I. 1858. Correspondance de Napoleon 1er. Paris: H. Plon/J. Dumaine, v. 3.

NEGRI, A. 1999. Insurgencies: constituent power and the modern state. Minneapolis: The University of Minnesota Press.

_____. 2008a. "Political subjects: on the multitude and constituent power". In: NEGRI, A. Reflections on empire. Cambridge, UK/Malden, MA: Polity, pp. 96-113.

_____. 2008b. The porcelain workshop: for a new grammar of politics. Los Angeles: Semiotext(e).

_____; HARDT, M. 2008. "Sovereignty". In: NEGRI, A. Reflections on empire. Cambridge, UK/Malden, MA: Polity, pp. 48-59.

NEVINS, A. 1927. The American states during and after the Revolution, 1775–1789. New York: The Macmillan Co.

O'MALLEY , J. J.; ALGOZIN, K. W. (eds.) 1984. Rubel on Karl Marx: five essays. Cambridge: CUP.

PAINE, T. [1776] 1995a. "Common sense". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 5-59.

_____. [1776] 1995b. "The forester, letter IV" In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 85-90.

_____. [1777] 1995c. "The American crisis III". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 116-46.

_____. [1778] 1995d. "The American crisis V". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 151-76.

_____. [1793] 1995e. "The last crisis XIII". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 348-54.

_____. [1791] 1995f. "Rights of man". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 431-661.

PALMER, R. R. 1959. The age of the democratic revolution: a political history of Europe and America 1760-1800. New Jersey: Princeton University Press, v.1.

PREUSS , U. K. 1994. "Constitutional powermaking for the new polity: some deliberations on the relations between constituent power and the constitution". In: ROSENFELD, M. (ed). Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy: theoretical perspectives. Durham: Duke University Press.

_____. 1995. Constitutional revolution: the link between constitutionalism and progress. New Jersey: Humanities.

RAWLS, J. 1993. Political liberalism. New York: Columbia University Press.

REGNAULT-WARIN, M. 1824. Mémoires pour servir à l'histoire de la vie du général La Fayette et a l'histoire de l'assemblée constituante. Paris: Chez Hesse et C. Libraires.

RICHARDS , D. A. J. 1994. "Revolution and constitutionalism in America". In: ROSENFELD, M. (ed). Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy: theoretical perspectives. Durham: Duke University Press, pp. 85-142.

ROSANVALLON, P. 2007. Democracy past and future. New York: Columbia University Press.

ROSSITER, C. 1987. 1787: the grand convention. W.W. Norton & Company.

RUBEL, M. 1962. "Notes on Marx's conception of democracy". New Politics, v. 1, n. 2, pp. 78-90.

_____. 1983. "Marx's concept of democracy". Democracy, v. 3, n.4.

SALLE, J.-B. 1795. Examen critique de la constitution de 1793. Paris: [s.n. ].

_____. 1997. La constitution du 24 juin 1793: l'utopie dans le droit public français? Dijon: Éditions Universitaires de Dijon.

SCHMITT, C. [1922] 1988. Political theology: four chapters on the concept of sovereignty. Cambridge, MA: The MIT Press.

_____. [1933] 1993. Über die drei Arten des rechtswissenschaftlichen Denkens. Berlin: Duncker und Humblot.

_____. 1994. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot.

_____. 2008. Constitutional theory. Durham: Duke University Press.

SHKLAR, J. N. 1969. Men and citizen: a study of Rousseau's social theory. Cambridge, Mass.: CUP.

SIDNEY, A. [1680] 1996. Discourses concerning government. Indianapolis: Liberty Fund.

SIEYÈS, E. 1970. Qu'est-ce le tiers état?. Geneva: Librairie Droz.

_____. 1989. "Reconnaissance et exposition raisonnée des droits de l'homme et du citoyen". In: FURET, F.; HALÉVIE, R (éds.). Orateurs de la révolution française: les constituants. Paris: Gallimard, v. 1.

SPINOZA, B. [1670] 1951. A theologico-political treatise. New York: Dover.

SPRINGBORG, P. 1984. "Karl Marx on democracy, participation, voting, and equality". Political Theory, v. 12, n. 4, pp. 537-56.

STANKIEWICZ, W. J. 1960. Politics and religion in seventeenth-century France: a study of political ideas from the monarchomachs to Bayle, as reflected in the toleration controversy. Berkeley, CA/Los Angeles: The University of California Press.

TITO LÍVIO. 1997. History of Rome. Harvard: HUP.

STOURZH , G. 1988. "Constitution: Changing meanings of the term from the early seventeenth to the late eighteenth century". In: BALL, T.; POCOCK, K. G. A. (eds.) Conceptual change and the constitution. Lawrence, Kan.: The University Press of Kansas.

ULLMANN, W. 2010. Principles of government in the middle ages. Abingdon/ New york: Routledge.

VANE, H. 1662. The tryal of sir Henry Vane. London: [s. n. ].

URBINATI, N. 2008. Representative democracy: principles and genealogy. Chicago: The University of Chicago Press.

WILLS , G. 1988. "James Wilson's new meaning for sovereignty". In: BALL, T.; POCOCK, K. G. A.(eds.) Conceptual change and the constitution. Lawrence, Kan.: University Press of Kansas, pp. 99-106.

WOLIN, S. 1990. The presence of the past: essays on the state and the constitution. Baltimore/London: The Johns Hopkins University Press.

_____. 1996. "Transgression, equality, and voice". In: OBER, J.; HEDRICK, C. (eds.). Demokratia: a conversation on democracies ancient and modern. Princeton: PUP.

WOOD, G. S. 1998. The creation of the American Republic 1776-1787. Chapel Hill: The University of North Carolina Press.

YOUNG , T. 1842. "To the inhabitants of Vermont, a free and independent state, bounding on the river Connecticut and lake Champlain". In: THOMPSON, Z. History of Vermont, natural, civil and statistical, in three parts. Burlington: Chauncey Goodrich.

ZWEIG , E. 1909. Die lehre vom pouvoir constituant: ein beitrag zum staatsrecht der Französischen revolution. Tübingen: J.C.B Mohr.

  • ABENSOUR, M. 2004. La démocratie contre l'état: Marx et le moment machiavélien. Paris: Félin.
  • ACKERMAN , B. 1988. "Neo-federalism?" In: ELSTER, J.; SLAGSTAD, R. (eds.) Constitutionalism and democracy Cambridge: CUP, pp. 153-94.
  • _____. 1998. We the people: transformations. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, v. 2.
  • ADAMS, W. P. 1980. The first American constitutions: republican ideology and the making of state constitutions in the revolutionary era. Chapel Hill: University of North Carolina Press.
  • AGAMBEN, G. 1998. Homo sacer: sovereign power and bare life. Stanford, CA.: Stanford University Press.
  • ALLEN, J. W.  [1922] 1977. A history of political thought in the sixteenth century London/Totowa, N.J.: Methuen/Rowman e Littlefield.
  • ALTHUSIUS, J. 1995. Politica methodice digesta Indianapolis: Liberty Fund.
  • APIANO. 2002. Civil wars Harvard: HUP.
  • ARATO, A. 1995. "Forms of constitution making and theories of democracy". Cardozo Law Review, v. 17, n. 2, pp. 191-231.
  • _____. 2000. Civil society, constitution, and legitimacy. Lanham, MD: Rowman & Littlefield.
  • _____. 2007. "Redeeming the still redeemable: post sovereign constitution making". International Journal of Culture, Politics, and Society, v. 22, n. 4, pp. 427-43.
  • _____. 2011. "Multi-track constitutionalism beyond Carl Schmitt". Constellations, v. 18, n. 3, pp. 324-51.
  • ARENDT, H. 1958. The human condition Chicago: The University of Chicago Press.
  • _____. 1963. On revolution. New York: Viking Press.
  • _____. 1993. "What is freedom?" In: _____. Between past and future: eight exercises in political thought. New York: Penguin Books.
  • ASHCROFT, R. 1986. Revolutionary politics and Locke's two treatises of government New Jersey: Princeton University Press.
  • AVINERI, S. 1966. "Marx critique of Hegel's philosophy of right in its systematic setting". Cahiers de l'Institut de Sciences Mathématique et Économique Appliquée, série S, n. 10, pp. 45-81.
  • _____. 1968. The social and political thought of Karl Marx Cambridge: CUP.
  • BALIBAR, E.; RAULET, G. (éds.) 2001. Marx démocrate: le manuscript de 1843. Paris: PUF.
  • BARCLAY, W. 1600. De regno et regali potestate adversus buchanum, brutum, boucherium et reliquios monarchomacos Paris: G. Chaudière.
  • BEAUD, O. 1994. La puissance de l'état Paris: PUF.
  • BÈZE, T. [1574] 1969. "Rights of magistrates". In: HOTMAN, F. et al. Constitutionalism and resistance in the sixteenth century: three treatises. New York: Pegasus.
  • BÖCKENFORDE, E.-W. 1991. "Die Verfassungsggebende Gewalt des Volkes-Ein Grenzbegriff des Verfassungsrechts". Staat, Verfassung, Democratie: Studien zur Verfassungstheorie und zum Verfassungsrecht. Frankfurt-am-Main: Suhrkamp.
  • BODIN, J. [1576] 1992. On sovereignty Cambridge: CUP.
  • BRUTUS, S. J. [1579] 1994. Vindiciae, contra tyrannos: or, concerning the legitimate power of a prince over the people, and of the people over a prince. Cambridge, UK: CUP.
  • BURDEAU, G. 1983. Traité de science politique Paris: Librarie Génétale de Droit et de Jurisprudence, v. 4.
  • CARVER , T. 2004. "Marx's Eighteenth brumaire of Louis Bonaparte: democracy, dictatorship, and the politics of social struggle". In: BAEHR, P.; RICHTER, M. (eds.). Dictatorship in history and theory: Bonapartism, Caesarism, and totalitarianism. Cambridge: CUP, pp. 103-28.
  • CASTORIADIS, C. 1987. The imaginary institution of society Cambridge: Polity.
  • _____. 1988. "The first institution of society and second-order institutions". Free Associations, n. 12, pp. 39-51.
  • _____. 1991. Philosophy, politics, autonomy: essays in political philosophy. New York/Oxford: OUP.
  • _____. 1997a. "Radical imagination and the social instituting imaginary". In: CURTIS, D. A. (ed.) The Castoriadis reader Oxford: Blackwell, pp. 319-38
  • _____. 1997b. World in fragments: writings on politics, society, psychoanalysis, and the imagination. Stanford: Stanford University Press.
  • CÍCERO. 1994. De re publica Harvard: HUP.
  • _____. 2010. Philipics Harvard: HUP.
  • CONDORCET , J.-A.-N. C. [1786] 1976a. "On the influence of the American revolution on Europe". In: BAKER, K. M. (ed.). Condorcet: selected writings. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co., pp. 71-83.
  • _____.  [1788] 1976b. "Essay on the constitution and functions of the provincial assemblies". In: BAKER, K. M. (ed.). Condorcet: selected writings. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co., pp. 84-7.
  • _____. [1793] 1976c. "On the principles of the constitutional plan presented to the national convention". In: BAKER, K. M. (ed.). Condorcet: selected writings. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co., pp. 143-82.
  • _____. 1847. "Sur la nécessité de faire ratifier la constitution par les citoyens". In: _____. Oeuvres de Condorcet Paris: Firmin-Didot, v. 9.
  • CHRISTODOULIDIS, E. 2007. "Against substitution: the constitutional thinking of dissensus". In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/New York: OUP.
  • CUMMINGS, W. A. 1904. "The monarchomachs: theories of popular sovereignty in the sixteenth century".  Political Science Quarterly, v. 19, n. 2, pp. 277-301.
  • D'ENTREVES, A. P. 1939. The medieval contribution to political thought London: OUP.
  • DERRIDA, J. 1986. "Declarations of independence". New Political Science, v. 7, n. 1, pp. 7-15.
  • DUQUETTE, D. A. 1989. "Marx's idealist critique of Hegel's theory of society and politics". The Review of Politics, v. 51, n.2, pp. 218-40.
  • DUVERGER, M. 1948. "Contribution à l'étude de la légitimité des gouvernements de faits". Revue du Droit Publique, pp. 73-100.
  • DYZENHAUS, D. 2007. "The politics of the question of the constituent power" In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/NewYork: OUP, pp. 129-47.
  • _____. 2012. "Constitutionalism in an old key: legality and constituent power". Global Constitutionalism, v. 1, n. 2, pp. 229-60.
  • ELSTER, J. 1995. "Forces and mechanisms in the constitution-making process". Duke Law Journal, v. 45, n. 2, pp. 364-96.
  • FRANK, J. 2007. "Unauthorized propositions: The federalist papers and constituent power". Diacritics, v. 37, n. 2-3, pp. 103-20.
  • FRANKLIN, J. H. 1978. John Locke and the theory of sovereignty Cambridge: CUP.
  • _____. 1991. "Sovereignty and the mixed constitution: Bodin and his critics". In: BURNS, J. H. (ed.) The Cambridge history of political thought 1450-1700 Cambridge: CUP, pp. 298-328.
  • _____. 1993. Jean Bodin and the rise of absolutist theory Cambridge, UK: CUP.
  • _____. 1969. "Introduction". In: HOTMAN, F. et al. Constitutionalism and resistance in the sixteenth century: three treatises. New York: Pegasus.
  • FRIEDRICH, C. J. 1950. Constitutional government and democracy: theory and practice in Europe and America. Boston: Ginn and Co.
  • FORSYTH, M. 1981. "Thomas Hobbes and the constituent power of the people". Political Studies, v. 29, n. 2, pp. 191-203.
  • FOUCAULT, M. 1990. The history of sexuality: an introduction. New York: Vintage Books, v. 1.
  • GEE, E. 1650. A plea for non-scribers London: [s.n.
  • GEORGES, K. E. 1869. Ausführliches lateinisch-deutsches und deutsch-lateinisches Handwörterbuch aus den Quellen zusammengetragen und mit besonderer Bezugnahme auf Synonymik und Antiquitäten unter Berücksichtigung der besten Hülfsmittel Leipzig: Hahn.
  • GEWIRTH, A. 1951. Marsilius of Padua: the defender of peace. New York, NY: Columbia University Press.
  • GIERKE, O. 1990. Political theories in the middle age Cambridge: CUP.
  • _____. 1957. Natural law and the theory of society 1500-1800. Boston: Beacon.
  • GIESEY, R. E. 1970. "The monarchomach triumvirs: Hotman, Beza, and Mornay". Bibliothèque d'Humanisme et Renaissance, v. 32, n.1, pp. 41-56.
  • GILLESPIE, M. A. LIENESCH, M. 1992. Ratifying the constitution Lawrence, Kan : The University Press of Kansas.
  • GOURGOURIS, S. 2010. "On self-alteration". Parrhesia, v. 9, pp. 1-17.
  • GROETHUYSEN, B. 1956. Philosophie de la revolution française Paris: Gallimard.
  • HABERMAS, J. 1996. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge, Mass.: The MIT Press.
  • _____. 1998. The inclusion of the other: studies in political theory. Cambridge, Mass.: The MIT Press.
  • HAMILTON, A. et al. 1938. The federalist papers New York: Modern Library.
  • HART, L. H. A. [1961] 2012. The concept of law Oxford: OUP.
  • HAURIOU, M. 1929. Précis de droit constitutionnel Paris: Sirey.
  • HENRY, M. 1976. Marx: une philosophie de la realité. Paris: Gallimard, v.1.
  • HOBBES, T. [1642] 1998. On the citizen New York: CUP.
  • HOTMAN, F. [1573] 2007. Franco-Gallia: or an account of the ancient free state of France. Charleston: BiblioBazaar.
  • HYPPOLITE, J. 1955. "Le concept hégélien de l'état et sa critique par K. Marx". In : _____. Études sur Marx et Hegel Paris: Marcel Rivière, pp. 120-141.
  • JAMESON, J. F. 1898. "The Early Political Uses of the Word Convention". The American Historical Review, v. 3, n. 3, pp. 477-87.
  • JAMESON, J. A. [1867] 2009. The constitutional convention: its history, powers, and modes of proceedings. Durham: Cornel University Library.
  • JÁSZI, O.; Lewis, J. D. 1957. Against the tyrant: the tradition and theory of tyrannicide. Glencoe: The Free Press.
  • JAUME, L. 2007. "Constituent power in France: the revolution and its consequences". In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/New York: OUP, pp. 67-85
  • JEFFERSON, T. 1787. "Letter to Stephens Smith, November 13". Disponível em http://www.let.rug.nl/usa/presidents/thomas-jefferson/letters-of-thomas-jefferson/jefl64.php Acesso em 13/05/2013.
  • _____. [1784] 1999. "Notes on the Virginia constitution: Query XIII". In:  Jefferson: political writings. Cambridge: CUP, pp. 327-31.
  • _____. [1787] 1955. "Letter to James Madison, January 30". In: BOYD, J. (ed.). The papers of Thomas Jefferson Princeton: PUP, pp. 92-7.
  • KALYVAS, A. 2000. "Carl Schmitt and the three moments of democracy". Cardozo Review of Law, v. 21, n. 5, pp. 1525-45.
  • _____. 2005. "Popular sovereignty, democracy, the constituent power". Constellations, v. 12, n. 2, pp. 223-44.
  • KOLAKOWSKI, L. 1978. Main currents in Marxism: the founders. Oxford: OUP, v. 1.
  • KOUVELAKIS, S. 2003. Philosophy and revolution: from Kant to Marx. London: Verso.
  • KRAMER, L. D. 2005. The people themselves: popular constitutionalism and judicial review. Oxford: OUP.
  • LA FAYETTE, M. J. 1837a. Mémoires: correspondance et manuscrits. Paris, H. Fournier, v. 2.
  • _____. 1837b. Mémoires: correspondance et manuscrits. Paris, H. Fournier, v. 4.
  • _____. 1837c. Mémoires: correspondance et manuscrits. Paris, H. Fournier, v. 5.
  • LABOULAYE, E. 1872. Questions constitutionnelles Paris: Charpentier.
  • LAWSON, G. [1660] 1992. Politica sacra et civilis Cambridge: CUP.
  • LINDAHL, H. 2007. "Constituent power and reflexive identity: towards an ontology of collective selfhood". In: LOUGHLIN, M; WALKER, N. (orgs). The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford/New York: OUP, pp. 9-24.
  • LOCKE, J. [1689] 1991. The second treatise of government: an essay concerning the true original, extent, and end of civil government. Cambridge: CUP.
  • LOUGHLIN, M. 1992. Public law and political theory Oxford/New York: OUP/Clarendon.
  • _____. 2004. The idea of public law. Oxford/New York: OUP.
  • _____. 2007. "Constituent power subverted: from English constitutional argument to British constitutional practice". In: LOUGHLIN, M.; WALKER, N. (eds.) The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford: OUP, pp. 27-48
  • ______; WALKER, N. 2007. "Introduction". In: _____. (eds.) The paradox of constitutionalism: constituent power and constitutional form. Oxford: OUP, pp. 1-8.
  • LUC, L.-P. 1982. "Le concept de démocratie dans la critique du droit politique hégélien". Philosophiques, v. 9, n. 1, pp. 119-34.
  • LÚCIO AMPÉLIO. 1935. Liber memorialis Leipzig: B. G. Teubner.
  • MACLEAN, A. H. 1947. "George Lawson and John Locke". Cambridge Historical Journal, v. 9, n. 1, pp. 69-77.
  • MADISON, J. 1938. The federalist papers New York: The Modern Library.
  • MALBERG, R. C. 1922. Contribution á la theorie generale de l'état Paris: Librairie de la Société du Recueil Sirey, v. 2.
  • _____. 1994. La loi: expression de la volonté générale. Paris: Economica.
  • MARSÍLIO DE PÁDUA. [1324] 1956. Defensor Pacis. Toronto: The University of Toronto Press.
  • MARX, K. 1975. "Critique of Hegel's doctrine of the state". In: _____. Early writings New York: Penguin Books.
  • _____. 1975b. "A contribution to the critique of Hegel's Philosophy of Right: an introduction" In: _____. Early writings New York: Penguin Books.
  • _____. 1975c. "Economic and philosophical manuscripts of 1844" In: _____. Early writings New York: Penguin Books.
  • _____. 1978. "The Civil Wars in France". In: TUCKER, R. C. (ed.) The Marx-Engels Reader New York: W.W. Norton.
  • _____. 1989. "Preface to a contribution to the critique of political economy". In: _____. A contribution to the critique of political economy New York: International Publishers.
  • MCCLELLAN , J.; BRADFORD, M. E. (eds.). 1989. Jonathan Elliot's debates in the several state conventions on the adoption of the federal constitution as recommended by the general convention at Philadelphia in 1787 Cumberland, Va.: J. River, v. 2.
  • MCILWAIN, C. H. 1932. The growth of political thought in the west: from the Greeks to the end of the middle ages. New York: Macmillan Co.
  • _____.1947. Constitutionalism: ancient and modern. Ithaca: Cornell University Press.
  • MAIER, P. 1972. From resistance to revolution: colonial radicals and the development of American opposition to Britain, 1765-1776. New York: Alfred A. Knopf.
  • MICHELMAN , F. 1998. "Constitutional authorship". In: ALEXANDER, L. (ed.). Constitutionalism: philosophical foundations. Cambridge: CUP, pp. 64-98.
  • _____. 1999. Brennan and democracy Princeton: PUP.
  • MOMMSEN, T. 1884. Le droit public romain. Paris: Thorin and Fils, v. 4.
  • MORGAN, E. S. 1989. Inventing the people: the rise of popular sovereignty in England and America. New York/London: W.W. Norton & Co.
  • MORRIS, R. B. 1987. "The people and the states: constitutional-making and constituent power". In: _____.  The forging of the union 1781-1789 New York: Harper and Row Publishers, pp. XXX.
  • MOSTOV, J. 1989. "Karl Marx as democratic theorist". Polity, v. 22, n. 2, pp. 195-212.
  • NAPOLEÃO I. 1858. Correspondance de Napoleon 1er. Paris: H. Plon/J. Dumaine, v. 3.
  • NEGRI, A. 1999. Insurgencies: constituent power and the modern state. Minneapolis: The University of Minnesota Press.
  • _____. 2008a. "Political subjects: on the multitude and constituent power". In: NEGRI, A. Reflections on empire Cambridge, UK/Malden, MA: Polity, pp. 96-113.
  • _____. 2008b. The porcelain workshop: for a new grammar of politics. Los Angeles: Semiotext(e).
  • _____; HARDT, M. 2008. "Sovereignty". In: NEGRI, A. Reflections on empire Cambridge, UK/Malden, MA: Polity, pp. 48-59.
  • NEVINS, A. 1927. The American states during and after the Revolution, 17751789 New York: The Macmillan Co.
  • O'MALLEY , J. J.; ALGOZIN, K. W. (eds.) 1984. Rubel on Karl Marx: five essays. Cambridge: CUP.
  • PAINE, T. [1776] 1995a. "Common sense". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 5-59.
  • _____. [1776] 1995b. "The forester, letter IV" In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 85-90.
  • _____. [1777] 1995c. "The American crisis III". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 116-46.
  • _____. [1778] 1995d. "The American crisis V". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 151-76.
  • _____. [1793] 1995e. "The last crisis XIII". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 348-54.
  • _____. [1791] 1995f. "Rights of man". In: FORNER, E. (ed.) Paine: collected writings. New York: The Library of America, pp. 431-661.
  • PALMER, R. R. 1959.  The age of the democratic revolution: a political history of Europe and America 1760-1800. New Jersey: Princeton University Press, v.1.
  • PREUSS , U. K. 1994. "Constitutional powermaking for the new polity: some deliberations on the relations between constituent power and the constitution". In: ROSENFELD, M. (ed). Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy: theoretical perspectives. Durham: Duke University Press.
  • _____. 1995. Constitutional revolution: the link between constitutionalism and progress. New Jersey: Humanities.
  • RAWLS, J. 1993. Political liberalism New York: Columbia University Press.
  • REGNAULT-WARIN, M. 1824. Mémoires pour servir à l'histoire de la vie du général La Fayette et a l'histoire de l'assemblée constituante Paris: Chez Hesse et C. Libraires.
  • RICHARDS , D. A. J. 1994. "Revolution and constitutionalism in America". In: ROSENFELD, M. (ed). Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy: theoretical perspectives. Durham: Duke University Press, pp. 85-142.
  • ROSANVALLON, P. 2007. Democracy past and future New York: Columbia University Press.
  • ROSSITER, C. 1987. 1787: the grand convention. W.W. Norton & Company.
  • RUBEL, M. 1962. "Notes on Marx's conception of democracy". New Politics, v. 1, n. 2, pp. 78-90.
  • _____. 1983. "Marx's concept of democracy". Democracy, v. 3, n.4.
  • SALLE, J.-B. 1795. Examen critique de la constitution de 1793 Paris: [s.n.
  • _____. 1997. La constitution du 24 juin 1793: l'utopie dans le droit public français? Dijon: Éditions Universitaires de Dijon.
  • SCHMITT, C. [1922] 1988. Political theology: four chapters on the concept of sovereignty. Cambridge, MA: The MIT Press.
  • _____. [1933] 1993. Über die drei Arten des rechtswissenschaftlichen Denkens Berlin: Duncker und Humblot.
  • _____. 1994. Die Diktatur Berlin: Duncker & Humblot.
  • _____. 2008. Constitutional theory Durham: Duke University Press.
  • SHKLAR, J. N. 1969. Men and citizen: a study of Rousseau's social theory. Cambridge, Mass.: CUP.
  • SIDNEY, A. [1680] 1996. Discourses concerning government Indianapolis: Liberty Fund.
  • SIEYÈS, E. 1970. Qu'est-ce le tiers état? Geneva: Librairie Droz.
  • _____. 1989. "Reconnaissance et exposition raisonnée des droits de l'homme et du citoyen". In: FURET, F.; HALÉVIE, R (éds.). Orateurs de la révolution française: les constituants. Paris: Gallimard, v. 1.
  • SPINOZA, B. [1670] 1951. A theologico-political treatise New York: Dover.
  • SPRINGBORG, P. 1984. "Karl Marx on democracy, participation, voting, and equality". Political Theory, v. 12, n. 4, pp. 537-56.
  • STANKIEWICZ, W. J. 1960. Politics and religion in seventeenth-century France: a study of political ideas from the monarchomachs to Bayle, as reflected in the toleration controversy. Berkeley, CA/Los Angeles: The University of California Press.
  • TITO LÍVIO. 1997. History of Rome Harvard: HUP.
  • STOURZH , G. 1988. "Constitution: Changing meanings of the term from the early seventeenth to the late eighteenth century". In: BALL, T.; POCOCK, K. G. A. (eds.) Conceptual change and the constitution Lawrence, Kan.: The University Press of Kansas.
  • ULLMANN, W. 2010. Principles of government in the middle ages Abingdon/ New york: Routledge.
  • VANE, H. 1662. The tryal of sir Henry Vane London: [s. n.
  • URBINATI, N. 2008. Representative democracy: principles and genealogy. Chicago: The University of Chicago Press.
  • WILLS , G. 1988. "James Wilson's new meaning for sovereignty". In: BALL, T.; POCOCK, K. G. A.(eds.) Conceptual change and the constitution Lawrence, Kan.: University Press of Kansas, pp. 99-106.
  • WOLIN, S. 1990. The presence of the past: essays on the state and the constitution. Baltimore/London: The Johns Hopkins University Press.
  • _____. 1996. "Transgression, equality, and voice". In: OBER, J.; HEDRICK, C. (eds.). Demokratia: a conversation on democracies ancient and modern. Princeton: PUP.
  • WOOD, G. S. 1998. The creation of the American Republic 1776-1787 Chapel Hill: The University of North Carolina Press.
  • YOUNG , T. 1842. "To the inhabitants of Vermont, a free and independent state, bounding on the river Connecticut and lake Champlain".  In: THOMPSON, Z. History of Vermont, natural, civil and statistical, in three parts Burlington: Chauncey Goodrich.
  • ZWEIG , E. 1909. Die lehre vom pouvoir constituant: ein beitrag zum staatsrecht der Französischen revolution. Tübingen: J.C.B Mohr.
  • *
    Tradução de Florência Mendes Ferreira da Costa.
  • 1
    Desde que Malberg (1922, p. 483) assegurou que o poder constituinte é "o problema capital na lei pública", esse poder é repetidamente tratado como uma anomalia legal, uma irregularidade perturbadora e uma ameaça política. Para uma reformulação contemporânea dessa posição, ver Agamben (1998, pp. 39-48). Para dois diferentes cômputos do desaparecimento do poder constituinte do discurso constitucional contemporâneo, ver Beaud (1994, pp. 210-14) e Negri (1999, pp. 1-35, 303-6). Para recentes negações do poder constituinte, ver Ackerman (1998, pp. 11, 425), Habermas (1998, p. 148; 1996, pp. 462-90), Preuss (1995, pp. 19, 75-6, 95-8), Lindahl (2007, pp. 19-24), Dyzenhaus (2007, 2012), Arato (2007, pp. 427-43, 2011, pp. 324-51).
  • 2
    No capítulo IV de
    Do cidadão, Thomas Hobbes concordou que "Poder Soberano" é "esse Direito a dar os Comandos" ([1642] 1998, p. 73); trata-se de uma visão propagandeada por Samuel Pufendorf, que foi adotada por autores desde Jeremy Bentham e John Austin a Max Weber, inclusive por Baruch Spinoza ([1670] 1951, p. 207) que, como muitos outros, enquanto discutia democracia absoluta formulava a questão da soberania à luz de quem "tem o direito soberano de impor qualquer comando que agrade".
  • 3
    A observação de Judith Shklar (1969, p. 168) de que "A palavra soberania mal tem qualquer significado além do de monarquia absoluta", sucintamente representa essa tradição poderosa.
  • 4
    "A doutrina [da soberania] assegura que em cada sociedade humana, onde há lei, há, no fim das contas, sob a variedade de formas políticas – em uma democracia tanto quanto em uma monarquia absoluta – essa simples e latente relação entre sujeitos que rende obediência e um soberano que não rende obediência a ninguém. Essa estrutura vertical composta de soberano e sujeito é, segundo a teoria, tão essencial a uma sociedade com lei quanto a coluna vertebral é para o homem" (Hart, [1961] 2012, p. 50).
  • 5
    Ver também Arendt (1993 pp. 152, 164).
  • 6
    Stătūo é por si mesmo derivado de
    stăre, ou seja, se manter firme e imóvel.
  • 7
    A esse respeito, ver 1.1.6, 1.2.18 do
    Digesto de Justiniano. A partir desses primeiros significados etimológicos pré-democráticos e suas várias aplicações econômicas, políticas e legais, seguem-se certas conclusões preliminares. A primeira sugere pressuposições semânticas inescapáveis de uma prática coletiva. Trata-se da prática da pluralidade de atores que engaja publicamente um com outro, associando e agindo em acordo para mutuamente erigir e estabelecer algo junto, para criar algo conjuntamente. Segundo, o termo é historicamente associado com episódios transformativos críticos na história da república romana. Assim, "constituir" também designa atos extraordinários de fundação e refundação, eventos descontínuos que transformaram a constituição da cidade alterando as normas, as regras e instituições que determinam espaço de política normal.
  • 8
    Também foi invocado por vários discursos médicos para descrever a ordem anatômica de um ser humano, seu corpo físico e sua constituição material.
  • 9
    Marsílio tomava seu próprio trabalho como uma intervenção política concreta em um momento de crise severa e também como uma justificativa de sua inequívoca decisão de se ladear com o imperador contra o papa e assim defender a autoridade secular contra a espiritual. Como resultado, em 1327, esse olhar dissidente e opositor provocou sua condenação como herege pela igreja católica.
  • 10
    Marsílio também antecipa a ideia revolucionária da convenção constitucional.
  • 11
    Por conseguinte, Marsílio relegou o poder de comando a um status inferior até mesmo dentro da ordem instituída; colocando-o abaixo do ato de legislar, assim minimizou ainda mais seu significado político. Em sua diferenciada hierarquia de poderes, o comando é secundário à legislação que em si mesma é inferior ao ato de constituir. O último pertence exclusivamente ao conjunto da comunidade enquanto os dois primeiros são admitidos à estrutura constitucional do governo e permanecem subordinados à autoridade soberana da multidão.
  • 12
    Há uma última observação a fazer acerca da alegada proveniência teológica do poder constituinte, poderosamente capturada na influente afirmação feita por Carl Schmitt de que este se trata meramente de outro secularizado conceito teológico na teoria moderna do Estado. Essa invenção incipiente feita por Marsílio da soberania democrática muda tal narrativa política-ideológica e quebra com noções medievais transcendentais metafísicas de poder e de política. Sua intervenção situa o início da democracia moderna separadamente do imaginário religioso monoteísta judaico-cristão. Sua teoria de soberania popular opera estritamente no plano da imanência. Trata-se de uma afirmação de poderes desse mundo que dispensa causa externa. Ele entendeu a política constituinte como "aqueles métodos de estabelecer governos que são afetados pela vontade humana". A existência do governo não é divinamente ordenada nem se baseia em ideias de pecado e transgressão bíblica; antes, emana materialmente da real atividade social da multidão que almeja uma vida livre, pacífica e adequada (Schmitt, [1922] 1988, pp. 36, 51; 2008, pp. 126-8; Marsílio de Pádua, [1324] 1956, pp. 29, 89-97). Ver também Preuss (1994, pp. 144-5).
  • 13
    O jurista católico escocês William Barclay (1600) cunhou o nome "monarcômaco" [
    monarchomach] (Allen, [1922] 1977, pp. 306-8). Ver também Cummings (1904, pp. 277-301), Jászi e Lewis (1957, pp. 59-74), Stankiewicz (1960) e Giesey (1970, pp. 41-56).
  • 14
    Esta é a versão clássica de Sidney ([1680] 1996, p. 20) que, quase um século depois, exemplifica o significado normativo de soberania popular baseado no poder para constituir. Também testemunha sua permanência discursiva além e depois dos monarcômacos (Gierke, 1957, pp. 256-7; Franklin, 1993, pp. 43-8).
  • 15
    Para a teoria da resistência ativa e tiranicídio, ver Althusius ([1603] 1995 pp. 191-200).
  • 16
    A refutação de Althusius a Bodin em nome da soberania popular
    qua poder constituinte não apenas muda o paradigma monárquico da soberania, mas também questiona a legitimidade do Estado moderno. De fato, o desenvolvimento da soberania como poder para constituir formas de governo passa pela redescoberta da federação como alternativa superior à unidade e à autoridade indivisível do Estado moderno. Althusius é ao mesmo tempo um pensador do poder constituinte do povo e o primeiro proponente moderno do federalismo, entendido como oferta mútua de família, cidades, associações, comunidades e províncias que se associam por meio de promessas mútuas e dentro de um corpo constitutivo, fora e anterior a qualquer forma de Estado. Com Althusius, dessa forma, a federação torna-se a expressão mais apropriada e natural da política constituinte; o Estado, por contraste, aparece como seu inimigo (Gierke, 1957, pp. 71-2).
  • 17
    Ver a esse respeito Maclean (1947, pp. 69-77) e Franklin (1978, pp. 88-126).
  • 18
    A esse respeito, ver também Gee (1650, pp. 26-7).
  • 19
    Ver também Franklin (1978, pp. 73-5), Morgan (1989, pp. 88-93) e Jameson (1898, pp. 477-87) e Vane (1662, pp. 2-8, 18, 20-1).
  • 20
    A esse respeito, ver Forsyth (1981).
  • 21
    Ver também Franklin (1978, pp. 93-8) e Ashcroft (1986, pp. 228-85).
  • 22
    Sobre esse ponto, ver também Paine ([1791] 1995f, pp. 467-8), Madison (1938, pp. 233-42, 348).
  • 23
    A esse respeito, ver também Arendt (1963, pp. 203-4).
  • 24
    Sobre esse ponto, ver Arendt (1963, pp. 179-214), Derrida (1986, pp. 7-15), Ackerman (1988, pp. 153-94), Michelman (1998, pp. 64-98), Arato (2000, pp. 170-5), Frank (2007, pp. 103-120).
  • 25
    A esse respeito, ver também Wills (1988, pp. 99-106).
  • 26
    No final, a versão nacionalista de Sieyès não apenas deslocou e derrotou a contribuição democrática de Condorcet, mas também possibilitou a subsequente exploração nacional-plebiscitária e desfiguração populista do poder constituinte. Com a Revolução Francesa, o conceito, capturado no domínio da representação, tornou-se um intricado paradoxo lógico e uma formulação legal enigmática que produziu apropriações politicamente suspeitas e refutações polêmicas. Assim, ao tornar-se imperador em 1804, Napoleão declarou: "Eu sou o poder constitucional" (Napoleão I, 1858, p. 314). No entanto, sob o governo de seu sobrinho Luís Napoleão Bonaparte que o poder constituinte foi convertido em plebiscitos nacionais da base e transformou-se em um instrumento protopopulista de governo que se tornou quase que um sinônimo do bonapartismo.
  • 27
    A moderna redescoberta da democracia como poder constituinte é anticolonial. Precede a era das conquistas mundiais, mas, acima de tudo, muda de forma normativa e analisa qualquer tentativa de impor uma ordem política para aqueles que não participam de seu estabelecimento e de sua instituição. De fato, os cinco séculos de tentativas imperiais do Ocidente de se apropriar do espaço demanda a elaboração de um discurso crítico, como aquele fornecido pelo poder constituinte para entender e se contrapor ao déficit democrático de tais tentativas imperiais discricionárias no comando global. Nesse sentido, a doutrina da democracia constituinte é profundamente anti-imperial e anticolonial na sua raiz.
  • 28
    Para leituras políticas incisivas dos primeiros escritos de Marx, ver dois excelentes trabalhos: Abensour (2004) e Kouvelakis (2003, pp. 295-315). Há também Balibar e Raulet (2001). Para interpretações e abordagens diferentes, ver Hyppolite (1955, pp. 120-41), Avineri (1966, pp. 45-81, 1968, pp. 31-40), Henry (1976, pp. 35-83), Kolakowski (1978, pp. 120-31); O'Malley e Algozin (1984) e Duquette (1989).
  • 29
    A esse respeito, ver Rubel (1962; 1983), Luc (1982), Springborg (1984) e Mostov (1989).
  • 30
    Marx parece ter abandonado sua ideia de democracia constituinte nos seus escritos posteriores. Isso por que suas preocupações políticas foram gradualmente subordinadas a uma lógica e orientação econômica predominante? Parece que sim. Quinze anos depois, ao investigar mais profundamente abaixo da raiz constitucional e, além disso, ao reverter a relação entre o político e o social, Marx topou com "a estrutura econômica da sociedade", ou seja, "a fundação real": "Meu questionamento levou à conclusão de que nem as relações legais nem as formas políticas poderiam ser compreendidas, seja por elas mesmas, seja na base de um chamado desenvolvimento geral da mente humana, mas antes, têm suas raízes nas condições materiais da vida". Uma explicação provável, portanto, para o desaparecimento da democracia e do poder constituinte é a interpretação de Marx sobre política e lei como um epifenômeno puramente superestrutural, determinado pelo movimento e desenvolvimento da realidade material, ou seja, "o fundamento econômico". Dentro desse contexto, o poder constituinte é subordinado a forças e relações de produção já que a política é transformada em mera reflexão da economia (Marx, 1989, p. 20-1). Mas pode ser, como argumenta Abensour, que a democracia tenha sobrevivido clandestinamente nos escritos posteriores de Marx sobre a Comuna de Paris, a "Constituição comunal" e suas erráticas alusões a uma nova forma de Estado verdadeiramente democrática? Ou, a democracia foi totalmente deslocada pelo conceito da ditadura quando o proletariado tomou o poder do povo como sujeito revolucionário? A ideia de uma sociedade comunista absorveu o poder constituinte? Ou o poder constituinte talvez tenha minguado com a eventual abolição do poder e da política? (Abensour, 2004, pp. 140-2; Marx, 1978, pp. 633, 628; Kolakowski, 1978, pp. 127-131; Carver, 2004, pp. 103-128; Avineri, 1968, p. 34).
  • 31
    Sidney de forma acurada compreendia essa presença igualitária quando ele afirmava que "cada agrupamento de homens, concordando entre si e emoldurando uma sociedade, torna-se um corpo completo, ao ter em si próprios todo o poder sobre eles próprios, ao não estarem sujeitos a nenhuma outra lei humana a não ser a deles próprios. Todos aqueles que compõem a sociedade, são igualmente livres para entrar nela ou não, e nenhum homem tem a prerrogativa de estar acima dos outros" (Sidney, [1680] 1996, 1.5, p. 99).
  • 32
    Para uma abordagem mais sistemática do poder para instituir, ver Castoriadis (1987, pp. 369-73; 1988, pp. 39-51; 1991, pp. 143-75; 1997a; 1997b).
  • 33
    Beaud propõe a seguinte formulação: "Soberania constituinte significa que, em estados contemporâneos, o Soberano é aquele que faz a constituição" (1994, p. 208).
  • 34
    Consequentemente, o acadêmico constitucional francês Maurice Hauriou descreveu o poder constituinte como "um poder legislativo fundador" (1929, p. 246).
  • 35
    Sobre a relação entre poder constituinte e crise, ver Negri (1999, pp. 1-36, 319) e Elster (1995, pp. 370, 375).
  • 36
    Até pensadores contemporâneos liberais acabaram percebendo que a legitimidade democrática pressupõe uma quebra com a legalidade herdada. John Rawls, por exemplo, reconheceu que o "poder constituinte do povo estabeleceu uma moldura para regular o poder ordinário
    e a acionava apenas quando o regime existente é dissolvido" (1993, p. 23).
  • 37
    Para uma distinção detalhada desse ponto, ver Malberg (1984, pp. 103-39).
  • 38
    Segundo Maurice Duverger, "é a Constituição que deriva sua autoridade de poder constituinte e não o poder constituinte que deriva a sua autoridade da constituição" (1948, p. 78).
  • 39
    A esse respeito, ver também Kalyvas (2000).
  • 40
    Até o terceiro quarto do século XVIII, Hamilton proclamava na primeira linha do
    The federalist papers: "[...] parece ter sido reservado ao povo desse país, por sua conduta e exemplo, a importante questão, se sociedades de homens são realmente capazes ou não de estabelecer bom governo, a partir da reflexão e da escolha, ou se eles estarão sempre destinados a depender das constituições políticas por acidente e força" (Hamilton et al., 1938, p. 3). Madison concordava e explicava "a melhoria feita pela América no antigo modo de preparar e estabelecer planos regulares de governo" como "uma revolução por intervenção de um corpo deliberativo de cidadãos" (Hamilton et al., 1938, pp. 235, 234; Paine, [1778] 1995d, p. 169; [1791] 1995f, p. 668; Arendt, 1963, pp. 46-7). Do século XVII em diante, o termo
    constitutio veio a significar um documento escrito e um conjunto de normas legais, fundamentais, superiores, e procedimentos instituídos por seres humanos em oposição a costumes e convenções a uma lei natural transcendental (Stourzh, 1988, pp. 43-4; Preuss, 1994, p. 4).
  • 41
    Hoje, com o projeto de constituição europeia encarando maiores desafios, o problema dos fundamentos democráticos se torna novamente crucial. De forma similar, a apropriação norte-americana do poder constituinte para estabelecer novos regimes demanda a elaboração de um discurso crítico contra o déficit democrático de tentativas imperiais no comando global. O conceito democrático de soberania popular como poder constituinte prescreve que nenhum ato pode clamar ser constituinte e nenhum ator pode disputar ser um fundador, mesmo que esse ator e o ato tenham obtido sucesso, ou seja, tenham tido resultado efetivo ao criar uma nova ordem política. Se uma pessoa ou um grupo se apropria do poder de constituir uma ordem legal pela exclusão de todos aqueles que serão os seus destinatários, o governo deveria ser considerado inválido, resultado de um ato de usurpação. Um ato desse tipo não é democrático, mas sim um comando repressivo de imposição coercitiva. Como Friedrich observou corretamente, "Para elaborar a genuína decisão constitucional é também necessário que aqueles que sejam governados participem dela em oposição àqueles que governam. Isso diferencia tal ato constitucional de um
    coup d' état (Friedrich,1950, p. 128). Ver também Arendt (1963, p. 146) e Schmitt (2008, pp. 104-105).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      2013
    CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: luanova@cedec.org.br