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Inter-relações ambiente e saúde no uso de poços oficiais para consumo humano em áreas de contaminação dos recursos hídricos subterrâneos

Environment and health interrelations in the use of official wells for human consumption in areas of contamination of groundwater resources

RESUMO

O presente artigo aborda o uso de fontes alternativas de abastecimento no município de São Paulo, com objetivo de analisar como a desregulamentação do setor poderá oferecer riscos à saúde da população, avaliar custos incorridos no saneamento nessas áreas e estimar custos que possam ocorrer no Sistema Único de Saúde (SUS). Foi feita revisão bibliográfica e projeção econométrica do impacto das doenças de veiculação hídrica no orçamento do SUS. Resultados demonstraram que, para cada 1.000 m3 de outorga concedida, serão 3.320 usuários em situação de vulnerabilidade, cujos subsídios foram sonegados, gerando custo social, déficit na universalização do saneamento e necessidade de criação de 180 leitos no SUS.

PALAVRAS-CHAVES
Regulação Governamental; Sistema Único de Saúde; Poços Artesianos; Poluentes do Solo

ABSTRACT

This article discusses the use of alternative sources of water supply in São Paulo, aiming to analyze how deregulation may present a risk to public health and sanitation costs incurred to evaluate these areas and to estimate costs that may occur in the Unified Health System (SUS). Literature review and projection of the impact of waterbome diseases in the SUS budget were performed. Results showed that for every 1,000 m3 of water right concession, will be awarded 3,320 users in vulnerable situations, whose allowances were withheld, generating social cost, universal deficit in sanitation and the need to create 180 beds in the SUS.

KEYWORDS
Govemment Regulation; Unified Health System; Artesian Wells; Soil Pollutants

Introdução

Apesar de existirem estudos demonstrando a inter-relação saneamento, uso de fontes alternativas de abastecimento em áreas contaminadas e saúde, não há estudos que avaliem os custos incorridos pela desregulamentação do setor de saneamento sobre a saúde e sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Indaga-se que, se por um lado a utilização de fontes alternativas de abastecimento, especialmente por grandes usuários, desafoga o já esgotado sistema de abastecimento, por outro lado envolve impactos e custos ainda não calculados sobre a saúde, que será objetivo do presente artigo. Para isso, foi feita revisão bibliográfica sobre legislação e regulamentação do setor, uso de fontes alternativas de abastecimento e áreas contaminadas e estudos econométricos da correlação da mortalidade infantil com saneamento no Brasil. Posteriormente, foi feita uma análise adotando metodologia de dados em painel do efeito específico dos custos dos subsídios nas variáveis não observadas da saúde, no período de 1993 a 2010. O trabalho utiliza referencias do SUS e Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SINISA) para avaliar os custos e riscos regulatórios do mercado de usuários de poços e reflexos na saúde pública.

Legislação aplicável e desregulamentação do setor

A política nacional de recursos hídricos e o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos são regidos pela Lei Federal n° 9.433/97. Essa lei, no entanto, não define de maneira clara e objetiva os critérios de competência para exploração da água e tampouco estabelece a forma de integração com o setor de saneamento, embora adote como diretriz, entre outras, a integração com a gestão ambiental e uso do solo. Da análise dessa lei, chama à atenção a diretriz que trata da orientação ao planejamento, integrando recursos hídricos e usos setoriais dos mesmos.

A Lei Federal n° 11.445/2007 – marco regulatório do setor de saneamento – estabelece a obrigatoriedade de toda edificação permanente urbana ser conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponível e pagamento de tarifas e outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços. As soluções individuais somente são aceitas na falta da prestação do serviço, mas não se permite que a instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água seja também alimentada por outras fontes. Ainda, no capitulo dos aspectos econômicos, trata da autorização, nos estabelecimentos industriais e comerciais, à pratica de modalidades diferenciadas de tarifas reduzidas para contratos de demanda firme com tais usuários institucionais – comerciais e condomínios com administração profissional – e industriais, previamente autorizadas pela própria legislação federal.

A legislação da potabilidade das águas, regulamentada pelo Decreto Federal n° 5.440 de 04 de Maio de 2005 do Ministério da Saúde, estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade de água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao usuário sobre a qualidade da água para consumo humano. Aplica-se à prestadora dos serviços públicos e também às soluções alternativas de abastecimento que, destacase, devem cumprir a referida lei. Além disso, estabelece a obrigatoriedade, forma e periodicidade em que se deve comunicar a qualidade da água, estabelecendo normas sobre a comunicação das soluções alternativas.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (ANVISA/MS) tem por atribuição a responsabilidade pela normatização e fiscalização dos serviços de saneamento prestados pelas concessionárias ou por grandes usuários de fontes alternativas de abastecimento já contempladas nas diretrizes do SUS. A finalidade institucional é de promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados [...] (art. 6° da Lei n° 9.782/1999). Possui, inclusive, a prerrogativa da aplicação do princípio da precaução, o que significa que a tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação que pode causar prejuízo, mas, também, a omissão.

Ramalho (2007)8 RAMALHO, P. I. S. (Org.). Relatório Anual de Atividades da Anvisa – 2006. Brasília: ANVISA, 2007, v. 1., 424 p. remete à ANVISA/MS a coordenação da produção normativa, A falta de efetividade de normas regulatórias é por vezes atribuída ao desconhecimento dos cidadãos e a resistência ou ausência de adesão de agentes econômicos, o que frequentemente ocasiona a judicialização da ação regulatória. Tal falta de efetividade é fruto de um conjunto de fatores, entre eles, falta de clareza na formulação; regulações produzidas em excesso e sem definição de prioridades; regulamentos desnecessários ou sobrepostos, que não podem contar com efetivo monitoramento ou capacidade de enforcement, A má formulação ou má aplicação dos atos normativos frequentemente resulta em custos elevados para seu cumprimento. Há ainda a conhecida questão cultural de desrespeito às regras emanadas pelo Estado, o que certamente redundará no descrédito das agências reguladoras.

No Plano Diretor de Vigilância Sanitária – PDVISA (BRASIL, 20072 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Plano diretor de vigilância sanitária. Brasilia, ANVISA, 2007.), publicado pela Portaria Gabinete do Ministro/Ministério da Saúde (GM/MS) n° 1.052, de 08 de maio de 2007, que contempla as diretrizes norteadoras necessárias à consolidação e fortalecimento do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), resta clara a função de atuar na prevenção, eliminação ou minimização do risco sanitário nos diversos espaços, promovendo e protegendo a saúde da população. Isso significa aplicação do princípio da precaução como valor fundamental que deve pautar as ações de vigilância sanitária.

Apresentado o arcabouço legal, podem ser identificados aspectos técnicos contemplados no monitoramento da qualidade da água para consumo humano a serem cumpridos pela concessionária e pelos grandes usuários de fontes alternativas. No entanto, quando se trata da capacidade de fiscalização pelas Vigilâncias Sanitárias dos municípios, no cumprimento de tal norma, fica evidente o comprometimento do rigor nos moldes atuais das estruturas públicas. Por outro lado, a possibilidade de redução de custos pelos grandes usuários no uso de fontes alternativas, estende-se à redução dos números de amostras e frequência de análises, bem como dos parâmetros exigidos na legislação.

O fato é que, embora haja lei, os usuários de fontes alternativas não são tratados pela fiscalização com rigor, trazendo grandes riscos à saúde pública pela negligência da não obrigatoriedade do monitoramento pela Vigilância Sanitária.

Outro aspecto considerado essencial para o adequado desenvolvimento da função de regulação é o reconhecimento do caráter intersetorial dos objetos das ações de Vigilância Sanitária, o que torna necessária a articulação com Agências Reguladoras dos Serviços de Saneamento e Meio Ambiente pela normatização e acompanhamento de produtos, serviços e ações, mediante a criação de estratégias de integração e discussão com os diferentes atores envolvidos.

Publicação do World Bank (2009b)16 WORLD BANK. World Development Report 2010: development and climate change. Washington: World Bank, 2009b. 300 p. afirma que a regulação econômica dos serviços de água e esgoto possui intersecção com outras importantes áreas que devem ser reguladas. Tais áreas de intersecção referem-se a questões que podem ser resolvidas pela regulação econômica ou por outra forma de regulação. Essas intersecções se dão em quatro dimensões: proteção ao usuário; saúde e segurança; meio ambiente e objetivos sociais.

Para Juliano e Turolla (2009)5 JULIANO, E. F. G. A.; TUROLLA, F. A. Diagnóstico da utilização crescente das fontes alternativas de abastecimento – o papel do estado, do regulador e das concessionárias, frente aos riscos de saúde dos consumidores, e a ausência de políticas públicas. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL (ABES). Anais do 25° Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. 2009. p. 107-212., existem duas questões que definem as falhas de mercado inerentes ao setor. Uma envolve a saúde pública, enquanto um bem público. Nesse caso, os benefícios sociais de ações e investimentos em saneamento são bem maiores do que eventuais ganhos de uma só pessoa. Se comparável com a teoria do marketing, tratam-se de bens intangíveis, cujo retorno de investimento é de difícil mensuraçáo. Estima-se que 60% das internações da população infantil do Brasil têm como causas doenças de veiculação hídrica. Os ganhos em saúde pública são demonstrados em World Bank (2009a)15 WORLD BANK. World Development Indicators. Washington: World Bank, 2009a., que demonstram que a ampliação de 1% da cobertura sanitária para população de renda entre um a cinco salários mínimos reduziria em 6,1% as mortes na infância, A segunda deriva da falta de informações dos usuários em relação à importância de tratamento e controle da água; a origem dessa água, especialmente quando proveniente de fontes alternativas; a ineficiência na fiscalização dos diversos órgãos; a diferenciação de preços se cumpridos ou não os padrões de qualidade da água e o descaso dos compradores comerciais e industriais.

São levadas em conta as considerações dos problemas da concorrência estabelecida, em quais segmentos de usuários ela se estabeleceu, e das questões de como excepcioná-los da regulação considerando:

  • O risco iminente de doenças de veiculação hídrica em grande escala, seguidas ou não de morte, acarretando maiores gastos de Saúde Pública devido ao retrocesso no rigor do controle da qualidade da água de abastecimento público;

  • A violação do direito de exclusividade à prestadora dos serviços públicos estabelecido pelas leis federais e municipais, fonte do subsídio à população em situação de vulnerabilidade social, sem mecanismos regulatórios de reequilíbrio da prestação dos serviços;

  • O impacto nas operações e serviços da prestadora para a manutenção dos níveis de investimentos para a universalização dos serviços, sem o grande usuário subsidiador;

  • A atuação do perfurador de poços na ilegalidade não é objeto de regulação ou fiscalização. Não há barreiras de entrada e atuam exclusivamente no segmento de grandes consumidores, cujos custos de operação são menores e a rentabilidade maior (estratégia de cream skimming), Essa prática impossibilita o mecanismo de subsídios cruzado por tarifárias.

Uso de fontes alternativas

Motivados pelo último racionamento na região metropolitana de São Paulo e pelo aumento nas tarifas nos últimos dez anos, os grandes usuários industriais e comerciais incorporaram fontes alternativas de abastecimento de água, buscando fornecimento por caminhões pipa e, sobretudo, de poços artesianos e semiartesianos. Pesquisas realizadas com grandes usuários apontam a concessionária como a fonte de abastecimento menos viável, justificando essa posição com os altos preços cobrados, o que corresponde, justamente, à principal razão de viabilidade das principais fontes alternativas. Qualidade é o segundo motivo, mas entendido que a água fornecida pela concessionária apresenta padrões de qualidade superiores às suas necessidades, por isso não estão dispostos a pagar por atributos que não valorizam e muitas vezes não necessitam para seu processo produtivo.

O Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) é o órgão gestor dos recursos hídricos no Estado de São Paulo e cabe a este, após a edição da Lei n° 7.663/91, o cadastro e outorga do direito de uso dos recursos hídricos. Conforme informação constante no DAEE, de 1992, quando foram iniciadas as outorgas, até maio de 2011, houve a emissão de 57.820 outorgas de uso da água no Estado de São Paulo referentes a captações, lançamentos, obras hidráulicas, entre outros usos.

A despeito do preço das outorgas ser baixo e das ações de publicidade pelo DAEE e Secretaria do Meio Ambiente informando sobre a sistemática hoje adotada, é alto o número de poços clandestinos que são identificados pela concessionária, uma vez que, periodicamente, é feita compatibilização de banco de dados de usuários entre DAEE e concessionárias de serviços de saneamento.

Embora não se tenha acesso a números oficiais do DAEE, o relatório final de Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela poluição de águas superficiais e subterrâneas estimou, em 2008, entre 3 a 4 mil poços ilegais no Estado de São Paulo, além dos outorgados pelo DAEE (SÃO PAULO, 200810 SÃO PAULO (Cidade). Câmara Municipal. Relatório final de Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela poluição de águas superficiais e subterrâneas. 2008. Disponível em: <http://www1.camara.sp.gov.br/central_de_arquivos/vereadores/Relatorio-CPI-Aguas.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012.
http://www1.camara.sp.gov.br/central_de_...
).

Prevê-se que o número de poços tubulares perfurados anualmente seja da ordem de 10.800 unidades, podendo alcançar 54.600 poços no ano de 2020 (CARDOSO et al. 20083 CARDOSO, F. et al. Poços tubulares construídos no Brasil. In: Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, 15, Natal. Natal: ABAS. CD-ROM, 2008.; REBOUÇAS, 19889 REBOUÇAS, A. Ground water in Brazil. Episodes, Bangalore, v. 11, n. 3, mar. 1988, p. 209-214.)

Embora seja usual e conhecido o uso de poços em muitas regiões do país, o que demanda preocupação e maiores estudos é a situação de grandes usuários que estão fazendo uso de poços de forma não controlada, afetando a gestão financeira do setor e podendo ocasionar grandes danos à saúde pública.

Anualmente, aumentam (CETESB, 2010a) os casos de poços tubulares localizados na região metropolitana de São Paulo, que apresentam contaminação por substâncias orgânicas tóxicas, devido ao fato da intensa industrialização da região, iniciada na primeira metade do século XX, onde muitos efluentes industriais e contaminantes dispostos de forma inadequada percolaram no solo contaminando os aquíferos superficiais e profundos, e por meio de vasos comunicantes ampliam a pluma de contaminação. Na atualidade, a grande densidade de postos de serviço com tanques de combustíveis com possibilidade de vazamento faz dessa atividade uma das principais fontes de poluição das águas subterrâneas nos perímetros urbanos.

Relatório divulgado, no final de 2010, pela CETESB apresenta 1.674 áreas contaminadas, 163 áreas reabilitadas, 742 áreas em processo de reabilitação e 1.096 áreas contaminadas sob investigação, em um total de 3.675 áreas, o que equivale um aumento de 62% das áreas contaminadas, em relação a 2007 (SÃO PAULO, 200711 SÃO PAULO (Cidade). Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB). Relação de áreas contaminadas e reabilitadas no estado de São Paulo. 2007. Disponível em: <http:/www.emtermos.com.br/ABMS/Rel_Cetesb.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2012.
http:/www.emtermos.com.br/ABMS/Rel_Cetes...
; SÃO PAULO, 2010b12 SÃO PAULO (Cidade). Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB). Relação de áreas contaminadas e reabilitadas no estado de São Paulo. 2010b. Disponível em: <http//www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/areas-contaminadas/texto_explicativo _ dez_10.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012.
http//www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/fil...
).

Questionários analisados por Juliano e Turolla (2009)5 JULIANO, E. F. G. A.; TUROLLA, F. A. Diagnóstico da utilização crescente das fontes alternativas de abastecimento – o papel do estado, do regulador e das concessionárias, frente aos riscos de saúde dos consumidores, e a ausência de políticas públicas. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL (ABES). Anais do 25° Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. 2009. p. 107-212., respondidos por usuários de poços sobre o conhecimento prévio à perfuração da obrigatoriedade das análises bacteriológicas e fisicoquímicas, bem como dos custos necessários às manutenções para reparos em relação às vazões dos poços, e seu eventual processo de esgotamento, demonstram que não é desprezível a percentagem daqueles que se queixam da ausência de orientação do órgão outorgante e do custo dessa alternativa, particularmente, em relação à manutenção dos equipamentos necessários para a extração da água, e obrigatoriedade ao cumprimento do decreto federal n° 5.440/01 do Ministério da Saúde na integralidade, que dispõe acerca da potabilidade da água para consumo humano, conhecidos muitas vezes somente após a perfuração. A pesquisa conclui que as motivações da evasão para fontes alternativas é a redução dos custos com água, seguida do esgoto – fraudes com lançamento clandestino de efluentes industriais –, e intermitência do abastecimento. Por outro lado, identificaram que a Vigilância Sanitária não fiscaliza a realização ou o resultado das análises das fontes alternativas em atendimento à legislação, cujos critérios como frequência e tipo estão definidos pela mesma, e semelhantemente não realizam coletas de amostras para verificação comprobatória de laudos de potabilidade.

Identifica-se grande desconhecimento dos usuários de suas responsabilidades perante à Lei Federal de Crimes Ambientais e penalidades, que podem abranger multas e processo judicial, por descumprimento à legislação de potabilidade e poluição causada pelo efluente. Consequentemente, não há publicação das análises de potabilidade, sendo total o desconhecimento dos usuários finais acerca de seus direitos de informação, das práticas dos grandes usuários e dos riscos do uso de água para consumo humano de fontes alternativas. Isso ocorre especialmente para os grandes usuários comerciais que recebem público de diversas regiões (centro de abastecimento e entreposto, hospitais, shoppings centers para as praças de alimentação, hipermercados, clubes, escolas, hotéis, flats, aeroportos, centros de conferências, rodoviárias e outros lugares de alta concentração de pessoas), bem como os condomínios residenciais ou mistos, que passaram a ser alvo da prática desregulamentada.

Do ponto de vista ambiental, a utilização cada vez mais intensa das águas subterrâneas na região metropolitana de São Paulo para usos em indústrias, comércios e condomínios residenciais causará queda contínua dos níveis de água dos aquíferos, gerando perdas de sua espessura saturada e, por conseguinte, de suas reservas e disponibilidades. As principais fontes de poluição para as águas subterrâneas estão relacionadas ao uso do solo para disposição de resíduos e infiltração de efluentes das atividades químicas, mecânicas, metalúrgicas e curtume, além de fontes consideradas difusas como a agricultura, onde notadamente o uso de adubos pesados e o uso inadequado de pesticidas contribuem sobremaneira para a contaminação das fontes de abastecimento.

Inter-relações saneamento e saúde

O Projeto Jurubatuba (SÃO PAULO, 200913 SÃO PAULO (Cidade). Secretaria do Meio Ambiente. Secretaria de Saneamento e Energia. Projeto Jurubatuba: restrição e controle de uso de água subterrânea. São Paulo: DAEE/IG, 2009. (Cadernos do Projeto Estratégico Aquiferos, n. 1).) confirma as articulações intraórgãos e complexidade das ações para tratar o uso de poços em áreas com riscos de contaminação e agravos à saúde coletiva com possíveis elevações de ocorrências de doenças de veiculação hídrica e degenerativas, e retrocesso nos indicadores já alcançados de redução da mortalidade infantil e demais benefícios provenientes do desenvolvimento e conquistas do saneamento no Brasil e dos programas da saúde coletiva.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)4 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb2008/PNSB_2008.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
revela que cerca de ¼ das residências do país não contam com serviço de água potável e quase metade não tem serviço de esgoto. Com relação aos ganhos em termos de saúde pública, destaque-se que cerca de 60% das internações da população infantil no Brasil tem como causas doenças de veiculação hídrica, cujos gastos anuais com doentes por essas causas são da ordem de US$ 2,5 bilhões, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo dados do SUS, a cada R$ 1,00 investido em saneamento, as cidades economizam R$ 5,00 em medicina curativa da rede de hospitais e ambulatórios públicos, A pobreza, combinada com baixos índices de saneamento básico, é responsável pela morte de uma criança a cada dez segundos (IBGE, 2008). Estima-se que a ampliação de 1% da cobertura sanitária para a população enquadrada entre 1 e 5 salários mínimos reduziria em 6,1% as mortes na, infância (WORLD BANK, 199814 WORLD BANK. World Development Indicators. Washington: World Bank, 1998.).

As diversas publicações que citam saneamento como driver para a saúde coletiva em comparação ao banco de dados do SUS concentram-se em citações, na sua maioria, qualitativas, não trazendo informações suficientemente claras para estabelecer correlações matemáticas e estudos econométricos, O acesso aos serviços de saneamento básico nas três últimas décadas trouxe benefícios importantes para a população.

Mendonça e Mota (2005)7 MENDONÇA, M. J. C.; MOTTO, R. S. Texto para discussão n° 1081, Saúde e Saneamento no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão/ Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2005. calcularam os custos de redução de mortalidade pelo acesso a serviços de saneamento que afetam a incidência de mortalidade por doenças de veiculação hídrica no Brasil Assim, pode-se reduzir a mortalidade infantil por meio de prevenção pelo acesso aos serviços de saneamento ou atuar na remediação via acesso a serviços de saúde com a expansão da rede hospitalar ou aumento geral nos gastos com saúde. Em referência aos serviços de saneamento na redução da mortalidade infantil em número de mortes evitadas ante um cenário de aumento de acesso a esses serviços, a estimativa do custo econômico desse aumento de acesso que, dividido pelo número de mortes evitadas, nos daria uma dimensão do custo médio de morte evitada para cada serviço.

Juliano e Malheiros (2011)6 JULIANO, E. F. G. A.; MALHEIROS, T. F. Desregulamentação no saneamento, custos no Sistema Único de Saúde e a utilização de taxas de entrada como mecanismo de regulação econômica. In: ANAIS Regulação: caminho para o desenvolvimento sustentável do Vil Congresso Brasileiro de Regulação. Brasília: ABAR, 2011. atribuem a redução dos índices de mortalidade infantil e doenças de veiculação hídrica à prestação dos serviços públicos de água e esgotamento sanitário, uma vez que as vigilâncias sanitárias até hoje não foram aparelhadas para tal fiscalização e autuação dos serviços. Os diferentes índices no país são resultado dos diferentes desempenhos de gestão, sendo evidente o risco de contaminações sucessivas, provenientes da omissão do Estado na fiscalização das fontes alternativas oficiais, bem como nas clandestinas, e a liberalidade na emissão de outorgas, cuja finalidade de uso é consumo humano. Tal análise remete à avaliação do impacto de possíveis retrocessos provenientes de um relaxamento do uso das águas para abastecimento público com qualidade diversa das produzidas e entregues pelas concessionárias. Ganhos obtidos nos últimos 30 anos podem estar sujeitos a reduções consideráveis e perdas que não representarão apenas as externalidades calculadas para internações e óbitos, tomando por base o SUS, mas maiores serão as perdas intangíveis das vidas daqueles mais vulneráveis: crianças de zero a cinco anos, com maiores ocorrências na faixa de zero a um ano de vida. Considerando, ainda, que o risco de contaminações e, consequentemente, internações seguidas ou não de morte aumentem proporcionalmente ao crescimento da emissão de outorgas, e que os gastos públicos com saúde crescerão nessa mesma proporção, será feita uma análise, a seguir, do balanço hídrico para identificar a quantidade de águas de abastecimento alternativo comprovado por outorgas que abastecem a população de São Paulo e gastos públicos provenientes de tal prática.

Embora as águas do Aquífero São Paulo sejam predominantemente bicarbonatadas cálcicas, com baixa salinidade e baixa concentração de sulfato, com restrições referentes à presença de fluoreto, ferro e manganês, que podem ser consideradas boas, o adensamento populacional e o desenvolvimento industrial da região metropolitana foram responsáveis por contaminações regionais por nitrato e substâncias orgânicas antrópicas, como solventes organoclorados e hidrocabonetos aromáticos.

Geralmente, a diarreia é responsável por óbitos em menores de cinco anos e sua prevalência se dá nas áreas carentes de saneamento e onde há maior concentração de populações de reduzida condição econômica. Mesmo em áreas endêmicas, em certas épocas do ano, ocorre uma elevação de sua incidência. Por exemplo, a elevação da temperatura e o regime de chuvas contribuem para a proliferação e transmissão de alguns agentes. Embora a incidência da diarreia seja universal, há uma relação inversa entre sua incidência e boas condições de saneamento, hábitos de higiene pessoal e alimentar. Essa relação pode determinar diferentes comportamentos da doença numa mesma área geográfica. Isso ocorre porque trata-se de populações situadas espacialmente muito próximas, mas com níveis de melhorias sanitárias diferentes e, ainda, podendo ocorrer a existência de contaminação em poços de abastecimento não fiscalizados.

Observa-se que o espaço urbano excludente que responde a muitos casos de doenças de veiculação hídrica por más condições sanitárias, talvez hoje não seja mais capaz de responder a casos dessas doenças e provavelmente de doenças degenerativas devido ao uso indiscriminado de fontes alternativas de abastecimento e contato com contaminantes de águas subterrâneas em espaços urbanos de maior poder aquisitivo. Os resultados do Projeto Jurubatuba (SÃO PAULO, 200913 SÃO PAULO (Cidade). Secretaria do Meio Ambiente. Secretaria de Saneamento e Energia. Projeto Jurubatuba: restrição e controle de uso de água subterrânea. São Paulo: DAEE/IG, 2009. (Cadernos do Projeto Estratégico Aquiferos, n. 1).) comprovam grande área de água subterrânea contaminada em diversos graus em alguns distritos nobres do município de São Paulo. Essas áreas possuem grande incidência de poços para consumo em escolas, hospitais e centros comerciais instalados. A falta de fiscalização e controle desses poços pode gerar uma nova era de riscos degenerativos à saúde de uma população agora não mais vitimizada pela segregação econômica ou espacial.

Custos na saúde – resultados

A SABESP, em parceria com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), detectou o consumo de água em diversos estabelecimentos que utilizam água da Concessionária. Em escolas públicas, por exemplo, o gasto é de, em média, 25 L por dia por aluno. Em prédios comerciais, a média é de cerca de 50 L por funcionário e em hospitais são cerca de 500 L por leito, como uma amostra para comparação com os indicadores para estabelecimentos usuários de fontes alternativas de abastecimento.

Em análise comparativa de usuários com ou sem fontes alternativas, os volumes consumidos por unidade são os mesmos, uma vez que tais usuários possuem programa de uso racional em suas instalações. Ou seja, a média de uso de hospitais, escolas e condomínios é a mesma, de forma que se podem utilizar os dados de referência dos Indicadores de Saneamento e Saúde que serão adotados a seguir.

Da revisão bibliográfica, tiram-se três parâmetros de Mendonça e Mota (2005)7 MENDONÇA, M. J. C.; MOTTO, R. S. Texto para discussão n° 1081, Saúde e Saneamento no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão/ Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2005. para as referências que serão utilizadas na quantificação de custos da desregulamentação, usando dados do estudo de Mendonça, de que o valor médio per capita de investimento para atender a população em serviços de água é de R$ 159,00 (Base 2004), trazido a valor presente R$ 218,57 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA); o valor final para 500 leitos é de R$ 1,95 milhões (Base 2003), trazidos a valor presente (2010, cálculo do autor) R$ 2,88 milhões, e finalmente, admitiremos para o aumento de custos com a saúde o percentual de 4,8% (ANDREAZZI; BARCELLOS; HACON, 2010) da população alvo, que teria internações pelo SUS com doenças de veiculação hídrica (Quadro 1).

Quadro 1
Referência para cálculo da desregulamentação

Os dados apresentados (Quadro 2) correspondem a volumes totais mensais dos usuários acima de 500 m3/mês da concessionária e das outorgas de poços concedidas pelo DAEE até setembro de 2008 nos municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) – Fonte Sistema Comercial SABESP e DAEE.

Quadro 2
Abastecimento na região metropolitana de São Paulo para usuários acima de m3/mês

Os usuários de fontes alternativas de abastecimento utilizam aproximadamente, 2,5 m3/s, equivalentes a 35,5% da vazão hoje produzida na região metropolitana de São Paulo. Tal vazão não é irrelevante, uma vez que corresponde a aproximadamente 27% do Sistema Produtor da Cantareira, Além disso, é um dado alarmante, considerando-se o equilíbrio econômico financeiro do Contrato e as metas para universalização dos serviços. Tais usuários, considerando o custo inferior da água, certamente a tarifas maiores consumiriam um percentual menor de água. Estima-se que quando se implanta um projeto de uso racional de água a grandes usuários obtém-se uma redução média de 25% e mínima de 10% no volume consumido. Portanto, a vazão de ampliação estimada seria de 2,2 m3/s.

É necessária uma avaliação por parte do regulador acerca do equilíbrio da concessão proveniente da evasão dos grandes usuários subsidiadores. No cálculo, tem-se diretamente que faltarão recursos para investimentos de atendimento de 2,2 milhões de usuários. É relevante o impacto econômico financeiro, sendo mister fazer considerações ao regulador sobre a ilegalidade da concorrência estabelecida em mercado paralelo e clandestino, A cobrança de entrada aos fornecedores de fontes alternativas, nos moldes das comunicações, traria subsídios para a universalização dos serviços.

A análise comparativa das bases, em 2008, detectou 2.582 poços nas bases de dados da SABESP não cadastrados no DAEE. Dos 3.589 poços do cadastro DAEE, 1.727 não estavam nas bases de dados da SABESP, os quais nunca foram usuários da concessionária, ou seja, as obras de construção de tais empreendimentos já iniciaram com a utilização de fontes alternativas. Desses, 1.249 correspondem a usuários comerciais e industriais, o que representa uma porcentagem relevante se for considerado que o total da amostra dos imóveis escolhidos como grandes usuários é de 5354. Tais poços não estão sujeitos aos mesmos custos operacionais e de cumprimento de obrigações legais quanto à qualidade dos produtos e serviços, nem tampouco incorrem nos custos provenientes dos lançamentos dos esgotos produzidos por desconhecimento da prestadora de serviços, assim como das fiscalizações provenientes da legislação da saúde e ambiental vigente.

No Quadro 3, a concessionária calcula a população atendida para os sistemas integrados da região metropolitana de São Paulo. Se incluirmos no ranking abaixo a totalização das outrogas oficiais acima de 500 m3 teremos o abastecimento por poços em 4° lugar no sistema de abastecimento metropolitano

Quadro 3
Sistemas metropolitanos

As Outorgas de Poços na região metropolitana de São Paulo – volume concedido pelo DAEE – é suficiente ao atendimento de uma população de 2,2 milhões de pessoas (cálculo baseado na OMS de 3,3 m3/pessoa/mês para subsistência) distribuídos na região metropolitana de São Paulo. Essa conclusão coloca as fontes alternativas em quarto lugar no ranking dos sistemas produtores, com uma vazão suficiente para abastecer; São Bernardo, Diadema, Santo André, Barueri, Jandira e a região oeste de São Paulo juntos. Em aplicação das premissas adotadas, foram calculados os custos da desregulamentação do saneamento (Quadro 4), que traz como inovação: o cálculo, para o volume produzido por outorgas, dos impactos nos serviços de saneamento para universalização; e em saúde para atendimento do SUS, apresentados e calculados abaixo.

Quadro 4
Referência dos custos da desregulamentação do saneamento

A tabela para a Referência de Custos da Desregulamentação do Saneamento, que traz como inovação: o cálculo, para o volume produzido por outorgas e vazão de fuga dos grandes usuários, dos impactos nos serviços de saneamento para universalização; e em saúde para atendimento do SUS. O volume de água de poços é de 6.621.506 m3/mês. De acordo com a Organização das Nações Unidas, cada ser humano necessita de 3,3 m3/pessoa/mês (cerca de 110 L de água por dia para atender as necessidades de consumo e higiene). Dessa forma:

  • Dividindo o volume de outorgas pela quantidade de água por mês que uma pessoa necessita para viver, abastece-se aproximadamente 2,2 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo com fontes alternativas em um mercado desregulamentado, consequentemente trazendo riscos imensuráveis à saúde coletiva. Chamar-se-á População em Risco de Saúde;

  • Considerando um possível custo na Saúde para atendimento de que apenas 4,8% dos usuários de fontes alternativas necessitem de internações doenças de veiculação hídrica específicas do saneamento, e num exercício: das 2.200 mil pessoas alvo da análise, 4,8% delas tenham uma internação por ano, necessita-se de um incremento de 115.600 leitos e de um aporte extraorçamentário do SUS de R$ 665.856 milhões (2010, cálculo do autor), que chamaremos de custo do SUS (Cs);

  • O custo de investimento médio é de R$ 218,57 (2010, cálculo do autor) para atendimento em água, leva a estimar um total de R$ 480.854,00 (2.200 mil pessoas X R$ 218,57) (Base 2010). Esse valor de investimento não foi arrecadado para provisão à universalização dos serviços para permitir a continuidade de metas de universalização. É importante ressaltar que os atuais investimentos dos serviços, bem como os custos de operação, são inteiramente remunerados por tarifas. Este custo será chamado de custo do investimento de universalização (Ci);

  • O cálculo do valor que deixa de ser faturado mensalmente, baseado na tarifa média não residencial da operadora na região metropolitana, é de R$ 7,18/m3 (dezembro 2009 – Sistema comercial SABESP), totalizando R$ 475.424,13 milhões, e será denominado custo mensal da desregulamentação do financiamento e da compensação pelo grande usuário da água (Cd);

  • O cálculo do valor que deixa de ser subsidiado mensalmente na tarifa média na região metropolitana é de R$ 2,66/m3 (dezembro 2009 – Sistema comercial SABESP), totalizando R$ R$17.613,00 milhóes/mês e será chamado de custo médio da desregulamentação da água nos municípios do sistema integrado (Cm);

  • O cálculo do valor que deixa de ser arrecadado mensalmente em tributos, evasão tributária de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (COFINS/ PASEP), proveniente do uso das fontes alternativas de abastecimento (Ct) é de R$151 milhões por ano e será chamado de custo médio da evasão tributária de COFINS/ PASEP (Ct).

Explica-se o Quadro 4 para uma outorga de 500 m3 (vazão de fuga dos grandes usuários): tem-se um grupo de 1.160 usuários das metas de universalização dos serviços (população que necessita de subsídios), dos quais não tem aporte de recursos necessários para os investimentos de produção, redes e ligações de água para atendimento, Isso representa um grupo de 56 mil domicílios que necessitam investimentos que deverão sair de recursos extraorçamentários no valor de R$ 12.130,00 para cada 500 m3 de outorga concedida. O custo mensal dessa evasão é de R$ 35,00 para cada 1.000 m3 de outorga. O custo mensal do usuário não atendido é de R$ 8,00 para cada 1.000 m3 de outorga. Interpretando a Tabela de Referência para uma outorga de 500 m3 para a saúde: tem-se uma estimativa de que serão atendidos 18 pacientes pelo SUS, para os quais não há leitos disponíveis representando um custo de investimento e aporte extraorçamentários de R$ 50.300,00 para cada 500 m3 de outorga concedida. Assim o custo total de saneamento e saúde para cada 500 m3 de outorga é de R$ 62.430,00 de impacto à universalização e saúde. Finalmente, o custo da evasão fiscal para cada outorga de 500 m3 é de R$ 11.402,00/ano.

Conclusões

Cabe ao regulador dos serviços de saneamento, para garantia da concorrência e de mecanismos à universalização, estabelecer para o segmento de grandes usuários, não apenas uma tarifa máxima para os contratos com usuários com consumo mensal superior a 500 m3/mês, mas também, considerando o volume de usuários se abastecendo de poços como o quinto sistema produtor da região metropolitana: fixar padrões de regulação técnica para todo o conjunto de agentes, envolvendo a garantia da qualidade no fornecimento público de água potável que minimize a falha de mercado; criar taxas de entrada a usuários de fontes alternativas em municípios regulados; criar normas gerais nos mesmos termos e rigor da normatização das empresas de saneamento para as fontes alternativas, com sanções e penalidades, considerando o direito do usuário final da fonte alternativa em isonomia com o usuário final da concessionária, garantindo universalização, acesso a informações e condições de saúde pública dentro dos padrões determinados na lei aos usuários finais; sopesar a obrigatoriedade de todos os usuários conectarem-se às redes públicas frente às limitações hídricas das regiões metropolitanas, avaliando a finalidade do uso da água do usuário.

Ao fiscalizador do meio ambiente, cabe saber que é importante o aparelhamento para garantir o cumprimento do atendimento à legislação ambiental, normas e consequentes sanções e penalidades. Importante, ainda, garantir ao usuário final o conhecimento da procedência da água e dos riscos de contaminação no direito de justiça e cidadania nos termos da lei e do código de defesa do consumidor, bem como intensificar fiscalização em áreas mapeadas como contaminadas para ação de prevenção dos riscos do uso para a saúde pública, garantindo publicidade ao assunto.

Ao regulador ANVISA, cabe promover mecanismos para que as Secretarias de Estado da Saúde e Vigilâncias Sanitárias tenham uma efetiva atuação fiscalizadora, com aplicações de sanções e penalidades aos infratores. Faz-se urgente o aparelhamento das Vigilâncias Sanitárias para o cumprimento de suas atribuições. Compete ainda aos municípios, por meio da Vigilância Sanitária, a fiscalização dos serviços de saneamento, bem como a água vista como produto, nos termos do SUS.

Cabe à Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (ARSESP), por meio da Secretaria de Saneamento e Energia e DAEE, a definição quanto à continuidade do uso de fontes alternativas em locais servidos de redes públicas de abastecimento, bem como a revisão da política de emissão de outorgas.

É dever do Estado, através de suas Secretarias e Departamento emissor de outorgas, determinar com clareza as categorias de uso e faixas de consumo passíveis de regulação e fiscalização, especialmente no que tange à finalidade de uso da água para consumo humano; implantar mecanismos regulatórios que garantam o equacionamento da extinção do subsídio, fonte do mecanismo de financiamento à universalização dos serviços de saneamento por tarifa de entrada, implantação de regra do tipo take or pay.

Recomenda o estudo, revisão de políticas públicas em especial no que tange a atual metodologia de licença de captação de águas subterrâneas e destinação final de efluentes, a qual não garante que os recursos sejam utilizados de forma eficiente, sustentável e com proteção à saúde coletiva. Assim, urge criação de mecanismos para combater o excesso de abstração no assunto e redução dos incentivos a obtenção de outorgas e licenças, redefinição das condições das licenças e outorgas para atender melhor os impactos das captações, saúde pública e descargas no ambiente, atuação para mitigar a desregulamentação nos recursos subterrâneos introduzindo uma maior pressão concorrencial, que inicialmente, aos grandes usuários deve ser dada uma obrigação de compra de abastecimento de água, em regime de licenciamento a valores representativos, que revertam para a universalização dos serviços públicos.

As políticas públicas não objetivam a integração de ações estruturantes que promovam a efetiva mudança do cenário de uso da água para consumo humano. As falhas de mercado agravadas por deficiências de legislação, procedimentos e aparelhamento do Estado permitem a proliferação de um mercado que desconsidera a Saúde Pública e minimiza os efeitos de longo prazo e não antevê riscos.

Cabe, como finalização, o mesmo princípio da tutela antecipatória, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado há anos. É necessário que os reguladores compreendam que, conforme nosso estudo, não só a ação pode causar prejuízo, mas, também a omissão. Na análise do cenário, foca-se a investigação no receio de que a perpetuação desse contexto venha causar lesão grave e de difícil reparação o direito do usuário final. Apresenta-se uma metodologia de avaliação dos custos incorridos até a presente data no setor de saneamento e estimação dos custos passíveis de ocorrer no SUS, possibilitando ao Regulador, a partir da Tabela de Referência dos Custos da Regulação, estabelecer taxa de entrada, sanções e penalidades, de forma a mitigar os efeitos da assimetria de mercado e temerária desregulamentação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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