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A VARIAÇÃO DENOMINATIVA EM LIBRAS NO MARANHÃO: UMA ANÁLISE DE SINAIS-TERMO DA ELETROTÉCNICA USADOS NO IFMA/MONTE CASTELO E NO SENAI-MA

THE DENOMINATIVE VARIATION IN LIBRAS IN MARANHÃO: AN ANALYSIS OF THE SIGNS-TERM OF ELETROTECHNICAL USED AT IFMA/MONTE CASTELO AND AT SENAI-MA

RESUMO

O presente artigo consiste em um estudo sobre a variação terminológica na Língua Brasileira de Sinais - Libras, no contexto da área da eletrotécnica em São Luís-Maranhão. Mais precisamente, esta pesquisa teve como objetivo analisar os principais fatores de variação denominativa de sinais-termo usados nos cursos de eletrotécnica ofertados pelo Instituto Federal do Maranhão - IFMA/ Monte Castelo e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI/MA. Para alicerçar teórica e metodologicamente este trabalho, foram considerados os estudos desenvolvidos por Cabré (1995)CABRÉ, M. T. (1995). La terminología hoy: concepciones, tendencias y aplicaciones. In: La terminología: representación y comunicación: elementos para una teoría de base comunicativa y outros artículos. Versão Kindle., Felten (2016)FELTEN, E. F. (2016). Glossário sistêmico bilíngue Português-Libras de termos da história do Brasil. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., Krieger (2001)KRIEGER, M. G.; MACIEL, A. M. B. (Org.). (2001). Temas de Terminologia. 1. ed. Porto Alegre, São Paulo: Universidade (UFRGS), Humanistas (USP)., Prometi et al. (2015)PROMETI, D.; COSTA, M. R.; TUXI, P. (2015). Sinal-termo, língua de sinais e glossário bilíngue: atuação da universidade de Brasília nas pesquisas terminológicas. In: Anais do I Congresso Nacional de LIBRAS da Universidade Federal de Uberlândia- Uberlândia., Quadros (2019)QUADROS, R. M. (2019). Libras. São Paulo: Parábola., entre outros. Os dados analisados foram retirados de dois glossários maranhenses de eletrotécnica produzidos para a comunidade surda: o glossário produzido pela equipe do SENAI-MA (2011) e o do autor (2019). Os resultados obtidos ratificam os princípios da Teoria Comunicativa da Terminologia - TCT, uma vez que o número expressivo de variantes denominativas catalogadas em Libras, na área da eletrotécnica, corrobora a afirmativa de que há variação no discurso especializado e que essa variação é causada por diferentes fatores: distintos contextos de interação, diversificados perfis sociais, entre outros. Pelo exposto, espera-se evidenciar a necessidade de ampliação dos estudos terminológicos relacionados à Libras, contribuir para a reflexão sobre a importância da normalização em contraposição à normatização na área da Terminologia e fomentar trabalhos que favoreçam a educação inclusiva de surdos/as também em áreas técnicas, como a da eletrotécnica.

Palavras-chave:
Libras; sinais-termo; eletrotécnica; variação; teoria comunicativa da terminologia

ABSTRACT

This article consists in a study about the terminological variation in the Brazilian Sign Language - Libras, in the context of the electrical engineering field in São Luís City -Maranhão State. More precisely, this research aimed to analyze the main factors of denominative variation of signs-term used in electrotechnical courses offered by the Instituto Federal do Maranhão - IFMA/Monte Castelo and by Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI/MA. Theoretically and methodologically, this work is supported by the studies developed by Cabré (1995)CABRÉ, M. T. (1995). La terminología hoy: concepciones, tendencias y aplicaciones. In: La terminología: representación y comunicación: elementos para una teoría de base comunicativa y outros artículos. Versão Kindle., Felten (2016)FELTEN, E. F. (2016). Glossário sistêmico bilíngue Português-Libras de termos da história do Brasil. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., Krieger (2001)KRIEGER, M. G.; MACIEL, A. M. B. (Org.). (2001). Temas de Terminologia. 1. ed. Porto Alegre, São Paulo: Universidade (UFRGS), Humanistas (USP)., Prometi et al. (2015)PROMETI, D.; COSTA, M. R.; TUXI, P. (2015). Sinal-termo, língua de sinais e glossário bilíngue: atuação da universidade de Brasília nas pesquisas terminológicas. In: Anais do I Congresso Nacional de LIBRAS da Universidade Federal de Uberlândia- Uberlândia., Quadros (2019)QUADROS, R. M. (2019). Libras. São Paulo: Parábola., among others. The analyzed data were taken from two glossaries from Maranhão on electrotechnics produced for the deaf community: the glossary produced by SENAI-MA group (2011) and the author’s glossary (2019). The results obtained confirm the principles of the Communicative Theory of Terminology - CTT, since the expressive number of denominative variants cataloged in Libras, in the field of electrotechnics, it corroborates the assertion that there is variation in the specialized discourse and that this variation is caused by different factors: different interaction contexts, different social profiles, among others. For these reasons, it was aimed, in this work, highlighting the need to expand terminological studies related to Libras, contributing to the reflection on the importance of standardization as opposed to standardization in the area of Terminology and promote works that contribute to the inclusive education for the deaf people also in technical areas, such as the electrotechnics ones.

Keywords:
Libras; signs-term; electrotechnical; variation; communicative theory of terminology

INTRODUÇÃO

O presente artigo resulta de uma pesquisa realizada sobre a variação terminológica em Libras1 1 A Língua Brasileira de Sinais - Libras - é uma língua de modalidade visual-espacial (QUADROS, 2019, p. 25) utilizada por parte da comunidade surda brasileira. A Libras pode ser entendida como “a forma de comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades surdas do Brasil.” (BRASIL, 2002, p. 1). , especificamente sobre a variação denominativa, observada na área da eletrotécnica, em São Luís-Maranhão. Para isso, partiu-se das perspectivas de que a variação é um fenômeno inerente a todas as línguas naturais e de que os discursos especializados são parte integrante do sistema linguístico geral, ou seja, são usos especializados da língua. Consequentemente, este estudo defende a ideia de que os sinais-termo também variam, tanto no campo da denominação quanto no do conceito, em função de diversos fatores intra e extralinguísticos.

Partindo dessa perspectiva, este artigo teve como objetivo principal analisar sinais-termo constitutivos de dois glossários maranhenses da área da eletrotécnica - um desenvolvido por uma equipe do SENAI-MA (2011) e outro produzido pelo autor (2019) como trabalho de conclusão de curso na licenciatura em Letras-Libras/UFMA - a fim de evidenciar a variação denominativa nessa área especializada.

Para o alcance do objetivo proposto, este estudo fundamenta-se, sobretudo, na Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), pois entende-se que a comunicação especializada é uma forma natural de interação e que a partir da comunicação real e espontânea a variação é possível de ser observada. Mais especificamente, alicerça-se nas pesquisas realizadas por Cabré (1995)CABRÉ, M. T. (1995). La terminología hoy: concepciones, tendencias y aplicaciones. In: La terminología: representación y comunicación: elementos para una teoría de base comunicativa y outros artículos. Versão Kindle., que apresenta as bases e fundamentos da TCT; Krieger e Finatto (2020)KRIEGER, M. G; FINATTO, M. J. B. (2020). Introdução à terminologia: teoria & prática. 2. ed. São Paulo: Contexto., que trazem contribuições sobre a Terminologia e também sobre a variação terminológica; Prometi et al. (2015)PROMETI, D.; COSTA, M. R.; TUXI, P. (2015). Sinal-termo, língua de sinais e glossário bilíngue: atuação da universidade de Brasília nas pesquisas terminológicas. In: Anais do I Congresso Nacional de LIBRAS da Universidade Federal de Uberlândia- Uberlândia., Tuxi (2017)TUXI, P. S. (2017). A terminologia na língua de sinais brasileira: proposta de organização e de registro de termos técnicos e administrativos do meio acadêmico em glossário bilíngue. Tese de Doutorado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., Felten (2016)FELTEN, E. F. (2016). Glossário sistêmico bilíngue Português-Libras de termos da história do Brasil. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., Costa (2012)COSTA, M. R. (2012). Proposta de modelo de enciclopédia visual bilíngue juvenil: enciclolibras. 2017. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., que tratam dos estudos terminológicos em Libras; e outros estudiosos dedicados aos estudos terminológicos.

Quanto à estruturação deste trabalho, apresentam-se, inicialmente, os fundamentos teóricos de base terminológica, com ênfase nas contribuições da Teoria Comunicativa da Terminologia para as discussões sobre o discurso especializado. Em seguida, ressalta-se a relação entre a Libras e o discurso especializado, enfatizando que as pessoas surdas e sinalizantes de Libras estão, cada vez mais, adentrando os contextos especializados, o que torna ainda mais urgente a necessidade de trabalhos terminológicos que deem conta das especificidades e necessidades interacionais inclusivas desse público. Posteriormente à explicitação dos procedimentos metodológicos adotados para a consolidação deste estudo, apresenta-se uma análise de alguns fatores que geram a variação dos sinais-termo da eletrotécnica registrados nos glossários do IFMA/Monte Castelo e do SENAI-MA.

Pelo exposto, espera-se, com este trabalho, fornecer dados para o avanço dos estudos terminológicos de base comunicativa relacionados à Libras, retroalimentando a reflexão sobre a importância da normalização em contraposição à normatização na área da Terminologia, contribuir para a efetivação da educação inclusiva de pessoas surdas sinalizantes de Libras que estudam, atuam ou estão de alguma forma envolvidas com a área da eletrotécnica no Maranhão e no Brasil, e incentivar outras pesquisas terminológicas em outras áreas especializadas.

1. A TERMINOLOGIA NA COMUNICAÇÃO ESPECIALIZADA: UMA INTERAÇÃO NATURAL

As terminologias surgem a partir da necessidade comunicativa dos sujeitos membros de comunidades de domínios especializados. Sempre que esses indivíduos criam novas técnicas e aparatos, são iniciados os processos de conceptualização e de criação/atribuição de denominação para nomeá-los, culminando na ampliação e atualização dos léxicos especializados dessas áreas. Essa necessidade de nomear, de acordo com Krieger (2001KRIEGER, M. G.; MACIEL, A. M. B. (Org.). (2001). Temas de Terminologia. 1. ed. Porto Alegre, São Paulo: Universidade (UFRGS), Humanistas (USP)., p. 40), inicialmente, foi o estímulo à pesquisa terminológica, que se constituiu em campo de estudos.

Cabré (1995CABRÉ, M. T. (1995). La terminología hoy: concepciones, tendencias y aplicaciones. In: La terminología: representación y comunicación: elementos para una teoría de base comunicativa y outros artículos. Versão Kindle., p. 16) afirma que Terminologia é um termo polissêmico de pelo menos três compreensões: “a) a la disciplina, b) a la práctica, y c) al producto generado por esa práctica”2 2 a) À disciplina, b) à prática, e c) ao produto gerado por essa prática. . Segundo essa autora, como disciplina, a Terminologia ocupa-se em estudar os termos especializados das áreas do conhecimento. Como prática, constitui um conjunto de diretrizes e métodos que regem o trabalho terminológico em sua prática de produção de materiais terminográficos. Por fim, como produto, é o conjunto de todos os termos de uma área de especialidade, ou seja, o léxico especializado.

Os estudos terminológicos instaurados por Cabré, os quais formaram a base da denominada Teoria Comunicativa da Terminologia - TCT, concebem a comunicação especializada como uma forma natural de interação. A TCT é uma teoria com diretrizes diferenciadas daquelas dos estudos terminológicos tradicionais iniciados por Wüster3 3 O engenheiro e professor austríaco Eugene Wüster foi o precursor da chamada Teoria Geral ou Tradicional da Terminologia, mais conhecida como TGT, que tinha por objetivo, resumidamente, a universalização e a padronização de termos, acreditando que essa seria a solução para ruídos de comunicação uma vez que garantiria uma interação unívoca. , uma vez que se alicerça na compreensão de que a realidade linguística/terminológica é heterogênea em função das diversas experiências socioculturais das pessoas. Portanto, a TCT estabeleceu, sobretudo, que a interação em contextos especializados está suscetível às mesmas influências e condições que a comunicação em língua geral.

Segundo essa teoria terminológica, então, um termo adquire o estatuto terminológico no âmbito das comunicações especializadas e varia segundo o cenário comunicativo em que está circunscrito. (KRIEGER; FINATTO, 2020KRIEGER, M. G; FINATTO, M. J. B. (2020). Introdução à terminologia: teoria & prática. 2. ed. São Paulo: Contexto., p. 35).

Como unidades lexicais que assumem sua função em um contexto e situação determinados, os termos, segundo Cabré (1995CABRÉ, M. T. (1995). La terminología hoy: concepciones, tendencias y aplicaciones. In: La terminología: representación y comunicación: elementos para una teoría de base comunicativa y outros artículos. Versão Kindle., p. 18),

son el conjunto de signos lingüísticos que constituyen un subconjunto dentro del componente léxico de la gramática del hablante. La posición de la lingüística es clara: los términos no se distinguen de las palabras del componente léxico, son unidades del léxico de la gramática que forman parte de la competencia del hablante oyente ideal. Esta competencia puede ser general (común a todos los hablantes) y especializada (restringida a grupos de hablantes). La terminología específica (y no la banalizada ni la fundamental del tronco común de las materias científico-técnicas) formaría parte de la competencia especializada. Los términos son para la lingüística una manera de saber.4 4 São o conjunto de signos linguísticos que constituem um subconjunto dentro do componente lexical da gramática do falante. A posição da linguística é clara: os termos não se distinguem das palavras do componente lexical, são unidades do léxico da gramática que fazem parte da competência do interlocutor ideal. Essa competência pode ser geral (comum a todos os falantes) e especializada (restrita a grupos de falantes). A terminologia específica (e não a trivializada nem a fundamental do tronco comum dos sujeitos técnico-científicos) faria parte da competência especializada. Os termos são para a linguística uma maneira de saber.

É oportuno destacar que a TCT contribuiu e contribui, sobremaneira, para o processo de afirmação da Terminologia como campo de estudo do léxico utilizado em contexto especializado, pois, ao criticar os fundamentos, métodos e objetivos da teoria wüsteriana da terminologia — considerando que aspectos pragmático-comunicativos como a temática, o perfil dos usuários e as situações comunicativas são intrínsecos aos estudos das linguagens especializadas — foi e tem sido uma espécie de mola propulsora do avanço teórico e aplicado da Terminologia. Desse modo, como consequência da relevância da TCT, os estudos terminológicos passaram a se caracterizar pela análise dos discursos especializados em contexto real de uso (oral ou escrito) e por considerarem a importância das variações denominativas e/ou conceituais existentes nas comunicações estabelecidas em âmbito especializado.

A TCT traz à tona a compreensão de que, ainda que sujeitos compartilhem os mesmos objetivos, objetos de investigação/estudo e pertençam à mesma área de conhecimento, não vivenciam uma única realidade. Nesse cenário, esses sujeitos compõem o que John Swales (1990) chama de comunidade discursiva (BIASI-RODRIGUES et al., 2009BIASI-RODRIGUES, B.; ARAÚJO, J. C.; SOUSA, S. C. T. (Org.). (2009). Gêneros textuais e comunidades discursivas: um diálogo com John Swales. Belo Horizonte: Autêntica Editora., p. 23). Esclarecendo, um “agrupamento baseado em interesses comuns” (BAGNO, 2017BAGNO, M. (2017). Dicionário crítico de sociolinguística. São Paulo: Parábola Editorial., p. 54).

A comunidade discursiva é, desse modo, um grupo de sujeitos que não está, necessariamente, ocupando o mesmo espaço, mas, compartilha dos mesmos objetivos e possui como uma de suas características a aquisição ou formação de um léxico específico. Entretanto, vale ressaltar que, ainda que se fale em comunidade e compartilhamento de interesses e objetivos, é sensato e necessário entender que não se trata de algo homogeneizado, pelo contrário, essas comunidades abordam temas comuns desde uma diversidade de crenças, culturas, identidades e experiências. Essas diversidades são células geradoras da variação, seja denominativa, seja conceitual.

A variação terminológica - denominativa ou conceitual-, sob a perspectiva da TCT, é um fenômeno inerente à comunicação especializada, pois, como já mencionado, é uma forma natural de interação e não é algo à parte do sistema linguístico geral e natural. Essa teoria compreende que, do mesmo modo que fatores extralinguísticos condicionam os usos da língua geral, também condicionam os usos especializados.

A perspectiva da TCT concebe o caráter pragmático das terminologias e entende que não se trata de rótulos conceituais ou de algo estático, mas, sim, de algo dinâmico. As terminologias são, no contexto da TCT, unidades cujo “conteúdo não é fixo, mas relativo, variando conforme o cenário comunicativo em que se inscreve.” (KRIEGER; FINATTO, 2020KRIEGER, M. G; FINATTO, M. J. B. (2020). Introdução à terminologia: teoria & prática. 2. ed. São Paulo: Contexto., p. 35). Diante disso, os estudos pautados na TCT descrevem as terminologias desde suas aparições e comportamentos nos discursos especializados, entendendo o caráter polissêmico dos termos, isto é, depreendendo que há diversidade conceitual.

Considera-se importante a descrição dos usos reais das terminologias em seus muitos contextos especializados em que assumem funções específicas e transmitem saberes especializados, pois dessa forma há de se valorizar todas as produções terminológicas sem minorizar ou descredibilizar uma em detrimento de outra.

Pelo exposto, nota-se a pertinência da TCT para os estudos terminológicos, uma vez que traz à tona os aspectos comunicativos e pragmáticos da Terminologia e evidencia a inviabilidade de controle das terminologias, haja vista que são segmentos do sistema linguístico natural. Além disso, essa teoria revela seu papel fundamental, também, para o entendimento de que a heterogeneidade dos sujeitos, suas distintas e diversas culturas, seus valores, suas interações e formas de compreensão do mundo, são fatores de grande influência, sobre a língua geral, mas, também, sobre as produções e usos terminológicos. De fato, a variação é um fenômeno real e inevitável, que ratifica a diversidade e a dinamicidade da língua nos diversos usos.

2. AS TERMINOLOGIAS EM LIBRAS

A partir do momento em que as pessoas surdas começaram a ocupar espaços acadêmicos, científicos e profissionais, elas passaram a necessitar de um repertório terminológico para a compreensão de conteúdos especializados. Nesse cenário, surgem unidades lexicais terminológicas que transmitem, em língua de sinais, os conhecimentos especializados e garantem uma efetiva interação entre sujeitos surdos e não surdos. Assim, inicia-se o uso e a criação de novos signos linguísticos que assumem a funcionalidade de termo.

Diante dessa demanda, linguistas especialistas em terminologia e estudiosos da linguagem - tais como FariaNascimento (2009), Costa (2012)COSTA, M. R. (2012). Proposta de modelo de enciclopédia visual bilíngue juvenil: enciclolibras. 2017. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., Prometi (2013)PROMETI, D. (2013). Glossário Bilíngue da Língua de Sinais Brasileira: Criação de sinais dos termos da música. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., Felten (2016)FELTEN, E. F. (2016). Glossário sistêmico bilíngue Português-Libras de termos da história do Brasil. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., Tuxi (2017)TUXI, P. S. (2017). A terminologia na língua de sinais brasileira: proposta de organização e de registro de termos técnicos e administrativos do meio acadêmico em glossário bilíngue. Tese de Doutorado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília. e outros - começaram a desenvolver estudos terminológicos, nas mais diversas abordagens e perspectivas, considerando as particularidades da Libras.

Os estudos terminológicos desenvolvidos em Libras, entre muitas outras contribuições, trouxeram à tona uma terminologia específica para designar uma unidade especializada: o sinal-termo (FAULSTICH, 2016FAULSTICH, E. (2016). Especificidade semânticas e lexicais: a criação de sinais-termo na Língua Brasileira de Sinais. In: BIDARRA, J; MARTINS, T. A.; SEIDE, M. S. (orgs) Entre a Libras e o Português: desafios face ao bilinguismo. Cascavel, EDUNIOESTE; Londrina: EDUEL., p. 69-81). Segundo Prometi et al. (2015PROMETI, D.; COSTA, M. R.; TUXI, P. (2015). Sinal-termo, língua de sinais e glossário bilíngue: atuação da universidade de Brasília nas pesquisas terminológicas. In: Anais do I Congresso Nacional de LIBRAS da Universidade Federal de Uberlândia- Uberlândia., p. 1), sinal-termo é a expressão criada por Faulstich e aparece pela primeira vez na dissertação de Costa (2012)COSTA, M. R. (2012). Proposta de modelo de enciclopédia visual bilíngue juvenil: enciclolibras. 2017. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., intitulada Proposta de modelo de enciclopédia bilíngue juvenil: Enciclolibras.

O surgimento da expressão sinal-termo evidencia uma unidade específica usada por sinalizantes especialistas em suas áreas. Faulstich (2012 apudTUXI, 2017TUXI, P. S. (2017). A terminologia na língua de sinais brasileira: proposta de organização e de registro de termos técnicos e administrativos do meio acadêmico em glossário bilíngue. Tese de Doutorado em Linguística. Universidade de Brasília - UnB, Brasília., p. 51), diferenciando a unidade de uso comum (sinal) e a de uso especializado (sinal-termo), afirma:

Sinal. Sistema de relações que constitui de modo organizado as línguas de sinais. 2. Propriedades linguísticas das línguas dos surdos. Nota: a forma plural - sinais - é a que aparece na composição língua de sinais.

Sinal-termo1. Termo da Língua de Sinais Brasileira que representa conceitos com características de linguagem especializada, próprias de classe de objetos, de relações ou de entidades. 2. Termo criado para, na Língua de Sinais Brasileira, denotar conceitos contidos nas palavras simples, compostas, símbolos ou fórmulas, usados nas áreas especializadas do conhecimento e do saber. 3. Termo adaptado do português para representar conceitos por meio de palavras simples, compostas, símbolos ou fórmulas, usados nas áreas especializadas do conhecimento da Língua de Sinais Brasileira.

Diante do exposto, para Faulstich (2016)FAULSTICH, E. (2016). Especificidade semânticas e lexicais: a criação de sinais-termo na Língua Brasileira de Sinais. In: BIDARRA, J; MARTINS, T. A.; SEIDE, M. S. (orgs) Entre a Libras e o Português: desafios face ao bilinguismo. Cascavel, EDUNIOESTE; Londrina: EDUEL. as unidades constituintes do léxico da Libras são nomeadas a depender do contexto de uso, assim, em contexto comum, usa-se o sinal e, em contexto especializado, o sinaltermo. Em suma, nos discursos especializados, os sinais-termo são unidades terminológicas que possuem a função de transmissão dos conhecimentos especializados.

Para uma melhor compreensão dessa distinção em Libras, seguem, abaixo, o sinal árvore e o sinal-termo circuito que exemplificam os usos dessas unidades: árvore é um sinal conhecido e usado por todos os sinalizantes de Libras, enquanto circuito é um sinal-termo que, além de carregar um conhecimento especializado, é usado por um grupo específico de sujeitos, membros da comunidade discursiva especializada em eletricidade.

Figura 1
Sinal Árvore e Sinal-termo Circuito em contraste

De acordo com os estudos de Prometi e Costa (2018PROMETI, D.; COSTA, M. R. Criação de Sinais-termo nas áreas de especialidades da língua de sinais brasileira - LSB. Revista Espaço, n. 49, p. 131-151, 2018., p. 136), os sinais-termo são unidades especializadas visuais, mas que não devem ser reduzidas ao aspecto icônico, isto é, não devem ser limitados à relação visual entre sinal-termo e objeto. Pelo contrário, os sinais-termo devem trazer também reflexos da compreensão do sujeito surdo a partir dos conceitos daquele referente. Afinal, como evidenciam esses autores, o dinamismo das línguas de sinais derivam de objetos concretos e de conceitos abstratos.

Prometi e Costa (2018PROMETI, D.; COSTA, M. R. Criação de Sinais-termo nas áreas de especialidades da língua de sinais brasileira - LSB. Revista Espaço, n. 49, p. 131-151, 2018., p. 136) afirmam ainda que “os sinais-termo também são fundamentais para a organização do pensamento dos usuários de LS, pois o seu aspecto visual aperfeiçoado e o tratamento criterioso dado aos conceitos facilitam o entendimento, inclusive das abstrações.”. Segundo eles, os sinais-termo decorrem dos processos de compreensão dos sujeitos surdos nesses contextos.

Por fim, é notório o aumento de pessoas surdas nos âmbitos acadêmicos, técnicos, científicos, o que faz com que, cada vez mais, essa comunidade necessite de sinais-termo para serem utilizados na comunicação especializada. Sabe-se que o domínio e a utilização das terminologias são formas de empoderamento e de pertencimento a uma dada área do saber, isto é, quando o sujeito utiliza os termos e os sinais-termo, ele assume uma identidade profissional que o torna não apenas um sujeito, mas, um sujeito especialista em sua área.

Face ao exposto, percebe-se a importância dos estudos terminológicos para a interação especializada dos profissionais surdos. Por fim, esses estudos, sobretudo em Libras, garantem o acesso de toda a comunidade surda brasileira (surdos, intérpretes, tradutores e ouvintes sinalizantes de Libras) a conhecimentos especializados.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este é um estudo, de natureza qualitativa, cujo objetivo principal é analisar os principais fatores que geram a variação denominativa de sinais-termo usados nos cursos de eletrotécnica ofertados pelo Instituto Federal do Maranhão - IFMA/Monte Castelo e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI/MA. Para tanto, foram analisados alguns sinais-termo presentes em dois glossários maranhenses da área da eletrotécnica: o desenvolvido pelo autor (2019), em seu trabalho de conclusão do curso de Letras-Libras, na Universidade Federal do Maranhão, e o desenvolvido pelo SENAI-MA (2011), os quais, doravante, serão identificados respectivamente como G1 - o glossário do autor (2019) - e G2 - o glossário do SENAI (2011).

A organização dos glossários analisados se apresenta, resumidamente, da seguinte forma:

G1: é um glossário com 36 termos em língua portuguesa e 43 sinais-termo em Libras, organizados em três campos semânticos e por ordem alfabética (“Equipamentos de proteção individual - EPI’s”, “Unidades de medidas” e “Eletricidade, Máquinas e Processamentos”). Os dados constitutivos do G1 foram coletados no IFMA - Monte Castelo junto a três pessoas surdas, estudantes do curso Técnico em Eletrotécnica da instituição (sendo que, na ocasião, eram dois egressos e um aluno em processo de formação). Vale ressaltar que este material apresenta mais sinais-termo do que termos, pois o glossário do autor (2019) considerou as variedades denominativas em Libras, isto é, foram catalogadas, nessa língua, todas as múltiplas possibilidades de denominação para um mesmo referente. Assim, o G1 apresenta, basicamente, entradas e definições em português, sinais-termo equivalêntes em Libras e suas variedades denominativas (em alguns casos).

G2: é um glossário com 75 termos e a mesma quantidade de sinais-termo distribuídos em oito campos semânticos por ordem alfabética, são eles: “Grandezas elétricas”, “Circuito elétrico”, “Análise de circuitos: aplicações das leis de Kirchhoff”, “Técnicas de análise de circuitos”, “Capacitância”, “Eletromagnetismo”, “Análise de circuitos de corrente alternada” e “circuitos trifásico”. Nesse material, diferentemente do primeiro, os sinais-termo foram criados por uma equipe composta por cinco alunos surdos, dois intérpretes de Libras, professores das disciplinas técnicas e, pela, então, direção geral do Centro de Ensino de Apoio à Pessoa com Surdez - CAS/MA. O G2 apresenta uma igualdade no quantitativo de termos e sinais-termo, pois criou para cada termo em português, um equivalente em Libras. Assim, o glossário do SENAI apresenta apenas os termos em língua portuguesa e os sinais-termo em Libras, sem definição.

Por oportuno, ressalta-se ainda que, para a concretização deste trabalho e alcance do objetivo, foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos:

  1. pesquisa bibliográfica para a produção da fundamentação teórica. Essa etapa do trabalho foi desenvolvida com base em textos sobre Terminologia, sobretudo os ancorados na TCT, e LIBRAS; os primeiros, publicados por autores como Cabré (1995)CABRÉ, M. T. (1995). La terminología hoy: concepciones, tendencias y aplicaciones. In: La terminología: representación y comunicación: elementos para una teoría de base comunicativa y outros artículos. Versão Kindle., Krieger (2001)KRIEGER, M. G.; MACIEL, A. M. B. (Org.). (2001). Temas de Terminologia. 1. ed. Porto Alegre, São Paulo: Universidade (UFRGS), Humanistas (USP)., Barros (2004)BARROS, L. A. (2004). Curso Básico de Terminologia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.; os segundos, apoiados nos estudos de Prometi et al. (2015)PROMETI, D.; COSTA, M. R.; TUXI, P. (2015). Sinal-termo, língua de sinais e glossário bilíngue: atuação da universidade de Brasília nas pesquisas terminológicas. In: Anais do I Congresso Nacional de LIBRAS da Universidade Federal de Uberlândia- Uberlândia., Quadros (2019)QUADROS, R. M. (2019). Libras. São Paulo: Parábola., entre outros;

  2. entrevista não-estruturada (LAKATOS, 2003LAKATOS, E. M. (2003). Fundamentos de metodologia científico. 5. ed. - São Paulo: Atlas.), via WhatsApp, com uma das organizadoras do material do SENAI-MA (2011), para a coleta de informações relevantes referentes à construção desse glossário;

  3. organização dos dados a serem analisados, para a identificação e seleção de sinais-termo convergentes e divergentes nos referidos glossários e, consequentemente, para a identificação das variedades denominativas; análise contrastiva dos dados dos glossários do SENAI-MA (2011) e do autor (2019), com base nas principais diferenças de forma6 6 Para isso, fala-se sobre os parâmetros, que são as unidades mínimas que constituem o sinal. A Libras possui, em nível fonológico (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 47), cinco parâmetros que constituem um sinal: configuração de mão - CM, Ponto de articulação (PA) ou Locação (L), Movimento (M), Orientação (OR) e Expressões não manuais (ENM). dos sinais-termo, isto é, das diferenças denominativas.

4. A VARIAÇÃO DENOMINATIVA NA ELETROTÉCNICA: UMA ANÁLISE CONTRASTIVA

A análise contrasta alguns sinais-termo dos glossários G1(IFMA) e G2 (SENAI), apresentando as denominações em comum e a variação denominativa. Assim, aqui, põe-se em evidência, primeiramente, o que há de denominação em comum; em seguida, as variedades denominativas; e, por fim, nossas considerações sobra a variação.

Os glossários, foco desta análise, compartilham de alguns termos em língua portuguesa, mas, no tocante aos sinais-termo, apresentam muitas diferenças. O único sinal-termo comum a ambos os glossários é o que se refere ao item eletricidade7 7 É importante ressaltar que o sinal-termo eletricidade aparece no glossário do SENAI não como uma entrada, mas, como um exemplo para a explicação dos parâmetros em Libras. , conforme evidenciado abaixo.

Figura 2
Eletricidade - G1

Figura 3
Eletricidade - G2

Esse item é um exemplo de unidade lexical que flutua entre a linguagem geral, conforme apresenta a Figura 4, a seguir, retirada do Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: a Libras em suas mãos (CAPOVÍLLA et al., 2017CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D.; MARTINS, A. C.; TEMOTEO, J. G. (2017). Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: a libras em suas mãos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo., p. 1054), e a especializada, uma vez que é um sinal que também funciona como um sinal-termo, já que passou do uso em contexto geral ao uso em contexto especializado. Nesta análise, considera-se que, provavelmente, o sinal eletricidade - único item presente nos dois glossários - é usado, também, como sinal-termo porque, uma vez que essa unidade dá nome a um elemento comum nas situações de interação de muitas pessoas, os especialistas não precisaram criar um sinaltermo para esse referente. É um caso que ratifica os pressupostos da TCT, pois mostra como o contexto de interação condiciona a unidade lexical e a define como um(a) sinal/palavra ou um sinal-termo/termo.8 8 Por oportuno, ressalta-se que a figura 2, assim como todas as figuras que representam os sinais-termo do G1, são adaptações feitas de uma imagem do Google imagens.

Figura 4
Variante eletricidade utilizada em contexto geral

Outro aspecto merecedor de destaque é o processo de formação dos sinais-termo. Notou-se que, embora a variação denominativa seja bastante evidente nos G1 e G2, há uma semelhança na constituição de alguns sinaistermo, pois eles compartilham a mesma forma-base (QUADROS; KARNOPP, 2004QUADROS, R. M; KARNOPP, L. B. (2004). Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed., p. 95): configuração de mão (doravante CM) em Y, sugerindo um processo de derivação do sinal(termo) eletricidade. Em outras palavras, foi possível perceber que uma parte significativa dos sinais-termo coletados, a exemplo do posto nas Figuras 5 to 6, são casos de variação denominativa, mas, ambos possuem em comum, em sua constituição, a CM em Y, a mesma usada em eletricidade. Isso ocorre nos casos de tensão elétrica, corrente elétrica, carga elétrica, por exemplo. A seguir, há um exemplo para melhor esclarecer esse ponto.

Figura 5
Tensão elétrica - G2

Figura 6
Tensão elétrica - G1

4.1. Ilustrações da diversidade denominativa

Além dos casos anteriormente citados, os glossários apresentam outros exemplos de variação denominativa, como corrente elétrica, carga elétrica e circuito elétrico, que serão demonstrados a seguir.

Figura 7
Corrente elétrica - G2

Figura 8
Corrente elétrica - G1

Para esse item, os glossários apresentam um caso que se enquadra no eixo da variação fonológica, ou seja, dois sinais-termo, que possuem equivalência semântica, se distinguem no parâmetro CM: G2 com CM em I e G1 com uma CM ainda não catalogada. O resultado do G2 mantém a noção de derivação, anteriormente discutida, enquanto que o G1 apresenta uma CM que sugere um neologismo, ou seja, foi criada especificamente para o item corrente elétrica. Assim, nota-se uma fusão das configurações C + I [caso semelhante ao sinal em Libras “Oi” que é executado com uma CM formada pela junção de O+I] e sugere uma estratégia de associação com a escrita do português (C - corrente) e com a simbologia utilizada nas representações9 9 Em fórmulas para cálculos em que aparece a corrente elétrica, utiliza-se a letra I para representá-la. em fórmulas. É interessante ressaltar que esse sinal-termo apresenta, também, uma associação com o sinal-termo eletricidade, não no parâmetro CM, mas, nos parâmetros Movimento10 10 Os sinais/sinais-termo em Libras possuem tipos diferentes de movimentos (alguns sinais / sinais-termo não possuem movimento): retilíneo, circular, semicircular, sinuoso, angular, helicoidal. (M) e Locação11 11 É o local, no corpo ou espaço, onde se executa o sinal. (L).

O sinal-termo carga elétrica pode, também, “referir-se a um consumidor”12 12 Conceito presente no glossário online da Entidade Reguladora de Serviços Energéticos - ERSE. (ERSE, 2020ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Glossário de eletricidade. Disponível em: https://www.erse.pt/glossario/?filtro=C Acesso em: 02/07/2020
https://www.erse.pt/glossario/?filtro=C...
). Optou-se, nesse caso, por iniciar com a definição, pois considera-se que a forma assumida na denominação remete à conceptualização.

Figura 9
Carga elétrica - G1

Figura 10
Carga elétrica - G2

Esse sinal-termo, no G1, apresentou uma forma cuja constituição parte da junção da CM em C, referente à escrita em português carga + o sinal consumir, denominação que possui traços alinhados ao conceito apresentado no glossário da ERSE (2020)ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Glossário de eletricidade. Disponível em: https://www.erse.pt/glossario/?filtro=C Acesso em: 02/07/2020
https://www.erse.pt/glossario/?filtro=C...
- reforçando a noção supracitada de que, nesse caso, há uma relação entre forma e conteúdo. Por outro lado, o G2 apresenta um sinal-termo que indica que o sujeito criou um sinal-termo para carga e aproveitou o sinal-termo eletricidade já existente. Mais uma vez, além das características mencionadas, nota-se a língua portuguesa condicionando a forma dos sinais-termo, pois, ainda que sejam sinais-termo diferentes, está claro o uso de CM relacionadas à escrita em português.

Por último, o item que mais apresentou variação: circuito elétrico. Um ponto interessante, merecedor de destaque, é o fato de que são três sinais-termo distintos que apresentam uma característica comum: uma relação com a forma simbólica do item circuito elétrico (Figura 11).

Figura 11
Circuito elétrico

Como é possível perceber nas figuras acima, além da relação icônica, há uma referência à língua portuguesa em dois dos três sinais-termo (Figuras 12 to 13) e, mais uma vez, a derivação do sinal-termo eletricidade (Figura 14). O G2 apresenta um sinal-termo (Figura 12) constituído pela junção de circuito + elétrico, o que novamente sugere a influência da língua portuguesa, ou seja, o sinal-termo segue a forma composta da escrita do termo em português. Por outro lado, no G1, a forma da unidade (Figura 13) tanto possui relação com a escrita em português, haja vista o uso da CM em C (seguindo a grafia circuito), quanto com o sinal-termo eletricidade, quando incorpora o M. Já a Figura 14 revela um sinal-termo com os mesmos M e CM do sinal-termo eletricidade, entretanto, seguindo iconicamente a forma da Figura 11, pois é um sinal-termo cuja denominação segue fielmente o formato do circuito.

Figura 12
Circuito elétrico - G2

Figura 13
Circuito elétrico1 - G1

Figura 14
Circuito elétrico2 - G1

4.2. Sobre os resultados

De um modo geral, os resultados deste estudo apontam que os principais fatores que, provavelmente, influenciaram a variação dos sinais-termo foram a relação dos sujeitos com a língua portuguesa, a maneira como eles receberam visualmente os conteúdos e as relações entre os termos e os conceitos.

É interessante observar que as denominações identificadas e analisadas refletem uma variação cognitiva importante porque mostram como os especialistas de uma mesma comunidade denominam/sinalizam os conceitos dessa realidade em Libras. Esses resultados ratificam que as denominações surgem a partir de suas relações com os conceitos e que as interações dos sujeitos com os conhecimentos especializados e a forma como organizam cognitivamente esses saberes são condicionadores das produções terminológicas. Nesse sentido, é importante ressaltar que o modo de ver e de interpretar do especialista e da comunidade da qual ele participa, são importantes para a compreensão do campo especializado.

Os dados analisados, nesta pesquisa, apresentam um desafio importante para a Terminologia: refletir sobre como a normalização, entendida como um processo de organização das denominações comuns de uma área, poderá ser feito nas áreas de especialidade, visto que a variação encontrada nos universos especializados é muito importante. Nesse sentido, vale questionar: de que modo os manuais, glossários e dicionários especializados desenvolvidos em Libras colaboram para isso? Ao que parece, ao contrário do que acontece na forma “oral” (sinalizada) da língua comum, o sinal-termo, para ser amplamente utilizado, precisará de uma discussão e uma organização maior entre os especialistas e sinalizantes de Libras.

É necessário que os especialistas de áreas específicas do conhecimento, sinalizantes de Libras, organizem os repertórios terminológicos usados em suas interações, registrando a diversidade de sinais-termo existentes. A perspectiva descritiva da terminologia, proposta pela TCT, contribui para o [re]conhecimento dos sinais-termo, para a normalização dessas terminologias em seus usos pragmáticos e reforça o fato de que as unidades terminológicas assumem funcionalidades diversas em áreas diversas, a depender do contexto comunicativo.

A discussão apresentada neste artigo permite compreender que a tarefa de normatização, isto é, a de prescrever termos, é uma inciativa fadada ao fracasso. Para evitar isso, é necessário o desenvolvimento de pesquisas de cunho descritivo que retratem os usos reais, para que se tenha uma visão macro da diversidade e se possa, de fato, compreender que a variação é um fenômeno inerente às línguas naturais, à Libras, em seus usos comuns e especializados.

Os dados apresentados, nesta análise, mostram o quão rico e diversificado é o léxico especializado da eletrotécnica. Esses resultados reforçam que o repertório terminológico usado pela comunidade discursiva de especialistas da eletrotécnica - embora seus membros estejam em um mesmo local, tenham os mesmo propósitos e objeto de estudo - possui sua diversidade denominativa condicionada por suas particularidades e maneiras de compreenderem os saberes especializados. Além disso, ratificam que as denominações em Libras não são estáticas e que a variação denominativa surge, em grande parte dos resultados, a partir: a) das influências da escrita do português, pelo processo de transliteração da letra inicial (FARIA-NASCIMENTO, 2009FARIA-NASCIMENTO, S. P. (2009). Representações Lexicais da Língua de Sinais Brasileira: uma proposta lexicográfica. Tese de Doutorado em linguística. Universidade de Brasília, Brasília.), isto é, a incorporação de configurações de mãos que se representam a letra inicial da escrita do termo em língua portuguesa; b) da derivação de outros sinais(termos), ou seja, a criação de denominações a partir de um sinal(termo) preexistente; c) dos conceitos e das interpretações dos profissionais, quer dizer, denominações que se alinham ao conceito do termo.

Por fim, é preciso compreender que ainda não é possível dizer, de forma definitiva, quais fatores influenciam mais a variação denominativa analisada na área da eletrotécnica em Libras, mas, é sensato conceber a existência de fatores agentes sobre a língua, seja em contexto especializado de comunicação ou não, que resultam de variação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho ratifica a ideia de que a Libras é, de fato, uma língua natural como qualquer outra, uma vez que, sendo um estudo terminológico, reforça o status de língua atribuído às línguas de sinais, especialmente à Libras, e expressa a importância de estudos dessa natureza para os seus usuários, sejam eles surdos, sejam ouvintes.

Pesquisas alinhadas aos pressupostos da TCT contribuem para o aprofundamento dos estudos sobre a comunicação especializada em Libras que consideram a natureza interdisciplinar da Terminologia. Esse viés dos estudos terminológicos tem garantido a inserção e a inclusão da comunidade surda nos âmbitos científicos, proporcionando uma construção identitária e empoderamento profissional para os surdos que atuam e interagem em ambientes especializados.

No decorrer deste artigo, foi possível notar, também, conforme defende a Teoria Comunicativa da Terminologia, que a comunicação especializada, assim como a que se dá na esfera comum/geral - não especializada - da língua, está suscetível à variação, pois, o discurso especializado é parte do sistema linguístico geral e, sendo assim, não está isento de ser influenciado por fatores linguísticos e extralinguísticos.

Os dois glossários analisados revelam que, mesmo sendo da mesma área profissional, são diferentes as experiências, a forma de perceber o mundo e toda a heterogeneidade dos indivíduos, que se refletem nas suas produções linguísticas e geram resultados como os apresentados neste trabalho. Entre todos os 120 sinais-termo presentes nos materiais analisados, apenas 1 foi coincidente. Esse fato demonstra que existem fatores contextuais atuando sobre os usos linguísticos, afinal, os materiais foram desenvolvidos por/em instituições vizinhas e que se interessam pelo mesmo tema, consequentemente, esperava-se encontrar mais sinais-termo coincidentes.

Espera-se que este trabalho contribua para os estudos terminológicos desenvolvidos em Libras, para a reflexão sobre a importância da normalização em contraposição à normatização na área da Terminologia, isto é, contribua para uma organização das denominações em Libras não-padronizada. Almeja-se, também, que este trabalho colabore para a comunicação especializada na área da eletrotécnica, tanto pelos profissionais usuários de Libras quanto pelos alunos surdos que almejam ser futuros profissionais da eletrotécnica.

  • 1
    A Língua Brasileira de Sinais - Libras - é uma língua de modalidade visual-espacial (QUADROS, 2019QUADROS, R. M. (2019). Libras. São Paulo: Parábola., p. 25) utilizada por parte da comunidade surda brasileira. A Libras pode ser entendida como “a forma de comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades surdas do Brasil.” (BRASIL, 2002BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm Acesso em: 02/07/2020.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    , p. 1).
  • 2
    a) À disciplina, b) à prática, e c) ao produto gerado por essa prática.
  • 3
    O engenheiro e professor austríaco Eugene Wüster foi o precursor da chamada Teoria Geral ou Tradicional da Terminologia, mais conhecida como TGT, que tinha por objetivo, resumidamente, a universalização e a padronização de termos, acreditando que essa seria a solução para ruídos de comunicação uma vez que garantiria uma interação unívoca.
  • 4
    São o conjunto de signos linguísticos que constituem um subconjunto dentro do componente lexical da gramática do falante. A posição da linguística é clara: os termos não se distinguem das palavras do componente lexical, são unidades do léxico da gramática que fazem parte da competência do interlocutor ideal. Essa competência pode ser geral (comum a todos os falantes) e especializada (restrita a grupos de falantes). A terminologia específica (e não a trivializada nem a fundamental do tronco comum dos sujeitos técnico-científicos) faria parte da competência especializada. Os termos são para a linguística uma maneira de saber.
  • 5
    Compilado feito a partir de imagens do Google imagens, exceto a representação do sinal-termo circuito que foi adaptado pelo autor (2021).
  • 6
    Para isso, fala-se sobre os parâmetros, que são as unidades mínimas que constituem o sinal. A Libras possui, em nível fonológico (QUADROS; KARNOPP, 2004QUADROS, R. M; KARNOPP, L. B. (2004). Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed., p. 47), cinco parâmetros que constituem um sinal: configuração de mão - CM, Ponto de articulação (PA) ou Locação (L), Movimento (M), Orientação (OR) e Expressões não manuais (ENM).
  • 7
    É importante ressaltar que o sinal-termo eletricidade aparece no glossário do SENAI não como uma entrada, mas, como um exemplo para a explicação dos parâmetros em Libras.
  • 8
    Por oportuno, ressalta-se que a figura 2, assim como todas as figuras que representam os sinais-termo do G1, são adaptações feitas de uma imagem do Google imagens.
  • 9
    Em fórmulas para cálculos em que aparece a corrente elétrica, utiliza-se a letra I para representá-la.
  • 10
    Os sinais/sinais-termo em Libras possuem tipos diferentes de movimentos (alguns sinais / sinais-termo não possuem movimento): retilíneo, circular, semicircular, sinuoso, angular, helicoidal.
  • 11
    É o local, no corpo ou espaço, onde se executa o sinal.
  • 12
    Conceito presente no glossário online da Entidade Reguladora de Serviços Energéticos - ERSE.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2021
  • Aceito
    02 Fev 2022
  • Publicado
    05 Abr 2022
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