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Sociedade, espaço e fluxos: reflexões sobre processos transnacionais

Society, space and fluxes: reflections on transnational processes

Resumo

O texto considera as configurações sociais que extravasam fronteiras e ganham forma no plano transnacional, vinculadas a múltiplas geografias e a densas redes de fluxos. O principal objetivo é compreender como muitas das expressões da vida social contemporânea se baseiam na dispersão e na cinética, constituindo-se entre diversas escalas e localizações através de um complexo conjunto de trânsitos e ligações. Ao mesmo tempo é conferida a devida atenção à economia política das mobilidades globais, procurando tornar evidente que, apesar de uma certa fluidez sistêmica, os países mais ricos, através das suas fronteiras, pautam o ritmo, o volume e a composição dos fluxos que decorrem de suas conexões internacionais.

Fluxos; Transnacionalismos; Espaços; Fronteiras; Economia política

Abstract

The text debates the social configurations that go beyond borders and gain shape at a transnational scenario, linked to multiple geographies and to dense networks of fluxes. The main purpose is to understand how several expressions of contemporary social life are based on dispersion and kinetic, constituting themselves between multiple scales and locations, through a complex set of transits and links. At the same time is given due attention to the political economy of global mobilities, seeking to make clear that, despite a certain systemic fluidity, the richest countries, through its borders, establish the rhythm, volume and composition of the flows arising from their international connections.

Fluxes; Transnationalisms; Spaces; Borders; Political economy

Introdução

O aprofundamento dos processos de globalização das últimas três décadas tem alterado significativamente as relações entre o “eu” e o “outro”, o local e o global e, mais importante ainda, entre o espaço e a sociedade (Gille e Riain, 2002Gille, Zsuzsa & Riain, Seán. (2002), “Global ethnography”. Annual Revue of Sociology, 28: 271-295.; Lechner, 2009Lechner, Frank. (2009), Globalization: the making of a world society. Chichester, Wiley-Blackwell.). Daí resultam fenômenos sociais ligados a múltiplos lugares e que não dependem de uma relação estrita e territorializada com a geografia (Boccagni, 2011Boccagni, Paolo. (2011), “Rethinking transnational studies: transnational ties and the transnationalism of everyday life”. European Journal of Social Theory, 15 (1): 117-132.; Gupta e Ferguson, 1992Gupta, Akhil & Ferguson, James. (1992), “Beyond ‘culture’: space, identity, and the politics of difference”. Cultural Anthropology, 7 (1): 6-23.; Robertson e White, 2003Robertson, Roland & White, Kathleen E. (orgs.). (2003), Globalization: the Nation-State and international relations. Londres/Nova York, Routledge.), constituindo-se de modo fluido, sob a forma de fluxos de pessoas, bens e culturas. A intensificação desses fluxos internacionais equivale, aliás, à expressão paradigmática da globalização mais recente e de um mundo em que, apesar de assimétricas, as mobilidades representam uma importante marca na generalidade das sociedades (Urry, 2007Urry, John. (2007), Mobilities. Cambridge e Malden, Polity Press.). Sua influência faz-se sentir, de forma acentuada e transversal, em praticamente todos os domínios do cotidiano, seja nos de maior exposição e densidade social, seja nos que remetem mais para a vida privada e a intimidade. É no quadro desse complexo sistema global de fluxos que emergem processos de mudança social permitindo às pessoas posicionamentos mais reflexivos diante da tradição e dos estilos de vida – “cosmopolitismo reflexivo” (Beck, 2000aBeck, Ulrich. (2000a), “The cosmopolitan perspective: sociology in the second age of modernity”. British Journal of Sociology, 51 (1): 9-107.) – e, simultaneamente, a imaginação de geografias e destinos alternativos para seus trajetos biográficos.

Partindo da perspectiva de um world in motion (Inda e Rosaldo, 2002Inda, Jonathan & Rosaldo, Renato. (2002), “Introduction: a world in motion”. In: Inda, Jonathan & Rosaldo, Renato (orgs.). The anthropology of globalization: a reader. Oxford, Blackwell, pp. 1-34.), embora não esquecendo que nem todos possuímos os mesmos recursos e possibilidades para atuar nos cenários internacionais (Alvarez, 1995Alvarez, Robert. (1995), “The Mexican-us border: the making of an anthropology of borderlands”. Annual Review of Anthropology, 24: 447-470.; Cunningham e Heyman, 2004Cunningham, Hilary & Heyman, Josiah. (2004), “Introduction: mobilities and enclosures at borders”. Identities: Global Studies in Culture and Power, 11: 289-302.; Gaudette, 2013Gaudette, Pascal. (2013), “Jembe hero: West African drummers, global mobility and cosmopolitanism as status”. Journal of Ethnic and Migration Studies, 39 (2): 295-310.; Kalir, 2013Kalir, Barak. (2013), “Moving subjects, stagnant paradigms: can the ‘mobilities paradigm’ transcend methodological nationalism?”. Journal of Ethnic and Migration Studies, 39 (2): 311-327.; Martell, 2009Martell, Luke. (2009), “Global inequality, human rights and power: a critique of Ulrich Beck’s cosmopolitanism”. Critical Sociology, 35 (2): 253-272.), este artigo discute a constituição de espaços sociais que extravasam múltiplas fronteiras – desde logo as fronteiras político-administrativas que delimitam os Estados-nação – e se encontram densamente vinculados a diversas geografias e a intrincadas redes de fluxos. Delineado em um formato próximo do ensaio, o texto começa por situar brevemente, do ponto de vista conceptual, a crescente transnacionalização da vida social. Em seguida, são considerados os fluxos e as conexões como processos estruturantes de manifestações sociais transnacionais, constituindo espaços em rede e multirreferenciados. As reflexões aqui desenvolvidas, ainda que eminentemente teóricas, inscrevem-se na investigação que realizei para doutoramento sobre os processos e as práticas sociais de transnacionalização da intimidade no espaço Atlântico (Sacramento, 2014Sacramento, Octávio. (2014), Atlântico passional: mobilidades e configurações transnacionais de intimidade euro-brasileiras. Lisboa, tese de doutorado, Instituto Universitário de Lisboa, iscte-iul.)1 1 . Este trabalho recebeu bolsa de doutoramento sfrh/bd/60862/2009, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (fct, Portugal). Também foi importante o apoio do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (Cetrad-Utad) –, instituição financiada por Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente Feder, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização .

Transnacionalização da vida social: referências conceptuais

A discussão em torno dos processos sociais que transcendem a escala nacional tende a incorporar uma análise detalhada sobre a globalização, as suas origens, estruturas, manifestações e consequências. Ela é, certamente, um dos fenômenos mais debatidos nas últimas décadas, em particular desde os anos de 1980. A prová-lo estão a emergência e a expansão dos chamados global studies2 2 . Para um conhecimento atualizado desse campo de estudos, nomeadamente da sua epistemologia, dimensões de análise e autores de referência, ver, entre outros, Campbell, MacKinnon e Stevens (2010), Hensby e O’Byrne (2011) e Pieterse (2013). e uma certa tendência no sentido de inscrever na sua esfera as pesquisas e as reflexões de ruptura com o tradicional “nacionalismo metodológico”, no qual se consideravam as fronteiras do Estado-nação como os limites naturais da sociedade e o quadro de referência para a explicação de suas estruturas, processos e práticas (Amelina, Nergiz, Faist e Schiller, 2012Amelina, Anna; Nergiz, Devrimsel; Faist, Thomas & Schiller, Nina (orgs.). (2012), Beyond methodological nationalism: research methodologies for cross-border studies. Nova York/Londres, Routledge.; Beck, 2000bBeck, Ulrich. (2000b), What is globalization? Cambridge, Polity Press.; Wimmer e Schiller, 2002Wimmer, Andreas & Schiller, Nina. (2002), “Methodological nationalism and beyond: Nation-state building, migration and the social sciences”. Global Networks, 2 (4): 301-34.). Importa, todavia, ter em conta que nem toda pesquisa social que ultrapassa os reducionismos epistemológicos decorrentes do “nacionalismo metodológico” se enquadra, automaticamente, nos global studies.

Assim, impõe-se, desde logo, uma breve distinção conceptual desse campo em relação aos chamados transnational studies. No entender de Schiller (2005Schiller, Nina. (2005), “Transnational social fields and imperialism: bringing a theory of power to transnational studies”. Anthropological Theory, 5 (4): 439-461., p. 440), um e outro remetem para dois níveis de análise diferentes: os global studies preocupam-se mais com fenômenos que se repercutem na escala planetária3 3 . Ou seja, fenômenos sistêmicos que se manifestam no âmbito do “sistema-mundo”: uma estrutura hierárquica, dinâmica e global, marcada por feixes de tensão entre hegemonias e contra-hegemonias ideológicas, econômicas, políticas, militares e culturais, que, ciclicamente, podem mudar a sua localização na geografia mundial (Arrighi, 1996; Arrighi e Silver, 2001; Wallerstein, 1974). A gênese desse sistema remonta ao século xvi na Europa Ocidental. O colapso do sistema feudal e a progressiva instauração de uma agricultura de feição capitalista, bem como o complexo sistema comercial que foi ganhando forma com as descobertas marítimas, permitiram à Europa Ocidental a criação de um sistema econômico de alcance mundial, a que se seguiria, já no século xviii, a industrialização e a subsequente emergência e gradual hegemonia global da economia capitalista (Wallerstein, 1974). A capacidade de adaptação e de implantação do capitalismo nos mais variados contextos mundiais é bem patente na etnografia de Ribeiro (2010) em Moçambique. , enquanto os transnational studies dão mais relevância aos processos e às conexões que se desenvolvem através de fronteiras estatais específicas. Isto não significa que esses dois campos se debrucem sobre aspectos diferenciados da realidade, como se os fenômenos de globalização e de transnacionalização fossem manifestações empíricas distintas, sem qualquer relação. É nesse sentido que Hofmeister e Breitenstein (2008)Hofmeister, Heather & Breitenstein, André. (2008), “Contemporary processes of transnationalization and globalization”. International Sociology, 23 (4): 480-487. se referem aos transnacionalismos como manifestações de processos entre dois ou mais Estados e à globalização como os efeitos desses processos. Como eles próprios afirmam, “os processos são transnacionais; os efeitos são globais” (Idem, p. 480), advogando, simultaneamente, a utilização do conceito de transnacionalização como forma de descrição mais precisa daquilo que muitos autores apelidam de globalização.

Usando critérios relativamente diferentes para ensaiar um esboço do alcance empírico de cada um dos conceitos, Hannerz (2000Hannerz, Ulf. (2000), “Transnational research”. In: Bernard, H. Russel (org.). Handbook of methods in cultural anthropology. Walnut Creek, Altamira Press, pp. 235-256., p. 236) afirma que, enquanto o termo “globalização” remete para um escopo mundial, ou pelo menos transcontinental, o termo “transnacional” não tem subjacente um sentido tão amplamente inclusivo. Essa ideia vai em linha com o que já havia afirmado em uma das suas obras de referência, de 1996, Transnational connections, na qual expressa desconforto teórico em face do que considera ser uma utilização indiscriminada e, consequentemente, grosseira e desajustada do conceito de globalização, propondo que, em muitos casos, seja utilizada a designação “transnacional”:

Também me sinto algo desconfortável com o uso bastante prodigioso do termo “globalização” para descrever praticamente todo e qualquer processo ou relação que, de alguma forma, atravessa as fronteiras do Estado. Por si, muitos desses processos e relações obviamente não se estendem a todo o mundo. O termo “transnacional” acaba por ser uma designação mais humilde e, muitas vezes, mais adequada para referenciar fenômenos que podem ser de escala e de distribuição bastante variáveis, mesmo quando eles evidenciam a característica de não estarem circunscritos a um determinado Estado (Hannerz, 1996Hannerz, Ulf. (1996), Transnational connections: culture, people, places. Londres, Routledge., p. 6).

Procurando ainda uma maior precisão em relação a outros termos que, amiúde, são usados com um sentido próximo, Hannerz destaca que, ao se considerarem o âmbito e a natureza dos fenômenos envolvidos, a preocupação, nesse caso, deverá ser o contraste entre os conceitos transnacional e internacional. No seu entender, este último deveria ser reservado para contextos em que os Estados surgem e se relacionam como atores corporativos, e o primeiro para o envolvimento de outros atores (por exemplo, indivíduos, movimentos sociais, grupos étnicos, famílias) em relações e atividades que transcendem as fronteiras nacionais (Hannerz, 2000Hannerz, Ulf. (2000), “Transnational research”. In: Bernard, H. Russel (org.). Handbook of methods in cultural anthropology. Walnut Creek, Altamira Press, pp. 235-256., pp. 236-237). Em seguida, centrando-se mais especificamente no campo disciplinar da antropologia, o autor salienta que os estudos transnacionais evidenciam, de um modo geral, três grandes ingredientes de relevância variada: (1) a assunção de que os fenômenos transnacionais extravasam as fronteiras existentes entre unidades políticas autônomas; (2) a ênfase em sua dimensão espacial, reconhecendo-os como resultantes de processos e relações que articulam pessoas e grupos sociais separados por longas distâncias; (3) o reconhecimento de que eles implicam uma coexistência dinâmica e (re)criativa de expressões culturais distintas (Idem, p. 237), situação que pode ser designada por “hibridez, colagem, mélange, miscelânea, montagem, sinergia, bricolagem, crioulização, mestiçagem, miscigenação, sincretismo, transculturação, terceiras culturas, entre outros termos” (Hannerz, 1997Hannerz, Ulf. (1997), “Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia transnacional”. Mana, 3 (1): 7-39., p. 26)4 4 . O resultado desses processos é a constituição daquilo que Hall (1991) designa por “novas etnicidades” e que se enquadra em uma tendência de cosmopolitização dos contextos locais (Gustafson, 2009; Hall, 2006) e de formação de identidades pós-nacionais (Matnstik, 1996; Smith, 2007). Importa, contudo, questionar sempre a sustentabilidade etnográfica do chamado hibridismo cultural, tal como o faz Friedman (2002, pp. 23-24): “Mas, híbrido para quem, pode perguntar-se? Sem uma investigação etnográfica aprofundada sobre como as pessoas realmente experimentam esses aparentes objetos híbridos, como eles estão presentes em suas vidas, há uma tendência para confundir a nossa própria visão emic com a das pessoas que estamos tentando entender. A objetivação como oposição ao modo etnográfico destaca-se nesse empreendimento, bem como a necessidade de se criar essências para que sejam miscigenadas em produtos híbridos. […] Esse hibridismo é simplesmente a nossa identificação de ‘matéria fora de lugar’, isto é, de híbridos-para-nós”. .

Dessa forma, é perfeitamente aceitável uma ideia de transnacionalização como expressão das “atividades iniciadas e mantidas por atores não institucionais, sejam eles grupos organizados ou redes de indivíduos, através das fronteiras nacionais” (Portes, 2006Portes, Alejandro . (2006), Estudo sobre as migrações contemporâneas: transnacionalismo, empreendedorismo e a segunda geração. Lisboa, Fim-de-Século., p. 210). Evitando retomar a discussão da antiga e obsoleta dicotomia “estrutura-ação”, o fato de se privilegiar uma perspectiva mais microssocial dos fenômenos transnacionais remete simplesmente a uma opção analítica. Na realidade empírica, as estruturas e as ações que vão dando forma a esses fenômenos se configuram reciprocamente, em constante dialética. Como destacam Heather e Breitenstein (2008, p. 486), “No final, uma conceituação da transnacionalização como um processo que opera do nível macro para o nível micro não seria precisa. O sistema molda as possibilidades do indivíduo, mas o indivíduo influencia o sistema”. Desse modo, sem negligenciar os condicionalismos macroestruturais que balizam os processos transfronteiriços, a noção de transnacionalização confere particular relevância às práticas cotidianas de indivíduos e grupos que, sem uma apurada formalização institucional, vão construindo espaços de manifestação social (com diferentes formatos e densidades) para lá das fronteiras político-administrativas, nos interstícios, dos diferentes Estados. Alguns desses espaços têm mesmo uma existência desvinculada da geografia. As formas de interação no cyberespaço constituem o exemplo por excelência da desterritorialização e da anulação da distância física que caracteriza a produção de determinadas manifestações sociais na atualidade (Orton-Johnson e Prior, 2013Orton-Johnson, Kate & Prior, Nick (orgs.). (2013), Digital sociology: critical perspectives. Basingstoke/Nova York, Palgrave Macmillan.).

Os processos, as relações e as práticas transestatais têm recebido diversas designações por parte das ciências sociais, sendo até frequente essa diversidade manifestar-se em diferentes textos de um mesmo autor. As designações mais usadas têm sido “formações sociais transnacionais” (Guarnizo, 1997Guarnizo, Luis. (1997), “The emergence of a transnational social formation and the mirage of return migration among Dominican transmigrants”. Identities, 4 (2): 281-322.; Landolt, 2001Landolt, Patricia. (2001), “Salvadorian economic transnationalism: embedded strategies for household maintenance, immigrant incorporation, and entrepreneurial expansion”. Global Networks, 1: 217-242.; Vertovec, 2009Vertovec, Steven. (2009), Transnationalism. Nova York, Routledge.), “espaços sociais transnacionais” (Faist e Özveren, 2004Faist, Thomas & Özveren, Eyüp (orgs.). (2004), Transnational social spaces: agents, networks and institutions. Aldershot, Ashgate Publishing.; Jackson, Crang e Dwyer, 2004Jackson, Peter; Crang, Philip & Dwyer, Claire (orgs.). (2004), Transnational spaces. Londres, Routledge.; Pries, 2001Pries, Ludger. (2001), “The approach of transnational social spaces: responding to new configurations of the social and the spatial”. In: Pries, Ludger (org.). New transnational social spaces. Londres, Routledge, pp. 3-33.), “comunidades transnacionais” (Castles, 2005Castles, Stephen. (2005), Globalização, transnacionalismo e novos fluxos migratórios: dos trabalhadores convidados às migrações globais. Lisboa, Fim-de-Século.; Djelic e Quack, 2010Djelic, Marie-Laure & Quack, Sigrid. (2010), Transnational communities: shaping global economic governance. Cambridge, Cambridge University Press.; Portes, 1999Portes, Alejandro. (1999), “Globalization from below: the rise of transnational communities”. In: Kalb, Don et al. (orgs.). The ends of globalization: bringing society back in. Boulder, Rowman and Littlefield, pp. 253-270.) e “campos sociais transnacionais” (Goldring, 1998Goldring, Luin. (1998), “The power of status in transnational social fields”. In: Smith, Michael & Guarnizo, Luis (orgs.). Transnationalism from below. Nova Brunswick, Transaction Publishers, pp. 165-195.; Schiller, 2004Schiller, Nina. (2004), “Transnationalism”. In: Nugent, David & Vincent, Joan (orgs.). A companion to the anthropology of politics. Malden, Blackwell, pp. 448-467., 2005Schiller, Nina. (2005), “Transnational social fields and imperialism: bringing a theory of power to transnational studies”. Anthropological Theory, 5 (4): 439-461.). Todas essas propostas conceptuais têm procurado ultrapassar as limitações decorrentes do “nacionalismo metodológico” (Beck, 2000bBeck, Ulrich. (2000b), What is globalization? Cambridge, Polity Press.) predominante nas ciências sociais há cerca de três décadas5 5 . Esse “nacionalismo metodológico” é comumente apontado como um dos principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento tardio do campo de estudos transnacionais, que só começou a consolidar-se de forma efetiva a partir do início dos anos de 1990. , e com base no qual se faziam equivaler as fronteiras sociais e as fronteiras políticas do Estado. O resultado foi a produção de noções demasiado estáticas e essencialistas da sociedade e da cultura (Aas, 2007Aas, Katja. (2007), “Analysing a world in motion: global flows meet ‘criminology of the other’”. Theoretical Criminology, 11 (2): 283-303.), negligenciando-se um aspecto fundamental colocado em evidência por Gellner (1983Gellner, Ernest. (1983), Nations and nationalism. Oxford, Blackwell., p. 6): “Ter uma nação não é um atributo inerente de humanidade, mas chega a parecer como tal”.

Esses conceitos representam, justamente, essa tentativa de mudança epistemológica e de distanciamento em em relação a concepções alicerçadas em essencialismos culturais, étnicos ou nacionalistas. Todavia, como adverte Schiller (2005)Schiller, Nina. (2005), “Transnational social fields and imperialism: bringing a theory of power to transnational studies”. Anthropological Theory, 5 (4): 439-461., alguns dos novos conceitos tendem, em certa medida, a negligenciar o papel dos Estados (sobretudo das estruturas e das desigualdades de poder) nos fenômenos transnacionais, enquanto outros, em particular o conceito de “comunidades transnacionais”, tendem a fazer a ressurreição do velho “nacionalismo metodológico”, agora sob a denominação de “nacionalismo metodológico transnacional”:

Os acadêmicos tendem a trazer seu olhar cultural para suas teorias da sociedade, como se toda a gente fosse, sempre e necessariamente, constrangida por alguma forma de identidade vinculada a uma configuração cultural e, no limite, territorial. […] Entre os muitos problemas com essa abordagem é que ela privilegia uma unidade de análise etnocultural. Os pesquisadores muitas vezes definem como sua unidade de estudo uma população não delimitada pelo tempo ou pelo espaço, mas contida dentro dos limites de uma identificação étnica/nacional. […] As pessoas que escolhem identidades e relações sociais que não se confinam à população étnica ficam de fora da pesquisa e do desenvolvimento da teoria (Schiller, 2005Schiller, Nina. (2005), “Transnational social fields and imperialism: bringing a theory of power to transnational studies”. Anthropological Theory, 5 (4): 439-461., p. 442).

Importa, por isso, ter em consideração que muitas das redes sociais que sustentam manifestações transnacionais não estão (pelo menos de forma estrita) baseadas etnicamente, integrando pessoas e expressões culturais marcadas por uma diversidade mais ou menos pronunciada. Nesse sentido, e inspirando-se sobretudo na ideia bourdieusiana de “campo”, Schiller (2004Schiller, Nina. (2004), “Transnationalism”. In: Nugent, David & Vincent, Joan (orgs.). A companion to the anthropology of politics. Malden, Blackwell, pp. 448-467., 2005Schiller, Nina. (2005), “Transnational social fields and imperialism: bringing a theory of power to transnational studies”. Anthropological Theory, 5 (4): 439-461.) propõe a utilização do conceito de “campos sociais transnacionais”: aglomerados de redes sociais formados entre as fronteiras dos Estados-nação e que, direta ou indiretamente, se inscrevem em estruturas de poder que, por via financeira, militar, política e cultural, garantem a supremacia, por vezes de forma imperialista, de determinados Estados sobre outros. As diferentes disposições das fronteiras político-administrativas à escala mundial constituem um bom exemplo da manifestação de assimetrias interestatais que condicionam a natureza dos fluxos, dos processos e das práticas que dão forma aos fenômenos sociais transnacionais.

Reconhecendo a pertinência de relevar essa dimensão de poder, mas, ao mesmo tempo, identificando a necessidade de maior precisão conceptual para traduzir a diversidade de escalas, o caráter reticular, a importância do indivíduo e do individual, as tensões e as extraordinárias ambivalências e volatilidades que caracterizam as manifestações transnacionais, parece-me pertinente admitir a substituição do conceito de “campo” por outro que lhe é relativamente próximo e que ocupa um lugar central na sociologia figuracional de Elias (1999)Elias, Norbert. ([1970] 1999), Introdução à sociologia. Lisboa, Edições 70.: o conceito de “configuração” – abrangência relacional, permeada pela coexistência de ambivalências e heterogeneidades (por exemplo, de poder, identitárias), que sintetiza congregações de vínculos sociais interdependentes, dinâmicos e, de certo modo, contingenciais. A designação “configurações sociais transnacionais” poderá, então, revelar-se mais precisa na tradução da complexidade dos fatos sociais resultantes de processos e práticas de âmbito supranacional.

Fluxos, espaço reticular e seletividade

Independentemente das variações teóricas sobre os transnacionalismos, há um consenso mais ou menos generalizado em torno do que eles pressupõem: mobilidades que interpelam fronteiras (por exemplo, políticas, culturais, etnossexuais), geram contatos entre elementos diversos e contribuem para a emergência de novas paisagens sociais e identitárias. É nesse sentido que, já há quase duas décadas, Hannerz (1997)Hannerz, Ulf. (1997), “Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia transnacional”. Mana, 3 (1): 7-39. se referia aos fluxos, às fronteiras e aos híbridos como as “palavras-chave da antropologia transnacional”, procurando, assim, considerar os novos contextos e condicionalismos inerentes à reflexão sobre a cultura. Os fluxos de pessoas, produtos materiais e elementos imateriais, e as conexões transfronteiriças a eles associadas, ao desafiarem as tradicionais noções de espaço e as concepções prevalecentes (sobretudo as mais essencialistas) de sociedade, comunidade, cultura e pertença social, constituíram uma das grandes referências dos principais conceitos e metáforas da modernidade tardia (Aas, 2007Aas, Katja. (2007), “Analysing a world in motion: global flows meet ‘criminology of the other’”. Theoretical Criminology, 11 (2): 283-303.). Entre muitas outras, basta pensarmos nas metáforas da liquidez de Bauman (2000)Bauman, Zygmunt. (2000), Liquid modernity. Cambridge, Polity Press.; na ideia dos global scapes de Appadurai (1996)Appadurai, Arjun. (1996), Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis, University of Minnesota Press.; nas ideias sobre a emergência do “espaço de fluxos” e a constituição da “sociedade em rede” de Castells (1996)Castells, Manuel. (1996), The rise of the network society. Oxford, Blackwell Publishers.; na perspectiva da “compressão do espaço-tempo” de Harvey (1992Harvey, David. (1992), Condição pós-moderna. São Paulo, Edições Loyola., 2001Harvey, David. (2001), Spaces of capital: towards a critical geography. Nova York, Routledge.); no conceito de “sociedade cosmopolita” de Beck (2002)Beck, Ulrich. (2002), “The cosmopolitan society and its enemies”. Theory, Culture & Society, 19 (1-2): 17-44.; nas expressões world in creolization e global ecumene de Hannerz (1987Hannerz, Ulf. (1987), “The world in creolization”. Africa, 57: 546-559., 1992aHannerz, Ulf. (1992a), “The global ecumene as a network of networks”. In: Kuper, Adam (org.). Conceptualizing society. Londres, Routledge, pp. 34-57., 1996Hannerz, Ulf. (1996), Transnational connections: culture, people, places. Londres, Routledge.); e nas reflexões sobre as “cidades globais” de Sassen (1991)Sassen, Saskia. (1991), The global city: New York, London, Tokyo. Princeton, Princeton University Press..

Todos esses conceitos e metáforas colocam em evidência o caráter transbordante da vida social atual, impulsionado pela velocidade sistêmica que caracteriza o mundo – amplamente discutida por Virilio (1996Virilio, Paul. (1996), Velocidade e política. São Paulo, Estação Liberdade., 2000Virilio, Paul. (2000), A velocidade de libertação. Lisboa, Relógio D’Água.), que criou o conceito de “dromologia”6 6 . Conceito formulado a partir da palavra grega dromos (movimento, curso, deslocação, passagem) e utilizado para designar a intensa produção cinética que caracteriza a vida social contemporânea. –, decorrente da atenuação de muitos dos constrangimentos físicos da geografia e da aceleração dos fluxos que as novas possibilidades técnicas na área dos transportes e das comunicações têm proporcionado. O resultado são configurações sociais difusas marcadas por um complexo e constante vaivém de pessoas e de elementos de diferentes contextos, deixando de circunscrever-se a um espaço específico e exclusivo. Utilizando a terminologia de Clifford (1997)Clifford, James. (1997), Routes: travel and translation in the late twentieth century. Cambridge, Harvard University Press., será possível dizer que essas configurações existem mais sob a forma de routes (rotas, trânsitos) que de roots (raízes, elementos fixos), embora, como destaca Friedman (2002)Friedman, Jonathan. (2002), “From roots to routes: tropes for trippers”. Anthropological Theory, 2 (1): 21- 36., estas últimas também possam entrar em movimento, dando origem, nesse caso, aos rizomas de que nos falam Deleuze e Guattari (1987)Deleuze, Gilles & Guattari, Felix. (1987), A thousand plateaus: capitalism and schizophrenia. Minneapolis, University of Minnesota Press.. Emergem, então, identidades plurais, metamórficas e contingenciais, ou seja, “rizomáticas” (Friedman, 2002Friedman, Jonathan. (2002), “From roots to routes: tropes for trippers”. Anthropological Theory, 2 (1): 21- 36.), constituindo-se entre e ao longo de diferentes contextos sociais de diferentes países e/ou continentes. Ao extravasarem os limites do Estado-nação, as configurações sociais transnacionais perdem a vinculação estrita a um território específico (Basch, Schiller e Blanc, 2000Basch, Linda; Schiller, Nina & Blanc, Cristina. ([1993] 2000), Nations unbound: transnational projects, postcolonial predicaments, and deterritorialized nation-states. Londres, Routledge.), ganham dinâmicas voláteis e imprevisíveis e colocam alguns desafios em termos de governabilidade (Schiller, 2005Schiller, Nina. (2005), “Transnational social fields and imperialism: bringing a theory of power to transnational studies”. Anthropological Theory, 5 (4): 439-461.).

No entender de Appadurai (1996)Appadurai, Arjun. (1996), Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis, University of Minnesota Press., o sistema de fluxos globais expressa-se em ethnoscapes (fluxos de pessoas), mediascapes (fluxos de imagens), technoscapes (fluxos de tecnologia), financescapes (fluxos de capital) e ideoscapes (fluxos de ideias e ideologias) que, em conjunto, configuram o que o autor chama de “economia cultural global”. Esses fluxos coexistem de forma mais ou menos amalgamada, estão em constante reconfiguração, não têm subjacente um efetivo sentido de lugar e de pertença e circulam em diferentes ritmos entre múltiplos espaços7 7 . Esses espaços e suas conexões, tal como é destacado por Appadurai (1996), Hannerz (1992b), Kearney (1995), Lash e Urry (1994), fazem parte de um mundo marcado por algumas tendências descentralizadoras que os tradicionais modelos de análise não preveem, em particular os modelos inspirados na teoria da dependência, fundados em uma certa bipolarização entre centro e periferia. Como justamente adverte Ribeiro (2010), no centro podemos encontrar a periferia; na periferia, os “enclaves centrais”. . Alguns deles estão sujeitos, localmente, a variadas apropriações e atribuições de significado, em um processo de confluência dinâmica e criativa entre o global e o local a que Robertson (1990) deu o nome de “glocalização”. Os próprios movimentos (routes) geram efeitos de dispersão e mobilidade das culturas e dos seus bens (Frangella, 2010Frangella, Simone. (2010), “O made in Brasil em Londres: migração e os bens culturais”. Travessia – Revista do Migrante, xxiii (66): 33-43.) – “cultures on the road”, diriam Rojek e Urry (1997)Rojek, Chris & Urry, John. (1997), “Transformations of travel and theory”. In: Rojek, Chris & Urry, John (orgs.). Touring cultures: transformations of travel and theory. Londres, Routledge, pp. 1-21. – e, além do mais, podem ser, por si sós, vetores de novas “possibilidades culturais” (Frangella, 2010Frangella, Simone. (2010), “O made in Brasil em Londres: migração e os bens culturais”. Travessia – Revista do Migrante, xxiii (66): 33-43., p. 36), como também é salientado por Clifford (1997Clifford, James. (1997), Routes: travel and translation in the late twentieth century. Cambridge, Harvard University Press., p. 3): “As práticas de deslocamento podem emergir como constitutivas de significado cultural e não apenas como simples meios de transferência ou extensão do mesmo”. Com a sua ideia de travelling cultures, Clifford deixa claro que a cultura não é apenas uma prerrogativa de sociedades com raízes (roots) numa determinada ecologia socioespacial. Não é de estranhar, portanto, o clamor oportuno de Urry (2000)Urry, John. (2000), Sociology beyond societies: mobilities for the twenty-first century. Londres, Routledge. para as ciências sociais estarem particularmente atentas ao que circula e emerge nos interstícios das diferentes sociedades, o que implica uma reflexão cuidada sobre as fronteiras (Rumford, 2006Rumford, Chris. (2006), “Theorizing borders”. European Journal of Social Theory, 9 (2): 155-169.).

A ocorrência dos fluxos globais, por vezes, dá-se de forma disjuntiva, criando tensões e contradições no nível local. A título de exemplo, Appadurai (1999Appadurai, Arjun. (1999), “Globalization and the research imagination”. International Social Science Journal, 51 (160): 229-238., p. 231) refere-se aos fluxos mediáticos como disseminadores de imagens consumistas e de aspirações em populações que, estando completamente afastadas dos fluxos de capital e/ou dos seus potenciais benefícios, dificilmente as conseguem concretizar. Aliás, os fluxos globais de imagens, ao confrontarem as pessoas com múltiplas (e, amiúde, contraditórias) expressões da realidade, proporcionam-lhes recursos simbólicos para uma maior reflexividade em relação ao que as rodeia e à sua própria condição. Nesse quadro, a dissociação entre o que se é ou tem e o que se vê, imagina e anseia em outros lugares contribui não só para questionar identidades, percursos biográficos e expectativas, mas também para fomentar desejos de alteração de cotidianos e estilos de vida. A concretização desses desejos pressupõe, em muitos casos, mobilidades e mudanças de geografia, temporárias ou de natureza mais definitiva, como é o caso, respectivamente, das deslocações turísticas e migratórias.

Quando se discutem mobilidades, fronteiras e a produção de configurações sociais que transcendem a escala nacional e resultam de fluxos que vinculam diferentes espaços, há uma clara tendência para privilegiar as migrações como principal referência (Brettell, 2006Brettell, Caroline. (2006), “Introduction: global spaces/local places. Transnationalism, diaspora, and the meaning of home”. Identities: Global Studies in Culture and Power, 13 (3): 327-334.; Castles, 2005Castles, Stephen. (2005), Globalização, transnacionalismo e novos fluxos migratórios: dos trabalhadores convidados às migrações globais. Lisboa, Fim-de-Século.; Conway e Potter, 2009Conway, Dennis & Potter, Robert (orgs.). (2009), Return migration of the next generations: twenty-first century transnational mobility. Aldershot, Ashgate.; Levitt e Jaworsky, 2007Levitt, Peggy & Jaworsky, Bernadette. (2007), “Transnational migration studies: past developments and future trends”. Annual Review of Sociology, 33: 129-156.). Isso acontece provavelmente por se tratar de um tipo de mobilidade menos efêmero que o turismo e as demais formas de nomadismo e, por isso, considera-se que as migrações tenham implicações mais profundas e sustentadas na produção de transnacionalismos. Todavia, no atual estágio de conectividade e de velocidade do sistema-mundo, os vários trânsitos de pessoas, e não só, cruzam-se, interagem e misturam-se flexivelmente, ainda que, dependendo do contexto, se expressem com relevâncias, formatos e orientações geográficas variáveis.

Os múltiplos fluxos de pessoas e coisas tendem a articular-se e, no caso mais específico das mobilidades populacionais, assumem, com alguma frequência, características híbridas e podem mesmo evoluir para formas distintas das que revelam em um primeiro momento, sempre que as expectativas e os comportamentos individuais mudam no decurso de uma ou entre várias deslocações. Além do mais, os próprios atores sociais nem sempre vislumbram e classificam os respectivos trânsitos segundo noções rígidas, como turismo e migrações. Daí a necessidade de se considerarem essas duas categorias como polos de um amplo e complexo espectro de mobilidades: “Os movimentos temporários e as migrações permanentes formam parte do mesmo continuum de mobilidade populacional no tempo e no espaço” (Bell e Ward, 2000Bell, Martin & Ward, Gary. (2000), “Comparing temporary mobility with permanent migration”. Tourism Geographies, 2 (1): 87-107., p. 88). Adotando uma maior plasticidade teórica – como destacam Hall e Williams (2002Hall, Michael & Williams, Allan (orgs.). (2002), Tourism and migration: new relationships between production and consumption. Dordrecht, Kluwer Academic Publishers., p. vii) – e um novo paradigma para as mobilidades – proposto por Sheller e Urry (2006)Sheller, Mimi & Urry, John. (2006), “The new mobilities paradigm”. Environment and Planning, 38 (2): 207-226. – será possível enquadrar muitas manifestações empíricas de mobilidade que tendem a cair no vazio ou no caos conceptual e apreender formas de circulação emergentes que ligam lugares e pessoas de uma maneira inovadora, dificilmente traduzíveis pelas tradicionais referências analíticas do turismo e das migrações, sobretudo quando essas referências estão muito limitadas às suas demarcações disciplinares.

Quando se discutem fluxos e processos transnacionais, as fronteiras surgem como uma dimensão de análise incontornável. E são vários os tipos de fronteiras a considerar. É que a circulação internacional de pessoas, bens, capital, informação e imagens não interpela apenas fronteiras político-administrativas, mas também interpela também fronteiras de “raça” e etnicidade, de cidadania, de classe, de gênero, entre outras. Além dessa multiplicidade considerável, nem todas as pessoas que integram um mesmo espaço transnacional têm o mesmo estatuto perante as mesmas fronteiras e as constroem, ou com elas se relacionam, de igual forma. A origem geográfica, a nacionalidade, a classe social e a etnicidade são alguns dos principais elementos que configuram a condição de cada um em relação às fronteiras e ao modo como elas são entendidas e experimentadas (Sacramento, 2015Sacramento, Octávio. (2015), “Schengen and the security obsession: selective citizenship, exclusion and the ironies of control”. In: Cunha, Alice; Silva, Marta & Frederico, Rui (orgs.). The borders of Schengen. Bruxelas, P.I.E.-Peter Lang, pp. 115-127., 2016Sacramento, Octávio. (2016), “A Europa, as migrações e o cosmopolitismo”. Revista Pensamiento Americano, 9 (17): 19-31. Disponível em http://www.coruniamericana.edu.co/publicaciones/ojs/index.php/pensamientoamericano/article/view/357, consultado em 22/4/2017.
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). Nesse sentido, e considerando o progressivo fortalecimento das fronteiras políticas dos países do Norte e o vasto número de pessoas que fazem parte das “massas sedentárias”, as metáforas de um mundo em movimento poderão ser exageradas. Devem, por isso, ser sempre submetidas a exame crítico, de modo a evitar sua inscrição em eventuais agendas ideológicas elitistas (Friedman, 2002Friedman, Jonathan. (2002), “From roots to routes: tropes for trippers”. Anthropological Theory, 2 (1): 21- 36.).

As fronteiras que facilitam a circulação de turistas, capital, tecnologia e imagens exercem, ao mesmo tempo, um obstinado “dromocontrole” (Justo e Rocha, 2006Justo, José & Rocha, Luiz. (2006), “Dromologia e trabalho na contemporaneidade: o caso dos andarilhos”. Disponível em http://www.assis.unesp.br/encontrosdepsicologia/anais_do_xix_encontro/143_jose_sterza_justo.pdf, consultado em 15/10/2008.
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) sobre os fluxos migratórios, visando a bloquear ethnoscapes considerados indesejados (Sacramento, 2015Sacramento, Octávio. (2015), “Schengen and the security obsession: selective citizenship, exclusion and the ironies of control”. In: Cunha, Alice; Silva, Marta & Frederico, Rui (orgs.). The borders of Schengen. Bruxelas, P.I.E.-Peter Lang, pp. 115-127.). Através de sofisticados meios tecnológicos, nomeadamente aqueles que têm permitido a construção de “fronteiras digitais” (Broeders, 2007Broeders, Dennis. (2007), “The new digital borders of Europe: eu databases and the surveillance of irregular migrants”. International Sociology, 22 (1): 71-92.), os Estados são agora mais capazes de vigiar e controlar os fluxos transnacionais do que no passado. Essa capacidade, particularmente notória nos países mais prósperos do planeta, tem assumido uma extraordinária flexibilidade e amplitude, garantindo a apertada fiscalização das fronteiras propriamente ditas, a vigilância interna de cidadãos estrangeiros e a monitorização nos contextos de origem dos potenciais migrantes e/ou em áreas de trânsito migratório (Sacramento e Ribeiro, 2011Sacramento, Octávio & Ribeiro, Manuela. (2011), “Vidas embargadas: a institucionalização temporária de estrangeiros ilegais em Portugal no contexto das atuais políticas de imigração”. In: Silva, Pedro G.; Sacramento, Octávio & Portela, José (orgs.). Etnografia e intervenção social: por uma praxis reflexiva. Lisboa, Colibri, pp. 141-172.).

Está em curso, assim, a edificação de delimitações fronteiriças panópticas, que não se limitam à regulação das mobilidades nos perímetros dos Estados e se estendem para o seu interior e exterior com grande agilidade, como entidades onipresentes. Daí resulta um sistema de controle extensivo, seletivo e profundamente excludente, que admite apenas determinadas categorias de pessoas, como é o caso do sistema de funcionamento do espaço Schengen, criado em 1997 para atestar a livre circulação entre cidadãos de países signatários (Sacramento, 2015Sacramento, Octávio. (2015), “Schengen and the security obsession: selective citizenship, exclusion and the ironies of control”. In: Cunha, Alice; Silva, Marta & Frederico, Rui (orgs.). The borders of Schengen. Bruxelas, P.I.E.-Peter Lang, pp. 115-127.). Dessa forma, a cinética dos processos transnacionais é fortemente regulada e atenuada por fronteiras semelhantes a uma membrana que identifica, classifica e filtra, só permitindo a passagem dos fluxos desejados (Kearney, 2004Kearney, Michel. (2004), “The classifying and value-filtering missions of borders”. Anthropological Theory, 4 (2): 131-156.). De um modo geral, as fronteiras não manifestam restrições significativas à circulação de capital e de indivíduos das classes mais afluentes. Em sentido contrário, travam a entrada de um amplo contingente de pessoas pobres e cuja identidade étnica suscita fobias culturais e securitárias exacerbadas (Appollonia, 2012Appollonia, Ariane. (2012), Frontiers of fear: immigration and insecurity in the United States and Europe. Ítaca/Londres, Cornell University Press.; Delanty, 2008Delanty, Gerard. (2008), “Fear of others: social exclusion and the European crisis of solidarity”. Social Policy & Administration, 42 (6): 676-690.). Essas pessoas tendem a ser olhadas como potenciais ameaças a uma alegada estabilidade socioeconômica e integridade cultural e, por isso, são qualificadas como indesejáveis. Mesmo em casos extremos de urgência humanitária, como acontece com os refugiados, as fronteiras não abandonam sua indolência e só a muito custo admitem entradas, geralmente tidas como inconvenientes, nos territórios que encerram (Agier, 2008Agier, Michel. (2008), Gérer les indésirables: des camps de réfugiés au gouvernement humanitaire. Paris, Flammarion.; Schmoll e Bernardie-Tahir, 2014Schmoll, Camille & Bernardie-Tahir, Nathalie. (2014), “Islands and undesirables: irregular migration to southern European Islands”. Journal of Immigrant and Refugee Studies, 12 (2): 87-102.). Os dispositivos musculados e indolentes de “biopoder” – governo de corpos e de populações (Foucault, 1994Foucault, Michel. (1994), História da sexualidade I: A vontade de saber. Lisboa, Relógio d’Água.) – contribuem, assim, para gerar “vidas nuas” (Agamben, 1998Agamben, Giorgio. (1998), Homo sacer: sovereign power and bare life. Stanford, Stanford University Press.), desprovidas de direitos básicos e de cidadania.

Conclusão

No atual estágio de desenvolvimento tecnológico, muitas das expressões da vida social têm deixado de estar reféns de um contexto espacial específico e exclusivo, constituindo-se entre múltiplos espaços – inclusive os espaços digitais –, através de um denso emaranhado de trânsitos e de conexões que articula diferentes escalas (local, nacional, transnacional, global). A fluidez é, portanto, marca incontornável de uma contemporaneidade pautada pelo esbatimento significativo de muitos dos constrangimentos decorrentes da geografia e da geopolítica, pela digitalização de processos, práticas e relações e pela constituição de configurações sociais baseadas no movimento e na velocidade (Virilio, 1996Virilio, Paul. (1996), Velocidade e política. São Paulo, Estação Liberdade.). Diante desses cenários difusos e distendidos, as ciências sociais têm, definitivamente, de se libertar das noções de sociedade e cultura como unidades estáveis, delimitadas e territorialmente integradas sob a arquitetura do Estado-nação, prestando a devida atenção aos fluxos e transnacionalismos como quadros estruturantes de muitos dos atuais ordenamentos sociais.

É imprescindível, contudo, refrear o deslumbramento despolitizado com que, amiúde, se olha para a fluidez transnacional e o cosmopolitismo contemporâneo. Para isso, é importante considerar as múltiplas desigualdades históricas do sistema-mundo e ter sempre presente a economia política das mobilidades globais. Embora vivamos em um tempo em que muitas das manifestações da vida social extravasam a escala nacional, as fronteiras continuam, no entanto, bastante fortes, sobretudo para os cidadãos sem capital e privilégios. Não podemos esquecer que em um mundo fluido os países mais ricos, através das fronteiras, pautam estrategicamente (em função dos seus interesses) o ritmo, o volume e a composição dos diferentes fluxos que decorrem de suas conexões internacionais. O resultado é um sistema estruturado com base na coexistência do movimento e de sua restrição. Neste sistema, alguns estão ou podem estar em permanente movimento, fazendo jus à metáfora da fluidez, enquanto muitos outros têm uma vida forçosamente mais fixa e localizada.

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    . Este trabalho recebeu bolsa de doutoramento sfrh/bd/60862/2009, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (fct, Portugal). Também foi importante o apoio do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (Cetrad-Utad) –, instituição financiada por Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente Feder, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização
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    . Para um conhecimento atualizado desse campo de estudos, nomeadamente da sua epistemologia, dimensões de análise e autores de referência, ver, entre outros, Campbell, MacKinnon e Stevens (2010)Campbell, Patricia; Mackinnon, Aran & Stevens, Christy. (2010), An introduction to global studies. Chicester, Wiley-Blackwell., Hensby e O’Byrne (2011)Hensby, Alexander & O’Byrne, Darren J. (2011), Theorizing global studies. Hampshire, Palgrave Macmillan. e Pieterse (2013)Pieterse, Jan N. (2013), “What is global studies?”. Globalizations, 10 (4): 499-514..
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    . Ou seja, fenômenos sistêmicos que se manifestam no âmbito do “sistema-mundo”: uma estrutura hierárquica, dinâmica e global, marcada por feixes de tensão entre hegemonias e contra-hegemonias ideológicas, econômicas, políticas, militares e culturais, que, ciclicamente, podem mudar a sua localização na geografia mundial (Arrighi, 1996Arrighi, Giovanni. (1996), O longo século xx: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. São Paulo, Editora da Unesp.; Arrighi e Silver, 2001Arrighi, Giovanni & Silver, Beverly. (2001), Caos e governabilidade no moderno sistema mundial. Rio de Janeiro, Editora da ufrj.; Wallerstein, 1974Wallerstein, Immanuel. (1974), The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world economy in the sixteenth century. Nova York, Academic Press.). A gênese desse sistema remonta ao século xvi na Europa Ocidental. O colapso do sistema feudal e a progressiva instauração de uma agricultura de feição capitalista, bem como o complexo sistema comercial que foi ganhando forma com as descobertas marítimas, permitiram à Europa Ocidental a criação de um sistema econômico de alcance mundial, a que se seguiria, já no século xviii, a industrialização e a subsequente emergência e gradual hegemonia global da economia capitalista (Wallerstein, 1974Wallerstein, Immanuel. (1974), The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world economy in the sixteenth century. Nova York, Academic Press.). A capacidade de adaptação e de implantação do capitalismo nos mais variados contextos mundiais é bem patente na etnografia de Ribeiro (2010)Ribeiro, Fernando B. (2010), Entre martelos e lâminas: dinâmicas globais, políticas de produção e fábricas de caju em Moçambique. Porto, Afrontamento. em Moçambique.
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    . O resultado desses processos é a constituição daquilo que Hall (1991)Hall, Stuart. (1991), “Old and new identities, old and new ethnicities”. In: King, Anthony (org.). Culture, globalization and the world-system. Houndmills, Macmillan, pp. 41-68. designa por “novas etnicidades” e que se enquadra em uma tendência de cosmopolitização dos contextos locais (Gustafson, 2009Gustafson, Per. (2009), “More cosmopolitans, no less local: the orientations of international travelers”. European Societies, 11 (1): 25-47.; Hall, 2006Hall, Stuart. (2006), “Cosmopolitan promises, multicultural realities”. In: Scholar, Richard (org.). Divided cities: the Oxford amnesty lectures 2003. Oxford, Oxford University Press, pp. 20-51.) e de formação de identidades pós-nacionais (Matnstik, 1996Matnstik, Martin. (1996), Postnational identity. Nova York, The Guilford Press.; Smith, 2007Smith, Michael. (2007), “The two faces of transnational citizenship”. Ethnic and Racial Studies, 30 (6): 1096-116.). Importa, contudo, questionar sempre a sustentabilidade etnográfica do chamado hibridismo cultural, tal como o faz Friedman (2002Friedman, Jonathan. (2002), “From roots to routes: tropes for trippers”. Anthropological Theory, 2 (1): 21- 36., pp. 23-24): “Mas, híbrido para quem, pode perguntar-se? Sem uma investigação etnográfica aprofundada sobre como as pessoas realmente experimentam esses aparentes objetos híbridos, como eles estão presentes em suas vidas, há uma tendência para confundir a nossa própria visão emic com a das pessoas que estamos tentando entender. A objetivação como oposição ao modo etnográfico destaca-se nesse empreendimento, bem como a necessidade de se criar essências para que sejam miscigenadas em produtos híbridos. […] Esse hibridismo é simplesmente a nossa identificação de ‘matéria fora de lugar’, isto é, de híbridos-para-nós”.
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    . Esse “nacionalismo metodológico” é comumente apontado como um dos principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento tardio do campo de estudos transnacionais, que só começou a consolidar-se de forma efetiva a partir do início dos anos de 1990.
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    . Conceito formulado a partir da palavra grega dromos (movimento, curso, deslocação, passagem) e utilizado para designar a intensa produção cinética que caracteriza a vida social contemporânea.
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    . Esses espaços e suas conexões, tal como é destacado por Appadurai (1996)Appadurai, Arjun. (1996), Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis, University of Minnesota Press., Hannerz (1992b)Hannerz, Ulf. (1992b), Cultural complexity: studies in the social organization of meaning. Nova York, Columbia University Press., Kearney (1995)Kearney, Michel. (1995), “The local and the global: the anthropology of globalization and transnationalism”. Annual Revue of Anthropology, 24: 547-565., Lash e Urry (1994)Lash, Scott & Urry, John. (1994), Economies of signs and space. Londres, Sage., fazem parte de um mundo marcado por algumas tendências descentralizadoras que os tradicionais modelos de análise não preveem, em particular os modelos inspirados na teoria da dependência, fundados em uma certa bipolarização entre centro e periferia. Como justamente adverte Ribeiro (2010)Ribeiro, Fernando B. (2010), Entre martelos e lâminas: dinâmicas globais, políticas de produção e fábricas de caju em Moçambique. Porto, Afrontamento., no centro podemos encontrar a periferia; na periferia, os “enclaves centrais”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2016
  • Aceito
    5 Abr 2017
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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