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Seção temática: Prática e Pesquisa na Abordagem Humanista e Fenomenológica em Psicologia: algumas propostas aos desafios contemporâneos

Os psicólogos estão preparados para vivenciar e encontrar repostas às graves crises que atualmente desafiam a humanidade como um todo, chegando mesmo a ameaçar sua sobrevivência? No artigo intitulado “Respondendo aos desafios contemporâneos: novas pessoas para novos tempos”, Maureen O’Hara, renomada professora universitária, psicóloga, pesquisadora e cientista social, atualmente professora da National University, localizada no estado da Califórnia nos Estados Unidos, e membro fundador do International Futures Forum, reflete sobre o que considera “graves problemas mundiais que ameaçam a civilização humana na atualidade”. Reconhece a importância de seus mentores nas áreas de Biologia e Psicologia, em especial o psicólogo norte americano Carl Rogers, por terem desenvolvido um novo paradigma teórico e metodológico que propunha uma relação igualitária sujeito-sujeito entre o pesquisador e os participantes da pesquisa e uma atitude de não saber como premissa para o desencadear de novos conhecimentos, a partir de experiências pessoais e coletivas. Esta abordagem aos problemas humanos, não apenas promove novos conhecimentos, como também contribui para que o pesquisador possa adquirir capacidades e competências mais apropriadas para compreender as complexas e aparentemente insolúveis crises do século XXI. Para potencializar a possibilidade de transformação, Maureen afirma ser necessário um novo tipo de Psicologia, mais adaptado às condições atuais. “Pessoas do Amanhã”, um termo cunhado pelo psicólogo humanista Carl R. Rogers durante os conflitos da década de sessenta do século XX, caracterizam-se por uma consciência apurada sobre os acontecimentos e pela capacidade criativa de gerar transformações.

Uma aplicação desta perspectiva pode ser encontrada no artigo intitulado “Construindo narrativas compreensivas a partir de encontros dialógicos: um caminho em busca de significados”. Nele os autores descrevem uma estratégia metodológica original que vem sendo desenvolvida em investigações fenomenológicas que buscam desvelar a natureza dos fenômenos humanos a partir da descrição e compreensão das experiências vividas. A maneira tradicional consiste na gravação de longas entrevistas que são posteriormente transcritas e analisadas. Propõem os autores que o contato do pesquisador com os participantes para compreender suas experiências sobre determinado fenômeno seja efetivado por meio de encontros dialógicos. O pesquisador escreve narrativas compreensivas, em primeira pessoa, sobre os encontros vividos com cada participante objetivando apreender seus significados a partir de suas próprias impressões, suscitadas pelo diálogo que se deu acerca do tema da investigação. Uma narrativa síntese é construída para dar prosseguimento ao processo de análise fenomenológica, desvelando os elementos estruturais do fenômeno que emergiram das experiências de todos os participantes. Ao final deste tipo de análise fenomenológica, é possível apontar o sentido das experiências vividas. Trata-se de um processo em que a relação interpessoal constitui a base para a compreensão de experiências singularmente vividas.

Desenvolvida na década de 50 do século XX nos Estados Unidos pelo renomado psicólogo Fritz Perls, a Gestalt-Terapia recebeu muitas influências ao longo de sua trajetória. Seria correto afirmar que se trata de uma proposta terapêutica de natureza fenomenológica e existencial? Eis uma tese controversa, já que os fundadores não se ocuparam de estabelecer com clareza seus fundamentos filosóficos e epistemológicos. No terceiro artigo que compõe esta seção temática, os autores buscam responder esta questão a partir de uma revisão de literatura que possibilitou retomar as várias influências que incidiram sobre o próprio Perls e seus colaboradores na construção da Gestalt-Terapia. Concluem ter havido uma convergência nucleada por um posicionamento fenomenológico-existencial constituído por influência da própria psicologia da Gestalt, a partir das proposições de Goldstein, Laura Perls e Goodman, assim como uma aproximação com a fenomenologia que evolui de Brentano a Husserl e deste a Merleau-Ponty. Quanto ao Existencialismo, a articulação dá-se com as proposições filosóficas de Kierkegaard, Nietzsche, Buber e Sartre. Sob tais influências, emerge uma concepção de homem como ser-no-mundo e uma ênfase na experiência vivida como método psicoterápico.

Os desafios contemporâneos que afligem a humanidade e o planeta manifestam-se de maneira singular no viver cotidiano das pessoas, gerando formas de sofrimento que atendem por muitos nomes: violência, intolerância, discriminação, exclusão. Tematizar as pesquisas de forma a inseri-las numa agenda de militância pode surgir como uma alternativa para muitos psicólogos indignados com as inúmeras formas de dominação a que estão submetidos os grupos mais vulneráveis da tessitura social. No entanto, os anseios das pessoas por relações interpessoais significativas que as fortaleçam para a construção de sociedades mais justas e solidárias necessitam de respostas que potencializem a criatividade e valorizem as muitas formas de conhecimento que já estão disponíveis. Um caminho para acessá-las consiste em valorizar a experiência intersubjetiva como matéria prima de primeira ordem para encontrar soluções integradoras que enfraqueçam as rupturas.

Profa. Dra. Vera Engler Cury

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017
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