MICROBIOTA INTESTINAL E EMPREGO DOS PROBIÓTICOS NA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: REVISÃO SISTEMÁTICA

RESUMO

Objetivo:

Realizar revisão sistemática dos dados da literatura sobre a microbiota intestinal e a eficácia dos probióticos para o tratamento da constipação intestinal em crianças e adolescentes.

Fonte de dados:

Foi realizada busca nas bases de dados PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), em inglês, português e espanhol. Foram selecionados, pelo título e pelo resumo, todos os artigos originais que avaliaram a microbiota intestinal ou o emprego de probióticos em crianças com constipação intestinal.

Síntese dos dados:

Foram encontrados 559 artigos, dos quais 47 foram selecionados para leitura. Destes, foram incluídos 12 artigos que estudaram crianças e adolescentes distribuídos em duas categorias: avaliação da microbiota intestinal (n=4) e avaliação do emprego dos probióticos na terapêutica da constipação intestinal (n=8). Os quatro artigos que analisaram a microbiota fecal utilizaram metodologias laboratoriais diferentes. Não foi observado um padrão típico de microbiota intestinal. Quanto ao tratamento, foram encontrados oito ensaios clínicos com metodologias heterogêneas. Foram avaliadas 15 cepas de probióticos e apenas uma foi avaliada em mais de um artigo. Foram evidenciados efeitos benéficos não uniformes dos probióticos em algumas manifestações da constipação intestinal (frequência evacuatória, consistência das fezes, dor abdominal, dor ao evacuar ou flatulência). Em apenas um ensaio clínico foi obtido completo controle da constipação intestinal sem o emprego concomitante de laxantes.

Conclusões:

Não existe um padrão específico de anormalidades da microbiota fecal na constipação intestinal. Apesar dos efeitos positivos dos probióticos em determinadas características do hábito intestinal, ainda não existem evidências que permitam sua recomendação no tratamento da constipação intestinal em pediatria.

Palavras-chave:
Constipação intestinal; Probiótico; Microbiota; Criança; Adolescente

ABSTRACT

Objective:

To perform a systematic review of literature data on gut microbiota and the efficacy of probiotics for the treatment of constipation in children and adolescents.

Data source:

The research was performed in the PubMed, the Scientific Electronic Library Online (SciELO) and the Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS) databases in English, Portuguese and Spanish. All original articles that mentioned the evaluation of the gut microbiota or the use of probiotics in children with constipation in their title and abstract were selected.

Data synthesis:

559 articles were found, 47 of which were selected for reading. From these, 12 articles were included; they studied children and adolescents divided into two categories: a gut microbiota evaluation (n=4) and an evaluation of the use of probiotics in constipation therapy (n=8). The four papers that analyzed fecal microbiota used different laboratory methodologies. No typical pattern of gut microbiota was found. Regarding treatment, eight clinical trials with heterogeneous methodologies were found. Fifteen strains of probiotics were evaluated and only one was analyzed in more than one article. Irregular beneficial effects of probiotics have been demonstrated in some manifestations of constipation (bowel frequency or consistency of stool or abdominal pain or pain during a bowel movement or flatulence). In one clinical trial, a complete control of constipation without the use of laxatives was obtained.

Conclusions:

There is no specific pattern of fecal microbiota abnormalities in constipation. Despite the probiotics’ positive effects on certain characteristics of the intestinal habitat, there is still no evidence to recommend it in the treatment of constipation in pediatrics.

Keywords:
Constipation; Probiotics; Microbiota; Child; Adolescent

INTRODUÇÃO

Constipação intestinal é uma manifestação clínica comum em crianças e adolescentes, sendo mais de 90% dos casos enquadrados nos distúrbios gastrintestinais funcionais.^1,2 A prevalência de constipação intestinal é variável dependendo do critério diagnóstico utilizado e é considerada um problema de saúde pública.³ Atualmente, adota-se os critérios de Roma para padronizar o diagnóstico da constipação intestinal na população pediátrica.^4,5

Tem-se evidenciado papel importante do comportamento de retenção na fisiopatologia da constipação intestinal funcional, em razão das experiências desagradáveis com a evacuação. O tratamento recomendado inclui uma combinação de intervenções dietéticas (ingestão adequada de fibras e líquidos), educação, desmistificação e, quando indicado, treinamento de toalete e preenchimento de um diário das evacuações. Na presença de fecaloma, estão indicados a desimpactação fecal e o uso de laxantes orais para tratamento de manutenção. A eficácia e a segurança desses procedimentos estão bem estabelecidas.^1,5,6

Entretanto, para pequena parcela dos pacientes, o tratamento convencional não proporciona melhora satisfatória, o que leva ao interesse em outras estratégias terapêuticas. Existe, também, por parte dos familiares, muita apreensão quanto ao uso prolongado de laxantes.^1,7

Sugere-se que a estase fecal prolongada no cólon de pacientes com constipação intestinal tenha impacto na microbiota intestinal, que pode influenciar em diversas funções intestinais, incluindo na motilidade.^8,9 Em adultos com constipação intestinal, constatou-se que a microbiota fecal é diferente dos controles saudáveis, entretanto os resultados são heterogêneos.^10,11,12 Estudo realizado em 2005, na Irlanda, mostrou diminuição da abundância de Bifidobacterium e Lactobacillus.¹⁰ Em 2015, ensaio clínico realizado na Coreia também constatou diminuição de Bifidobacterium spp., e relatou diminuição da abundância de espécies de Bacteroides, quando comparado ao grupo controle.¹¹

Em contraste, em 2016, observou-se, na mucosa colônica e fecal de mulheres com constipação intestinal, que o perfil da microbiota fecal não se associou com aumento do tempo de trânsito colônico, quando foram considerados fatores de confusão como idade, índice de massa corporal e dieta. Por outro lado, Faecalibacterium, Lactococcus e Roseburi, gêneros do filo Firmicutes, correlacionaram-se com diminuição do trânsito colônico.¹²

As anormalidades observadas na microbiota intestinal em pacientes com constipação intestinal vêm motivando que se considere o emprego de probióticos como coadjuvante no seu tratamento.^11,13 Além disso, provavelmente teriam melhor aceitação pelas famílias do que os laxantes utilizados tradicionalmente. Portanto, foi realizada esta revisão sistemática dos dados da literatura sobre a microbiota intestinal e a eficácia do uso de probióticos para o tratamento da constipação intestinal em crianças e adolescentes.

MÉTODO

Este artigo de revisão foi realizado de acordo com os critérios PRISMA para revisões sistemáticas e metanálises.¹⁴ Utilizaram-se as bases de dados PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) para realizar a pesquisa da literatura. Foi realizada pesquisa dos artigos em inglês, português e espanhol que analisassem o perfil da microbiota e a utilização dos probióticos no tratamento da constipação intestinal em crianças e adolescentes. No PubMed, foi avaliado o período de janeiro de 1966 a 31 de dezembro de 2017. Para isso, foi feita uma ampla busca usando os seguintes termos e operadores: (gastrointestinal microbiome OR microbiome OR microbiota OR ecosystem) OR (probiotic OR ­bifidobacterium OR lactobacillus) AND constipation. Nos bancos de dados LILACS e SciELO, não foi delimitado período de pesquisa, considerando desde o registro mais antigo em cada um deles até dezembro de 2017. Foram utilizados os seguintes termos e limites: (­gastrointestinal microbiome OR microbioma gastrointestinal OR microbiom$ OR microbiota OR ecosystem OR ecossistema OR ecosistema) OR (probiotic$ OR ­bifidobacterium OR lactobacillus) AND (­constipation OR constipação OR estreñimiento). Também foram consultadas as referências dos artigos e outras revisões sistemáticas relevantes.

Por meio da leitura do título e dos resumos, foram selecionados todos os artigos originais que incluíam crianças e adolescentes. Para avaliação da microbiota fecal na constipação intestinal foram considerados os artigos que fizeram a comparação entre crianças e adolescentes com constipação intestinal e um grupo controle. Os critérios de inclusão para os artigos que avaliaram o uso de probióticos na terapêutica da constipação intestinal foram: avaliar crianças ou adolescentes com idade ≤19 anos; incluir intervenção com qualquer tipo de probiótico, independentemente da cepa, da dose e da forma de apresentação. Não se restringiu a pesquisa para a avaliação exclusiva de ensaios clínicos controlados e aleatorizados. Nesta revisão sistemática, não foram incluídos artigos de revisão, editoriais e comentários.

RESULTADOS

No início da busca sobre microbiota, probióticos e constipação intestinal, foram encontrados 559 artigos, dos quais 47 foram selecionados para leitura. Destes, 12 artigos que estudaram crianças e adolescentes foram incluídos nesta revisão.^{8,9,13,15,16,17,18,19,20,21,22,23} De acordo com o conteúdo, os artigos foram divididos em duas categorias: avaliação da relação entre microbiota fecal e constipação intestinal; e utilização de probióticos no tratamento da constipação intestinal funcional. A Figura 1 mostra o fluxograma do estudo.

Figura 1
Fluxograma do estudo.

Assim, quatro artigos avaliaram as alterações da microbiota fecal na constipação intestinal em crianças e adolescentes.^8,9,13,15 Esses estudos foram realizados na Itália,⁸ nos Estados Unidos,⁹ na Holanda¹³ e no Brasil,¹⁵ e incluíram de 22 a 137 indivíduos. Os métodos utilizados para analisar a microbiota fecal foram diferentes em cada pesquisa. A síntese das informações desses artigos é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Características dos estudos que avaliaram a microbiota intestinal de crianças e adolescentes com constipação intestinal.

Autores, ano, referência, local	n (idade) divisão dos grupos	Definição de constipação	Análise da microbiota fecal	Resultados de crianças com constipação intestinal comparado aos controles
Zoppi et al., 19988 Itália	42 (5-14 anos) 28 com constipação intestinal 14 controles saudáveis	Frequência evacuatória: <1 a cada 48 horas e fezes de consistência endurecida	Material analisado: uma amostra de fezes. Cultura em meios seletivos e não seletivos complementados por ensaio bioquímico	- Contagem total de anaeróbios similar nos indivíduos com e sem constipação intestinal. Na constipação intestinal, foram observados: - maior número de anaeróbios dos gêneros Clostridia (p<0,001) e Bifidobacteria (p<0,02); - maior número de Clostridium que de Bacterioides; - maior número de Clostridium que de Escherichia coli. No grupo controle, as contagens de Clostridia, Bacteroides e E. coli foram similares.
Zhu et al., 20149 Estados Unidos	22 (10-13 anos) oito pacientes obesos com constipação intestinal 14 controles obesos sem constipação intestinal	Diretriz da NASPGHAN (2006):39 atraso ou dificuldade para evacuar, presente por mais de duas semanas	Material analisado: uma amostra de fezes. Pirosequenciamento do gene RNAr 16S	Na constipação intestinal, foram observados: - diminuição do filo Bacteroidetes, especialmente do gênero Prevotella (0,010); - aumento de Firmicutes, especialmente Lachnospiraceae (p=0,042) e Ruminococcaceae (p=0,024); - constipação intestinal não se associou com a diminuição de Lactobacillus e Bifidobacteria.
Meij et al., 201613 Holanda	137 (4-18 anos) 76 com constipação intestinal 61 controles saudáveis	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Material analisado: uma amostra de fezes. Perfil da microbiota baseado no método IS-pro para PCR multiplex	- Não foi encontrada diferença nos filos e na diversidade bacteriana, de acordo com o índice de Shannon. Na constipação intestinal, constatou-se: - aumento de Bacteroides fragilis, Bacteroides ovatus, Bifidobacterium longum, Proteus mirabilis, espécies de Parabacteroides; - diminuição de Alistipes finegoldii e espécies de Ruminococcus.
Moraes et al., 201615 Brasil	79 (3-36 meses) 39 com constipação intestinal 40 controles saudáveis	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Material analisado: uma amostra de fezes Contagem de bactérias totais, Lactobacillus e Bifidobacterium por PCR em tempo real	- Não foi observada diferença nas contagens de bactérias totais e bifidobactérias. - Na constipação intestinal, observou-se menor (p=0,022) concentração de Lactobacillus por miligrama de fezes.

• NASPGHAN: North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition.

Zoppi et al.⁸, utilizando técnicas convencionais de cultura, compararam 28 crianças com constipação intestinal com 14 controles, e observaram aumento estatisticamente significante dos gêneros Clostridium e Bifidobacterium.

No estudo de Zhu et al.,⁹ utilizando pirosequenciamento do gene RNAr 16S, comparou-se a microbiota fecal de oito crianças com constipação intestinal e obesidade com 14 controles obesos. Os autores observaram que a abundância de Bacteroidetes é menor na constipação intestinal (principalmente espécies do gênero Prevotella), enquanto várias famílias e gêneros do filo Firmicutes encontravam-se em maior abundância.

Meij et al.¹³ utilizaram uma técnica denominada IS-pro para PCR (reação em cadeia da polimerase - polymerase chain reaction) multiplex, e observaram maior abundância de bifidobactérias (Bifidobacterium longum, B. fragilis e B. ovatus) em indivíduos com constipação intestinal. A análise de microbiota fecal pôde discriminar os 76 pacientes com constipação dos 61 controles saudáveis com 82% de precisão.

No estudo realizado por Moraes et al.,¹⁵ utilizando PCR em tempo real para pesquisa de Lactobacillus e Bifidobacterium, foi verificada menor concentração de Lactobacillus por miligrama de fezes em crianças com constipação intestinal.

A utilização dos probióticos no tratamento da constipação intestinal funcional foi avaliada em oito artigos,^{16,17,18,19,20,21,22,23} que foram realizados na Itália,^16,17 na Polônia,^18,19 na Holanda e na Polônia,²⁰ no Taiwan,²¹ no Brasil²² e no Irã.²³ As principais características dos estudos são mostradas na Tabela 2.

Tabela 2
Características dos ensaios clínicos randomizados de probióticos, controlados por placebo/comparação na constipação intestinal em crianças e adolescentes.

Estudo, ano, referência	Pacientes		Probiótico		Comparação (n)/apresentação	Duração	Ocultação de alocação/análise cega/intenção de tratamento/perdas de seguimento
	n (idade)	Definição de constipação intestinal	Gênero, espécie e cepa (n)	Dose/apresentação
Banaszkiewicz et al., 200518	84 (2-16 anos)	Menos de três evacuações/sem. por pelo menos 12 semanas	L. rhamnosus GG ATCC 531032 + Lactulose (n=43)	2x/dia 10 9 UFC/cápsulas	placebo + lactulose (n=41)/cápsulas	26 semanas (12 semanas de tratamento)	sim/sim/sim/sim
Bu et al., 200721	45 (1-4 anos)	Menos de três evacuações/sem. por mais de dois meses e fissura anal com sangramento ou escape fecal ou fezes endurecidas/calibrosas	L. casei rhamnosus Lcr35 (n=18)	2x/dia 8 × 108 UFC/cápsulas	MgO (n=18) Placebo (n=9)/cápsulas	quatro semanas	sim/sim/sim/sim
Coccorullo et al., 201016	44 (5-10 meses)	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Lactobacillus reuteri DSM 17938 (n=22)	1x/dia 108 UFC/suspensão oleosa em gotas	Placebo (n=22)/suspensão oleosa em gotas	oito semanas	sim/sim/sim/sim
Tabbers et al., 201120	148 (3-16 anos)	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Bifidobacterium lactis DN-173 010 (n=74)	2x/dia 4,25 x 109 UFC/leite fermentado	Placebo (n=74)/laticínio não fermentado, com baixo teor de lactose	cinco semanas (três semanas de tratamento)	sim/sim/sim/sim
Guerra et al., 201122	59 (5-15 anos)	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Bifidobacterium longum (n=29)	1x/dia 109 UFC/iogurte de cabra	Placebo (n=30)/iogurte de cabra	dez semanas (cruzamento após cinco semanas)	sim/sim/sim/sim
Sadeghzadeh et al., 201423	48 (4-12 anos)	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Protexin* (n=24)	1x/dia 109 UFC + lactulose/sachê	placebo + lactulose (n=24)/sachê	quatro semanas	sim/sim/sim/sim
Russo et al., 201717	55 (4-12 anos)	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Mix de probióticos** + PEG 4000 (n=27)	1 sachê/dia	PEG 4000 (n=28)/sachê	oito semanas	sim/não/sim/sim
Wojtyniak et al., 201719	81 (1-4 anos)	Critério de Roma III (2006) para constipação intestinal funcional	Lactobacillus casei rhamnosus Lcr35 (n=46)	2x/dia 8 × 108 UFC/cápsulas	Placebo (n=48)/cápsulas	quatro semanas	sim/sim/sim/sim

• UFC: unidades formadoras de colônia; PEG: polietilenoglicol (0,4 a 0,8 g/kg/dia); MgO: óxido de magnésio (50 mg/kg/dia); lactulose (1 ­mL/­kg/­dia); ^*Protexin^®: Lactobacillus casei PXN 37, Lactobacillus rhamnosus PXN 54, Streptococcus thermophiles PXN 66, Bifidobacterium breve PXN 25, Lactobacillus acidophilus PXN 35, Bifidobacterium infantis PXN 27 e Lactobacillus bulgaricus PXN 39; ^**mix de probióticos: Bifidobacterium breve M-16 V^®, Bifidobacterium infantis M-63^® e Bifidobacterium longum BB536^®.

As cepas probióticas utilizadas para a intervenção foram predominantemente dos gêneros Bifidobacterium e Lactobacillus: B. lactis DN-173010,²⁰B. longum,²²L. reuteri DSM 17938,¹⁶L. casei rhamnosus Lcr35,^19,21LGG ATCC 531032,¹⁸B. breve M-16 V^®, infantis M-63^®, e longum BB536^®17 e Protexin^® (L. casei PXN 37, L. rhamnosus PXN 54, S. thermophiles PXN 66, B. breve PXN 25, L. acidophilus PXN 35, B. infantis PXN 27, e L. bulgaricus PXN 39).²³

Desses artigos, apenas um constatou maior frequência de sucesso terapêutico do probiótico no tratamento da constipação intestinal com significância estatística, utilizando a cepa Lactobacillus casei rhamnosus Lcr35.²¹ Também se observou maior frequência evacuatória,^16,21,23 melhora da consistência das fezes,^21,23 redução de dor abdominal,²¹ redução da dor ao evacuar²² e redução de flatulência.²⁰ Os principais resultados são mostrados na Tabela 3.

Tabela 3
Resumo dos resultados dos estudos que avaliaram o papel dos probióticos na terapêutica da constipação intestinal em crianças e adolescentes.

Autor, ano, referência e local	Probiótico	Resultados de crianças com constipação intestinal comparado ao grupo controle
Banaszkiewicz et al., 200518 Polônia	L. rhamnosus GG (ATCC 531032)	Sucesso do tratamentoa foi similar (p>0,05) na 12a semana (grupo experimental=72% e grupo controle=68%) e na 24a semana (grupo experimental=64% e grupo controle=65%). Sem diferença entre grupos quanto ao número semanal de evacuações, ao esforço evacuatório, ao escape fecal e ao número de doses necessárias de laxante.
Bu et al., 200721 Taiwan	L. casei rhamnosus Lcr35	Maior (p=0,01) sucesso do tratamentoa nos grupos óxido de magnésio (72,2%) e probiótico (77,8%) comparado ao placebo (11,1%). Os grupos óxido de magnésio e de probiótico apresentaram maior (p=0,03) frequência de evacuação, menor (p=0,01) frequência de fezes endurecidas e menor (p=0,04) frequência de uso do enema de glicerina em relação ao placebo. Episódios de dor abdominal foram menos frequentes (p=0,03) no grupo probiótico comparado aos grupos óxido de magnésio e placebo. Houve aumento da porcentagem de lactobacilos na microbiota anaeróbia após o tratamento probiótico (p=0,03) e quando comparado aos grupos óxido de magnésio e placebo (p=0,02), sem correlação com a frequência evacuatória. Não houve diferença entre os grupos quanto à frequência de uso de lactulose, episódios de escape fecal e alteração de apetite.
Coccorullo et al., 201016 Itália	Lactobacillusreuteri DSM 17938	Sem definição de sucesso terapêutico. Maior frequência de evacuações com probiótico na segunda (p=0,042), quarta (p=0,008) e oitava (p=0,027) semanas de tratamento versus controle. Não se observou diferença entre os grupos quanto à consistência das fezes. Houve aumento (p=0,02) dos episódios de choro inconsolável ​​no grupo probiótico. No grupo controle, também se observou aumento dos choros inconsoláveis, no entanto não atingiu significância estatística (p=0,08).
Tabbers et al., 201120 Holanda e Polônia	Bifidobacterium lactis DN-173 010	Sucesso do tratamentob maior no grupo probiótico (38%) comparado ao grupo placebo (24%), mas diferença sem significância (p=0,06). No grupo probiótico, constatou-se redução (p=0,02) da frequência de flatulência. Não houve diferença entre os grupos probiótico e controle quanto à frequência evacuatória, à consistência das fezes, à incontinência fecal, à dor durante a evacuação, à dor abdominal e ao uso de bisacodil. Observou-se maior ingestão de bisacodil no grupo controle (p=0,0069).
Guerra et al., 201122 Brasil	Bifidobacterium longum	Não apresentam dados totais obtidos nos dois períodos de intervenção com probiótico ou controle. Mencionam que, no grupo probiótico, considerada a totalidade dos resultados, houve diferença significante na frequência de evacuações, na dor nas evacuações e na dor abdominal.
Sadeghzadeh et al., 201423 Irã	Protexin®	Sem definição de sucesso terapêutico. No final da quarta semana constatou-se, no grupo probiótico, maior (p=0,042) frequência evacuatória e melhora (p=0,049) da consistência das fezes, quando comparado ao grupo placebo. Na primeira semana de intervenção, constatou-se menor (p=0,030) frequência de incontinência fecal, menor frequência (p=0,017) de dor abdominal e maior ganho de peso (p=0,002). Essas variáveis foram similares na quarta semana do estudo.
Russo et al., 201717 Itália	Bifidobacterium breve M-16 V®, Bifidobacterium infantis M-63® e Bifidobacterium longum BB536®	Na segunda semana de estudo, sucesso do tratamentoc maior com PEG (72%) comparado ao grupo PEG+mistura probiótica (59%) (p=0,02). Após um mês (quarta semana), sem diferença no sucesso do tratamento entre grupo PEG (88%) e grupo PEG+mistura probiótica (81,8%). Não houve diferença entre os grupos quanto à frequência evacuatória, à consistência das fezes, à dor abdominal, à incontinência fecal e ao sangramento retal após dois meses (oitava semana) de estudo. Um mês após o término do estudo (12a semana), observou-se taxa de remissão clínica no grupo PEG+mistura probiótica em 64% dos pacientes e 52% no grupo que recebeu apenas PEG (p=0,28).
Wojtyniak et al., 201719 Polônia	Lactobacillus casei rhamnosus Lcr35	Não houve diferença no sucesso do tratamentoa entre os grupos. No grupo probiótico, houve menor (p=0,005) frequência evacuatória em todas as semanas de estudo comparado ao grupo placebo. Ao comparar desde a linha de base até a quarta semana de estudo, constatou-se aumento (p<0,001) na frequência evacuatória e melhora (p<0,001) da consistência das fezes em ambos os grupos.

• PEG: polietilenoglicol; ^asucesso do tratamento definido como >3 evacuações espontâneas por semana, sem escapes fecais; ^bsucesso do tratamento definido como >3 evacuações/semana, <1 episódio de incontinência fecal nas últimas duas semanas de consumo do produto; ^csucesso do tratamento definido como ≥3 evacuações por semana; consistência de fezes ≥ tipo 3, de acordo com a escala de Bristol; e nenhum episódio de dor abdominal, incontinência fecal, evacuação dolorosa e sangramento retal.

DISCUSSÃO

Microbiota de crianças com constipação intestinal

Apesar do acelerado crescimento de conhecimentos e da literatura científica sobre microbiota intestinal e probióticos, a presente revisão sistemática mostrou que as informações são muito limitadas no que se refere ao perfil da microbiota intestinal em crianças e adolescentes com constipação intestinal. Não foi encontrada nenhuma revisão sistemática sobre esse tema.

Conforme pode ser observado na Tabela 1, os quatro artigos que avaliaram a microbiota intestinal em crianças com constipação intestinal utilizaram métodos de análise diferentes. Assim, torna-se difícil comparar as diferenças encontradas na microbiota intestinal em cada um dos estudos.²⁴

Evidencia-se que os resultados obtidos sobre a microbiota fecal de crianças e adolescentes com constipação intestinal são discrepantes. As diferentes metodologias empregadas para a análise da microbiota fecal dos indivíduos estudados e diferentes espécies de bactérias avaliadas inviabilizaram a determinação de um padrão específico de anormalidades da microbiota fecal em pacientes com constipação intestinal.

No que se refere ao estudo realizado nos Estados Unidos,⁹ deve ser destacado que foram avaliados pacientes com e sem constipação intestinal, no entanto todos apresentavam obesidade. Deve ser lembrado que a obesidade, isoladamente, está associada a alterações da microbiota intestinal.^13,25,26

Outros aspectos que dificultam a comparabilidade dos resultados obtidos são a elevada variabilidade interindividual da microbiota fecal e a heterogeneidade clínica das populações estudadas.^13,27 Outro fator é a idade dos pacientes estudados, considerando-se que crianças antes dos três anos de idade estão em fase de implantação da microbiota, o que poderia interferir nos resultados.²⁸

Portanto, são necessários novos estudos com casuísticas mais amplas e homogêneas, preferencialmente utilizando as modernas técnicas de biologia molecular, para que se estabeleçam com maior precisão o perfil da microbiota intestinal de crianças e adolescentes com constipação intestinal.

Uso de probióticos para o tratamento de constipação intestinal em crianças e adolescentes

De acordo com a literatura, existem vários mecanismos que potencialmente podem explicar a ação dos probióticos no tratamento da constipação intestinal funcional: modificação da microbiota intestinal, considerando as alterações que têm sido evidenciadas em indivíduos com constipação intestinal; aumento da produção de lactato e ácidos graxos de cadeia curta, reduzindo o pH luminal, que poderia melhorar o peristaltismo colônico e diminuir o tempo de trânsito intestinal.^8,29,30,31 Nesse contexto, é crescente o interesse em empregar os probióticos no tratamento da constipação intestinal.

A definição de sucesso terapêutico é um critério importante ao se avaliar a eficácia de intervenções terapêuticas. Em crianças e adolescentes com constipação intestinal é importante avaliar não somente frequência evacuatória como também consistência das fezes como parâmetros que façam parte da definição de sucesso terapêutico.³² Conforme descrito na Tabela 3, entre os ensaios clínicos incluídos nesta revisão sistemática, em apenas um foi considerada a consistência das fezes como parte da definição de sucesso terapêutico.¹⁷ Em parte dos artigos não foi definido sucesso terapêutico e foram avaliadas diferentes variáveis isoladamente.^16,22,23

Conforme pode ser observado na Tabela 2, três estudos realizaram intervenção com probiótico associado a laxantes: polietilenoglicol¹⁷ e lactulose.^18,23 Porém, essas medicações são, por si só, intervenções terapêuticas eficazes para o tratamento da constipação intestinal,^1,4,5 e sua associação aos probióticos pode caracterizar um importante viés, pois poderiam impedir que fosse evidenciado o papel terapêutico dos probióticos, além de haver dificuldade de comparação dos estudos em relação ao tempo de duração da constipação e ao uso de laxantes, podendo interferir no sucesso do tratamento com probióticos. Assim, é interessante que em estudos futuros esse tipo de delineamento seja evitado.

Entre os ensaios clínicos nos quais foram utilizados os probióticos sem associação com laxantes, em apenas uma pesquisa constatou-se maior sucesso terapêutico do probiótico em relação ao placebo. ²¹ Nesse artigo, observou-se ainda que o efeito do probiótico L. casei rhamnosus Lcr35 foi semelhante ao do óxido de magnésio administrado em um terceiro grupo do ensaio clínico (Tabela 3).

Ainda na Tabela 3, podemos observar que foram encontrados efeitos benéficos não uniformes de determinados probióticos em algumas manifestações clínicas da constipação intestinal, que proporcionaram aumento da frequência evacuatória,^16,21,23 melhora da consistência das fezes,^21,23 redução da dor abdominal,²¹ redução da dor ao evacuar²² e redução da flatulência.²⁰

Nesses estudos de intervenção que utilizaram probióticos, não foi avaliada a composição da microbiota intestinal antes e após a administração de probióticos. Assim, os efeitos clínicos observados sobre a motilidade e as características do hábito intestinal, atribuídos ao uso dos probióticos, não puderam ser associados a mudanças específicas na composição da microbiota intestinal.

Quanto à qualidade metodológica dos ensaios clínicos analisados, destaca-se que o único ensaio clínico randomizado cruzado²² não menciona período de wash-out entre o cruzamento das intervenções. Assim, na segunda etapa do estudo, poderia haver efeito residual dos probióticos. É importante também relatar que vários estudos não possuem tamanho amostral adequado, sendo composto de amostras de conveniência com número pequeno de participantes, o que dificulta a comparação e a confiabilidade dos dados obtidos.

Dessa maneira, constatou-se que os estudos de intervenção com probióticos incluídos na presente revisão sistemática são heterogêneos quanto à população estudada, às cepas probióticas utilizadas, às dosagens para o tratamento, à duração de estudo, à forma de acompanhamento, às definições e aos parâmetros utilizados para avaliação do efeito da intervenção no controle da constipação intestinal em crianças e adolescentes. Portanto, os dados obtidos não permitem que seja feita recomendação específica quanto ao uso dos probióticos no tratamento da constipação intestinal funcional.

Na literatura, foram encontrados cinco artigos de revisão sistemática,^{30,33,34,35,36} sendo dois com metanálise,^30,34 abordando o uso dos probióticos na terapêutica da constipação intestinal funcional em crianças e adolescentes. Artigo publicado em 2010³³ incluiu dois ensaios clínicos em crianças^18,21 e três ensaios clínicos em adultos, e concluiu que apenas o L. ­rhamnosus Lcr35 mostrou efeito benéfico para o tratamento da constipação intestinal em crianças. Uma revisão sistemática e metanálise publicada em 2014³⁴ avaliou o uso de probióticos para os distúrbios gastrintestinais funcionais em pediatria. Foi relatado que os probióticos LGG, L. reuteri DSM 17 938 e VSL#3^® tiveram efeito superior ao placebo no tratamento de dor abdominal funcional e síndrome do intestino irritável. No entanto, não foi encontrada evidência indicando eficácia dos probióticos no tratamento da constipação intestinal funcional. Uma revisão sistemática publicada em 2016³⁵ sobre o uso de prebióticos, probióticos e simbióticos para o tratamento da constipação intestinal funcional em crianças concluiu que ainda não existem evidências suficientes para sustentar a recomendação dos probióticos nesse tratamento. Simultaneamente à realização do presente artigo, foram publicadas duas revisões sistemáticas^30,36 abordando esse tema. Em 2017, uma revisão sistemática com metanálise destacou a efetividade dos probióticos para a melhoria da frequência evacuatória em crianças asiáticas, e destacou a heterogeneidade dos estudos.³⁰ Outra revisão sistemática, publicada nesse mesmo ano, incluiu estudos publicados até fevereiro de 2017, e avaliou sete ensaios clínicos.^{16,18,19,20,21,22,23} Foi destacado que algumas cepas probióticas apresentaram alguns efeitos na frequência das evacuações, mas sem efeitos na frequência de incontinência fecal e dor abdominal.³⁶

Diante da heterogeneidade dos ensaios clínicos realizados com crianças e adolescentes, evidencia-se a necessidade de padronização dos critérios e definições utilizados para permitir a comparação entre os efeitos de diferentes intervenções terapêuticas, conforme mencionado na literatura.^37,38 Portanto, independentemente das análises realizadas, não existem evidências suficientes que respaldem a recomendação dos probióticos para o tratamento da constipação intestinal em crianças e adolescentes, sendo considerada a abordagem ideal o tratamento da desimpactação fecal, o uso de medicação oral e o processo educativo dos familiares e pacientes³⁹.

Não foi possível determinar um padrão específico de anormalidades da microbiota fecal na constipação intestinal em crianças e adolescentes.

Foram evidenciados efeitos benéficos não uniformes dos probióticos em algumas manifestações clínicas da constipação intestinal nessa população. Porém, os ensaios clínicos ainda são escassos e heterogêneos, e seus resultados são controversos.

Até o presente momento, não existem evidências científicas que respaldem a suplementação com probióticos para o tratamento da constipação intestinal funcional em crianças e adolescentes.

Assim, são necessárias novas pesquisas com metodologias bem estabelecidas e homogêneas para determinar relações causais entre alteração da microbiota fecal e constipação intestinal, bem como sobre a eficácia do uso dos probióticos no seu tratamento em crianças e adolescentes

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Financiamento

• O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Nov 2019
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  25 Abr 2018
• Aceito
  30 Ago 2018
• Publicado
  08 Nov 2019