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O PAPEL DO AMBIENTE OBESOGÊNICO E DOS ESTILOS DE VIDA PARENTAIS NO COMPORTAMENTO ALIMENTAR INFANTIL

RESUMO

Objetivo:

Investigar a influência do ambiente obesogênico e dos estilos de vida parentais no comportamento alimentar infantil.

Fonte de dados:

Foram consultadas as bases de dados PubMed, Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE), Cochrane, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Electronic Library Online (SciELO) nos idiomas português, inglês e espanhol. Os descritores utilizados foram selecionados no Medical Subject Headings e no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): comportamento alimentar/feeding behavior/conducta alimentaria; crianças/child/niño; relações familiares/family relations/relaciones familiares; e ecologia/ecology/ecología. A pesquisa foi especificada utilizando-se o operador booleano AND.

Síntese dos dados:

A maioria dos estudos sugere que os pais (osprincipais cuidadores) são responsáveis, em parte, pelo comportamento alimentar não saudável apresentado pelos filhos, e para que esse comportamento se modifique é necessário mudar o comportamento da família, garantindo a escolha correta de alimentos acompanhada da prática de atividade física. O ambiente familiar mostra impacto significativo no desenvolvimento do comportamento alimentar, por isso os adultos devem fornecer um bom modelo desse comportamento para as crianças. É importante ressaltar a contribuição do ambiente físico, da cultura, da escola e da mídia no processo.

Conclusões:

Verificou-se nesta revisão que a formação do comportamento alimentar depende da interação de fatores relacionados à criança e aos cuidadores e sofre a ação de diversos fatores relacionados à vida do indivíduo - ambientes físico, social, familiar, cultural e midiático.

Palavras-chave:
Comportamento alimentar; Modalidades alimentares; Relações familiares; Obesidade; Criança

ABSTRACT

Objective:

To identify the role of the obesogenic environment and parental lifestyles in infant feeding behavior.

Data sources:

The searches were performed in PubMed, Medline, Cochrane, Lilacs and Scielo databases, in Portuguese, English and Spanish. The descriptors used were found in the Medical Subject Headings and in the Descriptors in Health Sciences being these: Comportamento alimentar/Feeding Behavior/ Conducta Alimentaria; Crianças/Child/ Niño; Relações familiares/Family Relations/Relaciones Familiares; e Ecologia/ Ecology/ Ecología. These were combined by the Boolean operator AND.

Data synthesis:

Researchers consider that parents (orprimary caregivers) are responsible, in part, for the unhealthy eating behavior presented by children, and for them to change it is necessary to change the behavior of the family, ensuring the correct choice of food and the practice of physical activity. The family environment has a significant impact on the development of eating behavior, so adults should provide a good model of this behavior for children.

Conclusions:

It was verified through this review that, in order to maintain and develop a healthy eating behavior, it is necessary to reach different spheres of life of the individual - physical, social, psychological, family, cultural and mediatic environment.

Keywords:
Feeding behavior; Modalities, alimentary; Family relations; Obesity; Child

INTRODUÇÃO

O comportamento alimentar caracteriza o modo como as pessoas se alimentam. As respostas comportamentais associadas ao ato da alimentação interferem na qualidade de vida e, quando inadequadas, favorecem o surgimento de algumas doenças crônico-degenerativas.11. Machado JC, Cotta RM, Silva LS. Abordagem do desvio positivo para a mudança de comportamento alimentar: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2014;36:134-40. O comportamento alimentar da criança é determinado inicialmente pela família e a posteriori por processos psicossociais e culturais.11. Machado JC, Cotta RM, Silva LS. Abordagem do desvio positivo para a mudança de comportamento alimentar: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2014;36:134-40.

Há quase duas décadas, Davison e Birch22. Davison KK, Birch LL. Childhood overweight: a contextual model and recommendations for future research. Obes Rev. 2001;2:159-71. propuseram um modelo conceitual buscando explicar a formação desse comportamento a partir da interação de diferentes fatores, tais como: as características da criança, as práticas parentais e o ambiente onde estas são exercidas. Nessa perspectiva, há dois outros modelos com características semelhantes: o de Contento e Michela,33. Contento IR, Michela JL. Nutrition and food choice behavior among children and adolescents. In: Goreczny AJ, Hersen M, editors. Handbook of adolescent health psychology. Needham Heights: Allyn & Bacon; 1999. p. 248-73. que visa explicar escolhas alimentares remetendo a fatores fisiológicos, cognitivos e ambientais (incluindo os determinantes familiares); e o ecológico,44. Davison KK, Francis LA, Birch LL. Links between parents' and girls' television viewing behaviors: a longitudinal examination. J Pediatr. 2005;147:436-42.,55. Tabacchi G, Giammanco S, La Guardia M, Giammanco M. Areview of the literature and a new classification of the early determinants of childhood obesity: from pregnancy to the first years of life. Nutr Res. 2007;27:587-604. que analisa a integração de múltiplos determinantes - proximais e distais - na gênese do comportamento alimentar infantil.

Davison e Birch44. Davison KK, Francis LA, Birch LL. Links between parents' and girls' television viewing behaviors: a longitudinal examination. J Pediatr. 2005;147:436-42. e Tabacchi et al.55. Tabacchi G, Giammanco S, La Guardia M, Giammanco M. Areview of the literature and a new classification of the early determinants of childhood obesity: from pregnancy to the first years of life. Nutr Res. 2007;27:587-604. desenvolveram modelos ecológicos baseados na teoria dos sistemas ecológicos de Bronfenbrenner,66. Bronfenbrenner U, Evans GW. Developmental science in 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Soc Dev. 2000;9:115-25. que resumem as influências ambientais sobre o comportamento, incluindo o alimentar, em estágios específicos de desenvolvimento.

O modelo 6Cs (Six - C)77. Harrison K, Bost K, McBride B, Donovan S, Grigsby-Toussaint D, Juhee K, et al. Toward a developmental conceptualization of contributors to overweight and obesity in childhood: The six-Cs model. Child Dev Perspect. 2011;5:50-8. integra diversos aspectos: cultura e sociedade e características das cidades, das comunidades, da família e da criança. Conforme essa visão ampla, fundamentou-se esta revisão com foco em ambiente obesogênico, relação familiar e comportamento alimentar da criança. Portanto, este estudo tem por objetivo investigar a influência do ambiente obesogênico e dos estilos de vida parentais no comportamento alimentar infantil.

FONTE DE DADOS

Realizou-se uma revisão da literatura do tipo narrativa, utilizando-se as bases de dados PubMed, Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE), Cochrane, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Os descritores utilizados foram selecionados no Medical Subject Headings e no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): comportamento alimentar/feeding behavior/conducta alimentaria; crianças/child/niño; relações familiares/familyrelations/relaciones familiares; e ecologia/ecology/ecología. A pesquisa foi especificada utilizando-se o operador booleano AND.

Foram selecionados artigos de revisão e artigos originais relacionados à influência do ambiente obesogênico, dos estilos de vida parentais e de outros fatores determinantes no comportamento alimentar infantil. Após a leitura do resumo, foram lidos, na íntegra, aqueles artigos que tiveram como objeto de estudo a temática proposta nesta revisão e que, segundo a avaliação dos autores, foram considerados bem estruturados do ponto de vista metodológico. Excluíram-se os estudos que não satisfizeram aos critérios, apesar de os títulos serem sugestivos à temática.

SÍNTESE DE DADOS

Comportamento alimentar: um olhar ecológico

A teoria (bio)ecológica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner (TBDH) destaca a importância e a influência do ambiente no desenvolvimento humano. O autor defende que o desenvolvimento é um processo que envolve estabilidades e mudanças, relacionadas às características biopsicológicas dos indivíduos e ao ambiente, e que ocorre ao longo da vida e se estende pelas gerações.66. Bronfenbrenner U, Evans GW. Developmental science in 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Soc Dev. 2000;9:115-25.

Com o tempo, os conceitos principais foram sendo reformulados, e a teoria passou a explicar o desenvolvimento considerando quatro aspectos inter-relacionados: a pessoa, o processo, o contexto e o tempo (modelo PPCT).77. Harrison K, Bost K, McBride B, Donovan S, Grigsby-Toussaint D, Juhee K, et al. Toward a developmental conceptualization of contributors to overweight and obesity in childhood: The six-Cs model. Child Dev Perspect. 2011;5:50-8. Propõe também o construto processos proximais, entendido como “formas particulares de interação entre organismo e ambiente, que operam ao longo do tempo e compreendem os primeiros mecanismos que produzem o desenvolvimento humano”.88. Prati LE, Couto MC, Moura A, Poletto M, Koller SH. Revisiting the ecological engagement: a proposal to systematization. Psicol Reflex Crit. 2008;21:160-9.

No que tange à pessoa, Bronfenbrenner99. Bronfenbrenner U, Morris PA. The ecology of developmental processes. In: Damon W, Lerner RM, editors. Handbook of child psychology: Vol. 1. Theoretical models of human development. New York: John Wiley & Sons; 1998. p.993-1028. reconheceu a relevância dos fatores biológicos e genéticos no desenvolvimento do indivíduo. Ou seja, o ser humano é considerado um ser biopsicológico e interage constantemente com seu contexto, sendo produto desse processo de interação.1010. Bronfenbrenner U. Ecological models of human development. In: Peterson P, McGaw EB, editors. International Encyclopedia of Education. Oxford: Elsevier; 1994. p.37-43.

O processo é entendido como o principal mecanismo do desenvolvimento1010. Bronfenbrenner U. Ecological models of human development. In: Peterson P, McGaw EB, editors. International Encyclopedia of Education. Oxford: Elsevier; 1994. p.37-43. e diz respeito às interações que acontecem entre o indivíduo e as outras pessoas, bem como as relações com os símbolos e objetos presentes no seu ambiente. Essasformas de interação, consideradas como processos proximais, seriam os motores do desenvolvimento. Ocorreriamde acordo com as características particulares do indivíduo e as do contexto, tanto espacial quanto temporal,1010. Bronfenbrenner U. Ecological models of human development. In: Peterson P, McGaw EB, editors. International Encyclopedia of Education. Oxford: Elsevier; 1994. p.37-43. a exemplo de brincar individualmente ou em grupo e aprender novas habilidades. Taisatividades são como engrenagens do desenvolvimento, pois é pela forma de engajamento nessas tarefas e interações que o indivíduo se torna capaz de dar sentido ao seu mundo e, com isso, transformá-lo.1010. Bronfenbrenner U. Ecological models of human development. In: Peterson P, McGaw EB, editors. International Encyclopedia of Education. Oxford: Elsevier; 1994. p.37-43.

O contexto é representado por qualquer fato ou condição que possa influenciar ou ser influenciado pelo ser em desenvolvimento.1111. Bronfenbrenner U, editor. The bioecological theory of human development. In.: Bronfenbrenner U. Making human beings human. Bioecological perspectives on human development. Cornell University, USA: SAGE; 2005. p.777-80. Por fim, tem-se o tempo. Bronfenbrenner1212. Bronfenbrenner U. The ecology of cognitive development: research models and fugitive findings. In: Wozniak R, Fischer K, editors. Development in context: Acting and thinking in specific environments. Hillsdale: Erlbaum; 1993. p.3-44. deparou com a questão do tempo e sua influência no desenvolvimento humano e criou o conceito de cronossistemas, firmando um modelo de pesquisa que examina a influência e as mudanças que ocorrem no ambiente ao longo do tempo.1212. Bronfenbrenner U. The ecology of cognitive development: research models and fugitive findings. In: Wozniak R, Fischer K, editors. Development in context: Acting and thinking in specific environments. Hillsdale: Erlbaum; 1993. p.3-44.

Além disso, o autor mostra que essas influências diferem entre as pessoas em termos de extensão e quanto ao tipo de consequências.66. Bronfenbrenner U, Evans GW. Developmental science in 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Soc Dev. 2000;9:115-25. Visando a um melhor entendimento das interações possíveis, propõe a existência de quatro subsistemas socialmente organizados, que norteariam o processo: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema.1111. Bronfenbrenner U, editor. The bioecological theory of human development. In.: Bronfenbrenner U. Making human beings human. Bioecological perspectives on human development. Cornell University, USA: SAGE; 2005. p.777-80.

O macrossistema tem abrangência mais ampla e é constituído de todos os outros sistemas. Os microssistemas são como contextos primários do desenvolvimento. Isto é, os ambientes mais próximos em que os papéis, as interações face a face e as atividades acontecem, nos quais o indivíduo observa e é influenciado por grupos ou pessoas mais experientes a realizar atividades,1111. Bronfenbrenner U, editor. The bioecological theory of human development. In.: Bronfenbrenner U. Making human beings human. Bioecological perspectives on human development. Cornell University, USA: SAGE; 2005. p.777-80. a exemplo da família, considerada o primeiro microssistema, e a escola.1313. Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi AM, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicología. 2013;9:89-99. Os mesossistemas englobam dois ou mais microssistemas, nos quais a pessoa em desenvolvimento está inserida. Ou seja, trata-se do vínculo entre a escola e a instituição religiosa, entre o local de trabalho e a família, entre os vizinhos e a creche.1111. Bronfenbrenner U, editor. The bioecological theory of human development. In.: Bronfenbrenner U. Making human beings human. Bioecological perspectives on human development. Cornell University, USA: SAGE; 2005. p.777-80. O exossistema é representado por ambientes nos quais a pessoa não está fisicamente presente, mas as decisões ali tomadas têm influência sobre seu desenvolvimento.1111. Bronfenbrenner U, editor. The bioecological theory of human development. In.: Bronfenbrenner U. Making human beings human. Bioecological perspectives on human development. Cornell University, USA: SAGE; 2005. p.777-80. Como por exemplo, o ambiente de trabalho dos pais, quando estressante, pode resultar em um cuidado de menor qualidade perante seus filhos no ambiente doméstico (exercendo influência negativa) (Figura 1).1111. Bronfenbrenner U, editor. The bioecological theory of human development. In.: Bronfenbrenner U. Making human beings human. Bioecological perspectives on human development. Cornell University, USA: SAGE; 2005. p.777-80.

Figura 1
Apresentação esquemática dos tópicos e subtópicos da teoria ecológica segundo Urie Bronfenbrenner.

A teoria ecológica busca explicar as relações (processos) que se estabelecem durante o crescimento pessoal ou social, no curso da história do indivíduo (tempo) em determinado contexto. O modelo PPCT permite analisar os mecanismos de risco e de proteção presentes no ambiente e meio familiar relacionados ao comportamento alimentar, facilitando a compreensão desse fenômeno complexo.

Comportamento alimentar: um processo

A formação do comportamento alimentar tem início na infância, nos primeiros meses de vida e, com o tempo, se configura como o resultado da interação entre fatores genéticos e ambientais.1414. Parente Albuquerque L, Montenegro Cavalcante AC, Cézar de Almeida P, De Magalhães Carrapeiro M. Overweight relationship with dietary behavior and lifestyle in brazilian students. Nutr Clin Diet Hosp. 2016;36:17-23. O aleitamento materno, a introdução dos alimentos complementares após os seis meses de vida, os hábitos alimentares familiares e as condições socioeconômicas exercem papel fundamental nessa formação.1515. Peters JD, Parletta N, Campbell K, Lynch KC. Parental influences on the diets of 2- to 5-year-old children: Systematic review of qualitative research. Early Child Educ J. 2014;12:3-19.,1616. Silva GA, Costa KA, Giugliani ER. Infant feeding: beyond the nutritional aspects. J Pediatr (Rio J). 2016;92:S2-7.

A forte influência da família é mediada pelos estilos parentais.1717. Pinto HM, Carvalho AR, Sá EN. Os estilos educativos parentais e a regulação emocional: Estratégias de regulação e elaboração emocional das crianças em idade escolar. Anál Psicol. 2014;32:387-400. As atitudes parentais relacionadas à regulação alimentar dos filhos caracterizam o que se denomina de controle parental alimentar, classificado em três tipos: controle restritivo, pressão para comer e vigilância ou controle discreto.1717. Pinto HM, Carvalho AR, Sá EN. Os estilos educativos parentais e a regulação emocional: Estratégias de regulação e elaboração emocional das crianças em idade escolar. Anál Psicol. 2014;32:387-400.

O controle restritivo envolve a exclusão dos alimentos considerados não saudáveis e interfere na quantidade ingerida pelas crianças, refletindo uma preocupação excessiva das mães ou cuidadores com a alimentação.1818. Rollins BY, Savage JS, Fisher JO, Birch LL. Alternatives to restrictive feeding practices to promote self-regulation in childhood: a developmental perspective. Pediatr Obes. 2016;11:326-32. Para Garcia et al.,1919. Silva Garcia K, Power TG, Fisher JO, O'Connor TM, Hughes SO. Latina mothers' influences on child appetite regulation. Appetite. 2016;103:200-7. as crianças que apresentam mais dificuldades em regular a ingestão alimentar calórica são as que possuem mães mais controladoras.

Os pais devem estimular a criança a comer com moderação, levando-a a associar o início de uma refeição à sensação de fome e o término da refeição à sensação de saciedade.1919. Silva Garcia K, Power TG, Fisher JO, O'Connor TM, Hughes SO. Latina mothers' influences on child appetite regulation. Appetite. 2016;103:200-7. Saltzmanet al.2020. Saltzman JA, Pineros-Leano M, Liechty JM, Bost KK, Fiese BH, STRONG Kids Team. Eating, feeding, and feeling: emotional responsiveness mediates longitudinal associations between maternal binge eating, feeding practices, and child weight. Int J Behav Nutr Phys Act. 2016;13:89. verificaram que comportamentos compulsivos maternos estão associados ao aumento da ingestão energética e ao maior índice de massa corpórea nas crianças. Ou seja, o comportamento materno inadequado reflete no comportamento alimentar do filho.

A pressão para comer é caracterizada pela pressão que os pais fazem para que a criança escolha alimentos mais saudáveis - frutas e vegetais -, ou que comam tudo o que está no prato.2121. Jansen PW, de Barse LM, Jaddoe VW, Verhulst FC, Franco OH, Tiemeier H. Bi-directional associations between child fussy eating and parents' pressure to eat: Who influences whom? Physiol Behav. 2017;176:101-6. Para Vandeweghe et al.,2222. Vandeweghe L, Verbeken S, Vervoort L, Moens E, Braet C. Reward sensitivity and body weight: the intervening role of food responsive behavior and external eating. Appetite. 2017;112:150-6. isso leva à perda da sensibilidade aos sinais internos de saciedade e a criança passa a utilizar os sinais externos (comida preferida, cheiro da comida) ou as emoções como indícios de fome ou saciedade. Consequentemente, a criança passa a depender de estímulos externos para iniciar, manter e terminar sua refeição.2222. Vandeweghe L, Verbeken S, Vervoort L, Moens E, Braet C. Reward sensitivity and body weight: the intervening role of food responsive behavior and external eating. Appetite. 2017;112:150-6.

No que se refere ao controle discreto, encontram-se poucos estudos. Taylor et al.2323. Taylor MB, Emley E, Pratt M, Musher-Eizenman DR. Structure-based feeding strategies: A key component of child nutrition. Appetite. 2017;114:47-54. observaram que ele estava relacionado ao elevado consumo de frutas e vegetais, o que faz pensar que atitudes menos controladoras e com mais suporte psicológico estão associadas à menor ingestão ligada ao estado emocional da criança. Em suma, o comportamento dos pais pode modelar e/ou alterar o comportamento alimentar dos seus filhos.2424. DeCosta P, Møller P, Frøst MB, Olsen A. Changing children's eating behaviour - A review of experimental research. Appetite. 2017;113:327-57.

Estilos parentais e comportamento alimentar

Aspectos relacionados à responsabilidade dos pais (ou à falta dela) identificam os estilos que estes adotam na educação social e que refletem no comportamento dos seus filhos.2424. DeCosta P, Møller P, Frøst MB, Olsen A. Changing children's eating behaviour - A review of experimental research. Appetite. 2017;113:327-57. Os estilos parentais são considerados como um conjunto de atitudes que formam o clima emocional no qual os comportamentos parentais são traduzidos.2525. Costa FT, Teixeira MA, Gomes WB. Respondingness and demandingness: two scales to evaluate parenting styles. Psicol Reflex Crit. 2000;13:465-73. É levada em conta também a forma como os pais lidam com as questões de poder, hierarquia e apoio emocional no tocante aos filhos.

O conceito de estilo parental segundo Baumrind2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907. integra fatores comportamentais e afetivos que envolvem a criação dos filhos com base na influência da autoridade parental sobre o desenvolvimento infantil, reformulando a visão ancestral de controle, até então definida em termos de radicalidade e punição física. São estabelecidas três categorias de estilo parental: autoritativo ou democrático, autoritário e permissivo. São autoritativos os pais que valorizam a autonomia e troca de ideias e exercem controle firme, porém são responsivos. O estilo autoritário é aquele em que os pais procedem com alto grau de controle e esperam obediência, fazem uso de reforço negativo e de medidas punitivas.2525. Costa FT, Teixeira MA, Gomes WB. Respondingness and demandingness: two scales to evaluate parenting styles. Psicol Reflex Crit. 2000;13:465-73. Por fim, o estilo permissivo caracteriza-se pela afetividade dos pais em relação aos filhos e pela ausência de controle sobre seus comportamentos. Esses pais da última categoria, segundo Baurimd,2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907. permitem (quase sempre) que o filho exerça ações pautadas em desejos impulsivos e momentâneos.

No início da década de 1980, Maccoby e Martin,2727. Maccoby EE, Martin JA. Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: Mussen PH, editor. Handbook of child psychology: formerly Carmichael's Manual of child psychology. New York: Wiley; 1983. p.46-84. baseados no modelo teórico de Baumrind, propuseram duas dimensões fundamentais acerca das práticas educativas dos pais, denominadas de exigência, quando as condutas dos pais buscam de alguma maneira controlar o comportamento de seus filhos, estabelecendo limites e regras; e responsividade (responsiveness), quando as condutas compreensivas que os pais têm para com os seus filhos buscam, por meio do apoio emocional e do diálogo, contribuir para o desenvolvimento da autonomia e autoafirmação desde crianças.2727. Maccoby EE, Martin JA. Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: Mussen PH, editor. Handbook of child psychology: formerly Carmichael's Manual of child psychology. New York: Wiley; 1983. p.46-84.

Esses autores sugeriram quatro estilos parentais: autoritativo, autoritário, indulgente e negligente. Pais com alta responsividade e exigência são classificados como autoritativos, estabelecendo regras que são consistentemente enfatizadas. As atitudes corretas são gratificadas, e as erradas, corrigidas. Acomunicação é clara e aberta, baseada no respeito mútuo, e a “regra” é imposta de maneira indutiva. São carinhosos na interação, responsivos às necessidades e frequentemente solicitam a opinião dos filhos.2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907.,2727. Maccoby EE, Martin JA. Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: Mussen PH, editor. Handbook of child psychology: formerly Carmichael's Manual of child psychology. New York: Wiley; 1983. p.46-84.

A soma de um alto nível de controle e pouca responsividade resulta no estilo autoritário, em que os pais são rígidos, radicais e autocráticos; impõem alto grau de exigência, estabelecendo regras restritas, independentemente da participação da criança. Normalmente, dão ênfase à obediência pelo respeito à autoridade e à ordem. A punição é a forma de controle, e não valorizam o diálogo nem a autonomia, bem como apresentam baixa responsividade aos questionamentos que a criança possa ter.2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907.

O estilo indulgente é a combinação entre o baixo nível de controle e o alto nível de responsividade. Os pais não firmam regras nem limites para a criança; não exigem responsabilidade nem maturidade. São carinhosos, comunicativos e receptivos, com tendência a realizar qualquer desejo da criança. A tolerância é exercida de modo excessivo, permitindo que a criança controle a si mesma.2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907.

O estilo negligente é o resultado de baixos níveis de controle e responsividade. Esses pais não são nem carinhosos nem exigem das crianças. Apresentam pouca interatividade social e não vigiam o comportamento de seus filhos. Respondem apenas às necessidades básicas, gerando certo distanciamento. Estãopreocupados e focados em seus próprios interesses.2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907.

O diferencial entre a proposta de Baumrind2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907. e a nova proposta de Maccoby e Martin2727. Maccoby EE, Martin JA. Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: Mussen PH, editor. Handbook of child psychology: formerly Carmichael's Manual of child psychology. New York: Wiley; 1983. p.46-84. é o desmembramento da classificação do estilo permissivo em dois: o indulgente e o negligente (Figura 2).

Figura 2
Estilos parentais, segundo Baumrind,2626. Baumrind D. Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Dev. 1966;37:887-907. e posteriormente modificados por Maccoby e Martin.2727. Maccoby EE, Martin JA. Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: Mussen PH, editor. Handbook of child psychology: formerly Carmichael's Manual of child psychology. New York: Wiley; 1983. p.46-84.

Outros estudos com crianças mais velhas e com adolescentes mostraram que o estilo de parentalidade paterno influencia os comportamentos de saúde e o bem-estar infantil.2828. Berge JM, MacLehose R, Loth KA, Eisenberg M, Bucchianeri MM, Neumark-Sztainer D. Parent conversations about healthful eating and weight: associations with adolescent disordered eating behaviors. JAMA Pediatr. 2013;167:746-53.,2929. Barroso RG, Machado C. Definições, dimensões e determinantes da parentalidade. Psychologica. 2010;52:211-29. Os autores concluíram que os pais, e não apenas as mães, são importantes e deviam ser incluídos nas pesquisas sobre a influência dos estilos parentais e diversas situações de risco à saúde da criança, já que a maioria dos estudos tem focado exclusivamente no papel das mães e no fato de que o estilo afetuoso e firme do pai está associado a melhores comportamentos infantis.2929. Barroso RG, Machado C. Definições, dimensões e determinantes da parentalidade. Psychologica. 2010;52:211-29.,3030. Berge JM, Wall M, Larson N, Eisenberg ME, Loth KA, Neumark-Sztainer D. The unique and additive associations of family functioning and parenting practices with disordered eating behaviors in diverse adolescents. J Behav Med. 2014;37:205-17.

Visto que o desenvolvimento de comportamentos alimentares desfavoráveis à saúde e os baixos níveis de atividade física estão associados a desfechos prejudiciais e, nos anos iniciais, esses comportamentos ocorrem em grande medida na unidade familiar, é relevante analisar a influência dos pais nessa formação. A unidade familiar consiste no contexto primário para o fornecimento de cuidados, recursos e oportunidades essenciais para o desenvolvimento saudável.3030. Berge JM, Wall M, Larson N, Eisenberg ME, Loth KA, Neumark-Sztainer D. The unique and additive associations of family functioning and parenting practices with disordered eating behaviors in diverse adolescents. J Behav Med. 2014;37:205-17.

O ambiente familiar e as influências culturais

A família é considerada o primeiro e o principal agente de socialização, transferindo e/ou moldando comportamentos e estilos de vida às crianças, muitas vezes por meio de suas próprias práticas.3131. Abreu JC. Obesidade infantil: abordagem em contexto familiar [monography]. Portugal: Universidade do Porto; 2010. É no ambiente familiar que esse aprendizado se inicia, onde acontecem as primeiras experiências alimentares.2121. Jansen PW, de Barse LM, Jaddoe VW, Verhulst FC, Franco OH, Tiemeier H. Bi-directional associations between child fussy eating and parents' pressure to eat: Who influences whom? Physiol Behav. 2017;176:101-6.,3232. Lorenzato L. Avaliação de atitudes, crenças e práticas de mães em relação à alimentação e obesidade de seus filhos através do uso do Questionário de Alimentação da Criança (QAC) [master's thesis]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo; 2012.

Alguns pesquisadores acreditam que os pais (ou principais cuidadores) são responsáveis, em parte, pelo comportamento alimentar não saudável apresentado pelas crianças e para que esse comportamento se modifique é necessário mudar o comportamento da família, garantindo a escolha correta de alimentos acompanhada da prática de atividade física.3232. Lorenzato L. Avaliação de atitudes, crenças e práticas de mães em relação à alimentação e obesidade de seus filhos através do uso do Questionário de Alimentação da Criança (QAC) [master's thesis]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo; 2012.,3333. Costa AL, Duarte DE, Kuschnir MC. Family and eating behavior in adolescence. Adolesc Saude. 2010;7:52-8. Embora os pais não sejam os únicos fornecedores de alimentos (há também, entre outros, o ambiente escolar e a creche), eles exercem papel primordial, principalmente nos primeiros anos de vida da criança.3434. Silva-Sanigorski A, Elea D, Bell C, Kremer P, Carpenter L, Nichols M, et. al. Obesity prevention in the family day care setting: impact of the Romp & Chomp intervention on opportunities for children's physical activity and healthy eating. Child Care Health Dev. 2011;37:385-93.,3535. Kiefner-Burmeister AE, Hoffmann DA, Meers MR, Koball AM, Musher-Eizenman DR. Food consumption by young children: a function of parental feeding goals and practices. Appetite. 2014;74:6-11.

O modo como nos alimentamos, as nossas preferências e rejeições a determinados alimentos são, durante a infância, fortemente condicionados pelo contexto familiar e, muitas vezes, refletem o comportamento alimentar da comunidade.3636. Corsica JA, Hood MM. Eating disorders in an obesogenic environment. J Am Diet Assoc. 2011;111:996-1000.,3737. Marins SS. Percepções, crenças e práticas de pais e educadores acerca de sobrepeso e obesidade em pré-escolares [PhD thesis]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2011. Porisso, quando as intervenções envolvem a família em estudos de prevenção/tratamento de diversas doenças, são observadas melhores taxas de sucesso do que quando se utiliza o tratamento convencional, que inclui aconselhamento alimentar e de atividade física voltado apenas para a criança.3838. Costa FF, Benedet J, Leal DB, Assis MA. Agregação de fatores de risco para doenças e agravos crônicos não transmissíveis em adultos de Florianópolis, SC. Rev Bras Epidemiol. 2013;16:398-408.

Dessa forma, o ambiente familiar mostra impacto significativo no desenvolvimento do comportamento alimentar. Assim, os adultos devem fornecer um bom modelo desse comportamento para as crianças.3939. Vasconcelos CS. Abordagem Individual e Familiar da Obesidade em Idade Pediátrica [master's thesis]. Portugal: Universidade do Porto; 2010. A família precisa ser o primeiro aliado nas ações preventivas ou intervencionistas, mesmo porque é na família em que também se origina o padrão dietético que pode durar toda a vida;4040. Giskes K, van Lenthe FJ, Avendano-Pabon M, Brug J. A systematic review of environmental factors and obesogenic dietary intakes among adults: are we getting closer to understanding obesogenic environments? Obes Rev. 2011;12:e95-106. e esse padrão sofre influências culturais.

De maneira geral, ao longo dos últimos 60 anos, ocorreram mudanças sociais, econômicas e tecnológicas que alteraram os estilos de vida das populações em diversos países. Aliado a isso, ocorreram modificações nos comportamentos alimentares, influenciadas por mudanças ambientais (micro e macroambientes),4141. Hawkes C, Smith TG, Jewell J, Wardle J, Hammond RA, Friel S, et al. Smart food policies for obesity prevention. Lancet. 2015;385:2410-21. na maioria das vezes contribuindo para a instalação de um ambiente obesogênico, influenciando de forma direta ou indireta a adoção de comportamentos que repercutirão na saúde, positiva ou negativamente.4242. Onis M. Preventing childhood overweight and obesity. J Pediatr (Rio J). 2015;91:105-7.

Comportamento alimentar: influência do ambiente obesogênico

Em 2011, Harrison et al. apresentaram um modelo ecológico que aborda as influências não só hereditárias, mas também as ambientais na obesidade infantil, denominado de 6Cs,no original em inglês. O modelo 6Cs aborda seis esferas: célula, criança, família, comunidade, país e cultura. A célula representa vulnerabilidades genéticas e outros fatores biológicos; a criança, características pessoais e comportamentais; a família é representada pelas características familiares, tais como as dinâmicas parentais e os rituais caseiros; a comunidade engloba fatores relacionados ao mundo social da criança fora de casa; e o país indica instituições estaduais e nacionais que buscam influenciar por meio de recomendações os comportamentos dos cidadãos. Por último, a cultura é aquela que envolve as normas, os mitos e os preconceitos culturais, que influenciam as decisões políticas sobre a alimentação, o exercício, a saúde e o corpo.77. Harrison K, Bost K, McBride B, Donovan S, Grigsby-Toussaint D, Juhee K, et al. Toward a developmental conceptualization of contributors to overweight and obesity in childhood: The six-Cs model. Child Dev Perspect. 2011;5:50-8.

Segundo Swinburg et al.,4343. Swinburn B, Egger G, Raza F. Dissecting obesogenic environments: the development and application of a framework for identifying and prioritizing environmental interventions for obesity. Prev Med. 1999;29:563-70. o ambiente obesogênico caracteriza-se como a presença de oportunidades e de condições ambientais que favorecem a instalação da obesidade. Do ponto de vista da alimentação, pode ser conceituado como um espaço no qual crenças e comportamentos estão associados à disponibilidade de alimentos processados, energeticamente densos e pobres em nutrientes, e à ausência de alimentos ricos em fibras, vitaminas e minerais.4444. Souza NP, Oliveira MR. O ambiente como elemento determinante da obesidade. Rev Simbio-Logias. 2008;1:157-73. Abrange fatores físicos, econômicos e culturais relacionados à alimentação e à atividade física.4343. Swinburn B, Egger G, Raza F. Dissecting obesogenic environments: the development and application of a framework for identifying and prioritizing environmental interventions for obesity. Prev Med. 1999;29:563-70.

O indivíduo vive em microambientes (casa, escola, local de trabalho, bairro), que, por sua vez, são influenciados pelo macroambiente (sistema de educação, governo, indústria alimentícia).4343. Swinburn B, Egger G, Raza F. Dissecting obesogenic environments: the development and application of a framework for identifying and prioritizing environmental interventions for obesity. Prev Med. 1999;29:563-70. As influências microambientais têm sido as mais abordadas pela literatura, talvez pela facilidade de estudo (Figura 3).

Figura 3
Apresentação esquemática das influências ambientais sofridas pelos indivíduos, segundo Swinburn et al.4343. Swinburn B, Egger G, Raza F. Dissecting obesogenic environments: the development and application of a framework for identifying and prioritizing environmental interventions for obesity. Prev Med. 1999;29:563-70..

O meio em que vivemos é considerado obesogênico, pois nos leva a praticar condutas não saudáveis.4545. Raj M, Kumar RK. Obesity in children & adolescents. Indian J Med Res. 2010;132:598-607. Um dos componentes analisados é a área física em que o indivíduo reside, ou seja, se existem nas áreas circunvizinhas estabelecimentos onde se possam adquirir alimentos saudáveis e haja condições para a prática de atividade física. Inclui também a disponibilidade no domicílio de alimentos processados e ultraprocessados4646. Pearson N, Griffiths P, Biddle SJ, Johnston JP, Haycraft E. Individual, behavioural and home environmental factors associated with eating behaviours in young adolescents. Appetite. 2017;112:35-43. e instalações de lazer.4444. Souza NP, Oliveira MR. O ambiente como elemento determinante da obesidade. Rev Simbio-Logias. 2008;1:157-73.

Pearson et al.4646. Pearson N, Griffiths P, Biddle SJ, Johnston JP, Haycraft E. Individual, behavioural and home environmental factors associated with eating behaviours in young adolescents. Appetite. 2017;112:35-43. avaliaram o ambiente em que as crianças estavam inseridas e verificaram que aquelas cujos pais possuíam mais acesso à compra de alimentos saudáveis apresentavam práticas alimentares mais adequadas.

Estudo realizado por Jaime et al.4747. Jaime PC, Duran AC, Sarti FM, Lock K. Investigating environmental determinants of diet, physical activity, and overweight among adults in São Paulo, Brazil. J Urban Health. 2011;88:567-81. em São Paulo analisou a relação do ambiente circunvizinho (comércio de alimentos) e do comportamento alimentar, da atividade física e do excesso de peso. Os autores evidenciaram que a maior quantidade de locais para comércio de frutas esteve associada ao melhor comportamento alimentar e à ingestão de alimentos ricos em nutrientes.

Dessa forma, a existência de ambientes considerados obesogênicos representa uma das maiores dificuldades para a manutenção de uma vida saudável. Por essa razão, é fundamental conhecer os componentes desse ambiente, bem como a avaliação do papel e da interação dos fatores que o compõe.4848. Von Feilitzen C. Introdução. In: Carlsson U, Von Feilitzen C, editors. A criança e a violência na mídia. São Paulo: Cortez-Unesco; 1999. p.49-60. Neste contexto, deve ser considerada também a influência das diversas mídias na formação dos comportamentos infantis, fato que vem sendo valorizado nos últimos anos.

O papel da mídia

A mídia pode ser considerada como um importante agente influenciador do comportamento alimentar, pois estabelece padrões de consumo de alimentos desde muito cedo pela forma como difunde a informação. O apelo visual das peças publicitárias relacionadas a produtos alimentícios destinados ao público infantil precisa ser encarado como um problema de saúde pública.4949. Moura NC. Influência da mídia no comportamento alimentar de crianças e adolescentes. Segur Aliment Nutr. 2010;17:113-22.

Thimming et al.5050. Thimmig LM, Cabana MD, Bentz MG, Potocka K, Beck A, Fong L, et. al. Television during meals in the first 4 years of life. Clin Pediatr (Phila). 2017;56:659-66. explicam que a escolha de alimentos pouco nutritivos e com alta densidade calórica é estimulada pelo hábito de assistir à televisão. Por causa da imaturidade das crianças quanto ao senso crítico e à tomada de decisões, elas são vulneráveis aos apelos comerciais, sendo bombardeadas com uma publicidade voltada especificamente para o público infantil.

Benetti et al.1313. Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi AM, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicología. 2013;9:89-99. realizaram um estudo mostrando a associação entre exposição excessiva da criança à televisão e internet e práticas de vida não saudáveis. Shi e Mao5151. Shi L, Mao Y. Excessive recreational computer use and food consumption behaviour among adolescents. Ital J Pediatr. 2010;36:52. realizaram um estudo na Califórnia (Estados Unidos) e verificaram associação significante entre o tempo em que a criança assiste à televisão e o seu comportamento alimentar.

Uma das razões pelas quais a televisão e outras mídias influenciam o comportamento alimentar infantil é que o alimento é a categoria de produtos mais anunciada na programação de TV para crianças, e tem-se estabelecido que a exposição a propagandas de alimentos efetivamente promove o consumo dos produtos anunciados.5252. Gallo SK. Comportamento alimentar e mídia: a influência da televisão no consumo alimentar de crianças do Agreste Meridional Pernambucano, Brasil [PhD thesis]. São Paulo (SP): USP; 2010.

Atualmente, o que se tem de estratégias midiáticas são técnicas largamente utilizadas pelas empresas de publicidade para estimular o consumo dos seus produtos. Há forte investimento da mídia em fast food,que são alimentos ricos em calorias e bebidas carbonadas (produtos compostos de água, gás carbônico e algum tipo de xarope que dão cor e gosto à bebida), cereais ricos em açúcar e snacks, alimentos ricos em gorduras, açúcar e sódio e pobres em nutrientes.5353. Rodrigues VM, Fiates GM. Children's eating habits and consumer behavior: influence of household income and television viewing habits. Rev Nutr. 2012;25:353-62.

Diante das proporções crescentes de prevalências globais de doenças crônicas não transmissíveis, muitos investigadores têm sugerido que a mídia dos produtos alimentares contribui para um ambiente obesogênico, tornando as escolhas saudáveis mais difíceis, especialmente para o público infantil.1414. Parente Albuquerque L, Montenegro Cavalcante AC, Cézar de Almeida P, De Magalhães Carrapeiro M. Overweight relationship with dietary behavior and lifestyle in brazilian students. Nutr Clin Diet Hosp. 2016;36:17-23. Além disso, a televisão contribui também para o sedentarismo, desviando o indivíduo de atividades que poderiam ajudar na queima de calorias excessivas contidas em dietas desequilibradas.5454. Rossi CE, Albernaz DO, Vasconcelos FA, Assis MA, Di Pietro PF. Television influence on food intake and obesity in children and adolescents: a systematic review. Rev Nutr. 2010;23:607-20.

CONCLUSÃO

Esta revisão mostrou que, para a manutenção e o desenvolvimento de um comportamento alimentar saudável, é necessário atingir diversos aspectos da vida do indivíduo- ambientes físico, social, psicológico, familiar, cultural e midiático. Emrelação às faixas etárias jovens, faz-se fundamental o entendimento pelos profissionais da saúde de todos os fatores envolvidos, pois é possível promover ações visando propiciar boas condições de saúde à criança mesmo sob condições externas desfavoráveis.

Ao contrário de uma visão determinística, diversos estudos empíricos mostram que, mesmo a criança crescendo em um ambiente obesogênico com pais autoritários ou negligentes, possuindo uma cultura regional desfavorável e alimentando-se de mídias nocivas, esses fatores podem ser minimizados com intervenções em nível individual, familiar e coletivo que contemplem os diferentes aspectos do problema.

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Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2017
  • Aceito
    02 Abr 2018
  • Publicado
    10 Maio 2019
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