Acessibilidade / Reportar erro

Cisto mesentérico: linfangioma abdominal

INTRODUÇÃO

Cisto mesentérico é definido como qualquer lesão cística localizada entre os folhetos do mesentério, do duodeno ao reto, sendo mais comumente encontrado ao nível do íleo. Desde sua primeira descrição em 1507 por Benevienae até 1993 há somente cerca de 820 casos relatados na literatura44. Cardoso Araújo F. Landim Machado F , Perdigão B. F-Linfagioma Cístico: Uma rara apresentação de abdomen agudo: Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões .Vol. 27 - no 2 -137 , 55. Chung MA, Brandt ML, St-Vil D et al:Mesenteric cyst in children. J Pediat Surg 1991; 26(11):1306-. , 77. Liew SCC, Glenn DC, Storey DW.Mesenteric cyst: Aust.N.Z.J. Surg 1994; 64(11):741-744..

Linfangiomas são tumores benignos, de origem provavelmente congênita, mais comuns em regiões cervical e axilares. São incomuns em localização abdominal e pancreática11. Alvarez C et all.Linfangioma cístico do pâncreas. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões: Vol. 27 - 6 -n.430.. Estima-se sua incidência em torno de 1:100.000 internamentos em adultos e 1:20.000 em crianças. A primeira excisão foi realizada por Tillaux (apud Chung)55. Chung MA, Brandt ML, St-Vil D et al:Mesenteric cyst in children. J Pediat Surg 1991; 26(11):1306-. somente em 1802. Apesar do longo tempo do reconhecimento desta enfermidade, sua origem, classificação e patologia permanecem controversas.

A maior incidência encontra-se entre a terceira e quarta décadas de vida, sendo 75% dos casos diagnosticados após os 10 anos de idade, de modo acidental, com discreto predomínio do sexo feminino.

O termo linfangioma é utilizado de forma apropriada quando há isolamento hemodinâmico, ou seja, a lesão não está relacionada com o sistema arterial ou venoso1010. Pereira JF, Trindade PS, Velasco AA, Salum PT. Linfangioma Orbitrario: Relato de Caso. Arq Bras Oftalmol 2010;73(1):84-87. , 1313. Tucker SM. Vascular lesions of the orbit. In: Duane's clinical ophthalmology. Philadelphia 2000: Lippincott-Raven.. Os linfangiomas constituem um dos grandes grupos dos chamados hamartomas vasculares, que resultam de falha no desenvolvimento evolutivo do sistema vascular, incluindo linfáticos e/ou artérias e veias33. Boecha TP. et al. Linfangioma Abdominal na Crianças: Apresentação de 8 casos. Jornal de Pediatria 1996; - Vol. 72, Nº5..

Esses tumores linfáticos são divididos em: 1) simples, com canais linfáticos capilares; 2) cavernosos, com linfáticos dilatados e presença de cápsula; e 3) malformações macrocísticas, clinicamente denominados "higroma cístico"66. Coelho UCJ. Manual De Clínica Cirúrgica.São Paulo. Ed.Atheneu,2009.Vol.2.Pág.1662.. Este é o tipo mais comum, e os locais mais acometidos são cabeça e pescoço. O principal diagnóstico diferencial é hemangioma, cisto branquial, lipomas e rabdmiossarcoma. O diagnostico é feito por biópsia de nódulo suspeito, e o principal tratamento utilizado é a excisão cirúrgica.

RELATO DO CASO

Homem de 58 anos procurou o Hospital São Francisco em Taquaral de Goiás, Brasil, após atendimento médico anterior sem nenhum diagnóstico ou tratamento. para sua queixa. Tinha história de uma massa volumosa há mais de um ano, de lento caráter evolutivo. Negava dor, cefaléia, febre, diarréia e outros sintomas associados. Ao exame físico apresentava bom estado geral, acianótico, afebril, hidratado, normotenso, bulhas normofonética, rítmicas, simétricas e sem sopro. O abdome apresentava massa móvel de 10 cm de diâmetro, sem dor a palpação superficial e profunda. Ultrasonografia mostrou um cisto volumoso intraperitoneal aparentemente mesentério (Figura 1).

Figura 1
Imagem ultrassonográfica de abdome com cisto intraperitonea

Com o diagnóstico ainda incerto foi solicitado tomografia computadorizada de abdome com uma massa hiperdensa de aspecto cístico, não captante de contraste, medindo 9,0x7,1 cm nos seus maiores eixos transversos, localizada no hipogástrio, sem estar aderente com a bexiga (Figura 2). Optou-se por fazer laparotomia exploradora através de acesso mediano supra-umbilical. Nela encontrou um cisto intraperitoneal na região de recesso retouterino (Douglas), totalmente livre e avascular (Figura 3). O resultado anatomopatológico foi de cisto de mesentério/ linfangioma. O paciente teve alta hospitalar sem intercorrênias.

Figura 2
Tomografia computadorizada com contraste de abdome mostrando a imagem cística mediana

Figura 3
Imagem do cisto ressecado (linfangioma)

DISCUSSÃO

Não há sinais e sintomas patognomônicos do cisto de mesentério; porém, trabalho apresentado por Santana et al.1111. Santana B, et al. Cisto Mesenterico e Aspectos Clínicos e anatomopatologicos. Rev. Col. Bras.Cir 2010; 37(4): 260-264. relatando 18 casos, referiu como queixas dor e massa abdominal (72%), vômitos e constipação; um paciente apresentou abdome agudo. A palpação normalmente apresenta-se indolor, de contorno liso e bem definido como grande mobilidade no sentido transversal e ao redor do seu eixo (sinal de Tillaux22. Blss DP, Coffin CM, Bower RJ, et al.Mesenteric cyst in children. Surgery 1994; 115(5):571-7. , 1111. Santana B, et al. Cisto Mesenterico e Aspectos Clínicos e anatomopatologicos. Rev. Col. Bras.Cir 2010; 37(4): 260-264.). O aumento do volume abdominal é lento e progressivo e notado em alguns casos só tardiamente, confundindo-se com ascite em cerca de 18-20%.

Existem poucos relatos de cistos mesentéricos malignos, geralmente sarcomas de baixo grau. Kurtz et al. revisaram 162 casos e encontraram somente 3% de malignização, todos em adultos. São achados incidentais por ocasião de laparotomia ou exames de imagem em até 40% dos casos. Abdome agudo ocorre quando há ruptura, infecção, hemorragia ou torção do cisto, e confundidos com apendicite aguda ou aneurisma de aorta.

Exames de laboratório pouco ajudam no diagnóstico. Raios X simples de abdome pode evidenciar calcificações; arteriografia e trânsito intestinal podem evidenciar massa compressiva. Porém, a ultrassonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética são os exames que proporcionam melhor diagnóstico.

Uma vez diagnosticado, todo cisto mesentério deve ser ressecado, a fim de evitar suas complicações22. Blss DP, Coffin CM, Bower RJ, et al.Mesenteric cyst in children. Surgery 1994; 115(5):571-7. , 1414. Vara-Thorbeck C, Méndez RT, Hidalgo RH, et al. Laparoscopy resection of a giant mesenteric cystic lymphangioma.Eur J Surg 1997; 163: 395-6., recorrência, possível transformação maligna e complicações (hemorragia, torção, obstrução, ruptura traumática e infecção)88. Mackenzien DJ, Shapiro SJ, Gordon LA, Ress R. Laparoscopic excision of a mesenteric cyst. J Laparoendosc Surg. 1993; 3(3):295-9. , 99. Okumu M, Salman T, Gùrlen N, Salman N.Mesenteric cyst infected with non-typhoidal salmonella infection. Pediatr Surg Int. 2004; 20(11-12):883-5 , 1111. Santana B, et al. Cisto Mesenterico e Aspectos Clínicos e anatomopatologicos. Rev. Col. Bras.Cir 2010; 37(4): 260-264. , 1212. Shamiyeh A, Rieger R, Schrenk P, Wayand W. Role of laparoscopic surgery in treatment of mesenteric cysts. Surg Endosc. 1999;13(9):937-9.. A drenagem interna pode ser opção quando há possibilidade de síndrome do intestino curto. Em casos selecionados a abordagem laparoscópica pode ser utilizada.

Santana et al.1111. Santana B, et al. Cisto Mesenterico e Aspectos Clínicos e anatomopatologicos. Rev. Col. Bras.Cir 2010; 37(4): 260-264. classificou-os patologicamente como serosos, serosanguinolentos, mucóides, quilosos, quilosanguinolentos. Neste caso a hidatidose foi também colocada em tela de juízo no diagnóstico diferencial, antes do disgnóstico final de linfangioma.

REFERENCES

  • 1
    Alvarez C et all.Linfangioma cístico do pâncreas. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões: Vol. 27 - 6 -n.430.
  • 2
    Blss DP, Coffin CM, Bower RJ, et al.Mesenteric cyst in children. Surgery 1994; 115(5):571-7.
  • 3
    Boecha TP. et al. Linfangioma Abdominal na Crianças: Apresentação de 8 casos. Jornal de Pediatria 1996; - Vol. 72, Nº5.
  • 4
    Cardoso Araújo F. Landim Machado F , Perdigão B. F-Linfagioma Cístico: Uma rara apresentação de abdomen agudo: Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões .Vol. 27 - no 2 -137
  • 5
    Chung MA, Brandt ML, St-Vil D et al:Mesenteric cyst in children. J Pediat Surg 1991; 26(11):1306-.
  • 6
    Coelho UCJ. Manual De Clínica Cirúrgica.São Paulo. Ed.Atheneu,2009.Vol.2.Pág.1662.
  • 7
    Liew SCC, Glenn DC, Storey DW.Mesenteric cyst: Aust.N.Z.J. Surg 1994; 64(11):741-744.
  • 8
    Mackenzien DJ, Shapiro SJ, Gordon LA, Ress R. Laparoscopic excision of a mesenteric cyst. J Laparoendosc Surg. 1993; 3(3):295-9.
  • 9
    Okumu M, Salman T, Gùrlen N, Salman N.Mesenteric cyst infected with non-typhoidal salmonella infection. Pediatr Surg Int. 2004; 20(11-12):883-5
  • 10
    Pereira JF, Trindade PS, Velasco AA, Salum PT. Linfangioma Orbitrario: Relato de Caso. Arq Bras Oftalmol 2010;73(1):84-87.
  • 11
    Santana B, et al. Cisto Mesenterico e Aspectos Clínicos e anatomopatologicos. Rev. Col. Bras.Cir 2010; 37(4): 260-264.
  • 12
    Shamiyeh A, Rieger R, Schrenk P, Wayand W. Role of laparoscopic surgery in treatment of mesenteric cysts. Surg Endosc. 1999;13(9):937-9.
  • 13
    Tucker SM. Vascular lesions of the orbit. In: Duane's clinical ophthalmology. Philadelphia 2000: Lippincott-Raven.
  • 14
    Vara-Thorbeck C, Méndez RT, Hidalgo RH, et al. Laparoscopy resection of a giant mesenteric cystic lymphangioma.Eur J Surg 1997; 163: 395-6.
  • 15
    Wootton-Gorges SL, Thomas KB, Harned RK, Wu SR, Stein-Wexler R, Strain JD. Giatt cystic abdominal masses in children. Pediatr Radiol. 2005; 35(12):1277-88.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2012
  • Aceito
    23 Nov 2013
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com