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A “POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA” E SUAS HETEROTOPIAS: SABERES E PODERES EM DISPUTA

THE HOMELESS AND THEIR HETEROTOPIAS: KNOWLEDGE AND POWERS IN DISPUTE

Resumo

O artigo busca perscrutar as lutas em torno dos modos de nomear os sujeitos que utilizam as ruas como morada, com intuito de perceber as sutilezas das redes de saber e poder que essas classificações históricas mobilizam. Recorrendo a um extenso levantamento bibliográfico e documental e à pesquisa etnográfica com os sujeitos que habitam as ruas, em suas diferentes interações, o texto historiciza as classificações atribuídas a esses sujeitos - do outrora vadio, indigente, mendigo ao presente integrante da população em situação de rua -, problematizando as diferentes estratégias repressivas e normalizadoras que continuam a recair sobre essas pessoas, encetando formas de assujeitamento, mas também modos de resistência. Quer recusando as classificações e seus estigmas, quer negando a moradia como única e primordial resposta política, esses sujeitos enunciam outros modos de ser, viver e se relacionar com a cidade, ocupando lugares outros, que chamamos aqui de “a terceira margem das instituições”.

Palavras-chave:
População em situação de rua; Políticas públicas; Moradia; Biopoder; Resistências

Abstract

This study aims to scrutinize the disputes surrounding the ways of naming subjects who use the streets as their home in an attempt to understand the nuances of the nets of knowledge and power these historical classifications mobilize. Resorting to an extensive bibliographic, documentary survey and ethnographic research with subjects who inhabit the streets in their different interactions, this study historicizes the classifications attributed to these subjects - from the once vagrant, indigent, beggar to the current homeless situation - problematizing the different repressive and normalizing strategies that continue to affect this public, initiating forms of subjection and modes of resistance. Whether refusing classifications and their stigmas or denying housing as the only and primary political solution, these subjects enunciate other ways of being, living, and relating to the city, occupying other places, which we call “the third margin of institutions.”

Keywords:
Homeless; Public policy; Housing; Biopower; Resistance; Heterotopias

Apresentam-se queixa sobre os mendigos no Sul e esquece-se que sua persistência diante de nosso nariz é tão legítima quanto a obstinação do estudioso diante de textos difíceis. Não há uma sombra de hesitação, um levíssimo querer ou ponderar, que eles não farejassem em nossas caras. (Benjamin, 2010BENJAMIN, Walter. 2010. Rua de mão única. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Tradução: R. Rodrigues Torres Filho e J. C. Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense , v. 2, pp. 67., p. 68)

Introdução

Nas duas últimas décadas, presenciamos algumas mudanças conceituais importantes no que tange à temática dos sujeitos que utilizam os logradouros públicos como morada. Essas alterações permeiam não apenas as formalidades de tratamento nominal, mas principalmente os arranjos nas relações de poder coletivas que se embrenham nesse grupo urbano. O que outrora era jurídico, social e politicamente reconhecido como “vadio”, “vagabundo”, “mendigo”, “indigente”, “inválido”, “morador de rua” etc. hoje é definido legal e politicamente como “população em situação de rua”. O termo recente, mas já difundido, aparece em decretos, programas governamentais e planos e políticas públicas para essa população, além de notícias, propagandas, slogans, projetos do terceiro setor e estudos acadêmicos sobre a temática.

Essa terminologia foi apresentada oficialmente no ano de 2008 por meio do Plano Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua, sendo institucionalizada no Decreto Federal nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que apresentou sua definição legal: “grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular” (Brasil, 2009BRASIL. 2009. Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 24 dez. 2009. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KJjHJs . Acesso em: 16 ago. 2023.
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). Nos anos seguintes, viu-se uma série de medidas e acontecimentos que tratavam desse tema em chave aparentemente diferencial. Esses “novos” caminhos, no nível da política nacional, corroboraram os movimentos em ebulição na sociedade e fizeram surgir uma série de outras movimentações em torno dessa temática.

Neste artigo, buscamos perceber essas disputas conceituais no campo social, político e histórico para lançar luz sobre as relações de poder que giram em torno dessa categoria. Não se tratou de formar a história dos conceitos, mas sim de entrelaçar essas categorias históricas com a forma como se moldaram as estratégias de poder acerca dessa temática. Metodologicamente, recorremos a um levantamento bibliográfico, de fontes documentais, legislações oficiais e material da imprensa. Em período contemporâneo, mobilizamos também documentos legais e normativos, como leis, decretos, portarias e programas de governo, para acessar as representações institucionais mais frequentes acerca dessas pessoas. Por fim, recorremos a resultados de pesquisa etnográfica realizada em diferentes localidades da cidade de São Paulo com sujeitos que usam a rua como morada. Esse percurso etnográfico, iniciado há sete anos no contexto de pesquisa de mestrado, também se estendeu a espaços de discussão, institucionais ou não, nos quais a temática da população em situação de rua era abordada e debatida: reuniões de comitês intersetoriais vinculados à secretaria de estado, fórum e reuniões organizados por representantes de movimentos sociais e da sociedade civil, entre outros, arenas nas quais diferentes vozes e demandas emergiam sobre a questão da “população em situação de rua”.

Os resultados colhidos em campo, nas interações com os sujeitos que habitam as ruas, nos dão conta das fissuras e instabilidades do conceito “população de rua”, que aparece já normalizado pelos gestores e por parte significativa da sociedade civil. O material etnográfico nos permite perceber que tal atributo não é unanimemente aceito pelos sujeitos alvo dessa classificação. Há aqueles(as) que afastam a categoria massificadora “população” e seu predicado “da rua”, alegando não serem moradores de rua, já que a rua não se apresenta como um local seguro para estabelecer moradia. Existem também muitos outros sujeitos que habitam as ruas e afirmam que constituem suas moradas nesses espaços, insistindo nessa “situação”, rejeitando não a morada, mas seu estigma, concebendo assim a rua mais próxima enquanto um local de morada.

Nesse contexto, em que a luta por moradia ganha protagonismo no mundo urbano, também a partir dos últimos anos, emerge um sujeito político que se apropria estrategicamente da categoria “sem-teto” para, denunciando a espoliação urbana em curso há décadas, reivindicar, coletivamente, o direito humano à moradia. Nessa cena, a identidade “sem-teto” se configura explicitamente como um ato político, ocupando um lugar estratégico na luta por justiça social e reconhecimento. Ela não é, contudo, extensiva a todos os sujeitos sem moradia que habitam as ruas, até porque é resultado de um processo ativo de identificação, fruto da mobilização social e organização política junto a sujeitos múltiplos.

Percebemos, então, que as problemáticas que envolvem a noção conceitual dessa população estão diretamente ligadas à identidade dos sujeitos, quem são e o que desejam, juntamente à visão política e social que recai sobre eles, fazendo com que este seja um campo em constante disputa, um campo de tensão no poder. Nessa perspectiva, fazer apontamentos sobre essas relações serve sobretudo para entender as variações das técnicas de poder ao longo da história, enfatizando o que delas prevalece na atualidade, juntamente às resistências que sempre estão imbricadas (Bernardino, 2020BERNARDINO, Giovanna Olinda dos Santos. 2020. A terceira margem das instituições: uma genealogia da “população em situação de rua”. Dissertação de Mestrado em Ciência Humanas e Sociais. São Bernardo do Campo: UFABC. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KMOoxx . Acesso em: 16 ago. 2023.
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).

O vadio e o mendigo: repressão e trabalho

Historicamente, andar sem um destino certo foi associado ao ócio, termo que, para quem tem renda garantida, se relaciona com ocupação mental e filosófica, enquanto, para os grupos cuja renda deve ser conquistada pela força do trabalho, desemboca em outro terreno e será rotulado com os selos da vadiagem. Nas Ordenações do Reino, dispositivo legislativo que vigorou por mais de 300 anos antes da primeira constituição brasileira, de 1824, aqueles que fossem enquadrados nas definições de vadios poderiam ser punidos com prisões e açoitamentos. Não ter trabalho fixo e vagar pelas ruas da cidade (mendigar e vadiar) seriam práticas próprias daqueles que não se ocupam em girar a engrenagem econômica, desafiando a ordem pública e a paz social, sendo, portanto, práticas passíveis de punições.

Para conter a massa heterogênea de indivíduos, os dispositivos legais operavam sobre a chave da criminalização e tinham como mecanismo o termo de bem viver imposto pela autoridade policial, obrigando legalmente as pessoas a se moldarem aos padrões da época, de forma que o descumprimento desse “acordo” acarretaria o confinamento como punição. A institucionalização dessa técnica se oficializou por meio da Constituição de 1824 e do Código de Processo Criminal, assegurando a punitividade e criminalização da vadiagem e da mendicância (Martins, 2003MARTINS, Eduardo. 2003. Os pobres e os termos de bem viver: novas formas de controle social no Império do Brasil. Dissertação de Mestrado em História Política. Assis: Unesp.).

O enquadramento criminalista desses sujeitos se fixa na perspectiva do trabalho em uma sociedade enraizada nos solos da escravidão e tem concretude em documentos como o Projeto de repressão à ociosidade, apresentado pelo ministro da Justiça na Câmara dos Deputados em 1888, com a finalidade expressa de controlar os indivíduos que haviam sido escravizados que se encontravam libertos, sem uma ocupação definida, cuja existência ameaçava a lei, a ordem e a propriedade (Chalhoub, 1986CHALHOUB, Sidney. 1986. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores do Rio de Janeiro na belle époque. São Paulo: Brasiliense .).

É certo que, com o fim da escravidão, a criminalização e a perseguição à vadiagem ocuparam lugar central na continuidade e reinvenção dos processos de expropriação da mão de obra racializada, através do controle e das constrições dirigidas seletivamente a esses sujeitos. Previstos no mesmo tipo penal, o “vadio” e o “capoeira” personificaram o projeto de controle e sujeição dos indivíduos pobres e sobretudo racializados. Esse projeto era operacionalizado por meio das prisões cotidianas e correcionais que, antes de assinalarem uma garantia da ordem pela aplicação da lei, sacramentaram práticas arbitrárias de segregação dos indesejáveis do espaço público e de obliteração da fruição de seus direitos (Teixeira, Salla e Marinho, 2016TEIXEIRA, Alessandra; SALLA, Fernando Afonso; MARINHO, Maria Gabriela da Silva Martins da Cunha. 2016. Vadiagem e prisões correcionais em São Paulo: mecanismos de controle no firmamento da república. Estudos Históricos, v. 29, n. 58, pp. 381-400.).

A linha reta entre mendicância, ociosidade e todas as formas de desordens sociais estava traçada e não foi apenas uma questão própria do Brasil. A Era Clássica com sua “grande internação” modifica o sentido e a experiência social que se tem com as figuras desajustadas, como o louco, o mendigo, o vadio, o pobre. “Pela primeira vez, instauram-se estabelecimentos de moralidade nos quais ocorre uma surpreendente síntese entre obrigação moral e lei civil. A ordem dos Estados não sofre mais a desordem dos corações” (Foucault, 1978FOUCAULT, Michel. 1978. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva., p. 86).

A peculiaridade desse “novo evento” não é a condenação pela lei, mas sim a criação de muros que formam as “cidadelas da moralidade pura”, onde se segregam o “lado negativo da cidade moral, com a qual a consciência burguesa começa a sonhar no século XIX: cidade moral destinada aos que gostariam, de saída, de esquivar-se dela” (Foucault, 1978FOUCAULT, Michel. 1978. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva., p. 86).

Essa nova sensibilidade coletiva contribuiu para que as luzes da modernidade começassem a brilhar. “O internamento não representou apenas um papel negativo de exclusão, mas também um papel positivo de organização” (Foucault, 1978FOUCAULT, Michel. 1978. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva., p. 94). O muro começa a ser construído não apenas entre a figura desviante e o sujeito de bem, mas entre as próprias pessoas que habitam as cidades, o estranhamento do que é semelhante concreta os muros da moralidade.

Com as mudanças nas espirais econômicas do começo do século XX e a mentalidade laboral “a todo vapor”, a disciplinarização dos indivíduos para utilização efetiva nas engrenagens laborais eram imperiosas nas cidades com aspirações modernas. Tais enraizamentos de condutas ideais serão adotados no Código Penal de 1890, que reconfigura o controle e repressão à vadiagem e a mendicância não mais com o termo de bem viver, mas agora como termo de tomar ocupação (Brasil, 1890BRASIL. 1890. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Coleção de Leis do Brasil, v. 10, p. 2664 Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3OKr19g . Acesso em: 16 ago. 2023.
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). A questão da moralidade se fundiu nas práticas trabalhistas oficiais.

O crescimento das instituições criadas para receber aqueles que fossem enquadrados nos aspectos jurídico-criminais em vigor demonstra os efeitos da empreitada moral-trabalhista do período que tem início aparente no século XIX e se estende ao longo da história nacional. A retórica do trabalho irá constituir o fio condutor da integração social brasileira moderna e aqueles à margem desse projeto deverão se adaptar a essas modalidades (Martins, 2003MARTINS, Eduardo. 2003. Os pobres e os termos de bem viver: novas formas de controle social no Império do Brasil. Dissertação de Mestrado em História Política. Assis: Unesp.).

As empreitadas contra os vadios se estendem ao longo do século XX e não é aleatório que o governo, cujo lema principal orbitava as considerações trabalhistas, ganhe força durante esse período. A chamada Era Vargas acompanhou, mobilizou e aperfeiçoou os mecanismos e dispositivos que reforçam a figura do vadio como negativa e a ética do trabalho enquanto aspiração social. A especialização no interior do aparelho policial, as criações burocráticas e instâncias que aumentavam as informações sobre os sujeitos considerados desviantes, bem como as inúmeras propagandas de exaltação ao trabalho, formaram um balaio com as linhas gerais do tratamento da questão nos anos seguintes.

Com a figura do “falso mendigo”, temos uma embrionária diferenciação entre aqueles que deveriam ser corrigidos por meios prisionais e aqueles que deveriam ser corrigidos por meios assistenciais, construindo as bases da noção de cidadania correlacionada a uma prática laboral. A Delegacia de Repressão à Vadiagem, em São Paulo, criada por meio do Decreto nº 7223, de 1935, elucida essa tratativa. O Código de Processo Penal de 1941 apresenta as mudanças que indicam as novas abordagem, nas quais a vadiagem e a mendicância vão compor agora as Leis de Contravenções Penais de 1941, inseridos no Capítulo VII que versa sobre a “Polícia de Costumes” (Brasil, 1941BRASIL. 1941. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, 13 out. 1941. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3si8xW4 . Acesso em: 16 ago. 2023.
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).

Raquel Rachid (2013RACHID, Raquel. 2013. Vadiagem: efeitos revogados de uma contravenção que vigora. Revista Liberdades, nº 13, pp. 3-14.) chama atenção para o fato de que esse sistema bipartido da legislação criminal - no qual as contravenções se separam dos delitos criminais - relaciona-se com a composição de uma mentalidade nacional em que as condutas enquadradas nas leis de contravenções já fazem parte de um imaginário social que encara os termos da vadiagem em seus aspectos negativos. Marie-Ghislaine Stoffels (1977STOFFELS, Marie-Ghislaine. 1977. Os mendigos na cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) aponta para a institucionalização do desvio, colocando a mendicância e a vadiagem como pontos opostos elementares para o trabalho honesto, tido como a ordem, enquanto essas outras práticas se caracterizariam como transgressões. O “costume” de trabalhar se fortaleceu junto ao “costume” de repreender todas as atividades ligadas ao ócio e a vadiagem.

A organização do Departamento de Assistência Social do Estado, em 1935, pode ser compreendida como a expressão do movimento que vinha ganhando corpo e se fortalece juntamente com outras formas institucionais no tratamento da questão da vadiagem e da mendicância. As punições, as informações e os saberes sobre os vadios irão dialogar com esse movimento de construção dos “delinquentes”, que funcionará enquanto um “observatório político”, que os sociólogos e estatísticos poderão usar mais adiante, mas que foi anterior e largamente utilizada pelos aparatos policiais (Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. 2014. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 42. ed. Petrópolis: Vozes.).

O desvio deveria ser abarcado pelas forças de controle, a anormalidade precisava passar longe dos moldes ideais de família e as estéticas repugnantes precisavam ser retiradas das vistas dos “cidadãos de bem”. Os aparatos repressivos e assistenciais modularam a rede institucional oficial de recolhimento e tratamento da questão e as noções do ser perigoso e do ser necessitado vão sendo tecidas para a formação das identidades anormais. O sujeito ordeiro moderno vai se lapidando nessas tramas para conseguir os prometidos confortos e frutos do trabalho enquanto seu corpo se adestra para as jornadas laborais. Parafraseando a famosa frase de Simone de Beauvoir, ninguém nasce sujeito trabalhador, torna-se.

O ócio, que já foi exaltado em outras sociedades humanas - e ainda é nas poucas que apresentam uma relação diferente com o trabalho - vai se tornando repugnante para a sociedade. Se não há espaço para o ócio, não há lugar para o tédio, atividade não laboral que foi poeticamente pontuada por Walter Benjamin enquanto “pássaro de sonho que choca os ovos da experiência” (Benjamin, 1986BENJAMIN, Walter. 1986. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense. v. 1, pp. 167-221., p. 204). Na modernidade, a experiência coletiva (Erfahrung), que carrega necessariamente traços de ócio e tédio, foi substituída pela vivência (Erlebnis) pautada pelo relógio cronometrado do labor.

O vulnerável, o incapaz: recolhimento e assistencialismo

Temos à mão agora outros fios que formam a teia desse jogo conceitual e se constituem principalmente com os adjetivos de inválidos, enfermos, incapazes, decrépitos e vulneráveis. Esses fios irão se tecer rente às crescentes investidas assistenciais governamentais e reforçarão um olhar público sobre o grupo em questão. O vulnerável será enquadrado nas conceituações que versam sobre a incapacidade de indivíduos conviverem em harmonia com a sociedade “normal”, sendo a escolha do seu próprio destino decidida por instâncias que saberiam o melhor para cada “caso social”.

Em 1951 se institui a Comissão de Assistência Social do Município de São Paulo (Casmu), que em 1966 se torna a Secretaria de Bem-Estar Social, ganhando corpo institucional, com a Lei nº 7.457, de 28 abril de 1970 (São Paulo, 1970SÃO PAULO (Município). 1970. Lei nº 7.457 de 28 de Abril de 1970: Dispõe sobre a estrutura da Secretaria de Bem Estar Social, e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, 30 abr. 1970.). Entretanto, apesar de só se estabelecer normativamente enquanto secretaria com autonomia administrativa própria no ano de 1966, as ações ligadas a essa agenda já estavam permeando o campo social. Em 24 de fevereiro de 1964 uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo anuncia a abertura do espaço institucional conhecido como Recolhimento de Emergência dos Necessitados. Na ocasião a reportagem traz a manchete “Mendigo já tem onde morar: Recolhimento de emergência” e a seguinte notícia: “Cidade sem mendigos. O diretor do Recolhimento de Emergência [… ] declarou que espera, dentro de pouco tempo, tornar a cidade livre do aspecto deprimente da mendicância. Centenas de pedintes estão sendo colocados fora de circulação” (Mendigos…, 1964MENDIGOS já têm onde morar: recolhimento de emergência. 1964. Folha de S.Paulo, 24 fev. 1964.).

Em meio à ditadura militar, é editada a Lei nº 6.179, de 11 de Dezembro de 1974, que institui o “amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade e para os inválidos”. O auxílio é uma pequena quantia em dinheiro pré-estabelecida e repassada pelo governo para aqueles inaptos para o trabalho (Brasil, 1974BRASIL. 1974. Lei nº 6.179, de 11 de Dezembro de 1974. Institui amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade e para inválidos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 12 dez. 1974. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/44emcdL . Acesso em: 21 ago. 2023.
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). Esse exemplo de lei colabora com a argumentação proposta neste artigo. Em meio a governos que propunham fortes arrochos salariais, caça aos sindicatos, desmobilizações de organizações da sociedade civil, violência institucional deflagrada, surgem mecanismos que apresentam um teor aparentemente não violento. Contudo, se olharmos com as lentes propostas por Foucault (2015FOUCAULT, Michel. 2015. Microfísica do poder. 3. ed. Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), perceberemos que não se exerce o poder apenas pela repressão, pela lei e seus interditos, mas também pela norma e seus constructos. Nesse momento, a repressão explícita cede lugar, ou ainda, combina-se a novas estratégias de gestão desses sujeitos.

A criminalização e a repressão irão coexistir com outras técnicas positivadas de poder, que estabelecerão modos de assujeitamento pela construção de sujeitos passíveis de intervenção biopolítica, além das interdições disciplinares. Nesse contexto, a noção de “população” como alvo de uma gestão que regula a vida (da espécie) passa a prefigurar com mais exatidão sobre essa “massa” de indivíduos: antes sujeitos-corpo alvo de punição (o vadio, o mendigo), agora população passível de regulação.

A “população em situação de rua”: segurança e moradia

Com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, temos um novo aparato legal que versa sobre os direitos individuais e sociais, apresentando valores como liberdade, igualdade, justiça, bem-estar e segurança (BRASIL, 1988BRASIL. 1988. [Constituição (1988) ]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.). Essa mudança constitucional fundamentou o solo para a construção de práticas que valorizassem a cidadania, tendo a inclusão como lema dos mecanismos para que as pessoas à margem dessa sociedade fossem contempladas com os recém-adquiridos direitos sociais, a fim de se tornarem também sujeitos-cidadãos.

Apesar dos textos da lei promoverem uma potencialidade mais abrangente sobre as problemáticas sociais brasileiras, as questões do universo das ruas ainda eram tímidas nas agendas governamentais da época. Foi após atos de grande violência contra as pessoas que dormem nas ruas - como o caso do cacique Pataxó-hã-hã-hãe Galdino que teve seu corpo queimado por cinco jovens de classe média alta em Brasília em 1997 (Alves e Paixão, 2017ALVES, Pedro; PAIXÃO, Ana Helena. 2017. Vinte anos após o crime, assassinos de Galdino reconstroem a vida. Metrópoles, 20 abr. 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3sdRXqe . Acesso em: 18 jul. 2023.
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), ou ainda a execução de pessoas que dormiam na Praça da Sé (capital paulista) em agosto de 2004, caso que ficou conhecido como Massacre da Sé - que as ações para lidar com esses sujeitos ganharam maior notoriedade e passaram a constituir uma pauta importante para a remodelada administração pública.

No ano de 2001, o deputado Marcos Rolim (PT-RS) apresentou o Projeto de Lei nº 5.799 com objetivo de alterar a Lei de Contravenções Penais, revogando os artigos 59 e 60, na tentativa de descriminalizar a vadiagem e a mendicância. O projeto passou por uma longa tramitação e culminou na publicação da Lei nº 11.983, apenas em 16 de julho de 2009, na qual ficou revogado apenas o artigo 60 (mendicância). A descriminalização dessa “conduta mendicante” pode ser entendida como um primeiro passo para impulsionar as noções da cidadania negada durante os anos precedentes.

Juntamente com esse maior interesse estatal, os movimentos da sociedade civil também foram impulsionados. Em 2005, o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR, 2010)MOVIMENTO NACIONAL DA POPULAÇÃO DE RUA. 2010. Conhecer para lutar: cartilha para formação política. [S. l. ]: MNPR. realizou seu primeiro encontro nacional, estabelecendo-se politicamente como um ator que luta pela inserção das pessoas em situação de rua na sociedade, por meio das prerrogativas legais garantidas pela Constituição Federal. Esse movimento não apenas gerou visibilidade para a questão, mas também atuou nos jogos políticos do poder público, inserindo-se nos mecanismos de participações político-institucionais.

Em maio de 2008, salientando os aspectos das desigualdades e exclusão dos sujeitos que vivem nas ruas, o governo federal divulgou a Política Nacional para a Inclusão Social da População em Situação de Rua, criando ferramentas políticas que têm como objetivo declarado estabelecer as diretrizes e indicar os rumos das ações que possibilitem a “(re)integração destas pessoas às suas redes familiares e comunitárias, o acesso pleno aos direitos garantidos aos cidadãos brasileiros, o acesso a oportunidades de desenvolvimento social pleno” (Brasil, 2008BRASIL. 2008. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política nacional para a inclusão social da população em situação de rua. Brasília, DF: MDS., p. 4). No ano de 2009 fica instituído, por meio do Decreto nº 7.053, a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, instrumento que norteia as ações públicas em nível nacional e municipal. Por meio desse documento, estabeleceu-se também a criação de instâncias participativas para tratar das questões relativas à população em situação de rua.

As mudanças na forma de tratamento da questão nos códigos da lei acompanham as transformações de uma sociedade inteira. Mesmo não sendo um consenso, as perspectivas que atravessam esse grupo urbano deslocam-se do polo da repressão, via criminalização, e se estabelecem nas vias dos direitos humanos, tendo como ferramenta elementar as práticas que compõem o campo das políticas públicas.

Em relatório do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado em dezembro de 2015, encontramos uma síntese que abarca essas mudanças, indicando a tônica do tratamento da questão e apontando as soluções adequadas, que irão servir como norte para a opinião pública e para atividades políticas. O documento versa sobre “moradia adequada como componente do direito a um padrão de vida adequado” (Organização das Nações Unidas, 2015, p. 2ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 2015. Conselho de Direitos Humanos. Relatório da relatora especial sobre moradia adequada como componente do direito a um padrão de vida adequado e sobre o direito a não discriminação neste contexto. Nova York: ONU. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3QGmKG8 . Acesso em: 16 ago. 2023.
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). Esse relatório apresenta uma definição própria do que seria a “população em situação de rua” e reflete a abordagem para uma “solução” geral, por meio de três enfoques básicos:

  1. ausência de moradia - a ausência tanto do aspecto material de uma habitação minimamente adequada quanto do aspecto social de um lugar seguro, para estabelecer uma família ou relações sociais, e participar da vida em comunidade.

  2. discriminação sistêmica e de exclusão social, e reconhece que a privação de um lar dá lugar a uma identidade social através da qual as pessoas em situação de rua formam um grupo social sujeito à discriminação e estigmatização.

  3. reconhecer as pessoas em situação de rua como agentes centrais da transformação social necessária para a realização do direito a uma moradia adequada. (Organização das Nações Unidas, 2015, p. 5, grifo nossoORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 2015. Conselho de Direitos Humanos. Relatório da relatora especial sobre moradia adequada como componente do direito a um padrão de vida adequado e sobre o direito a não discriminação neste contexto. Nova York: ONU. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3QGmKG8 . Acesso em: 16 ago. 2023.
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    )

Nota-se, com facilidade, a ênfase na necessidade da moradia como um norte ideal para solucionar a questão das pessoas que vivem nas ruas. O eixo principal de atuação das políticas públicas forma-se ao redor da necessidade de inclusão desses sujeitos em programas e projetos que fomentem a conquista da casa própria. A percepção de que as pessoas que moram nas ruas são imersas em vulnerabilidades, não apresentando vínculos e seguindo apenas os rastros das rupturas, das fragilidades, do perigo e do risco constantes, funciona nessas perspectivas como justificativas basilares para a necessidade da ação governamental.

Com inspirações vindas principalmente dos Estados Unidos, os programas de “moradia primeiro” têm como eixo central a necessidade de provisão de uma locação fixa de moradia convencional antes da resolução de outras problemáticas que viriam em sequência, como trabalho e saúde. A pressuposição da moradia como abrigo e local próprio para desenvolvimento da autonomia são essenciais nessa visão. Após se inserir no programa, adquirindo um local para si, esse sujeito iria acessar os demais serviços públicos (Brasil, 2022BRASIL. 2022. Guia Brasileiro de Moradia Primeiro (Housing First). Brasília, DF: Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, 2022. ).

Junto com as questões efervescentes da moradia e o que viria após a aquisição dela, existem inúmeros mecanismos cujos objetivos orbitam a inclusão desse fenômeno urbano dentro das normalidades da vida considerada normal. Assistência, saúde, trabalho, independência financeira, vínculos estabelecidos e hábitos (re)apreendidos apontam para a superação da exclusão por meio da inclusão facilitada pelas políticas públicas. A inclusão pode ser vista aqui não apenas como uma tentativa de melhorar a vida dos sujeitos que estão na rua, mas principalmente como maneira de retirá-los dessas outras formas de viver. O traço demarcado do que deveria ser uma vida ótima não precisa mais ser estabelecido por meio das repressões, o movimento não é mais de afastar o desviante, mas sim de trazê-lo para perto, reintegrá-lo e incluí-lo nas curvas de uma normalidade forjada.

O papel do Estado seria portanto incluir essas pessoas em uma vida estabelecida como ideal, minimizando o risco, tanto das próprias vidas, quanto das possibilidades de desajustar os padrões sociais. Inseridos na normalidade cidadã, esses ex-desviantes poderiam aumentar as chances dessa sociedade inteira prosperar, dentro das linhas estabelecidas do que é prosperar. A máxima se constitui para retirar o sujeito das localidades perigosas e incluí-lo nas margens da sociedade normalizada, inclusão nos hábitos, gostos, rotinas, preferências, desejos, sonhos e aparências que estejam no padrão de vida tido como adequado (Bernardino, 2020BERNARDINO, Giovanna Olinda dos Santos. 2020. A terceira margem das instituições: uma genealogia da “população em situação de rua”. Dissertação de Mestrado em Ciência Humanas e Sociais. São Bernardo do Campo: UFABC. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KMOoxx . Acesso em: 16 ago. 2023.
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).

Colocar a moradia em primeiro lugar, como um slogan, para um amplo espectro de diversidades, pressupõe de antemão uma autoridade administrativa sobre a vida. Objetivar a retirada das pessoas das ruas, bem como inseri-las em espaços privados é também promover a circulação dos corpos de maneira sutilmente arbitrária. Retirar do olhar social aqueles que não agradam a estética da cidade e inseri-los em espaços físicos individuais não é ter respostas que tratam a questão em sua raiz, mas sim continuar no percurso histórico em que o tratamento à tal questão é perpassado pelas técnicas de poder que promovem a circulação impositiva, angariando maior afastamento social e distanciamento coletivo.

Alfredo Veiga-Neto e Maura Corcini Lopes (2007)VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. 2007. Inclusão e governamentalidade. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, pp. 947-963. indicam os tensionamentos da problemática, afirmando que a inclusão pode ser considerada uma estratégia governamental que minimiza as diferenças e reforça as noções de normalidade, tratando-se portanto de uma “inclusão excludente” (Veiga-Neto e Lopes, 2007, p. 949VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. 2007. Inclusão e governamentalidade. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, pp. 947-963.).

As justificativas - que antes fomentaram a criminalização - serão percebidas agora por outras óticas e ancoradas nas ideias das vulnerabilidades, que por sua vez fomentam a inclusão daqueles que não se ajustam aos padrões de vida estabelecidos pela normalidade, a fim de que o risco social de turbulências e rupturas seja o menor possível. O risco pode até existir, mas ele deve ser calculado dentro do que a estatística chama de “desvio-padrão”. Esse risco não diz apenas sobre o sujeito supostamente incluído, mas sim sobre os abalos que esse sujeito pode fazer no mundo normalizado. Dessa forma, é preciso levantar o questionamento: o que fica excluído quando se busca a inclusão daqueles que divergem?

Circulação e permanência: disputas na terceira margem das instituições

A diversidade do morar nas ruas é gigantesca. Muito mais que apenas locais para dormir, esses espaços envolvem a vida inteira dos sujeitos que lá se inserem, tornando a inclusão dessas pessoas em habitações convencionais um processo duplo de retirar essas subjetividades das suas próprias construções ligadas a um local e, em paralelo, incluí-las nos espaços que funcionam com lógicas já estabelecidas nos quais - muitas vezes - tais pessoas já não mais se encaixavam. Não se pode dizer que esse processo seja envolto totalmente pelas tramas da violência, porém é necessário perceber as rupturas subjetivas que acontecem com os processo de inclusão.

Durante a pesquisa de campo, no ano de 2016, pudemos acompanhar alguns eventos realizados pela Prefeitura de São Paulo que abordavam a temática dos moradores de rua. Nesses espaços, que reuniam representantes governamentais e da sociedade civil e pessoas que viviam não apenas nas ruas, mas também nos albergues da cidade, era facilmente perceptível que os assuntos debatidos não formavam um consenso (São Paulo, 2016SÃO PAULO (Município). 2016. Plano municipal de políticas para a população em situação de rua do município de São Paulo: Plano PopRua. São Paulo: Prefeitura.).1 1 Nas reuniões do Comitê PopRua, à época, havia representantes eleitos da população de rua; representantes da Secretaria do Trabalho, de Segurança Urbana, de Habitação, de Assistência Social, de universidades, organizações sociais e outros participantes que não se vinculavam oficialmente a nenhuma instituição. O clima de tais encontros era constantemente envolto em uma atmosfera de disputa narrativa, algumas vezes - e principalmente para quem não frequentava com assiduidade - a cena poderia ser confundida com uma briga ou discussão violenta, tendo vozes alteradas e dedos apontados. Essa performance conflitiva ocorria praticamente em todas as reuniões mensais do Comitê Intersetorial de Políticas para a População em Situação de Rua que presenciamos e, antes de revelar um embate irredutível entre interesses opostos, indicava apenas a heterogeneidade dos sujeitos e das “vozes da rua”.

Nessas reuniões e em outros fóruns ocorridos entre 2016 e 2018, promovidos pela Coordenação de Políticas para a População em Situação de Rua, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da prefeitura, era também nítida a diferença entre as demandas da rua: das pessoas que vivem nos albergues, dos movimentos sociais e da própria política pública representada pela coordenação em questão. Cada categoria apresentava um modo de perceber a vida nas ruas, bem como o que seriam as estratégias ideais para lidar com esse agrupamento urbano.

Nos diferentes espaços em que havia a possibilidade de fala das pessoas que viviam nas ruas, não era rotineiro ouvir as demandas específicas por moradia. Esse movimento começou a se intensificar junto com o crescimento dos movimentos sociais, que de início não se ligavam necessariamente às pessoas da rua, e que foram ocupando espaço nessas reuniões. Essa tendência ganhava força no mundo das ruas e nos espaços institucionais, mas não representava o universo da rua como um todo.

Os resultados da Pesquisa Social Participativa (PSP) - um levantamento feito sob encomenda da SMDHC, coordenado pela Equipe Sur de psicologia e realizado por pessoas que apresentavam trajetória nas ruas, entrevistando sujeitos do mesmo perfil - corroboram tais reflexões. Os resultados revelam a pouca aderência à temática da habitação entre os entrevistados, o que faz com que, no relatório, essa questão seja abordada para destacar as formas diversas como esses sujeitos concebem suas moradias, contrastando com as demandas por casas convencionais (SUR, 2016SUR. 2016. Pesquisa social participativa pop rua: relatório final: sistematização dos resultados da pesquisa social participativa. São Paulo: SUR.).

A realização de seminários com a temática habitacional, dois anos após a referida pesquisa, sinalizava, mesmo contando com certa aderência, mais o interesse político do momento do que de fato os interesses imediatos vindos da rua. Nesse evento, em cuja organização pudemos colaborar e acompanhar de perto as discussões, percebemos novamente que a pauta da moradia não era aceita de forma unânime. Havia aqueles que mostravam interesse na possibilidade de ter uma casa, mas questionavam as reais provisões orçamentárias desses projetos. Havia também questionamentos sobre as regras de convivência dos possíveis locais, uma vez que os hábitos da rua poderiam gerar conflitos nesses espaços de habitação convencionais. E existiam, por fim, aqueles que discordavam da premissa básica ligada à moradia, afirmando que iriam permanecer vivendo nas ruas, mesmo com a oferta de casas individuais próprias.

Essas pessoas, que insistiam em sua permanência no transitório, causavam certo incômodo nesses espaços e eram tratadas - em sua grande maioria - enquanto falas ruidosas, sem muita expressão, ou ainda muito individuais e pontuais, incapazes de refletir a ideia do coletivo, não sendo incluídas nos relatórios finais dos eventos, por exemplo. Tais figuras também não eram tão frequentes nas reuniões oficiais. Nesses eventos, as pessoas que mostravam mais afinidades com os moldes e as pautas do poder público marcavam presença regular, sendo conhecidas pelos outros frequentadores. O lugar primordial para ouvir com mais expressividade essas outras vozes ruidosas era (e ainda é) nos espaços reais da rua, espaços abertos onde os “destoantes” se avolumavam.

* * *

Segurança, Território e População, curso ministrado por Michel Foucault no Collège de France em 1978FOUCAULT, Michel. 1978. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva., muito nos auxilia no entendimento dessas relações conflituosas do momento contemporâneo. O filósofo nos traz diferentes dispositivos e análises que compõem as visões sobre uma forma singular de entender o governo, não apenas as instituições que governam, como o Estado, mas os mecanismos que garantem uma mentalidade governamental, uma governamentalidade. Esses processos garantem o governo de si, dos hábitos, das vontades e desejos, garantem o governo da vida (bio), alvo central dessas relações. O biopoder surge assim, como a economia geral de poder da sociedade neoliberal, que tem por saber maior as relações econômicas.

A ideia de vida, nesses arranjos, se definirá “pelo que desejamos, pelo que queremos fazer, pelo que procuramos”. As noções dessa bio se cruzam com a perspectiva de sujeito e se configuram nas seguintes afirmações feitas pelo autor: “É a forma de relação que ele mesmo decide ter com as coisas, a maneira como se coloca com relação a elas, a maneira como as finaliza com relação a si mesmo.”. Uma espécie de identidade em que “se insere sua própria liberdade, seus próprios fins, seu próprio projeto nas coisas em si, a maneira como, por assim dizer, as coloca em perspectiva e as utiliza” (Foucault, 2016FOUCAULT, Michel. 2016. Subjetividade e verdade: curso no Collège de France (1980-1981). Trad. Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: WMF Martins Fontes., p. 226).

Nessas análises, com o surgimento de um novo personagem, temos uma das viradas mais significativas na obra foucaultiana. A população entra em cena e aparece “tanto como objeto, isto é, aquilo sobre o que, para o que estão dirigidos os mecanismos para obter sobre ela certos efeitos, como sujeito, já que é a ela que se pede para se comportar deste ou daquele jeito” (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população: curso dado no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes., p. 56). A problemática se apresenta para fazer com que a vida de cada um seja vivida de certa maneira e que ele próprio a conduza para esses fins estabelecidos e normalizados coletivamente. A vontade, o desejo e a identidade encontram-se no centro dessas relações.

Fazer com que os desajustes não se insiram nos desejos da população é o que garantirá um menor risco desses desejos desordeiros e de outras ideias de liberdade, evitando que abalem as instituições nessas sociedades de “segurança”. Por meio das populações, uma noção de vida específica irá se enraizar e, com desejos forjados por meio de ideais de liberdade também construídas, possibilita-se a autocondução dos sujeitos. Biopolítica diz respeito portanto a fazer viver, mas não de qualquer jeito, pois impõe um viver específico, um mais viver, deixando morrer aquilo que difere desse ideal de vida (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população: curso dado no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes.).

Não é por força do acaso que os movimentos sociais ligados às temáticas da rua levantam bandeiras suscitadas pelo poder público, pois nessa perspectiva esses movimentos atuam em colaboração com a governamentalidade. Governar a si mesmo, saber se conduzir, deixar-se e querer se conduzir enquanto população são arranjos que se encontram no centro coronário do biopoder. A necessidade de mensuração e diminuição dos riscos - para que a vida se constitua de modo ótimo - são pilares que sustentam o Estado. Será a noção de governamentalidade que amarrará todas as estruturas, uma vez que a população já retém em si mesma as vontades coletivas normalizadas, deixando que o Estado apenas atenda essas vontades construídas. Nesse drama, o Estado aparece vestido não com seus trajes principais, mas com figurino complementar, sendo uma peça-chave para fazer com que o povo se torne população. “O estado é uma peripécia da governamentalidade” (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população: curso dado no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes., p. 331).

Entretanto, como estamos tratando de relações no poder, sempre há disputas e tensionamentos. Diferenciando-se da população, temos outra figura nesses cenários: “o povo aparece como sendo, de uma maneira geral, aquele que resiste à regulação da população, que tenta escapar desse dispositivo pelo qual a população existe, se mantém, subsiste, e subsiste num nível ótimo” (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. 2008. Segurança, território e população: curso dado no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes., p. 58). O povo está inserido nos mesmos contextos da população, porém não se ajusta inteiramente às regulações e acaba por ameaçar essa própria regulação. Aqueles que governam devem se preocupar não apenas com a população, mas também com esse povo, para que esses desajustes não fujam das curvas e causem abalos sísmicos nas sólidas placas constituídas.

A rua está cheia desse povo. Apenas o fato dessas pessoas insistirem, com suas existências, na permanência em espaços destinados à passagem, já demonstra suas feições de povo. A vontade e o desejo, alvos dos dispositivos de segurança, também são mecanismos que constroem resistências, embates e tensões nesses mesmos dispositivos e se manifestam nas falas diretas desses sujeitos que encontramos nas ruas. As resistências são “o outro termo nas relações de poder” (Foucault, 1988FOUCAULT, Michel. 1988. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal., p. 91). Não é raro conhecer pessoas que vivem nas ruas e afirmam que moram nesses lugares por escolha própria, pois, mesmo que algumas motivações sociais perpassem esse querer, essas pessoas dão preferência para a vida desenvolvida nas ruas, por mais contraditório que isso possa parecer.

As vontades expressas por esse povo são tão múltiplas quanto a imaginação de cada um. Já ouvimos relatos de uma mulher que escolhia ir para a rua sempre que estava com os sintomas de depressão muito aflorados. Ela não gostava de ficar sozinha e dizia que encontrava companhia para aliviar a mente nesses espaços: a rua servia para ela como ferramenta terapêutica. Também pudemos escutar algumas pessoas que viveram nas ruas e conseguiram pagar um aluguel, mas continuavam a frequentar a rua porque haviam feito muitos amigos por lá. Tivemos a oportunidade ainda de cruzar com pessoas que moram nas ruas há mais de 25 anos e que desenvolveram um vínculo tão grande com essas localidades que já são figuras conhecidas por quem transita cotidianamente por onde elas estão, como é o caso de seu Claudemir, que se fixou na Rua Augusta em São Paulo e que, mesmo após uma mudança para outra localidade, ainda retorna à calçada onde ficava, pois diz que lá sempre vê alguém conhecido.

Outra situação que elucida também o que estamos argumentando aqui apareceu algumas vezes, tanto na rua quanto nas reuniões do comitê, e diz respeito às retiradas dos itens pessoais dos sujeitos da rua, realizadas pela Zeladoria Urbana na cidade de São Paulo. Muitas vezes os relatos desses acontecimentos eram emocionados, porque haviam sido levado todos os pertences da pessoa, podendo ser uma barraca inteira, mas também uma caneca, um chaveiro, uma bolsa, um livro, um caderno, uma caneta. Coisas de valor material a princípio menor, mas que ganhavam um significado gigantesco quando entendida a relação subjetiva com aqueles objetos. Além dos objetos pessoais constituírem suma importância para esses sujeitos, também a paisagem urbana da localidade habitada é de extrema relevância para quem vive nas ruas. Segundo Claudemir, até a pintura dos prédios em volta fazia parte de sua vida, sendo os momentos de pintura desses prédios uma espécie de mudança que afetava diretamente sua vida. Pintar uma parede, retirar arbitrariamente objetos, forçar mudanças físicas para outros espaços, são movimentos tensionais e de profundas rupturas nessas margens.

Para além das experiências em campo, temos algumas passagens da já mencionada PSP (Sur, 2016SUR. 2016. Pesquisa social participativa pop rua: relatório final: sistematização dos resultados da pesquisa social participativa. São Paulo: SUR.) que salientam a complexidade desses processos, havendo inclusive termos nativos para eles: movimentos de “ancoragem” e “desancoragem”. São processos de inclusão e, ao mesmo tempo, de exclusão dos hábitos da rua que dizem respeito à “construção de uma nova identidade, [que vêm] [… ] acompanhado[s] de desconstrução dos hábitos da rua, criação de uma rotina de compromissos e do desenvolvimento da confiança para cuidar de si” (SUR, 2016, p. 62SUR. 2016. Pesquisa social participativa pop rua: relatório final: sistematização dos resultados da pesquisa social participativa. São Paulo: SUR.). Para melhor elucidar, temos nesse importante documento o relato de uma senhora que “morava nas ruas e que atualmente ainda cozinha em uma fogueira sobre o chão, de frente para o fogão na sua nova casa.” (SUR, 2016, p. 62SUR. 2016. Pesquisa social participativa pop rua: relatório final: sistematização dos resultados da pesquisa social participativa. São Paulo: SUR.). Insistindo em formas “anormais” de vida, essas pessoas negam, reinventam, invertem e mudam os significados das construções que são representadas no senso comum como indispensáveis, como um fogão elétrico, ou um colchão confortável.

O esforço estatal - por meio das políticas públicas - pode ser encarado como um mecanismo que objetiva uma modificação nas condutas humanas, para que elas se afastem dos riscos, desviem-se dos perigos e revoltas sociais e insiram-se no conforto da vida naturalmente normalizada. “Em suma, toda a discursividade das e em torno das políticas públicas pode ser compreendida como estratégica para o governamento das populações” (Veiga-Neto e Lopes, 2007, p. 958VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. 2007. Inclusão e governamentalidade. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, pp. 947-963.). O risco - nesses termos - não é o de que uma pessoa sem casa possa sofrer, mas sim a possibilidade dela romper com padrões e ideais daquilo que construímos sobre o que é morar. Assim, a forma mais eficiente para evitar esse risco é justamente incluir esse potencial desajuste nos padrões de vida estabelecidos.

Se André, um homem de 53 anos que vive há mais de 40 nas ruas, consegue desenvolver sua vida sem auxílio de medidas públicas - como um banheiro, lavanderia, água potável - e já causa tensões apenas com sua permanência nas calçadas da cidade, podemos imaginar que, atendendo a essas demandas, André poderia ter a tão enfatizada dignidade humana prevista nos textos legislativos mais recentes e viver de forma mais digna na própria rua. Porém, e carregando toda complexidade que tentamos enfatizar neste artigo, talvez seja esse o grande pavor público: conviver sustentavelmente com essas outras formas de vida que desafiam a lógica estabelecida enquanto normal.

Considerações finais: outro lugares, outras utopias

Michel Foucault, no texto Outros espaços, aborda esses lugares que “têm a curiosa propriedade de estar em relação com os outros posicionamentos, mas de um tal modo que eles suspendem, neutralizam, ou invertem o conjunto de relações que se encontram por eles designadas, refletidas ou pensadas” (Foucault, 2013, p. 414FOUCAULT, Michel. 2013. De espaços outros. Estudos Avançados, v. 27, n. 79, pp. 113-122.). As heterotopias são lugares reais “delineados na própria instituição da sociedade, e que são espécies de contraposicionamentos”, denunciam a ilusão maior dos outros posicionamentos da vida humana mantida em compartimentos. São espaços “fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis” (Foucault, 2013, p. 415FOUCAULT, Michel. 2013. De espaços outros. Estudos Avançados, v. 27, n. 79, pp. 113-122.).

Em “A terceira margem do rio”, conto magistral de Guimarães Rosa (2021)ROSA, João Guimarães. 2001. A terceira margem do rio. In: ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. 50. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, pp. 49-53., temos contato com a estória de um homem que - sem muita explicação - decide desenvolver sua vida dentro de uma canoa sobre as águas de um rio. O simbolismo dessa narrativa nos serve de aparato conceitual para localizarmos a rua nesse espaço criado em meio às águas da sociedade normalizada. As instituições recaem sobre toda coletividade, mas dentro dessas margens existem as localidades diferenciais que persistem em uma existência outra; são terceiras margens dentro das instituições abertas das sociedades ocidentais modernas.

Podemos, portanto, caracterizar aqui o universo das ruas como um desses “outros lugares”, com vidas heterotópicas desenvolvidas no avesso. Esse mundo não está apartado, não se encontra fora - está, cotidianamente, bem em frente a nós - mas, também não está dentro. Não é um mundo incluso, não faz parte do normal, do comum. Rebelando-se silenciosa e invisivelmente contra as forças condutoras das margens firmes, as pessoas que moram nas ruas não apenas sobrevivem, mas vivem essa espécie de “outro lugar”. Na terceira margem o povo carrega, apenas pelo fato de existir, outras experiências, outras visões de mundo, outros quereres, outros sonhos e outras possibilidades.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2019
  • Aceito
    10 Jul 2023
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