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A nova sociologia fiscal: contribuições de um estudo de caso de tipo público para uma promissora subdisciplina na sociologia brasileira

The new fiscal sociology: contributions from a case study of public type to a promising discipline for Brazilian sociology

Resumo

O artigo propõe-se a contribuir para o desenvolvimento da subdisciplina da sociologia fiscal no Brasil. Adota-se a premissa teórica de que esse campo de estudos se revela capaz de esclarecer um amplo conjunto de inquietações associadas ao contexto histórico contemporâneo, em meio ao qual se introduz um novo regime fiscal no país. A partir de um estudo de caso realizado sob a perspectiva da sociologia pública, indicam-se caminhos e perspectivas aptos a permitirem, a partir do hermético e relevante campo da fiscalidade, um encontro adequado entre academia e público externo para engendrar saberes relevantes e capazes de lidarem com um contexto fiscal crítico e desafiador, como o ocorrente no Brasil atual.

Palavras-chave:
Nova sociologia fiscal; Novo regime fiscal; Estudo de caso; Sociologia pública; Pesquisa participante

Abstract

The article aims at contributing to the development of Fiscal Sociology sub-discipline in Brazil. The research is launched from the theoretical premise that the above mentioned field of studies is capable of solving a set of problems linked to the present historical context, under which a new fiscal regime is being implemented by Brazilian government. Based on a case-study that was unleashed from the public sociology’s perspective, the article points - from the hermetic field of fiscality - to ways and perspectives that are able to allow an encounter between public and academia. This encounter could foster relevant knowledge, which might be suitable to addressing a critical and challenging fiscal context, such as the one Brazil faces in present days.

Keywords:
New fiscal sociology; New fiscal regime; Case-study; Public sociology; Participatory research

Introdução

Se apenas um termo sintetizasse a sucessão de episódios ocorridos na cena política e econômica do Brasil em 2016, a palavra crise seria, possivelmente, um raro consenso em meio à polarização1 1 . A polarização entre críticos e defensores do PT e do governo de Dilma Roussef foi medida por Solano et alii, que se dedicaram a avaliar interações ocorrentes no aplicativo “Facebook” em 2016. Os autores constatam que esse acirramento define, em geral, a população politicamente mobilizada, de modo que não se espraia por toda a sociedade (Solano et alii, 2017). Uma aferição da polarização política brasileira em 2016, a partir de manifestações da CUT e do MBL no aplicativo “Twitter”, poder ser encontrada em Segurado et alii (2016). e à conflituosidade2 2 . Sobre os protestos de 2013 ocorrentes no Brasil como termos iniciais de um cenário definido pela reintrodução da “conflitualidade na cena política”, confira-se Bringel (2013). que definiram o país, tanto no âmbito do Estado como da sociedade e de suas interações não formais.

A economia experimentou uma profunda retração. Somente naquele ano, o PIB encolheria 3,6%, em sequência a uma redução de 3,8% em 2015 (IBGE, 2016). Essa recessão ensejou impactos vultosos sobre os níveis de emprego, o que se infere da constatação de que 1,32 milhão de postos de trabalho formais foram fechados, alcançando-se um desemprego equivalente a 12,3% da população economicamente ativa no quarto trimestre de 2016, ante 6,8% no ano de 2014 (Martello, 2017).

No plano político, Dilma Rousseff, então presidente da República, perdeu o respectivo mandato em um controvertido processo de impedimento, conduzido por uma Câmara cujo líder máximo - deputado Eduardo Cunha - concluiria o ano recolhido à prisão, sob a acusação de ter perpetrado delitos no exercício da atuação como parlamentar.

A questão fiscal tornou-se o leitmotiv da crise brasileira em 2016. Inobstante o ângulo a partir do qual o instável momento seja observado, as finanças públicas emergem com primaz relevância. Desde os argumentos para a interrupção da gestão presidencial de Dilma Roussef, seguindo-se pelas demandas articuladas durante os protestos que levaram às ruas milhões de pessoas em favor do afastamento da presidente e alcançando-se, já no final do ano, a mais polêmica medida implementada pelo governante que lhe sucedera, Michel Temer: a arrecadação tributária e os gastos públicos perfizeram, senão os elementos centrais, aspectos marcantes do enredo composto pelos conflitos políticos ocorrentes no país durante o período em questão.

Primeiramente, o impeachment presidencial recebeu como principal fundamento a prática de postergação, pela União, do repasse aos bancos públicos de valores dispendidos para custeio de despesas governamentais. Essa operação acabou associada - segundo a interpretação do direito financeiro adotada no julgamento parlamentar do caso - a uma dissimulada concessão de crédito bancário à União, gerando-se dívida pública por meios ilegais. O segundo argumento repousou sobre uma concessão de créditos suplementares por meio de decreto presidencial, em alegado prejuízo à “meta fiscal”3 3 . O conceito de “meta fiscal” consta da Lei Complementar 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000). Em seu art. 4o, a referida norma jurídica prescreve que a Lei de Diretrizes Orçamentárias estabelecerá metas anuais referentes aos resultados nominal e primário (excluído o serviço da dívida pública) para as contas governamentais. Trata-se de comando normativo ostensivamente associado à premissa macroeconômica segundo a qual a redução de gastos públicos é um elemento salutar na condução do Estado. Em outros termos, a polêmica relação entre austeridade e prosperidade, tão frequentemente desautorizada ao longo da história (Blyth, 2013), eleva-se à condição de comando legal e cogente no direito brasileiro. definida para o exercício orçamentário de 2015. Matérias, portanto, caracterizadas por incomum complexidade técnica e jurídica no plano das finanças públicas. De modo mais nítido, nota-se que a racionalidade última a informar a legislação que o Congresso julgou malferida pela presidente da República situa-se na imposição da redução de gastos públicos e no controle das contas estatais, com ênfase no pagamento da dívida pública4 4 . A íntegra da representação que deu origem ao processo de impedimento em desfavor da presidente Dilma Rousseff pode ser encontrada em Bicudo et alii (2015). . Em síntese: austeridade5 5 . Uma noção tão concisa quanto completa de austeridade é encontrada na obra de Mark Blyth (2013: 2) e assim se expressa: “a form of voluntary deflation in which the economy adjust through the reduction of wages, price, and public spending to restore competitiveness, which is (supposedly) best achieved by cutting the state´s budget, debts, and deficits”. Em tradução livre: “uma forma de deflação voluntária por meio da redução de salários, preços e gastos públicos, para restaurar a competitividade, o que é (supostamente), mais bem alcançado por meio de cortes no orçamento, nos débitos e nos déficits do governo”. .

Os debates, os enfrentamentos e as interlocuções ocorrentes ao longo do processo de impeachment de Dilma Roussef não se contiveram no estrito âmbito das acusações formais tecidas contra a mandatária, tal como acima descritas. Uma sucessão de eventos oscilantes - desde pedidos de “intervenção” militar à restauração da Monarquia, extinguida no país em 1889 - foram observados em medida suficiente para que não sejam entendidos apenas como curiosidades pouco expressivas em meio às mobilizações ocorrentes nas ruas brasileiras e em seus multitudinários protestos ao longo de 2016. Também nesse aspecto, atinente às demandas vocalizadas em eventos de protesto e aos fluxos comunicativos intercambiados nos espaços públicos físicos e virtuais, as finanças públicas adquiriram peculiar projeção. Para além de elementos quantitativos ou de aferições metodologicamente rigorosas sobre as motivações das pessoas envolvidas nas mobilizações, à míngua de levantamentos empíricos com perguntas diretamente relacionadas ao tema6 6 . Ainda em março e abril de 2015, institutos de pesquisas chegaram a aferir os motivos que levaram as pessoas às ruas em protestos contra o governo federal e detectaram uma pluralidade de elementos, liderados pelo combate à corrupção (e.g. Datafolha, 2015). Quanto a 2016, contudo, não há informações dessa natureza, apenas perfis demográficos ou ideológicos das pessoas que aderiram às manifestações, além da avaliação do Governo Federal. , basta notar que um símbolo ostensivo da campanha em favor do impeachment tornou-se um pato de borracha amarelo, sob o lema “eu não vou pagar o pato”. Tratou-se de uma ação política lançada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) - a mais influente associação patronal do Brasil -, que, mediante uma expressão idiomática comum no país (pagar o pato, que significa suportar o ônus ou arcar individualmente com todas as consequências de algum problema), associou à luta contra a presidente da República uma campanha em favor da redução dos tributos incidentes sobre a classe empresarial.

Deposta a presidente da República, o sucessor Michel Temer, ainda nos primeiros dias de gestão, enviou para o Congresso Nacional Proposta de Emenda Constitucional, afinal aprovada com incomum celeridade para esse tipo de instrumento normativo, concernente ao novo regime fiscal do país (Brasil, 2016). A ideia, em síntese, consistiu em um congelamento do valor das despesas públicas primárias da União por um período de 20 anos. A proibição ao aumento de gastos não excepcionou nenhum poder da República, aplicando-se uniformemente ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário e não comportou exceções vinculadas a elementos como aumento de arrecadação ou expansão demográfica.

Este artigo tem por objeto o debate público travado durante o processo legislativo precedente ao novo regime fiscal brasileiro, aqui entendido como figura de direito financeiro que introduziu, tanto em sentido formal como material, a mais intensa política de austeridade já conhecida nos países capitalistas contemporâneos7 7 . Esta qualificação decorre da substância (congelamento de despesas primárias sem exceções associadas ao crescimento econômico ou demográfico), da rigidez (a austeridade é imposta no texto constitucional) e da longevidade (trata-se de medida vintenária). .

O objetivo da pesquisa que informa este texto consiste em partir do contexto de aparição do tema do novo regime fiscal brasileiro na esfera pública, por ocasião de sua tramitação no Congresso, para sugerir-se os potenciais do campo da nova sociologia fiscal - ainda insuficientemente desenvolvido no Brasil8 8 . Não existem, com efeito, grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, grupos de trabalho em eventos de associações como Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), linhas de pesquisas em programas de pós-graduação stricto sensu, coletâneas de artigos publicadas como livros ou dossiês em periódicos dedicados à sociologia fiscal no Brasil. Este artigo, portanto, pretende contribuir, pontual e limitadamente, sob o contexto de um novo regime fiscal, para o germinar de estudos e interlocuções científicas nesta subdisciplina. - em particular quando exercido sob tipo de estudo correspondente à sociologia pública.

A pergunta norteadora da pesquisa social empreendida sintetiza-se nos seguintes termos: a partir da análise dos elementos coletados em um caso extremo, o que se pode sugerir quanto ao potencial da sociologia fiscal no Brasil, em especial no que pertine à conexão entre essa subdisciplina e as pesquisas de tipo público?

O tipo de pesquisa adotado foi o estudo de caso. Escolheu-se essa modalidade de abordagem com base na epistemologia de Bent Flyvbjerg (2001). Segundo esse autor, os estudos de caso são modos adequados de produção do conhecimento científico-social que, avançando sobre as fronteiras analíticas da episteme, propõem-se condizentes com a noção aristotélica de phronesis. Nesta, antes de uma ciência social comprometida com a descrição competente de fenômenos com vistas à formulação de generalizações, o ânimo reside em

esclarecer e deliberar sobre os problemas e riscos que encaramos e traçar como as coisas podem ser feitas diferentemente (Flyvbjerg, 2001: 140)9 9 . Tradução livre. No original: “to clarify and deliberate about the problems and risks we face and to outline how things may be done differently”. .

A escolha do caso é crucial neste processo. Flyvbjerg argumenta em favor de casos que não sejam comuns ou aleatoriamente escolhidos, mas que se apresentem como espécimes críticos, extremos ou paradigmáticos. Os casos extremos, segundo o epistemólogo em questão, são pertinentes por permitirem a mais profunda compreensão de problemas ou aspectos que, em situações similares não extremas, aparecem sob menor intensidade e não revelam os respectivos efeitos ou condicionantes tão claramente. No caso aqui apresentado, há condições extremas sob três enfoques, todos relevantes para este artigo.

Primeiramente, como já narrado acima, o contexto de crise fiscal e política atravessado pelo Brasil no período compreendido pela pesquisa já é suficiente para definir o caso estudado como extremo. O fato é que o grau de acirramento das interações na esfera pública, a dramaticidade dos problemas fiscais enfrentados pelo Estado e a instabilidade institucional tendem a conformar um cenário no qual as dificuldades para produção de sociologia fiscal pública se revelam especialmente intensas.

O novo regime fiscal brasileiro, objeto ao redor do qual orbitam as interações sociais que constituem o caso estudado, também se define como extremo. Implementou-se uma medida de austeridade em prazo de tramitação (menos de cinco meses), forma (alteração na Constituição), duração (20 anos) e alcance (quase todas as despesas não financeiras do setor público federal) marcados por intensidade sem par nas políticas congêneres sob a chamada “era da austeridade” (Streeck & Schäffer, 2013). Um estudo preparado para o Fundo Monetário Internacional, por exemplo, abordou três casos de tetos orçamentários (Finlândia, Holanda e Suécia) que, em oposição ao que ocorreu no Brasil, excepcionaram inúmeros gastos sociais, nunca excederam um triênio e jamais se formalizaram em lei ou, ainda menos, nas constituições daqueles países (Ljungman, 2008).

O caso se define como extremo, enfim, por pretender-se, como adiante se expõe, um esforço orientando pela perspectiva da sociologia pública concentrado sobre tema tecnicamente complexo e conceitualmente hermético. Uma atuação científica que pretende, como um dos seus resultados, tornar questões atinentes às finanças públicas compreensíveis e passíveis de um escrutínio crítico por parte de uma comunidade leiga10 10 . Um interessante indício das dificuldades experimentadas quanto à compreensão de problemas fiscais foi obtido em um experimento realizado por Roberts et alii (1994), no contexto do qual as respostas exaradas pelas pessoas quanto a tributos progressivos se revelaram claramente contraditórias diante de perguntas abstratas em relação a exemplos concretos de progressividade tributária. tende a conduzir os propósitos da sociologia pública para condição extrema, no contexto da qual a potencialidade de mútuo aprendizado entre cientista e comunidade é tão difícil como desafiante.

Há, ainda, duas circunstâncias, uma institucional e outra geográfica, que justificam a escolha do caso eleito.

Quanto à primeira, trata-se do fato de que a pesquisa de campo se dedicou a espaços tanto universitários como externos à academia, em um quadro no qual o próprio funcionamento da universidade pública brasileira se definia como um dos âmbitos potencialmente influenciados pelo novo regime fiscal em discussão. Assim, encontra-se um meio complexo o bastante para se incorporar ao fazer sociológico público preconizado por Burawoy o complemento sugerido por Calhoun (2005), para quem o destino da sociologia e de seu público não se separa do destino das universidades e de sua dinâmica normativa, de gestão e de financiamento.

É certo que, no Brasil, a sociologia pública não está limitada ao âmbito universitário. A atuação de sociólogos em espaços como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que produz um relatório anual sobre violência no campo do qual se valem ativistas, pesquisadores e agentes públicos, a Anistia Internacional, que conta com sociólogos em seus incontáveis e impactantes estudos sobre direitos humanos e temas afins, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que, por exemplo, fundou em 1991 uma “escola sindical” com portentosa estrutura e impacto internacional, em um bairro operário da periferia de Belo Horizonte, ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e iniciativas como a Escola Nacional Florestan Fernandes, além de órgãos governamentais e think tanks é uma relevante marca da sociologia pública brasileira. Esta característica do conhecimento científico-social no país não infirma, porém, o argumento de Calhoun, mas o situa em termos específicos: no Brasil, sociólogos com atuação extra-acadêmica e com atuação nas universidades têm na sociologia pública um adequado ponto de encontro e de contato. A pesquisa aqui apresentada, ao imiscuir-se tanto em ambientes universitários como externos à academia, procurou lidar com essa complexidade e riqueza do fazer sociológico público nacional.

Quanto à segunda, como o caso diz respeito a um Estado semiperiférico de um país semiperiférico, há um potencial atendimento ao chamado de Burawoy em sua IX tese apresentada no antológico discurso presidencial na Associação Sociológica Americana, em 2005, referente à necessidade de se provincianizar a sociologia, de modo a não se adotar o fazer sociológico dos Estados Unidos da América como único ou universal. Ao adotar-se similar lógica para a realidade nacional, vê-se que um estudo sobre Estado semiperiférico contribui para uma provincianização dentro das fronteiras brasileiras, superando-se um “sudestecentrismo” (Tavares et alii, 2016) prevalecente em nossas ciências sociais. Finalmente, trata-se de marco geográfico que permite uma discussão, à luz de episódios e processos sociais concretos, da pertinente agenda teórica sobre a maneira como a sociologia pública pode ser recebida no Brasil, tal como presente em contribuições como as de Perlatto e Maia (2012) ou Mello e Silva (2009).

Não se pretendeu, portanto, formular-se um argumento universalizante e, ainda menos, um juízo definitivo sobre as possibilidades epistêmicas ou os riscos que a sociologia pública pode ofertar ao campo subdisciplinar da nova sociologia fiscal no Brasil11 11 . Para uma leitura teórica crítica sobre os méritos e problemas da incorporação da tipologia de Burawoy na sociologia brasileira, remete-se o leitor ao texto de Fernando Perlatto e João Marcelo Maia (2012). Para uma discussão sobre as especificidades da trajetória científica da sociologia em países de “modernização acelerada, como o Brasil”, a impactar sobre um equilíbrio ou caráter intercambiável entre os quatro tipos de sociologia propugnados por Burawoy, confira-se o artigo de Mello e Silva (2009). . Antes, a contribuição proposta reside em um primeiro esforço de aproximação entre a subdisciplina e o tipo de pesquisa em questão, sob as promissoras condições de um caso extremo, com vistas a indicar-se caminhos e sugerir-se limites plausíveis, que podem ajudar em futuros desenhos de pesquisa movidos sob este objetivo de aproximação.

Trata-se, portanto, de um esforço preliminar voltado a auxiliar, pontualmente, na conformação de um futuro repertório de estudos sociofiscais públicos, cujo rendimento possível reside na melhor compreensão das relações de poder material e simbólico enredadas nos conflitos sobre finanças públicas no Brasil. Busca-se, igualmente, dar-se passos em direção à mais ampla divulgação da produção acadêmica sobre os temas de finanças públicas que afligem, ainda que de modo não percebido, toda a sociedade.

As técnicas de pesquisa adotadas segmentaram-se em dois principais planos, com vistas a conectar-se o material fático decorrente da observação com as premissas e análises teoréticas. Primeiramente, procedeu-se a uma hermenêutica controlada por crítica dialética (Minayo, 1996) sobre elementos teóricos consolidados na sociologia fiscal, em suas diferentes fases, para se formular um argumento em favor de sua aproximação com a sociologia pública, tal como definida e defendida por Burawoy (2005; 2007; 2011) e Burawoy e Braga (2009BRAGA, Ruy; SANTANA, Marco Aurélio. Sociologia pública: engajamento e crítica social em debate. Introdução. Cadernos CRH, v. 22, n. 5, 6, Maio/Ago. 2009.). Em segundo lugar, procedeu-se a uma investigação científica participante, no contexto da qual o pesquisador se envolveu em quatro aulas públicas, uma conferência, uma audiência pública e um programa de televisão ocorrentes antes da promulgação do novo regime fiscal no Brasil, sob o objetivo de compreender as percepções dos setores sociais mobilizados ao redor do tema:

  • i. a compreensão das mudanças legislativas sob perspectivas distintas daquelas ocorrentes em meio acadêmico; e

  • ii. a formulação de suas análises e leituras de modo cognoscível para um público alheio às ciências sociais, jurídicas ou econômicas, composto por sindicalistas, estudantes de áreas como artes ou biologia, espectadores de programas televisivos e jornalistas.

Esse esforço teve como horizonte a abertura de uma via fronética entre episteme e praxis (Flyvbjerg, 2001).

Parte-se da constatação de que existem, no Norte global, estudos sociofiscais em grande volume de tipo tradicional e para políticas públicas, além de alguns trabalhos de tipo crítico (Infanti & Crawford, 2009). Sugerir, ainda que de modo inicial e sujeito a desenvolvimentos ulteriores, o caráter promissor desse campo em um país periférico, seguido de uma ponte com a perspectiva da sociologia pública, é a contribuição aqui esperada.

Adota-se o conceito de regime fiscal proposto por Paul Pierson, para quem esta categoria compreende

a configuração de interesses políticos, instituições e arranjos de políticas que estruturam conflitos sobre tributos e gastos (Pierson, 2001: 57).

Mais do que uma simples escolha disponível a qualquer momento por governantes e do que uma matéria de natureza preponderantemente técnica ou produtora de efeitos sociais bem delimitados no tempo, um regime fiscal remete às profundezas do regime político e da conformação das relações sociais em um período e local específicos, de vez que só tende a se alterar em contextos de pronunciada crise e produz efeitos - em validação à noção adotada pelo neoinstitucionalismo histórico de path dependence - que se perduram e condicionam as decisões políticas ulteriores à sua implementação (Haffert & Mehrtens, 2013). Ademais, as políticas fiscais se apresentam como mais do que um tipo de política entre outras - como de saúde, defesa, transporte ou segurança - uma vez que as condicionam, possibilitam e atravessam (Haffert, 2018).

Com vistas à exposição do itinerário teórico e empírico seguido pela pesquisa empreendida, a segunda seção, a seguir, apresenta algumas descobertas da nova sociologia fiscal e os potenciais desse campo de estudos interdisciplinares. Também nessa seção, discutem-se os desdobramentos possíveis para uma sociologia pública orientada a temas econômicos, com ênfase na realidade da semiperiferia. A terceira seção, por sua vez, apresenta o caso estudado e as conclusões obtidas a partir da interação entre cientista público durante o processo de tramitação do novo regime fiscal brasileiro, com o fito de sugerir desdobramentos possíveis para a associação entre a nova sociologia fiscal e a sociologia pública no Brasil. As observações finais são apresentadas em uma derradeira seção.

Nova sociologia fiscal e sociologia pública: elementos preliminares para uma promissora ponte

A narrativa apresentada na introdução deste artigo sugere a ímpar relevância da questão fiscal no contexto de crise social, política e econômica atravessado pela sociedade brasileira no ano de 2016 e em seus desdobramentos no período seguinte12 12 . Este artigo não retorna ao ciclo de confronto político ocorrente em 2013 no Brasil, como ocorre em inúmeras leituras sobre a realidade contemporânea do país. Sobre o modo como os conflitos fiscais presentes naquele período se concatenam com as turbulências sociais, políticas e econômicas posteriores, confira-se Tavares (2018). . Não há como tratar da deposição presidencial, dos protestos relacionados à direita política ou das primeiras medidas do novo governo incumbente sem levar em consideração um conflito enredado por diferentes concepções e interesses quanto ao modo como o Estado deve tributar e afetar recursos orçamentários. Este contexto respalda a pertinência de se estudar a realidade brasileira sob o prisma de uma abordagem (inter)disciplinar ainda pouco desenvolvida no país, própria à nova sociologia fiscal. Adicionalmente, ao e considerar o modo como temas orçamentários e tributários têm ressoado em debates e interlocuções na esfera pública, transbordando-se para muito além dos campos em que atuam os especialistas na matéria, justifica-se a realização de esforços sociofiscais identificados com o tipo de estudo designado como sociologia pública. Adiante, fundamentam-se estas duas opções.

A nova sociologia fiscal: potenciais de um campo em ascensão

No início do século XX, dois autores austríacos, definidos por convicções ideológicas e concepções sobre o papel das ciências sociais mutuamente distintas, convergiram na identificação de um elemento especialmente relevante para a compreensão das sociedades modernas concernente às finanças públicas. Rudolf Goldscheid e, posteriormente, Joseph Schumpeter lançaram as bases de uma disciplina acadêmica em processo de redescoberta e expansão na atualidade, denominada sociologia fiscal.

Goldscheid, um adepto da reforma social que via na ciência um papel prescritivo e de intervenção na sociedade, lançou as bases do campo sob o entendimento de que, somada à defesa da integridade territorial, a origem do Estado seria explicada a partir da necessidade de custear-se e de viabilizar suas atividades, diante de sua moderna e inédita decomposição em relação à esfera econômica, tal como ocorrente com o florescimento do capitalismo. Para Goldscheid, que entendia as lutas de ordem tributária como as mais antigas formas de luta de classes,

assuntos fiscais foram um causa contributiva importante até mesmo para os movimentos mais fortemente espirituais do gênero humano (Goldscheid, 1958: 202)13 13 . No original: “fiscal matters were an important contributory cause even in the mightiest spiritual movements of mankind”. .

O Estado capitalista seria, para Goldscheid, o único em que a autoridade política não controlaria, como corolário da dominação, os recursos econômicos. Dessa realidade ressairiam tensões, ou mesmo contradições, para as quais as relações sociais de tributação e de afetação de recursos públicos (as quais se determinariam mutuamente)14 14 . Confira-se, a propósito: “Tell me how and whence you acquire your revenue, and I shall tell you what your expenditure budget must look like” (Goldscheid, 1958: 202). Em livre tradução: “diga-me como e de onde você obtém sua receita, e eu posso lhe dizer como as despesas do seu orçamento devem se parecer”. seriam o principal elemento explicativo.

Goldscheid constata que o Estado teria sofrido, desde a Idade Média à sua atual moderna conformação, uma “expropriação gradual”. A tensão peculiar ao Estado liberal-democrático residiria em sua paulatina abertura à participação política mais ampla (com a extensão dos direitos de cidadania e, sobretudo, de voto), associada à determinação heterônoma de suas condições materiais de existência. Surgiria, portanto, uma inédita formação política, definida como

Estado pobre [ou aquele que] pode calmamente ser autorizado a cair nas mãos do povo que, desse modo, nada adquire, senão cofres vazios (Goldscheid, 1958: 205)15 15 . No original: “can calmly be allowed to fall into the hands of the people, which thereby acquires nothing but empty coffers”. .

Se no Estado absoluto o controle do poder político equivale ao controle da riqueza, no Estado constitucional e democrático - prossegue o argumento - a política poderia se democratizar, mas as riquezas seriam geridas de modo privado, o que, no mínimo, levaria a uma redução do potencial igualitário associado à extensão dos meios de exercício da soberania popular. Para Goldscheid, a garantia de financiamento dos Estados seria o desafio decisivo à realização do princípio democrático. Estavam, assim, lançadas as bases para um olhar interdisciplinar e altamente politizado sobre a moderna e conflituosa relação social de direito financeiro e tributário.

Schumpeter prosseguiu com a agenda lançada por Goldscheid e foi o primeiro a utilizar a expressão sociologia fiscal para designar os estudos sócio-históricos centrados nas relações de tributação e de composição do orçamento público. O impulso que o conduziu à questão fiscal ateve-se ao receio de um colapso financeiro dos Estados europeus como desdobramento da Primeira Guerra Mundial. A abordagem desse tema firmou-se em uma premissa que, sem endossar os auspícios normativos, estimou a fiscalidade em patamar equivalente ao conferido por Goldscheid. Para Schumpeter, uma eventual crise do Estado fiscal equivaleria à crise do Estado moderno enquanto tal. Tributos e orçamentos públicos assumiriam, na obra do autor, o protagonismo condensado no seguinte excerto:

O espírito de um povo, seu nível cultural, sua estrutura social e os feitos que a sua política pode preparar - tudo isso e mais é escrito em sua história fiscal, despida de todo fraseado (Schumpeter, 1991: 101)16 16 . Tradução livre. No original: “the spirit of a people, its cultural level, its social structure, the deeds its policy may prepare - all this and more is written in its fiscal history, stripped of all phrases”. .

O campo de estudos proposto por Goldscheid e Schumpeter não chegou a se institucionalizar ou firmar-se como uma subdisciplina amplamente praticada e reconhecida no âmbito das ciências sociais ao longo do século XX. O fato é que os autores escreveram em um contexto no qual a especialização já começava a delimitar de modo mais rígido as fronteiras entre economia e sociologia, restando àquela, preferencialmente, os objetos relacionados à atividade orçamentária e tributária do Estado (Martin et alii, 2009). Com efeito, o texto de Schumpeter é considerado “o último suspiro da economia política clássica, antes do primeiro respirar de uma nova ciência” (Martin et alii, 2009: 5)17 17 . Tradução livre. No original: “the last gasp of classical political economy rather than the first breath of a new science”. .

É certo que, na Itália, sob inspiração paretiana, teve lugar, em meados do século XX, um tipo de sociologia fiscal voltado ao entendimento das finanças públicas com foco na ideia de equilíbrio social (McLure, 2003). Esta vertente italiana dos estudos sociofiscais, contudo, não produziu significativa influência alhures, seja por sua ligação com o fascismo - a desmotivar traduções -, seja pela restrita comunidade de falantes do idioma italiano no âmbito das ciências sociais (McLure, 2003).

Houve, ainda, alguma influência dos trabalhos de Goldscheid e Schumpeter nos Estados Unidos durante o século XX, mas de modo restrito e, em última análise, situado sobre a contribuição pontual de Daniel Bell (1974BELL, Daniel. The public household on “fiscal sociology“ and the liberal society. The Public Interest, New York, 1974.) e sobre o debate acerca das crises fiscais travado entre O’Connor e Musgrave (McLure, 2003).

Já recentemente, no século XXI, uma “nova sociologia fiscal” vem, preponderantemente no Norte global, desenvolvendo-se. A abordagem interdisciplinar das finanças públicas, com o escopo de entender a sociedade em distintos aspectos, oscilantes desde as relações de opressão associadas a gênero e raça (Brown, 2009BROWN, Dorothy A. Racial equality in the Twenty First Century: what´s tax policy got to do with it? In: INFANTI, Anthony C.; CRAWFORD, Bridget J. Critical taxation theory: an introduction. New York: Cambridge University Press, 2009.; Grown & Valodia, 2010), seguindo por mecanismos explicativos das desigualdades e chegando-se a hábitos de consumo e ao comportamento eleitoral, tem florescido.

Na Europa Continental, por exemplo, Jürgen Backhaus publicou, em 2002BACKHAUS, Jürgen G. Fiscal sociology: what for? In: BACKHAUS, J.; WAGNER, R. (Eds.). Handbook of public finance. London: Springer, 2002., um impactante texto no qual, após resgatar-se o histórico e a importância da sociologia fiscal, desde as “ciências camerais” prussianas, seguindo-se pela cisão quase hermética entre estudos de economia e política, postula um resgate da área como “disciplina de nicho”, capaz de estabelecer pontes entre objetos que outrora formaram uma unidade acadêmica humanística denominada Saatswissenschaften, em cujo objeto reuniam-se campos atualmente associados ao direito, à economia, à administração pública, à ciência política, à sociologia, à história econômica e às políticas públicas (Backhaus, 2002). Ludicamente, o autor conclui sua exposição com um “alfabeto da sociologia fiscal”, em cujo conteúdo são lançados e justificados inúmeros temas - com iniciais ordenadas de A a Z - que devem ser abraçados pela disciplina na contemporaneidade.

Nos Estados Unidos, a publicação, tão recentemente quanto em 2009, de uma coletânea de artigos - quase todos subscritos por autores radicados em instituições daquele país - denominada New fiscal sociology (Martin et alii, 2009), representa um marco quanto ao estabelecimento desse campo interdisciplinar. Em uma revisão sobre o estado da arte dos estudos sociofiscais, dois dos organizadores do volume mencionado constatam uma paradoxal condição histórica segundo a qual, de Marx a Durkheim, a tributação conforma um elemento central no(s) cânone(s) da sociologia, embora não exista um aprofundamento em relação ao tema nos currículos acadêmicos, especialmente nos tempos atuais. Essa escassa compreensão sobre a tributação pelos sociólogos os remete a uma posição marginal em debates sobre temas de grande relevância, como pobreza e desigualdade (Martin & Prasad, 2014). De outro lado, o estudo do tema tributário e orçamentário18 18 . Em oposição à ênfase usual realizada por praticantes da nova sociologia fiscal à tributação, em prejuízo da orçamentação, adere-se à tese de Paul Pierson, para quem “taxing and spending are not two distinct realms but opposite sides of the same coin” (Pierson, 2001). Em tradução livre: “tributar e gastar não são duas esferas distintas, mas lados opostos da mesma moeda” quase exclusivamente por economistas abre uma lacuna concernente aos aspectos sociais e não diretamente econômicos envolvidos na matéria (Martin et alii, 2009).

A nova sociologia fiscal pretende retomar a proposta lançada no início do século XX por Schumpeter e identificar as finanças públicas como elemento não apenas sintomático dos processos sociais mas, adicionalmente, como componente causal. Nesse recente processo de investigações científicas de fôlego interdisciplinar animadas por esse amplo objetivo, inúmeras conclusões contraintuitivas, outrora desconhecidas tanto nas ciências econômicas como nas pesquisas históricas e sociais, foram alcançadas. A seguir, mencionam-se alguns exemplos:

  • i. ao se comparar países como Suécia e Estados Unidos nos anos de crescimento econômico ocorrentes durante o século XX, nota-se que a escolha de tributos preponderantemente regressivos, possivelmente por tornar a tributação menos ostensiva e suscitar menos revoltas fiscais, tende a permitir mais receitas e, desse modo, fornecer recursos para políticas sociais cujo efeito é uma redução de pobreza e desigualdade mais pronunciada do que seria possível acaso fossem adotados preferencialmente tributos progressivos19 19 . Contra, confira-se Piketty & Saez (2007). A complexidade deste debate sobre a relação entre progressividade fiscal e políticas sociais tem se revelado, antes de um óbice, importante desafio para a circulação do tema na esfera pública, avançando-se para além do fazer acadêmico profissional. Os debates nos Estados Unidos entre o final de 2018 e o início de 2019 sobre o aumento da alíquota marginal do imposto de renda das pessoas físicas, em meio aos quais intelectuais, parlamentares e pessoas interessadas no assunto debruçam-se sobre estudos e gráficos indicam como, malgrado a complexidade de um tema, o fazer científico público sempre encerra um rico potencial e aponta tanto para a ampliação do espectro cognitivo dos atores sociais envolvidos, como para a produção de deliberações que se aproximam do exigente sentido habermasiano atribuído ao conceito. ;

  • ii. aumentos na carga tributária tendem a impactar positivamente o crescimento econômico em países subdesenvolvidos;

  • iii. não há certeza quanto à tese de que auxílios externos a países pobres como sucedâneos de tributação poderiam dificultar o mecanismo explicado por Charles Tilly (1980) de conflitos tributários como geradores da representação e da democracia, à medida em que contribuintes tendem a exigir prestação de contas dos tributos que pagam; e

  • iv. os efeitos das políticas tributárias sobre gênero, raça e estima social são significativos e podem ser medidos, como ao se comparar, por exemplo, políticas de transferência de renda direta com práticas de restituição fiscal voltadas ao mesmo público e sob objetivos semelhantes (Martin & Prasad, 2014).

Na esteira dessa emergência dos estudos de sociologia fiscal, vê-se um vasto campo a se expandir, com perspectivas epistemológicas e objetos de estudo ainda não suficientemente contemplados. Há muito o que se pesquisar sob a premissa comum de se adotar as relações tributárias e orçamentárias como variáveis independentes (Martin & Prasad, 2014). Neste artigo, procura-se avançar sobre duas dessas lacunas.

Primeiramente, percebe-se, seja nos exemplos expostos por Backhaus (2002BACKHAUS, Jürgen G. Fiscal sociology: what for? In: BACKHAUS, J.; WAGNER, R. (Eds.). Handbook of public finance. London: Springer, 2002.), seja nos capítulos da coletânea organizada por Martin et alii (2009), que a emergência da sociologia fiscal neste século XXI ainda repousa, preponderantemente, sobre objetos e contextos históricos referentes ao Norte global. Se é verdade que há um volume significativo de estudos econômicos sobre a relação entre desenvolvimento e tributação/orçamento centrados nos países pobres (Martin & Prasad, 2014), também é certo que a compreensão sobre a política, a cultura e os conflitos sociais sob o prisma fiscal é ainda pouco abundante no Sul global. A pesquisa que informa este artigo dá conta de um conflito fiscal ocorrente no Brasil. Espera-se, desse modo, somar-se a estudos semelhantes referenciados na Europa e nos Estados Unidos uma compreensão egressa de país com história, atributos demográficos e posicionamento nas relações globais de poder material e simbólico deveras distinto.

A segunda lacuna que se pretende preencher ancora-se no entendimento de que o tipo de estudo que melhor se acopla a um desenvolvimento da sociologia fiscal no Brasil é a sociologia pública, que não tem comparecido aos estudos desse campo interdisciplinar em ascensão. Adiante, fundamenta-se a pertinência dessa abordagem para uma sociologia das finanças públicas no Brasil.

A sociologia pública como opção preferencial da sociologia fiscal no Sul global

Em 2005, um ano depois de se eleger presidente da Associação Sociológica Americana, Michael Burawoy, após um périplo por diversas instituições e um profícuo diálogo com incontáveis cientistas sociais, apresentou, em forma de 11 teses, uma memorável defesa da sociologia pública. O chamado à relevância e ao fazer sociológico engajado na realidade extra-acadêmica produziu um sonoro impacto no campo. Dossiês, coletâneas de artigos e manuais foram publicados nos anos seguintes, em meio a um amplo e crítico debate (Braga & Santana, 2009BRAGA, Ruy; SANTANA, Marco Aurélio. Sociologia pública: engajamento e crítica social em debate. Introdução. Cadernos CRH, v. 22, n. 5, 6, Maio/Ago. 2009.; Perlatto & Maia, 2012). O escopo deste artigo não compreende um resgate destas interlocuções e, ainda menos, um inventário das objeções tecidas ao discurso presidencial e às ulteriores respostas do autor. Antes, limita-se a uma apresentação da sociologia pública tal como formulada originariamente por Burawoy, de modo a se explicar a respectiva adoção em uma pesquisa de nova sociologia fiscal no Brasil.

A definição do tipo de conhecimento entendido como sociologia pública é obtida, segundo os critérios apresentados por Burawoy (2005), por meio da resposta a duas questões ( já presentes, dentre outros, no rol de preocupações de Bourdieu), nomeadamente:

  • i. o conhecimento é produzido para quê?; e

  • ii. o conhecimento é produzido para quem?

Quanto às finalidades do saber científico-sociológico, a sociologia pública exorbita, em suas preocupações, a estrita adequação entre meios e fins (Zweckrationalität). A racionalidade pressuposta nesse tipo de pesquisa permite a indagação sobre os fins envolvidos nas ações sociais. Não se trata, com efeito, da elaboração de produtos ou soluções com lastro no saber sociológico, em favor de uma clientela lotada no Estado ou no mercado. Para esta prática, Burawoy reserva a categoria da sociologia para políticas públicas. Não é o caso, tampouco, do saber sociológico referenciado em “programas de pesquisa” relativamente estáveis, com suas “assunções, situações exemplares, questões definidoras, aparatos conceituais e teorias em evolução” (Burawoy, 2005: 10), que se define como “sociologia profissional”. As modalidades pública e crítica da sociologia se propõem a descerem algumas camadas no esforço questionador, de vez que, no caso desta, ocupa-se de problematizar os conceitos e as ideias estabilizados na sociologia profissional, ao passo que, no conhecimento público, não se parte de uma demanda fixa estabelecida por uma clientela extra-acadêmica, mas conformam-se e influenciam-se reflexivamente os horizontes e anseios dos grupos com os quais se envolve.

Quanto ao público para o qual o saber sociológico é apresentado, Burawoy (2005) propõe que a sociologia pública se dedique ao meio extra-acadêmico, característica compartilhada com a sociologia para políticas públicas e que a afastaria das modalidades profissional e crítica, ao tempo em que estas teriam como destinatários os profissionais da ciência social.

Assim, pode-se alcançar, segundo uma combinação dos critérios apresentados, os elementos que permitem, segundo Burawoy, uma taxonomia dos quatro tipos de conhecimento sociológico:

  • i. a sociologia profissional, que tem uma finalidade instrumental e volta-se ao público acadêmico;

  • ii. a sociologia crítica, com ânimo reflexivo e igualmente dedicada à academia;

  • iii. a sociologia para políticas públicas, de índole instrumental e orientada ao público extra-acadêmico; e, por fim

  • iv. a sociologia pública, cujo propósito e modo de prática é reflexivo e cujo público para o qual se destina se encontra fora dos limites das instituições de ensino ou de pesquisa.

A partir dos atributos até aqui apresentados, Burawoy chega a um detalhamento e elabora os tipos de conhecimento sociológico segundo os critérios complementares do tipo de conhecimento, da ideia de verdade, dos elementos atribuidores de legitimidade ao fazer científico, dos sujeitos que exercem accountability sobre a prática do sociólogo, do pano de fundo político e das possíveis patologias de cada modalidade (Burawoy, 2005).

O autor vai ainda além nos desdobramentos desta classificação e a insere nas oscilações do Estado, do mercado e da sociedade entre o século XIX e a atualidade. Para tanto, o sociólogo estadunidense lança uma interpretação da obra de Karl Polanyi segundo a qual o processo de mercantilização identificado na clássica A grande transformação teria ocorrido em três ondas. Na primeira, própria ao século XIX, o trabalho seria a mercadoria fictícia por excelência. O conhecimento sociológico próprio àquele contexto teria uma natureza “utópica”, como se vê na noção de solidariedade orgânica em Émile Durkheim ou na antevisão de uma humanidade comunista em Karl Marx. A segunda onda de mercantilização, por sua vez, estaria associada ao século XX, precisamente no período demarcado por Eric Hobsbawm como Era dos extremos, entre o início da Primeira Guerra Mundial e o ocaso da União Soviética. A mercadoria fictícia característica dessa onda fora o dinheiro. Nesse contexto, o conhecimento sociológico orientou-se à produção de políticas que, no new deal nos Estados Unidos ou na social-democracia europeia, colaborou com o Estado em seu esforço de conter os mercados (Burawoy, 2007).

Burawoy entende que a sociologia do século XIX teve como espaço preferencial a Europa e seria especulativa, produzida sob a perspectiva de uma sociedade civil oposta ao mercado, manejando questões locais, com aspiração nacional. A sociologia do século XX seria preponderantemente norte-americana, estaria acoplada à produção de políticas públicas (colocando-se em favor do Estado, contra os excessos da mercantilização) e mobilizaria questões nacionais com aspiração global.

Neste início de século XXI - a terceira onda -, o autor prevê o primado de uma sociologia gestada preferencialmente na semiperiferia, orientada a uma sociedade civil que se opõe tanto ao Estado (entendido como agente, antes de regulador da mercantilização) quanto ao mercado, além de centrada em questões locais com aspiração global (Burawoy, 2007). A pesquisa centrada na tramitação do novo regime fiscal brasileiro orientou-se por esta última perspectiva.

É neste chamado a uma sociologia que questione o papel do Estado como regulador da mercantilização (tal como se dá em medidas de austeridade, de redução de tributos sobre grandes proprietários ou de abdicação da regulação democrática das políticas fiscal e monetária); de manejo local, em espaços públicos, de questões globalmente relevante e impactantes; de redirecionamento da sociologia para temas relacionados ao mercado e aos seus impactos sobre a política e a cultura que se insere o presente esforço de associação entre a nova sociologia fiscal e a sociologia pública de Burawoy. Levar ao âmbito não acadêmico o conhecimento científico atinente aos aspectos não diretamente econômicos dos regimes fiscais, em especial no contexto de um país semiperiférico como o Brasil, parece conformar-se plenamente à modalidade de conhecimento sociológico entendida pelo autor em questão como a mais promissora e necessária.

A interação entre academia e público - tanto na modalidade tradicional como na orgânica - realizada no contexto dos debates sobre o novo regime fiscal brasileiro se propôs aplicar, tão fidedignamente como possível, essa proposta de Burawoy (2005; 2007). O exercício corroborou, em grande medida, a tese do ímpar potencial encerrado em uma sociologia pública referenciada na sociedade diante do mercado e do Estado, em um país da semiperiferia. Os trabalhos de campo atestaram o potencial promissor desse entrelaçamento e, ademais, sugeriram a validade de complementos ou inflexões presentes em estudos que dialogaram com Burawoy.

Um exercício de nova sociologia fiscal no Brasil em crise

O caso que informa este artigo se deu em meio ao contexto social apresentado na introdução e cingiu-se a atividades ocorrentes entre outubro e dezembro de 2016, no contexto de debates e protestos realizados na cidade de Goiânia, localizada a 200km da capital federal, com população estimada em 1,4 milhão de habitantes e uma economia movimentada em grande medida pela propulsão do agronegócio exportador associado ao meio rural circundante à cidade, por um setor de serviços relativamente pujante e por alguma atividade industrial, em especial nos ramos têxtil e químico-farmacêutico.

Foram conduzidas práticas científico-participativas identificadas tanto com a sociologia pública tradicional, quanto com a orgânica (Burawoy, 2005). Em referência àquela, efetivaram-se as seguintes práticas:

  • i. participação e ministração de conferência em uma audiência pública na Câmara de Vereadores do município de Goiânia;

  • ii. participação em um debate ao vivo, em programa de TV aberta; e iii. concessão de entrevista ao vivo, em programa de TV aberta.

Sob o prisma da sociologia pública orgânica, foram efetivadas as seguintes atividades:

  • i. ministração de quatro aulas públicas em unidades ocupadas por ativistas em prédios universitários dos cursos de economia, ciências sociais, artes visuais e educação; e

  • ii. ministração de conferência para sindicalistas, integrantes de ONGs e militantes de movimentos sociais, em auditório público, a convite do movimento “Comitê de Auditoria da Dívida Pública”.

A partir dessas práticas, foi possível implementar os argumentos a seguir.

A análise aqui proposta concentra-se, principalmente, nas práticas identificadas com a sociologia pública orgânica, uma vez que se enquadram mais claramente nos requisitos para a conformação de um caso extremo e, ademais, permitiram uma interação entre pesquisadores e público mais dialógica - o que não é possível em programas de TV ou audiências públicas. Ênfase maior é conferida ao caso das aulas públicas em unidades acadêmicas ocupadas, por se tratarem de espaços que mesclam público acadêmico e extra-acadêmico, além de permitirem uma manifestação fática do argumento de Craig Calhoun - adiante desenvolvido - segundo o qual o engajamento público da sociologia deve, antes de tudo, atentar-se para uma reconsideração crítica do próprio fazer universitário.

Estado, mercado e sociedade civil em um exercício de nova sociologia fiscal

Em meio às ocupações de unidades acadêmicas da Universidade Federal de Goiás, sob os intensos protestos contra a aprovação do novo regime fiscal no Brasil (à época, identificado como PEC 55), surgiu um escrito em um muro de uma faculdade ocupada que trazia a seguinte mensagem: “Morte ao Estado! Fora PEC 55!” Ao longo das interações nas aulas públicas e na conferência assistida por uma maioria de sindicalistas, argumentos correlatos à pichação em questão foram frequentes. Era um contexto enredado pela ação coletiva de setores descontentes da população, emanados da sociedade civil, assim definida na precisa conceituação de Ruy Braga e Marco Aurélio Santana, como

um campo de lutas onde as forças sociais do trabalho […] enfrentam e resistem às investidas das forças sociais do capital (Braga e Santana, 2009BRAGA, Ruy; SANTANA, Marco Aurélio. Sociologia pública: engajamento e crítica social em debate. Introdução. Cadernos CRH, v. 22, n. 5, 6, Maio/Ago. 2009.: 225).

Aparentemente, as incontáveis falas que combatiam o regime fiscal redutor do aparato de um Estado contra o qual se insurgia e cuja legitimidade se questionava seriam contraditórias. Como explicar a conduta de pessoas que ingressam em uma conferência e proferem falas questionando a legitimidade do Estado, ao tempo em que exigem mais dispêndios do respectivo orçamento? Como interpretar os grupos de vinculação autonomista, que objetavam frontalmente o poder público, mas não aceitavam o teto dos respectivos gastos? A tentativa de se realizar uma sociologia fiscal de tipo público lançou luzes sobre esse cenário, de modo a indicar que havia complexidades, mas nunca contradições nessas atitudes.

Uma vez cotejada com a maneira como Burawoy caracteriza a “terceira onda de mercantilização”, própria ao século XXI, a ideia versada na irresignação da sociedade civil contra as investidas do mercado sobre o Estado se traduz como merecedora de mais profunda análise. Para Burawoy, o Estado, no atual cenário marcado por subtração de direitos do trabalho e sociais, além de uma crescente mercantilização da terra e da natureza, já não atuaria como vetor contrário à expansão dos mercados sobre as diferentes esferas da sociabilidade humana, mas como seu propulsor20 20 . Para Burawoy o Estado atual seria “ainda um Estado regulador, mas, não obstante, é uma regulação para, antes de contra o mercado”. Assim, a sociedade estaria “sob um duplo assalto proveniente da economia e do Estado” (Burawoy, 2007: 365). . É nesse sentido que o autor prevê a era de uma sociologia pública (fincada, portanto, na sociedade civil), em sucessão ao tempo da sociologia para políticas públicas (em que a academia se associou ao Estado contra os ímpetos totalizantes do mercado).

Por um lado, Burawoy e a primeira sentença da pichação mencionada (e das incontáveis falas que lhe acompanharam o sentido) expressam um cenário ostensivamente observado na economia política do mundo contemporâneo. Há vasta literatura a confirmar que os Estados se eximem de regular direitos e a um só tempo incrementam os meios de coerção e de criminalização da pobreza (Wacquant, 2009); engajam-se em competições para atraírem favores crescentes às inversões privadas, sacrificando as bases de arrecadação que lhes fornecem recursos para o custeio de direitos sociais e políticas públicas (Genschel & Schwarz, 2013); ou descaracterizam-se em sua lógica decisória democrática, de modo a reverterem suas decisões mais relevantes para espaços alheios ao controle popular e regidos por corporações (Crouch, 2004). Nesse sentido, o congelamento de gastos primários ocorrente no Brasil, de modo que as despesas públicas passam, por disposição constitucional, a ter como máxima prioridade o adimplemento do serviço da dívida pública (ou seja, dos interesses de credores privados associados às grandes corporações financeiras) acopla-se integralmente à ideia de “Estado regulador em favor, antes de contra, os mercados” (Burawoy, 2007: 365).

Por outro, a segunda frase consignada na pichação - e reverberada em inúmeras falas observadas em campo - também parece expressar uma ideia igualmente plausível, ao rechaçar um regime fiscal que impede aumento de gastos estatais. Com efeito, as interações entre pesquisadores vinculados à ciência política, à sociologia e à economia com pessoas mobilizadas contra o novo regime fiscal canalizaram-se, invariavelmente, para o compartilhamento de esclarecedoras informações próprias à sociologia fiscal. Assim, foi possível atestar que a suposta insolvência do Estado brasileiro - argumento utilizado em favor do congelamento de gastos - ocultaria um cenário de iniquidade tributária, antes de um problema no plano das despesas.

Em suma, o exame dos conflitos políticos associados à tributação, dos grupos sociais que são proporcionalmente mais onerados e dos efeitos macroeconômicos do sistema tributário brasileiro culminou, frequentemente, em direcionamentos normativos em favor da tributação de heranças, fortunas, dividendos e propriedades imobiliárias. O argumento, em geral, lastreava-se no dado empírico de sociologia fiscal e economia política segundo o qual o problema do Estado brasileiro não seria um excesso de gastos, mas uma perda de receitas. Ou seja, a interação entre academia e sociedade, em exercício de sociologia fiscal na modalidade pública, encontrou como síntese um entendimento em favor de mais tributos sobre o capital, para o custeio de mais direitos sociais.

A sociologia fiscal, desde as suas origens, entende os tributos como elementos que conectam o mercado (todo imposto é cobrado sobre uma ação realizada no campo privado, sujeito à livre iniciativa), o Estado (a autorização política para tributar é um elemento central nos processos de democratização) e a sociedade civil (as pessoas esperam que o fruto da tributação seja revertido em benefícios públicos e, frequentemente, protestam e se mobilizam por justiça fiscal). Nesse sentido, é possível perceber como, ao focar-se na sociedade civil em protesto, foi possível entender-se de modo mais complexo o conflito fiscal brasileiro e indicar-se como - corroborando Burawoy - o Estado do regime fiscal austero comporta-se como agente mercantil em oposição à sociedade civil. Por outro lado, diante de um quadro em que o saber acadêmico e a prática ativista convergiram quanto à pertinência técnica e a desejabilidade política de um regime tributário progressivo (o que altera o funcionamento do próprio mercado), para que o Estado gaste com direitos sociais (o que reconcilia Estado e sociedade civil), é possível perceber que a sociologia pública, quando exercida em um campo de estudos situado precisamente na confluência entre economia, política e sociedade (tal como é a sociologia fiscal) tem muito a ganhar com o complemento crítico que Craig Calhoun apresenta em seu diálogo com Burawoy, a propor que

nós deveríamos estar trabalhando para superarmos a divisão entre Estado, economia e sociedade civil que está espelhada [e dá origem a] divisão acadêmica entre ciência política, economia e sociologia (Calhoun, 2005: 361)21 21 . No original: “The need for a stronger sociology of publics which Burawoy mentions (and wich I endorse and even help along) is vital not only for the project of understanding the other arenas into which sociology may be introduced, but the contexts of our own work”. .

De fato, no caso em estudo, a divulgação de um saber sociofiscal por parte de pesquisadores originalmente vinculados aos campos da ciência política e da economia possibilitou, em grau de cooperação com o público, um desvelamento da “terceira onda de mercantilização” denunciada por Burawoy e, ao mesmo tempo, um restabelecimento, ao menos no plano normativo, do controle social do mercado a partir de um Estado responsivo à sociedade civil.

A investida em campo, no específico caso das aulas públicas, parece sugerir a plausibilidade - que pode, assim, ser entendida como ponto de partida para verificação em pesquisas vindouras, no esforço de criação de um campo da nova sociologia fiscal brasileira - da ideia de Craig Calhoun, segundo a qual os objetivos da sociologia pública demandam, mais do que uma mensagem direcionada para o público extra-acadêmico, o engajamento na transformação das próprias universidades.

Espaços escolares ocupados, regidos por dinâmicas não hierarquizadas entre docentes e discentes, em que estudantes identificavam-se menos como acadêmicos e mais como pessoas da sociedade civil em movimento de protesto, em que novos saberes foram gestados com vistas à mais profunda e crítica compreensão do novo regime fiscal brasileiro, parecem indicar, portanto, a plausibilidade da proposta de Craig Calhoun, segundo a qual

a necessidade de uma sociologia dos públicos que seja mais forte, à qual Burawoy se refere (e que endosso e espero ajudar a realizar), é vital não apenas para o projeto de se entender as outras arenas nas quais a sociologia pode ser introduzida, mas os contextos do nosso próprio trabalho (Calhoun, 2005: 360).

Caminhos possíveis para uma nova sociologia fiscal brasileira. Por uma sociologia pública e militante

Um dos principais desafios da sociologia fiscal reside no enfrentamento da colossal complexidade técnica dos assuntos tributários e orçamentários. A compreensão das relações de poder simbólico e material enraizadas nas finanças públicas pressupõe, frequentemente, a crítica imanente de elementos imbuídos de detalhamentos jurídicos, econômicos e políticos pouco palatáveis ao público não especialista. O campo da sociologia fiscal se revela, nesse aspecto, como um privilegiado âmbito para se testar a plausibilidade de uma sociologia pública que, de fato, cumpra seus objetivos de interação entre academia e ambiente externo.

Ademais, a sociologia fiscal diferencia-se da economia, do direito tributário e da ciência política porquanto não se foca sobre o fenômeno das finanças públicas em sua objetividade. O objeto, de modo mais complexo e nuançado, recai sobre os conflitos sociais e as projeções culturais, institucionais e econômicas do fenômeno das finanças públicas. É o modo como tributos e orçamento delineiam as sociedades, antes da simples descrição das propriedades destes, que mais interessa à subdisciplina em questão. Assim, os processos de entendimento, crítica e desvelamento das relações de poder inscritas na dinâmica fiscal são potencialmente melhor realizáveis sob a perspectiva de uma sociologia pública. Antes de apenas compreender orçamentos e tributos, consegue-se a decifração, a denúncia e a eventual superação dos seus efeitos junto aos respectivos destinatários, o que se constitui, afinal, como o objetivo maior da sociologia fiscal - e, de modo congruente, da sociologia pública

As condições do caso estudado, como exposto, foram extremas. O público de ocupantes das universidades via-se, a um só tempo, desejoso de entender com urgência os meandros do novo regime fiscal contra o qual se mobilizava e limitado em razão das circunstância associadas aos repertórios de ação adotados.

Privação de sono, inadequação das instalações sanitárias para fins de habitação, ausência de silêncio, conflitos internos e iminência do cumprimento de mandados de reintegração de posse por meios coercitivos são alguns dos elementos que, paulatinamente, tornaram os espaços das ocupações pouco propensos à livre interlocução entre pessoas interessadas na compreensão crítica de noções complexas e tecnicamente desafiadoras, como “austeridade fiscal contracionista”, “receitas correntes líquidas” ou “medidas anticíclicas”, sempre associadas à apresentação de gráficos ou mesmo de elaborações algébricas mais sofisticadas.

O fato é que, na medida em que as semanas transcorriam, as aulas públicas se revelavam crescentemente difíceis e pouco proveitosas. Uma aula para estudantes de artes visuais (público extra-acadêmico para a sociologia fiscal, considerando-se sua falta de familiaridade com o tema) sem os efeitos do prolongado confinamento apresentou resultados mais promissores do que uma exposição para alunos de ciências econômicas (público acadêmico) submetidos a um período maior de exposição às inóspitas condições das ocupações. Este contexto traz à lembrança o chamado de Fernando Perlatto e João Marcelo Maia, para quem pensar

a noção de sociologia pública a partir da experiência histórica do Sul, qual seja, a brasileira, implica esforço de problematização desta noção, não no sentido de abandoná-la, mas com o intuito de ampliar criticamente seu escopo analítico (Perlatto e Maia, 2012: 101).

Sob esse espírito, o caso trouxe dificuldades à sociologia pública não previstas na descrição original de Burawoy (2005), que se refere a possíveis “patologias” associadas aos riscos de se tornar a sociologia refém de forças externas, perdendo seu rigor profissional e sua capacidade crítica. Problemas como os expostos acima são de outra ordem e, portanto, suscitaram um complemento ao pensamento do autor, assim efetivado à luz as potencialidades de uma associação entre a sociologia fiscal de tipo público e a pesquisa militante na América Latina, na esteira de pensadores/ativistas como Anibal Quijano, Fals-Borda e Paulo Freire. Ao referir-se a estes dois últimos, Breno Bringel e Renata Varella destacam como a pesquisa militante pressupõe que o pesquisador se insira

na vida militante dos setores populares e problematize a construção de conceitos para melhor interferir e transformar a realidade ou, já em compasso com a obra freiriana, a pesquisa seria um momento de trabalhos de educação popular realizados junto, com e a serviço das comunidades (Bringel & Varella, 2016BRINGEL, Breno; VARELLA, Renata Versiani Scott. A pesquisa militante na América Latina hoje: reflexões sobre as desigualdades e as possibilidades de produção de conhecimentos. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 3, n. 3, 2016.: 486)22 22 . Para além da própria perspectiva de “pesquisa militante”, Fernando Perlatto identifica, após uma abrangente e profunda escavação sobre mais de 1800 obras sociológicas publicadas no Brasil desde 1940, um fazer sociológico no Brasil em que os chamados “problemas públicos” comparecem com frequência e no compasso das grandes questões que afligem a sociedade brasileira. Com efeito, o propósito da pesquisa apresentada neste artigo residiu em dar prosseguimento à ideia deste autor, para quem “pensar teoricamente esta categoria [a sociologia pública] a partir de um país periférico como o Brasil resulta em um movimento que contribui não somente para a elaboração mais cosmopolita de um conceito como o de “sociologia pública”, mas para formular um questionamento mais amplo sobre o próprio processo de produção e circulação de teorias entre ‘centros’ e ‘periferias’ no âmbito da sociologia global” (Perlatto, 2013: 26). .

Deu-se, portanto, um intercâmbio entre pesquisadores e público que transcendeu o tema disciplinar das aulas públicas, para repousar sobre conversas, acordos e decisões conjuntas sobre a própria organização das mobilizações. Nesse contexto, chegou-se a alimentar a sociologia pública tradicional a partir de ações orgânicas. Isto ocorreu quando os estudantes ocuparam o prédio onde funciona o canal de TV Universitária (transmitido em sinal aberto na cidade) e conquistaram uma anuência da respectiva equipe quanto à abordagem do novo regime fiscal na respectiva programação. Diante dos saberes obtidos nas aulas públicas, os estudantes decidiram levar os pesquisadores a um debate ao vivo na TV, o que de fato ocorreu. A interlocução militante transbordou-se, com efeito, para uma ampla coletividade, a partir de uma cooperação mais profunda e cúmplice entre academia e ativismo.

As potencialidades de uma sociologia fiscal pública interdisciplinar

O antológico discurso proferido por Burowoy em 2005 tem como desfecho a XI tese do autor sobre a sociologia pública, a dispor que cabe à sociologia, em oposição às demais ciências humanas ou sociais, a “defesa dos interesses da humanidade” (Burawoy, 2005: 24). Esta contundente ideia ancora-se no argumento de que a economia estaria alicerçada na perspectiva do mercado, ao passo que o compromisso da ciência política seria com o Estado. Em tempos de tirania das forças de mercado e de despotismo estatal - sustenta o autor -, caberia à sociologia, mormente em sua variante pública, resistir em nome da sociedade civil (Burawoy, 2005; 2007).

Para chegar a um argumento tão assertivo, Burawoy providencia, em sua X tese sobre a sociologia pública, um inventário de premissas que, somadas, compõem uma leitura cética sobre a interdisciplinaridade e sobre os compromissos firmados por campos como a economia e a ciência política.

O entendimento acima poderia ser discutido sob o prisma filosófico e epistêmico, de modo a se detectar eventuais lacunas ou inconsistências em sua composição. Esta é, por exemplo, a abordagem de Craig Calhoun (2005), ao identificar em Burawoy o que seria um certo fetichismo da sociedade civil.

Associar-se, por exemplo, à sociedade civil em prol do interesse da humanidade, descartando-se Estado e mercado como necessariamente tirânicos ou despóticos, é uma empreitada que parece assumir a crítica marxiana às universalidades abstratas, mas não percebe - como se vê na linha que leva de Hegel a Marx - o modo como sociedade civil e mercado são indecomponíveis. Até mesmo um referencial que contempla tal separação e que prevê os riscos de colonização do “mundo da vida” (Lebenswelt) pela burocracia ou pelo mercado, não estabelece um caráter social ou politicamente superior à sociedade civil, uma vez que entende os sistemas da economia e do Estado como inerentes e necessários às complexas sociedades modernas, de tal modo que o Estado pode cumprir um papel emancipador - desde que democratizado - e a economia de mercado assegura a viabilidade material (desde que regulada por um Estado democrático). O que não aparece na vasta tradição da teoria crítica, com efeito, é o encadeamento lógico que justapõe sociedade civil com interesse da humanidade e, em seguida, a ciência que se debruça sobre este objeto como “o melhor terreno para a defesa da humanidade” (Burawoy, 2005: 25). Isto não se dá porquanto, de Marx aos contemporâneos, um traço comum às inúmeras variantes da teoria crítica reside no primado da crítica imanente, a estudar o Estado e o mercado por dentro, levando seus pressupostos e contradições ao limite.

Partir do argumento de Burawoy para se produzir um trabalho de nova sociologia fiscal compreende, de saída, uma perplexidade: esta é uma área destinada, exatamente, a preencher vácuos entre a economia, a sociologia e a política (Backhaus, 2002BACKHAUS, Jürgen G. Fiscal sociology: what for? In: BACKHAUS, J.; WAGNER, R. (Eds.). Handbook of public finance. London: Springer, 2002.), de modo que se revela, por definição, como interdisciplinar. Burawoy oferta sólidos elementos para diferenciar a ciência política da sociologia política e a sociologia econômica da economia, ao propor que estas operam, respectivamente, com as bases sociais do Estado e do mercado, antes destes objetos enquanto tais. Assim, a leitura esquemática que Burawoy confere ao Estado e à economia, sem considerar em toda a medida necessária as ambivalências e nuances em sua relação com a sociedade civil, pressupõe uma revisão e mitigação, para que sua sociologia pública se revele compatível com um estudo de sociologia fiscal.

Como a exposição teórica compreendida na segunda seção procurou justificar, as relações sociais de tributação e de gastos públicos estão situadas, por seus próprios atributos, na interseção entre Estado, sociedade e mercado. Este é, aliás, o potencial identificado por autores como Goldscheid e Schumpeter na sociologia fiscal. Não há, portanto, como assinalar o campo de estudos em questão a uma noção de sociologia que esteja delineadamente oposta à economia e à ciência política - por conseguinte, de sociedade como nitidamente apartada do mercado e do Estado -, como sugere Burawoy em sua defesa da sociologia pública. Antes de prática não recomendável por razões meramente metodológicas, trata-se de uma impossibilidade decorrente da própria natureza do objeto estudado. Nesse sentido, nota-se que, do mesmo modo que a sociologia pública pode influenciar promissoramente a nova sociologia fiscal, os objetos de estudo e a perspectiva social desta também sugerem pertinentes aportes críticos, para o aprimoramento daquela, em especial na versão de Burawoy.

As possibilidades de uma nova sociologia fiscal pública em perspectiva interdisciplinar ficaram nítidas no caso que norteia este artigo. É certo que um único caso não permite uma generalização, mas, como anteriormente exposto, já sugere a plausibilidade de um rumo para as pesquisas vindouras e para os caminhos a serem percorridos por uma subdisciplina ainda em seus primeiros dias no Brasil. Os exemplos de situações narrados a seguir justificam esta constatação:

  • i. A mais recorrente polêmica a comparecer nas aulas públicas e na conferência organizada pelo “Comitê de Auditoria da Dívida Pública” cingiu-se à compatibilidade entre o regime democrático e o teto orçamentário pressuposto no novo regime fiscal. A questão só encontrou um enquadramento satisfatório quando enfocada não apenas a partir da justaposição de saberes pertencentes a diferentes ramos das ciências sociais, mas de um entrelaçamento de fôlego interdisciplinar. Como se sabe, modelos econométricos ou aferições quantitativas no âmbito das finanças públicas não se orientam a informar a qualidade democrática de um regime político. Igualmente, os mais exigentes critérios para a definição de uma democracia não se direcionam a medir qual é o volume de recursos disponível para que os governos, uma vez eleitos, possam implementar os programas apresentados no contexto de uma disputa eleitoral. Foi, portanto, apenas por meio do entrelaçamento entre macroeconomia e ciência política que se alcançou - nas atividades públicas em questão - a tese da potencial nocividade de um regime de austeridade para a política democrática, assim entendida sob o prisma da oferta de políticas, antes dos procedimentos que vocalizam as demandas (Offe, 2013).

  • ii. Durante o debate ao vivo em canal de televisão universitária com sinal aberto, a controvérsia mais significativa centrou-se sobre o mercado como árbitro e medida do valor em uma sociedade individualizada e livre (tese defendida por um economista de orientação hayekiana, convidado para debater com os pesquisadores indicados pelos ativistas da ocupação). A questão, igualmente, pressupôs, de ambos os lados, o manejo de elementos associados à teoria social e às bases sociais do mercado. Em especial, o tema demandou dos críticos ao novo regime fiscal a construção de um conceito interdisciplinar de propriedade e de liberdade, a indicar, sobre bases sociológicas, econômicas e políticas, que não há propriedade sem um Estado para reconhecê-la e tampouco há direitos de liberdade sem tributos que os assegurem materialmente (Holmes & Sustein, 1999; Murphy & Nagel, 2005).

A nova sociologia fiscal é interdisciplinar por definição. No caso estudado, realizou-se, inobstante, como sociologia pública. Como os dois exemplos acima sugerem, entre um certo insulamento disciplinar preconizado por Burawoy (2005) e a tese da “sociologia pública como um retorno à economia política” (Streeck, 2016: 245), esta última linha de entendimento parece mais promissora aos desafios atuais para uma nova sociologia fiscal pública.

Observações finais

O Brasil, em um contexto de crise, promulgou um regime fiscal que traduz a mais intensa política de austeridade de toda a história, a se considerar os critérios da rigidez, da longevidade e da abrangência. Este contexto é propício para que se implementem, na ciência social do país, estudos voltados à compreensão das relações de poder simbólico e material a partir das finanças públicas. Em outros termos, é promissor o desenvolvimento mais detido e institucionalizado do campo subdisciplinar e interdisciplinar da nova sociologia fiscal no Brasil.

Este artigo propôs-se a uma breve discussão teórica acerca da ideia acima lançada, seguida da exposição de um estudo de caso que ratificasse ou negasse a respectiva plausibilidade. Concluiu-se que é factível e potencialmente venturosa a produção de um conhecimento sociofiscal de tipo público (em especial, orgânico) no Brasil. Ponderou-se que, ao menos com base na preliminar reflexão teórica apresentada e no caso que informou um exercício de efetivação da proposta acadêmica aqui lançada, a sociologia fiscal pública tem a ganhar, entre nós, com uma perspectiva

  • i. que se valha das nuances e imbricações entre Estado, mercado e sociedade;

  • ii. que considere o próprio meio acadêmico como um público de uma sociologia não convencionalmente profissional;

  • iii. que acrescente ao tipo público de sociologia uma perspectiva militante, própria à tradição latino-americana ou tocada pela “imaginação sociológica” relacionada aos “problemas públicos” brasileiros (Perlatto, 2013); e

  • iv. que se mantenha aberta à interdisciplinaridade.

Trabalhos posteriores de sociologia fiscal de tipo público no Brasil podem, ademais, na esteira das lacunas ou incompletudes aqui ocorrentes, avançarem sobre os seguintes aspectos:

  • i. Aprofundarem sobre a interdisciplinaridade: os diferentes espaços em que as atividades de pesquisa tiveram lugar indicam que o impulso interdisciplinar adotado não fora suficiente e demandaria mais aprofundamento e amplitude em trabalhos ulteriores. Validam esta constatação as observações de que, frequentemente, uma compreensão mais clara de estudos em comunicação e sociologia da comunicação permitiram um entendimento mais claro da relação entre os meios (televisão, falas em auditórios, falas em salas e aula etc.) e o modo como as mensagens circulam e são processadas. Igualmente, estudos sobre deliberação pública e espaços participativos seriam pertinentes para indicar-se as distinções e potenciais, tanto semióticos como político-democráticos, de espaços estatais abertos à participação da sociedade civil (a exemplo da audiência pública), movimentos sociais organizados em esferas públicas temáticas (como o comitê de auditoria da dívida pública e os sindicatos), fluxos comunicativos em trânsito a partir dos meios de comunicação de massa (como a TV aberta) e espaços híbridos entre a política confrontacional transgressiva e a prestação de um serviço público educacional (como as ocupações de prédios universitários, onde aulas públicas, com todo o rigor acadêmico e toda a rigidez profissional devidos ao termo) foram realizadas .

  • ii. Contornarem os riscos de “modismo” ou mimetização com os públicos: a pesquisa aqui estampada sugere que a sociologia pública, ainda que na forma orgânica, tem muito a ganhar ao tratar de ambientes nos quais interlocuções críticas e de tom adversarial possam ocorrer. O debate em televisão aberta, ocorrente sob os claros limites de tempo e conformação semiótica do meio, mostrou-se especialmente rigoroso e apto a permitir à sociologia fiscal “intervir na disputa política da sociedade… sem abandonar, entretanto, o rigor acadêmico e a busca da objetividade científica” (Perlatto, 2013: 19), em razão de realizar-se em ambiente definido pela exposição de pensamentos rivais entre si.

A partir das conclusões provisórias e dos limites por se explorar aqui indicados, conclui-se que há um promissor potencial à continuidade dos estudos sociofiscais de tipo público no Brasil, em especial quando se constata que o novo regime fiscal e medidas afins de austeridade permanecem na agenda do Poder Executivo durante a gestão eleita para o quadriênio 2019-2022.

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  • 1
    . A polarização entre críticos e defensores do PT e do governo de Dilma Roussef foi medida por Solano et alii, que se dedicaram a avaliar interações ocorrentes no aplicativo “Facebook” em 2016. Os autores constatam que esse acirramento define, em geral, a população politicamente mobilizada, de modo que não se espraia por toda a sociedade (Solano et alii, 2017). Uma aferição da polarização política brasileira em 2016, a partir de manifestações da CUT e do MBL no aplicativo “Twitter”, poder ser encontrada em Segurado et alii (2016).
  • 2
    . Sobre os protestos de 2013 ocorrentes no Brasil como termos iniciais de um cenário definido pela reintrodução da “conflitualidade na cena política”, confira-se Bringel (2013).
  • 3
    . O conceito de “meta fiscal” consta da Lei Complementar 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000). Em seu art. 4o, a referida norma jurídica prescreve que a Lei de Diretrizes Orçamentárias estabelecerá metas anuais referentes aos resultados nominal e primário (excluído o serviço da dívida pública) para as contas governamentais. Trata-se de comando normativo ostensivamente associado à premissa macroeconômica segundo a qual a redução de gastos públicos é um elemento salutar na condução do Estado. Em outros termos, a polêmica relação entre austeridade e prosperidade, tão frequentemente desautorizada ao longo da história (Blyth, 2013), eleva-se à condição de comando legal e cogente no direito brasileiro.
  • 4
    . A íntegra da representação que deu origem ao processo de impedimento em desfavor da presidente Dilma Rousseff pode ser encontrada em Bicudo et alii (2015).
  • 5
    . Uma noção tão concisa quanto completa de austeridade é encontrada na obra de Mark Blyth (2013: 2) e assim se expressa: “a form of voluntary deflation in which the economy adjust through the reduction of wages, price, and public spending to restore competitiveness, which is (supposedly) best achieved by cutting the state´s budget, debts, and deficits”. Em tradução livre: “uma forma de deflação voluntária por meio da redução de salários, preços e gastos públicos, para restaurar a competitividade, o que é (supostamente), mais bem alcançado por meio de cortes no orçamento, nos débitos e nos déficits do governo”.
  • 6
    . Ainda em março e abril de 2015, institutos de pesquisas chegaram a aferir os motivos que levaram as pessoas às ruas em protestos contra o governo federal e detectaram uma pluralidade de elementos, liderados pelo combate à corrupção (e.g. Datafolha, 2015). Quanto a 2016, contudo, não há informações dessa natureza, apenas perfis demográficos ou ideológicos das pessoas que aderiram às manifestações, além da avaliação do Governo Federal.
  • 7
    . Esta qualificação decorre da substância (congelamento de despesas primárias sem exceções associadas ao crescimento econômico ou demográfico), da rigidez (a austeridade é imposta no texto constitucional) e da longevidade (trata-se de medida vintenária).
  • 8
    . Não existem, com efeito, grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, grupos de trabalho em eventos de associações como Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), linhas de pesquisas em programas de pós-graduação stricto sensu, coletâneas de artigos publicadas como livros ou dossiês em periódicos dedicados à sociologia fiscal no Brasil. Este artigo, portanto, pretende contribuir, pontual e limitadamente, sob o contexto de um novo regime fiscal, para o germinar de estudos e interlocuções científicas nesta subdisciplina.
  • 9
    . Tradução livre. No original: “to clarify and deliberate about the problems and risks we face and to outline how things may be done differently”.
  • 10
    . Um interessante indício das dificuldades experimentadas quanto à compreensão de problemas fiscais foi obtido em um experimento realizado por Roberts et alii (1994), no contexto do qual as respostas exaradas pelas pessoas quanto a tributos progressivos se revelaram claramente contraditórias diante de perguntas abstratas em relação a exemplos concretos de progressividade tributária.
  • 11
    . Para uma leitura teórica crítica sobre os méritos e problemas da incorporação da tipologia de Burawoy na sociologia brasileira, remete-se o leitor ao texto de Fernando Perlatto e João Marcelo Maia (2012). Para uma discussão sobre as especificidades da trajetória científica da sociologia em países de “modernização acelerada, como o Brasil”, a impactar sobre um equilíbrio ou caráter intercambiável entre os quatro tipos de sociologia propugnados por Burawoy, confira-se o artigo de Mello e Silva (2009).
  • 12
    . Este artigo não retorna ao ciclo de confronto político ocorrente em 2013 no Brasil, como ocorre em inúmeras leituras sobre a realidade contemporânea do país. Sobre o modo como os conflitos fiscais presentes naquele período se concatenam com as turbulências sociais, políticas e econômicas posteriores, confira-se Tavares (2018).
  • 13
    . No original: “fiscal matters were an important contributory cause even in the mightiest spiritual movements of mankind”.
  • 14
    . Confira-se, a propósito: “Tell me how and whence you acquire your revenue, and I shall tell you what your expenditure budget must look like” (Goldscheid, 1958: 202). Em livre tradução: “diga-me como e de onde você obtém sua receita, e eu posso lhe dizer como as despesas do seu orçamento devem se parecer”.
  • 15
    . No original: “can calmly be allowed to fall into the hands of the people, which thereby acquires nothing but empty coffers”.
  • 16
    . Tradução livre. No original: “the spirit of a people, its cultural level, its social structure, the deeds its policy may prepare - all this and more is written in its fiscal history, stripped of all phrases”.
  • 17
    . Tradução livre. No original: “the last gasp of classical political economy rather than the first breath of a new science”.
  • 18
    . Em oposição à ênfase usual realizada por praticantes da nova sociologia fiscal à tributação, em prejuízo da orçamentação, adere-se à tese de Paul Pierson, para quem “taxing and spending are not two distinct realms but opposite sides of the same coin” (Pierson, 2001). Em tradução livre: “tributar e gastar não são duas esferas distintas, mas lados opostos da mesma moeda”
  • 19
    . Contra, confira-se Piketty & Saez (2007). A complexidade deste debate sobre a relação entre progressividade fiscal e políticas sociais tem se revelado, antes de um óbice, importante desafio para a circulação do tema na esfera pública, avançando-se para além do fazer acadêmico profissional. Os debates nos Estados Unidos entre o final de 2018 e o início de 2019 sobre o aumento da alíquota marginal do imposto de renda das pessoas físicas, em meio aos quais intelectuais, parlamentares e pessoas interessadas no assunto debruçam-se sobre estudos e gráficos indicam como, malgrado a complexidade de um tema, o fazer científico público sempre encerra um rico potencial e aponta tanto para a ampliação do espectro cognitivo dos atores sociais envolvidos, como para a produção de deliberações que se aproximam do exigente sentido habermasiano atribuído ao conceito.
  • 20
    . Para Burawoy o Estado atual seria “ainda um Estado regulador, mas, não obstante, é uma regulação para, antes de contra o mercado”. Assim, a sociedade estaria “sob um duplo assalto proveniente da economia e do Estado” (Burawoy, 2007: 365).
  • 21
    . No original: “The need for a stronger sociology of publics which Burawoy mentions (and wich I endorse and even help along) is vital not only for the project of understanding the other arenas into which sociology may be introduced, but the contexts of our own work”.
  • 22
    . Para além da própria perspectiva de “pesquisa militante”, Fernando Perlatto identifica, após uma abrangente e profunda escavação sobre mais de 1800 obras sociológicas publicadas no Brasil desde 1940, um fazer sociológico no Brasil em que os chamados “problemas públicos” comparecem com frequência e no compasso das grandes questões que afligem a sociedade brasileira. Com efeito, o propósito da pesquisa apresentada neste artigo residiu em dar prosseguimento à ideia deste autor, para quem “pensar teoricamente esta categoria [a sociologia pública] a partir de um país periférico como o Brasil resulta em um movimento que contribui não somente para a elaboração mais cosmopolita de um conceito como o de “sociologia pública”, mas para formular um questionamento mais amplo sobre o próprio processo de produção e circulação de teorias entre ‘centros’ e ‘periferias’ no âmbito da sociologia global” (Perlatto, 2013: 26).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    9 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Set-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2018
  • Aceito
    15 Abr 2019
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