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RESSECÇÃO ABDOMINOPERINEAL COM SACRECTOMIA POR VIA LAPAROSCÓPICA: DETALHES TÉCNICOS E DIFICULDADES

DESCRITORES:
Neoplasias retais; Reto; Cirurgia colorretal; Sacro; Laparoscopia

INTRODUÇÃO

Estima-se para 2016 no Brasil 16.660 casos novos de câncer de cólon e reto em homens e de 17.620 em mulheres22 Batista VL, Iglesias AC, Madureira FA, Bergmann A, Duarte RP, da Fonseca BF. Adequate lymphadenectomy for colorectal cancer: a comparative analysis between open and laparoscopic surgery. ABCD. 2015;28(2):105-8.. Nos de reto localmente avançados a sobrevida após ressecção R0 é muito boa, e a exanteração deve ser oferecida a pacientes com tumor avançado primário ou recorrente, onde é necessária a ressecção além da excisão total do mesorreto convencional66 NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Rectal Cancer Version 3.2017. Disponível em: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/rectal_blocks.pdf
https://www.nccn.org/professionals/physi...
. No caso de invasão do sacro, a exérese com margens livres aumenta bastante a morbidade e radicalidade do procedimento, representando um desafio ao cirurgião.

Até o momento, o maior nível de evidência para os benefícios da abordagem laparoscópica no câncer de reto, vem dos estudos Corean Trial5 e NCCN66 NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Rectal Cancer Version 3.2017. Disponível em: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/rectal_blocks.pdf
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. Porém, a literatura carece de dados que justifiquem o uso da laparoscopia nos tumores localmente avançados. No Brasil, não há nenhum relato de ressecção abdominoperineal associada à sacrectomia por videolaparoscopia.

O objetivo deste relato é apresentar alternativa para o tratamento da neoplasia maligna de reto com invasão posterior associando abordagem laparoscópica anterior combinada e posterior ressecção do tumor.

TÉCNICA

Inicia-se com a colocação de quatro trocárteres, dois em quadrante superior e inferior direito, um na região umbilical e um na fossa ilíaca esquerda. Diferentemente do habitual, onde iniciar-se-ia a dissecção pela face posterior do mesoreto, no caso descrito havia invasão do sacro pelo tumor; optou-se por começar a dissecção pela sua face lateral esquerda, com diérese da inserção medial do mesocólon esquerdo, seguindo pela asa lateral do reto, dissecção da linha de Told, e da fáscia de Trietz, progredindo para a fáscia endopélvica, até o ponto de fixação tumoral ao sacro (Figura 1A). Após realização de linfadenectomia do tronco da artéria mesentérica inferior com preservação de seu tronco e da artéria cólica esquerda, incisou-se no mesocólon esquerdo até o ponto da colectomia. O ponto de fixação tumoral foi demarcado com a utilização de uma compressa recortada, introduzida pelo trocarte de 12 mm, para posterior identificação transretal (Figura 1B). Realizou-se ainda salpingo-oforectomia esquerda en-bloc e a confecção de colostomia terminal em fossa ilíaca esquerda.

FIGURA 1
Técnica de ressecção abdominoperineal associada à sacrectomia por videolaparoscopia: A) dissecção do mesorreto: demonstração do ponto de dissecção; B) ponto de marcação da colectomia: utilização de compressa demarcando-a; C) tempo perineal com visão após dissecção até articulação sacroilíaca; D) incisão perineal e posterior confecção de retalho

Neste momento foi realizada a mudança de decúbito para a posição em canivete pronado, para início de tempo perineal. Após incisão perineal (Figura 1C) e confecção de retalho fasciomiocutâneo de glúteos, realizou-se a diérese da inserção sacrococcígea do diafragma pélvico e do septo retovaginal, seguindo pela fáscia endopélvica até a área de dissecção anterior, e liberaram-se os ligamentos sacrais laterais, até a articulação sacroilíaca bilateralmente (Figura 1D). Realizou-se laminectomia posterior ao nível de S3-S4, com dissecção e redução do saco dural ao fim da cauda equina. Seguiu-se com a osteotomia sacral no mesmo nível, com o uso de serra pneumática e ressecção com hemostasia por selagem bipolar da fáscia presacral e dos ramos sacrais inferiores e médio, findando a procto-sacralectomia, com extração do espécime cirúrgico. Realizou-se, ainda, a obliteração dos forames sacrais do plexo vertebrobasilar por parafuso de titânio bilateralmente e selagem do forame medular por selante de fibrina, assim como da área cruenta sacral. Obliterou-se o estreito inferior da pelve por retroversão vesical, em conjunto com fixação da tela de Proceed® em dupla face. Finalizou-se com síntese em v-y de retalho perineal e drenagem cavitária perineal. O sangramento estimado ao final da operação foi de 200 ml.

A paciente apresentou boa evolução no pós-operatório; permaneceu o primeiro dia em unidade de terapia intensiva, e os demais em enfermaria. Iniciou-se fisioterapia motora no segundo dia, retirando-a do leito para deambular. Recebeu alta hospitalar com sete dias, deambulando sem auxílio. Não houve complicações.

DISCUSSÃO

A abordagem laparoscópica no câncer de reto deve seguir os seguintes princípios: experiência do cirurgião em realizar excisão total do mesorreto por vídeo, não ser indicada em tumores localmente avançados e contraindicada em tumores obstrutivos66 NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Rectal Cancer Version 3.2017. Disponível em: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/rectal_blocks.pdf
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. Apesar disso, alguns autores relataram sucesso na abordagem laparoscópica da doença localmente avançada. Vários fatores contribuem para o sucesso do procedimento: a experiência da equipe em cirurgia avançada por vídeo, disponibilidade de materiais, discussão interdisciplinar e minucioso planejamento pré-operatório.

O nível de envolvimento local do sacro é fator determinante da radicalidade e morbidade cirúrgica. Nos casos de invasão do cóccix e S5, a ressecção sacral é realizada sem maiores problemas. Entretanto, se houver comprometimento mais proximal, ela é mais complexa e pode evoluir com hemorragia incontrolável, lesão neurológica e complicações urinárias77 Pereira P, Ghouti L, Blanche J. Surgical treatment of extraluminal pelvic recurrence from rectal cancer: oncological management and resection techniques. J Visc Surg. 2013;150(2):97-107.. No caso descrito a invasão era no nível de S3 e a ressecção não evoluiu com complicações. Em tumores T4, tumores recorrentes ou pequenas margens positivas, a alternativa é expor o sítio cirúrgico à radioterapia intra-operatória¹.

O sangramento durante sacrectomia é ponto crítico da operação. O plexo venoso pré-sacral e as veias basovertebrais sacrais são os mais relacionados. Vários métodos de tamponamento têm sido sugeridos. Novos agentes hemostáticos tópicos, tais como selantes de fibrina, são opções de controle da perda de sangue. Casos graves que não podem ser controlados rapidamente podem resultar em alta mortalidade³. Neste caso, após secção do sacro, utilizou-se a ferramenta “Super Jaw” para hemostasia e secção do plexo venoso pré-sacral e hemostáticos absorvíveis. Essa abordagem mostrou-se adequada e com pouca perda sanguínea. Não foram administrados hemoderivados.

REFERENCES

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    » https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/rectal_blocks.pdf
  • 7
    Pereira P, Ghouti L, Blanche J. Surgical treatment of extraluminal pelvic recurrence from rectal cancer: oncological management and resection techniques. J Visc Surg. 2013;150(2):97-107.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2017
  • Aceito
    16 Jun 2017
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