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Entrevista com Patricia Hill Collins1 1 . Transcrição e tradução do inglês ao português: Louisa Acciari (phd lse, Pesquisadora e codiretora do Centre for Gender and Disastre, University College London, ucl/uk). Revisão: Nadya Araujo Guimarães (usp, Brasil). Agradecemos o suporte concedido por diferentes instituições, as quais tornaram possível a visita acadêmica de Patricia Hill Collins ao Brasil em outubro de 2019; foram elas: a Universidade de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a Universidade Federal de São Carlos / Departamento de Ciências Humanas e Educação, a anped - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, a sof - Sempre Viva Organização Feminista, a Ação Educativa, o Cebrap - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e a Boitempo Editorial.

Palavras-chave:
Interseccionalidade; Racismo; Teoria Social; Desigualdades

No dia 29 de outubro de 2019, um grupo de intelectuais se reuniu no Departamento de Sociologia da usp, sob iniciativa do editor da Tempo Social, para entrevistar Patricia Hill Collins, intelectual norte-americana internacionalmente reconhecida, que abriu novas perspectivas para o pensamento feminista negro como teoria social crítica. O ponto de partida foi o novo livro de Collins, intitulado Intersectionality as Critical Social Theory (Interseccionalidade como Teoria Social Crítica), em que ela explora os paralelos entre os desafios enfrentados pelos ativistas intelectuais que criaram o conceito de interseccionalidade e os que estão colocados pelo presente. Durante a conversa, outros temas surgiram, explorando a agenda de pesquisa da Autora e seus livros anteriores, assim como os novos desafios para os estudos sobre relações raciais e a militância antirracista.

Helena Hirata: De acordo com sua perspectiva, a interseccionalidade é ao mesmo tempo “um projeto de conhecimento” e uma “arma política” (Collins, 2015Collins, Patricia Hill. (August 2015), “Intersectionality’s definitional dilemmas”. Annual Review of Sociology, 41: 1-20.; Collins & Bilge, 2020). Isso significaria dizer, tal como colocado pela pesquisadora francesa AmélieLe Renard (2018Le Renard, Amélie. (2018), “Travail et genre: approches intersectionnelles et postcoloniales”. In: Maruani, M. (ed.). Je travaille, donc je suis. Perspectives féministes. Paris, La Découverte, 2018, pp. 177-185., p. 180), que a interseccionalidade é uma ferramenta analítica útil somente quando se trata de estudar os grupos subalternos? A interseccionalidade teria valor unicamente para grupos oprimidos e dominados, e careceria de utilidade quando se trata de estudar os grupos dominantes? Assim, como poderíamos abordar, por exemplo, o caso dos professores negros, ao mesmo tempo dominantes pela sua posição social, mas sofrendo a opressão racial (à qual se associa a opressão de sexo, no caso das mulheres professoras)?

Patricia Hill Collins: É importante reconhecer que o quadro de referência teórico da interseccionalidade foi inicialmente concebido por mulheres negras, latinas, pobres, e por membros de grupos igualmente subordinados. Isso de modo algum significa dizer que esse quadro de referência deva limitar-se ao estudo dos indivíduos marginalizados ou dos grupos oprimidos. Um dos motivos pelos quais a perspectiva da interseccionalidade pode ser ameaçadora para grupos da elite advém do seu entendimento de que dominação e subordinação estão interconectadas. Os privilégios de raça, classe, gênero e sexualidade, tanto quanto a marginalização associada a essas mesmas categorias, não são entidades separadas, mas refletem relações de poder interconectadas, de sorte que o meu privilégio está intimamente ligado à sua desvantagem e vice-versa. Dado que esse quadro relacional é interseccional, inexiste escapatória possível. Não há uma análise puramente racial ou puramente de gênero. Ao contrário, estamos todos situados numa teia de relações que simultaneamente nos privilegia ou penaliza, a depender da posição social de cada pessoa.

Tratar a interseccionalidade como um quadro de referência que diz respeito primeira ou unicamente à experiência das mulheres de cor, das pessoas negras, das minorias sexuais, dos pobres, jovens e politicamente excluídos é a expressão de uma perspectiva que costuma representar esse tipo de conhecimento como particularista e não universal, ou que reconhece a sua utilidade apenas quando trata das preocupações preexistentes da elite. Uma tal perspectiva teórica confere utilidade às culturas e experiências desses grupos apenas quando provêm dados para as teorias formuladas por grupos da elite, ou quando tais teorias se atêm às particularidades da subordinação. As duas presunções deixam subteorizados a dominação e o privilégio, assim como as hierarquias de poder em que se sustenta o próprio conhecimento ocidental.

Como eu argumento em meu livro Intersectionality as Critical Social Theory, iacst (Collins 2019Collins, Patricia Hill. (2019), Intersectionality as critical social theory. Durham, nc, Duke University Press.), a interseccionalidade não é um campo que pretenda explicar ou manter a ordem social; ao contrário, almeja criticá-la e transformá-la, haja vista que o racismo, o sexismo e correlatos são fundamentalmente injustos. Ao reivindicar o conhecimento sobre - mas também o conhecimento produzido por - aquelas populações que estão na base da estrutura, a interseccionalidade examina como as experiências particulares e os pontos de vista por elas gerados proporcionam caminhos múltiplos para abordar questões que são universais, tais como as da igualdade e da justiça. Obviamente, nem todo mundo tem interesse em mudar o statu quo. Quando indagamos se uma análise interseccional pode ser aplicada aos grupos privilegiados, estamos basicamente demandando da interseccionalidade que se ponha à prova através dos próprios modelos epistemológicos que a catalisaram, os quais a interseccionalidade se dispôs a criticar e desconstruir. Acadêmicos perfeitamente razoáveis, que estão dispostos a se afastar de sua área de expertise para estudar questões difíceis - por exemplo, todos os que estão dedicados a analisar as obras de um Shakespeare que de há muito nos deixou -, parecem incapazes de fazer o esforço no sentido de ler as obras de acadêmicos que contribuíram para a interseccionalidade. Imbuídos da crença no valor das obras de Shakespeare, eles lutam com a misteriosa linguagem do inglês shakespeariano e levam suas ideias a sério. Em contraste, as complexas questões propostas pela interseccionalidade a estudiosos privilegiados com frequência encontram, da parte dos mesmos, a resposta de que esse é um trabalho muito difícil, ou muito fácil, ou mesmo que não vale o esforço de se tentar.

No capítulo 4, intitulado “Intersectionality and epistemic resistance” (iacst, Collins, 2019Collins, Patricia Hill. (2019), Intersectionality as critical social theory. Durham, nc, Duke University Press.), eu examino como a interseccionalidade nos incentiva a desafiar as hierarquias de poder existentes, que moldam nossa própria capacidade de fazer um trabalho intelectual. Podemos começar pelas experiências particulares, múltiplas em sua tessitura, provindas de uma ampla gama de grupos, de modo a analisar um tema comum através de lentes heterogêneas. Por exemplo, a identidade individual, para pessoas usando quadro de referência interseccional, oferece um ponto de partida para a análise. Mas, como a interseccionalidade está sempre em movimento, temos que ir além das particularidades das nossas próprias vidas individuais. Em vez de nos aprofundarmos em como se afiguram as experiências de docentes negros com múltiplas categorias de identidade (essa questão foi respondida pelo grupo), gostaria de confrontar questões novas e assemelhadas: como podemos abordar o caso dos professores homens brancos, que são ao mesmo tempo dominantes por sua posição social, mas que acumulam o privilégio racial? Essa pergunta identifica rapidamente as múltiplas formas através das quais a masculinidade branca é estruturada através das mesmas categorias, por exemplo, o professor homem branco gay, o professor branco em mobilidade social ascendente que ainda lembra como era ser pobre, o professor homem branco que sofreu violência sexual quando era menino, ou o professor homem branco que continua perseguido pelo estupro de sua mãe.

A interseccionalidade levanta questões complexas, tais como essas. E não o faz como uma bandeira para defender uma política de identidade retrógrada (por exemplo, o caso preocupante do populismo de extrema direita abraçar uma política de identidade romantizada de masculinidade branca), mas, antes, como um modo de avançar no exame das vidas interconectadas que estamos efetivamente vivendo. A interseccionalidade aponta para a heterogeneidade dentro de qualquer categoria aparentemente universal. Para mim, a interseccionalidade como campo de pesquisa e como práxis deve ampliar sua comunidade interpretativa, não por levar os grupos subordinados a esmolar o seu reconhecimento pelos atores sociais mais poderosos, mas pela construção de comunidades interpretativas que vão além de diferenças em termos de poder. Resta saber se a interseccionalidade será bem-sucedida em fazê-lo.

Maria Carla Corrochano: Tal como formulado em vários dos seus artigos, o conceito de interseccionalidade engloba outras desigualdades além de sexo, raça e classe. Você poderia nos falar um pouco mais sobre a importância e as formas de incluir categorias como idade e geração na análise interseccional, particularmente considerando o contexto presente, claramente marcado pelas relevantes diferenças entre gerações?

Patricia Hill Collins: Adorei sua pergunta pois ela dialoga com meu projeto atual, a saber, como a idade enquanto categoria de análise poderia ajudar a explicar como e por que os jovens resistem à opressão. O meu livro Black feminist thought (bft, Collins, [1990] 2000) faz uma análise extensa do conhecimento resistente das mulheres negras. Mais recentemente, eu expandi esse argumento no capítulo 3 de iacst, intitulado “Intersectionality and resistant knowledge projects” (Collins, 2019). Nesse momento, estou interessada em entender como as experiências que os jovens vivem em momentos cruciais de suas vidas moldam a sua consciência política. Estou ancorando minha análise nas vidas dos jovens negros nos Estados Unidos, apoiando-me na interseccionalidade como quadro interpretativo, com a idade como categoria central. Se o racismo antinegro continua tomando formas que são específicas para a juventude negra, por que pressupor que esses jovens negros e negras não estariam cientes das formas de racismo que lhes são direcionadas? Por que pressupor que jovens negros e negras não têm a capacidade de entender e resistir à sua própria opressão?

Penso que podemos afirmar de modo contundente que uma análise geracional desempenha um papel importante na formação da consciência política dos jovens (Mannheim, [1927/28] 1952). Conceber a idade como categoria analítica, ao invés de definir a idade como uma categoria descritiva de análise para fins estatísticos, aponta para a utilidade da análise geracional como forma de pensar a idade. Como a idade poderia ser uma categoria de análise importante para a interseccionalidade e por que poderia ser particularmente importante agora? Seria a idade um sistema de poder? E, se for um sistema de poder, que tipo de sistema de poder? Fundamentar meu trabalho nas necessidades de um grupo social específico, no caso, a juventude negra nos Estados Unidos, destaca a relevância de se pensar de modo mais amplo sobre a idade e a sua relação com a interseccionalidade.

Nesse sentido, distintas gerações de jovens afro-americanos entraram na idade adulta durante distintos períodos; alguns em meio a protestos políticos, outros defrontando-se com momentos de inércia política. Quais são as implicações políticas de viver um conjunto comum de experiências políticas quando se tem dez, vinte ou cinquenta anos? Tomemos, por exemplo, as grandes mudanças dos últimos anos e seus efeitos sobre todos nós: nos Estados Unidos, estamos vivenciando os efeitos de uma presidência de oito anos do Obama dedicada à inclusão, seguida por quatro anos do presidente sucessor, voltado para desfazer as políticas da administração Obama; uma pandemia de saúde global que revelou as desigualdades raciais gritantes na saúde; e o poder de permanência e os contornos cada vez mais globais do movimento “Black Lives Matter” (“Vidas Negras Importam”) como uma resposta à injustiça social. Como esses eventos têm afetado crianças negras, jovens adultos, adultos maduros e pessoas negras idosas? Uma lente monocategorial reduz a complexidade que eleva a raça à condição de categoria mestra da análise. Mas, e quanto à idade?

Você coloca uma pergunta importante sobre como os jovens negros estão situados dentro do ativismo negro intergeracional. As relações intergeracionais entre negros nos Estados Unidos são um fértil terreno para se examinar a consciência política tanto dentro como entre gerações. Penso que os jovens negros de há muito enfrentam desafios similares, que tomaram formas diferentes, mas que permaneceram constantes ao longo do tempo. O policiamento diferenciado para jovens negros e a falta de preocupação com as vidas da juventude negra não são temas novos. Muito pelo contrário. Gerações diferentes experimentam-no de forma diferente, a depender de onde você é jovem; e jovens são alvos desse tipo de comportamento. Qual é a sabedoria intergeracional ou o conhecimento intergeracional para resistir a esse tipo de tratamento? Como esse saber é compartilhado, transmitido e revitalizado a cada geração? Atualmente, estou focalizando meu interesse na consciência geracional das experiências da juventude negra, tendo o cuidado de conceituar a juventude negra por meio de um quadro de referência interseccional. Mas estou particularmente interessada em um conjunto mais amplo de questões que dizem da política da consciência geracional, que dialoga com os mecanismos institucionais que as diferentes gerações usam para conversar umas com as outras sobre temas comuns.

Flavia Matheus Rios: No seu prefácio à edição brasileira do seu livro Black Feminist Thought, publicado pela Boitempo (Collins, 2019Collins, Patricia Hill. (2019), Intersectionality as critical social theory. Durham, nc, Duke University Press.a), você afirma que, apesar de suas reflexões estarem ancoradas unicamente na experiência das mulheres negras americanas, as ideias ali contidas poderiam valer para outras realidades. Como isso é possível? Você acha que as mulheres do Norte e do Sul das Américas poderiam compartilhar valores e experiências?

Patricia Hill Collins: Acho que mulheres negras do Norte e do Sul já compartilham mais do que imaginamos. O que precisamos são diálogos que transponham as fronteiras nacionais que nos separam. Quando escrevi a primeira edição de bft (Collins, [1990] 2000), senti que aquela era uma perspectiva parcial, dentre muitas, sobre o que o pensamento feminista negro era e poderia ser. Até mesmo o termo “pensamento feminista negro” era provisório, porque eu sabia ser impossível estabelecer um pensamento unificado sem um processo democrático e inclusivo em torno de quem pode decidir o que conta como saber legítimo. Encarei a redação de bft como um desafio epistemológico - seu conhecimento seria provisório até que a comunidade interpretativa fosse expandida. Uma comunidade global de mulheres negras não é apenas algo a ser descoberto - tais comunidades precisam, antes, ser construídas.

A pergunta atual é como construir comunidades de mulheres negras para além das fronteiras nacionais, que participem desse projeto coletivo. Os desafios que enfrentei para desenvolver meu entendimento sobre as experiências e ideias das mulheres negras na diáspora africana foram particulares, muito embora tenham implicações gerais. Entender o feminismo negro no Brasil foi um processo particularmente desafiador. Como eu não sabia ler o português, tive que me apoiar em fontes secundárias sobre o povo negro no Brasil, bem como em traduções de fontes primárias escritas por mulheres afro-brasileiras. Os filtros, as práticas de controle, eram enormes. Tive, então, que driblar esses variados empecilhos que modelam como somos incentivados a nos perceber, uns aos outros, nos diferentes contextos nacionais.

Tenho, agora, uma compreensão mais sofisticada acerca dessas práticas de filtragem, que ocorrem na mídia e na academia, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Vige, em ambas, um entendimento do tipo “porque controlamos o que conta como verdade, essas são as percepções sobre o Brasil que você deve aceitar”. Quando se trata da mídia americana, a cobertura americano-centrada de eventos globais é emblemática. Apesar de seu tamanho e importância, a cobertura sobre o Brasil é irregular e concentrada em temas de interesse para as elites. Historicamente, a academia seguiu um rumo similar. Veja, por exemplo, a longevidade com que prevaleceram, na produção acadêmica sobre raça, as descrições do Brasil como sendo uma democracia racial. Ou a ideia de que o Brasil não teria um problema racial porque inexistem raças, apenas uma identidade nacional. Ou mesmo de que a eliminação do racismo no Brasil, graças à sua democracia racial, seria uma situação a ser replicada nos Estados Unidos. Percepções midiáticas e acadêmicas reforçam-se reciprocamente. Por exemplo, as representações sobre o Carnaval brasileiro rotineiramente o destacam como um festival que celebra a harmonia racial do Brasil. Eu questionei essas práticas de controle porque há muito suspeitava que existia muito mais no Brasil e nas mulheres negras no Brasil do que dançarinas de samba seminuas. Viajar ao Brasil, apesar do meu português deficiente, foi um modo de ter acesso a outros pontos de vista. Se falo das minhas próprias dificuldades é porque tive o tempo e os recursos para tentar. Muitas mulheres negras na diáspora não os têm.

Existe uma ampla, jovem e vibrante energia nas mulheres negras do Brasil, que se mobilizam por mudança nas mais diversas localidades. Encontrei inúmeras intelectuais jovens negras brasileiras que estão produzindo um trabalho inovador, muitas sob circunstâncias difíceis; e suas experiências eram familiares para mim. Creio que o momento é adequado para continuarmos a entabular conversações entre mulheres negras no Norte e no Sul, para além das fronteiras nacionais.

Enfim, sendo clara, quando escrevi bft, nunca pensei que as perspectivas ali apresentadas com respeito às mulheres negras americanas seriam verdadeiras para todas as mulheres negras. Tinha plena consciência do viés da mídia e da academia americanas sobre as mulheres negras da diáspora africana, mas fiz uma aposta ao escrever esse livro, acreditando que outras pessoas poderiam considerá-lo útil. E foi exatamente isso o que aconteceu. bft tem criado espaço para discussão, e estou aberta a conversações que tratem das particularidades das experiências das mulheres negras no Brasil, na África do Sul, no Reino Unido e no Canadá, mas também que se esforcem para ultrapassar barreiras nacionais. Ofereço as ideias de bft para a próxima geração de intelectuais feministas negras. A elas caberá decidir abraçar esse vocabulário e aprofundar seu significado ou, quem sabe, criticá-lo e modificá-lo. De toda forma, ele está aqui para elas.

Edna Roland: No seu livro fundador, bft, finalmente traduzido para o português, você explica como, nos Estados Unidos, foi feito um trabalho aprofundado no sentido de pesquisar e coletar ideias e textos de mulheres afro-americanas, de modo a contradizer as imagens negativas da feminidade negra, revelando a riqueza da tradição intelectual feminina negra. No Brasil, ainda há muito a ser feito nesse sentido. Entretanto, temos uma rica epistemologia africana que nos chegou pela via das várias tradições religiosas da África Ocidental, e que oferece arquétipos femininos fortes e positivos, distantes da lógica binária do bem e do mal, doutrinariamente estabelecida na tradição cristã. Eu me pergunto quantos elementos da epistemologia africana sobreviveram e foram reformulados pelo feminismo negro desenvolvido nos Estados Unidos.

Patricia Hill Collins: Acredito que existam mais dessas memórias africanas entre as mulheres afro-americanas do que imaginamos. Ironicamente, encontrar com mulheres negras fora do contexto americano aguçou minha compreensão acerca dessas sobrevivências. É como se o Brasil, a África do Sul, Cuba e Haiti segurassem um espelho no qual as mulheres afro-americanas podem visualizar as suas âncoras africanas. Uma coisa é imaginar esses laços; outra é sentir tais conexões. Esta é minha resposta curta.

Entretanto, explorar o argumento de como as ricas ideias de uma epistemologia africana teriam penetrado as tradições religiosas afro-americanas é um projeto intelectual desafiador numa academia assentada em pressupostos laicos. O comportamento das mulheres negras reflete os arquétipos femininos positivos e fortes que você descreve, mas, ironicamente, o árduo trabalho de escavar essas influências africanas ainda não foi realizado pelo feminismo negro americano. Minha sensação é que investigar a riqueza e a importância política dessa herança cultural tem sido muito mais difícil nos Estados Unidos do que no Brasil. Mesmo que o passado africano seja algo que todos podemos imaginar, nós o fazemos de forma diferente, nos Estados Unidos e no Brasil, através dos distintos enquadramentos nacionais, característicos de nossos respectivos países.

Meu uso inicial do termo Afrocentrismo na edição de 1990 de bft lançava mão dessa perspectiva, a saber, de como africanos escravizados nos Estados Unidos usavam epistemologias africanas (Collins, [1990] 2000). Meu argumento mais desafiador era o de que as maneiras pelas quais essas ideias foram refeitas no contexto da opressão racial eram essenciais para a sobrevivência dos negros. Contudo, um tal argumento era difícil de ser veiculado na literatura convencional. Antes de publicar bft, submeti um artigo a uma reconhecida revista feminista no qual defendia a tese de que a concepção de maternidade nas famílias afro-americanas e entre as mulheres negras era uma reação ao racismo, mas que reminiscências africanas das concepções de feminidade negra também poderiam estar ali presentes. Meu argumento se baseava na ideia de que as mulheres negras expressavam uma capacidade de agência que demonstraria a importância das epistemologias africanas no seu esforço para sobreviver ao racismo. Usei o termo “afrocêntrico” para descrever essa linha de pensamento. Meu artigo foi rejeitado. Um parecerista sugeriu, para parafrasear: “não estamos convencidos de que exista algo como o afrocentrismo. Não acreditamos que existam tradições filosóficas africanas; e se tais tradições existissem, a autora deveria provar a existência de persistências africanas no Novo Mundo”. Mas, como eu poderia comprová-lo, se tanto as religiões ocidentais quanto a cultura popular postulavam a inferioridade negra? O parecerista se sentia perfeitamente à vontade para afirmar que a sociedade ocidental contemporânea estava de alguma forma conectada a uma Grécia imaginária, esquecendo (de modo conveniente) os 1500 anos de história europeia transcorridos; entretanto, nem de longe acalentava a ideia de que tais conexões poderiam ser verdadeiras num período bem mais curto de tempo (quinhentos anos). Eu jamais seria vitoriosa enviando artigos que defendessem tal argumento. Decidi, então, escrever livros. O resultado foi a visão de mundo do “feminismo afrocêntrico” presente no bft (1990).

Carecemos de estudo cuidadoso sobre como as epistemologias africanas informaram tanto as sociedades africanas continentais, quanto a ampla gama de experiências ao interior da diáspora negra. Minha impressão é que o Brasil manteve laços ricos com esse passado por meio dos legados do candomblé e dos quilombos. Já nos Estados Unidos há sensibilidades similares, mas bem menos compreensão do significado das ideias africanas para as nossas experiências vividas. Não sabemos os nomes das mulheres afro-americanas anônimas das comunidades que foram centrais para a construção e a continuidade das comunidades negras. Há boas razões para essas diferenças. As mulheres afro-americanas também tiveram arquétipos fortes de mulheres negras para, através delas, confrontar o padrão ocidental de ideologias de gênero. Contudo, por ser tão poderoso, esse arquétipo da mulher negra forte foi justamente o alvo a ser atacado e estereotipado. Quando se trata de resistir à opressão, ter acesso a ideias alternativas é vital. Para as afro-americanas, bem como para as mulheres negras que querem fazer avançar o feminismo negro, é essencial considerar o que está fora dos quadros intelectuais ocidentais dominantes.

Marcos Nobre: Minhas perguntas se referem ao seu livro mais recente, Intersectionality as Critical Social Theory (iacst), e mais especificamente ao horizonte da interseccionalidade como teoria em formação, e sua relação com outras perspectivas críticas orientadas por e para a práxis (isto é, o estatuto teórico da interseccionalidade como teoria social crítica e seu alcance). No capítulo 2 do livro você discute teorias que têm alguma semelhança com a sua própria teoria, no sentido de que são orientadas por e para a práxis…

Patricia Hill Collins: Nem todas!

Marcos Nobre: Nem todas, você tem razão, eu estava tentando introduzir uma questão sobre a relação de sua teoria com as da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.

Patricia Hill Collins: Na verdade, a Escola de Frankfurt retoma, com razão, o termo “Teoria Crítica” e incorpora a práxis em sua abordagem. Meu argumento é que o interesse pela práxis também reaparece em outras tradições dominantes como, por exemplo, nos Estudos Culturais Britânicos, bem assim em tradições do conhecimento de resistência, como a Teoria Racial Crítica, os Feminismos Negros e Latinos e os Estudos Decoloniais. “Práxis” é um desses termos que precisamos destrinchar. Minha seleção de teorias críticas foi deliberada e dialogava justamente com esse aspecto.

Marcos Nobre: Os diferentes usos da crítica, se bem entendi...

Patricia Hill Collins: Isso.

Marcos Nobre: Ao mesmo tempo, me parece que a sua proposta de interseccionalidade como teoria social crítica tem por objetivo juntar vários usos da crítica social. Você também insiste que deve ser uma teoria social crítica que está em construção, uma teoria em formação. Minha pergunta, então, é a seguinte: o que seria o cerne de tal projeto senão produzir um espaço teórico e prático capaz de abraçar várias práticas críticas numa só construção? Esse é um outro modo de lhe perguntar sobre o alcance da interseccionalidade. Você diria, por exemplo, que ela poderia ser uma espécie de idioma comum para a colaboração interdisciplinar, e nesse sentido, teria ela um papel comparável ao que foi desempenhado, no marxismo, pela crítica da economia política?

Patricia Hill Collins: Quando você sugere que a interseccionalidade estaria buscando uma linguagem comum para a colaboração interdisciplinar, creio que você aponta para uma das aspirações fundamentais da interseccionalidade. A relacionalidade está no cerne da interseccionalidade e de iacst. A interseccionalidade é mais ampla do que as disciplinas acadêmicas, pois nem todos os projetos de conhecimento se organizam dessa maneira. No livro, tentei abordar a questão “o que é a interseccionalidade?”. Como indivíduo, eu poderia imaginar o que é e o que poderia ser a interseccionalidade, e o modelo do pesquisador solitário foi certamente atraente em vários momentos no meu processo de escrita. Mas escolhi mapear o campo, examinando como as pessoas usavam a interseccionalidade. Erguer um espelho de modo a refletir as ideias e práticas heterogêneas que acompanham a interseccionalidade, tentando mapear as várias maneiras como as pessoas a estão utilizando.

A resposta se apresentava à medida que eu escrevia. Quando comecei, concebia a teoria social crítica enquanto um sistema acabado de ideias. Houve momentos reconfortantes em que pude ver os contornos dos meus conceitos e como eles se articulavam. Por exemplo, quando, no capítulo 1, finalmente pude distinguir os conceitos fundamentais da interseccionalidade dos seus princípios orientadores, eu a imaginei como uma coisa. Para mim, ela era uma teoria social crítica, tal como a crítica marxista da economia política; uma filosofia em que a relação entre as ideias era o verdadeiro teste de validade da teoria. Não havia necessidade de validar empiricamente a interseccionalidade, vez que ela não almejava prever. Mas o processo de escrever o livro tornou problemática essa conclusão prematura. Com o tempo, crescia o meu senso da distinção entre teoria social crítica e teorização social crítica. Minhas perguntas iniciais tornaram-se mais complexas - “como as pessoas que afirmam a existência da interseccionalidade a entendem? Como tais entendimentos moldam sua práxis? E como essa práxis molda compreensões da interseccionalidade?”. Parecia que eu estava me acercando da interseccionalidade como processo no fazer de um trabalho crítico. Ou como uma metodologia.

Entrei nesse projeto com a compreensão típica da ciência social sobre metodologia, enquanto uma forma de testar hipóteses teóricas. Contudo, minha visão da relação entre teoria e método se transformou radicalmente no curso do mesmo. Um momento crucial aconteceu na Nova Zelândia quando eu expunha a respeito do capitalismo numa Conferência sobre Estudos Culturais. Minha anfitriã casualmente me disse: “[…] interseccionalidade, uma teoria? Eu achava que era uma metodologia”. Nunca me ocorrera que alguém pudesse pensar sobre interseccionalidade de um modo tão diferente do meu. Tive o tempo de um longo voo de volta aos Estados Unidos para considerar as implicações daquela que parecia ter sido apenas uma conversa casual. Será que isso significava que a interseccionalidade, como teoria social crítica, se formara por via de sua metodologia, do processo de fazer um trabalho interseccional? Nesse caso, como poderia conceber a interseccionalidade enquanto processo, como uma metodologia em aberto que catalisaria uma teoria social crítica igualmente aberta? Como você teoriza sabendo como será o final? Ou mesmo se existe um fim? Como você sabe que está fazendo um trabalho melhor ao desenvolver a interseccionalidade do jeito que você o faz? Essas perguntas cruciais estão no cerne da interseccionalidade.

A essa altura, para mim, a práxis está no cerne do discurso crítico, ou de uma visão crítica do mundo, que se alicerça em uma práxis metodológica crítica e é atenta a ela. Como o conteúdo da interseccionalidade examina as conexões entre esses sistemas de poder, sua metodologia ou práxis deve também atender à questão das relações de poder que produzem seu próprio conhecimento. Teorizar sobre a interseção das relações de poder requer desenvolver novas relações de poder dentro de nossas metodologias. O quadro teórico de Linda Tuhiwai Smith para descolonizar a metodologia desenvolve o tipo de práxis intelectual e política que é necessário à interseccionalidade (Smith, 1999).

Nadya Araujo Guimarães: Talvez pudéssemos mudar a sequência inicialmente prevista, já que a sua conversa com Marcos flui para minha pergunta, pois eu também pensava no seu livro mais recente… desculpe!

Patricia Hill Collins: Nada a desculpar! Estou honrada por você estar lendo iacst, realmente estou. Recebi meu exemplar do livro há apenas dois meses e pensei que ele demoraria muito mais para circular. Imagine minha surpresa quando cheguei ao Brasil e encontrei pessoas esperando por mim com perguntas. Eu claramente subestimei o alcance global do Kindle. Até agora, pessoas em Israel, no Reino Unido, na Espanha e em outros países fora dos Estados Unidos entraram em contato comigo, compartilhando ideias sobre o livro. Esse livro foi um trabalho de amor. Levei anos para conceituar, pesquisar e escrever. É muito gratificante saber que as pessoas o estão lendo. Obrigada!

Nadya Araujo Guimarães: Logo no início do livro, seu argumento conduz o leitor da ideia de interseccionalidade como sendo uma metáfora, à de que seria um instrumento de pesquisa, e em seguida a trata como um paradigma. À primeira vista, pareceria existir uma razão cumulativa subjacente ao modo de formular o argumento, já que a perspectiva se torna mais densa e, passo a passo, mais profunda. Mas logo percebemos que não é bem assim. A metáfora implica um raciocínio mais profundo, já que antecipa o valor heurístico do conceito; e o paradigma não é o resultado, está em aberto. Assim sendo, a minha pergunta é: você explora uma perspectiva tríplice sobre a interseccionalidade - como uma metáfora, como uma heurística e como um paradigma. Como essas perspectivas se relacionam?

Patricia Hill Collins: O primeiro capítulo costuma ser um dos mais difíceis de se escrever em qualquer livro; e iacst não foi uma exceção. Gostei da sua pergunta porque ela reconhece um dos riscos epistemológicos que eu assumi neste livro, a saber, o de evitar enquadrar a interseccionalidade por meio de uma narrativa histórica do progresso pela qual se assume que expressões atuais da interseccionalidade seriam mais avançadas e, por consequência, melhores do que versões anteriores. As tradições narrativas pelas quais se contam histórias seguem um caminho aparentemente sinuoso, em que o narrador é instado a “ir direto ao ponto”. Conquanto muitas vezes acusados de circularidade, raciocínios recursivos que avançam e retrocedem ao ponto comum, apesar de não lineares, podem aprofundar o argumento. Felizmente, percebi, logo no início ao escrever o iacst, que convinha aderir às convenções lineares da teoria social ocidental para escrever iacst (embora não ao conceber os argumentos), para garantir que o livro fosse reconhecido como teoria. Mas eu também segui um processo diferente ao apresentar a análise feita no livro, que modelou, sem contradizer, os seus principais argumentos. Basicamente, essa tensão - de colocar um raciocínio evolutivo recursivo numa caixa linear - fortaleceu a substância dos argumentos do livro.

No capítulo 1, as conexões entre o uso da interseccionalidade como metáfora, como instrumento heurístico ou como paradigma não são lineares. Ao tratar a relacionalidade dentro da interseccionalidade como aditiva, articulada e coformadora, uso uma estratégia similar à do capítulo 7. Ambos os capítulos implicitamente desfazem o pensamento linear, que tem sido central às noções ocidentais de progresso, que saturam a teoria social no Ocidente. Porque eles não pressupõem uma relação de dominância, conceituar a interseccionalidade como metáfora, como um dispositivo heurístico ou como um paradigma, tanto quanto conceituar a relacionalidade dentro da interseccionalidade como aditiva, articulada e coformadora, fornecem um vocabulário para o diálogo, para uma conversação inclusiva entre atores sociais. Modelos lineares excluem pessoas, modelos recursivos incluem.

Ambos os capítulos resistem aos esforços de usar o binário teoria/aplicação, que privilegia projetos interseccionais aparentemente mais teóricos frente a projetos mais práticos. Por exemplo, alguns autores defendem que, nos seus primórdios, a interseccionalidade era aditiva, algo que foi corrigido quando a interseccionalidade se definiu como inerentemente coformativa. Se você ler o capítulo 7 com atenção, verá que rejeito a ideia de que a interseccionalidade seria baseada em relações de coformação simplesmente porque atores sociais poderosos disseram que assim seria. Ao contrário, eu apoio a ideia de que um amplo arco de atores sociais - mulheres negras, mulheres brancas pobres, latinas e pessoas queer -, ao trabalharem a interseccionalidade como um projeto complexo, a partir de seus lugares sociais, enquanto intersecções de raça, classe, gênero, sexualidade e nação, “apropriam-se” da interseccionalidade.

Fundar a interseccionalidade numa forma mais democrática e participativa de produzir conhecimento pode enriquecer o campo. Quando mais pessoas participam de uma comunidade interpretativa, melhores são as perguntas, as interpretações tornam-se mais incisivas e maior é o alcance a comunidades interpretativas e políticas diversas. Esse processo participativo é particularmente importante para a interseccionalidade. Por que deveríamos usar as mesmas práticas para produzir a interseccionalidade como teoria social mais efetiva para manter a ordem social? Essa finalidade contradiz o seu espírito. Meu objetivo era propor um vocabulário comum provisório (que pudesse ser objeto de disputa entre as pessoas), de maneira a fundamentar conversas que promovessem a complexidade dentro da interseccionalidade. A teoria social tradicional, não importa quão crítica ela seja, raramente procede dessa forma.

Antonio Sergio Alfredo Guimarães: Minha pergunta tem a ver com a política antirracista. Você sugere que, depois da Segunda Guerra Mundial na Europa, o racismo científico como ciência dominante caiu em desuso na academia. E ainda hoje a maioria das pessoas não aceita que “raça” fez parte da modernização e da modernidade. De muitas maneiras, eles concebem o antirracismo como uma negação da raça. Eles ignoram a tradição afro-americana que, desde o início do século xx, reconstruiu a raça de uma forma muito mais positiva, como autoidentidade. Esse é o cerne da “teoria racial crítica”, mas as pessoas na Alemanha ou na França não se sentiam confortáveis com a teoria racial crítica. Mesmo hoje, a maioria das pessoas, feministas por exemplo, reage melhor à interseccionalidade do que à teoria racial crítica. Minha pergunta é: pode a interseccionalidade erguer pontes entre essas diferentes tradições antirracistas na Europa e na América?

Patricia Hill Collins: Quando se trata de interseccionalidade e política antirracista, novamente, creio que focalizar em um grupo específico de pessoas e nos desafios que enfrentam fundamenta a análise racial crítica de maneiras importantes. Se eu baseasse minhas análises nas experiências de latino/as indocumentado/as vivendo nos Estados Unidos, aprofundaria a lente sobre o antirracismo e suas conexões com a interseccionalidade. Já os brasileiros ricos que vivem em São Paulo podem ter um ângulo de visão diferente sobre essas questões. Para mim, situar o trabalho no ativismo político afro-americano em resposta ao racismo antinegro foi de valor inestimável.

Tal como discuto em “Social blackness, honorary whiteness, and all points in between: color-blind racism as a system of power” (Collins, 2009Collins, Patricia Hill. (2009), Another kind of public education: race, schools, the media, and democratic possibilities Boston, Beacon Press., pp. 40-81), raça e negritude não são a mesma coisa. Negro é uma categoria política que pode ter sido criada em conjunção com a escravidão, o colonialismo e os discursos ocidentais sobre ambos, mas que adquiriu, hoje, vida própria. A revalorização do termo negro através de movimentos de consciência negra nos Estados Unidos, na África do Sul e no Brasil, entre outros, reivindica a negritude como categoria política (em oposição a um fenômeno biológico ou cultural) e valoriza a identidade negra como identidade política. O apoio crescente dos afro-americanos ao movimento “Black Lives Matter”, especialmente da juventude negra, se baseia numa velha tradição de recuperar negritude sem pejo. Isso está longe de ser tanto uma fugaz estratégia política de protesto, quanto uma identidade momentânea que visa a restaurar a autoestima de uma psique negra danificada. É fundamentalmente uma luta política que visa à justiça racial.

Quando comparada à política antirracista proposta pelos negros, a interseccionalidade pode ser ao mesmo tempo cúmplice e rejeitar a forma como o racismo tem sido organizado, aplicado e confrontado. O racismo tem, nas diferentes tradições nacionais, os seus próprios padrões de antirracismo. As tradições pós-Segunda Guerra Mundial na Alemanha e na França, por exemplo, negam a realidade da “raça”, mas o fazem em resposta aos seus contextos históricos específicos. A derrota nacional e a subsequente censura global às políticas raciais da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial levaram a uma rejeição de tudo o que fosse racial. Tal rejeição por si só sinalizou a ruptura da Alemanha com seu passado racial de antissemitismo e eugenia. Em contraste, a França nunca reconheceu a existência de “raça” ou de racismo, em suas colônias ou dentro de suas fronteiras nacionais; em vez disso, optou por contornar o racismo por meio de uma identidade nacional, o ser “francês”. A existência do racismo e sua centralidade no colonialismo foram disfarçadas em um discurso assentado no entendimento de que, como a “raça” não era real, tampouco o “racismo” o seria. Já os Estados Unidos seguiram um caminho diferente. A evidência da realidade do racismo na política americana é abundante. Apesar disso, um resultado do movimento pelos direitos civis, e seu aparente fim com a eleição de Barack Obama, foi convencer o público americano de que o racismo seria coisa do passado. Isso facilitou a emergência de um racismo cego à cor em que, como entre seus homólogos europeus, falar de raça era cultivar o racismo.

Onde a interseccionalidade se encaixa no discurso antirracista? Por um lado, a interseccionalidade oferece um grande guarda-chuva para uma série de projetos de justiça social, aí compreendido o antirracismo. Por outro lado, definições de raça e de racismo dentro da interseccionalidade podem, ironicamente, enfraquecer a política antirracista. Como o termo raça circula amplamente dentro do mantra interseccional “raça, gênero e classe”, muitas pessoas presumem que, se usarem a interseccionalidade, estão automaticamente promovendo políticas antirracistas. O termo raça pode até ser mencionado dentro de projetos interseccionais, e, não obstante, um compromisso com a análise do racismo através de uma lente interseccional e com o antirracismo como uma estratégia importante pode ser minimizado. Falar gratuitamente, da boca para fora, sobre a raça dentro da interseccionalidade pode torná-la, e ao racismo, mais palatáveis para os praticantes da interseccionalidade; entretanto, pode também sabotar o potencial crítico de uma política antirracista. Esta tem sido uma das críticas à interseccionalidade, a saber, que ela pode se prestar a ser um substitutivo que atenuaria um trabalho mais contundente no que tange ao racismo e ao antirracismo, visto que muitos outros eixos de poder competem pela atenção.

Contudo, buscar políticas antirracistas apenas no interior das fronteiras da interseccionalidade pode ser uma estratégia frágil. Repito: teorizar a partir das experiências, a partir do que as pessoas fazem, pode ser útil para impulsionar a interseccionalidade. Participantes do movimento “Black Lives Matter” e seus aliados, que recuperam sem pejo a plena humanidade dos negros, estão levantando novas questões que fomentam uma nova política antirracista (ver, por exemplo, Ransby, 2018Ransby, Barbara. (2018), Making all Black Lives Matter: Reimagining freedom in the 21st century. Oakland, ca, University of California Press.). Essa geração teve acesso à teoria racial crítica, aprimorada dentro das realidades das tradições intelectuais afro-americanas, assim como ao feminismo negro que tem sido central para o desenvolvimento da interseccionalidade. Esse sentimento emergente de negritude política, especialmente em resposta a uma política de identidade branca de extrema direita, está informado pela interseccionalidade. Não sem razão, as mulheres negras têm sido centrais para esse antirracismo que se recusa a abandonar um foco na negritude, que agora é entendido pelo prisma da interseccionalidade. Na sua construção da negritude, mulheres negras não estão interessadas em restabelecer estratégias antirracistas pretéritas, nas quais os homens negros eram a cara da negritude e da política negra. Esse movimento social também propõe uma visão da comunidade como baseada na democracia participativa, mais um tema recorrente da interseccionalidade. Minha sensação é que em muitos movimentos sociais em que jovens estão tendo um papel proeminente, evidencia-se algum tipo de engajamento com a interseccionalidade. O movimento “Black Lives Matter” não é o ponto de chegada, mas um ponto de entrada em uma política antirracista, que testa a interseccionalidade ao usá-la.

Alexandre Massella: Na sua opinião, como levar a cabo, entre os filósofos, o debate acadêmico sobre a epistemologia feminista, uma vez que eles parecem especialmente resistentes (preconceituosos?) a aceitar as contribuições dessa abordagem? Terá a academia desenvolvido um conceito de conhecimento tributário do pensamento feminista negro?

Patricia Hill Collins: Honestamente, ignoro o quanto o pensamento feminista negro é lido dentro da filosofia convencional. Essa não é a minha batalha, e uma nova geração de filósofos negros e latinos está liderando o caminho nessa direção (Davidson, Gines & Marcano, 2010Davidson, Maria Del Guadalupe; Gines, Kathryn T. & Marcano, Donna-Dale L. (eds.). (2010), Convergences: Black feminism and continental philosophy. Albany, State University of New York Press.). Entretanto, no que concerne ao modo como as pessoas podem receber meu trabalho intelectual, sigo a observação de Frederick Douglass de que “o poder não concede nada sem que seja pedido”. Nascido sob a escravidão, Douglass trabalhou incansavelmente pela abolição da escravidão e, em seguida, pelos direitos civis dos homens e das mulheres afro-americanos. Existem tantos arquétipos na política negra de homens e mulheres que lutaram por mudanças, as quais nunca puderam experimentar no curso das suas próprias vidas. A mudança raramente advém apenas de ideias bem articuladas em debates filosóficos. O longo arco da história em direção à justiça social quase nunca é linear.

Isso posto, há muito em jogo quando se pedem mudanças na filosofia ocidental, em particular na filosofia analítica. A filosofia está no cerne dos projetos de conhecimento no Ocidente, e uma mudança no cerne do pensamento ocidental repercute em todas as suas disciplinas. Quando as filósofas feministas criticaram a filosofia a partir do seu campo, os efeitos de seus esforços propagaram-se pelos estudos de gênero em múltiplas disciplinas. Meu próprio trabalho em muito se beneficiou do trabalho pioneiro de Sandra Harding (1991Harding, Sandra. (1991), Whose science? Whose knowledge? Thinking from women’s lives. Ithaca, ny, Cornell University Press, 1991.), Iris Young (1990Young, Iris. (1990), Justice and the politics of difference. Princeton, Princeton University Press.) e outras filósofas feministas afins que questionaram as perspectivas epistemológicas que sustavam o patriarcado. Elas questionaram o aparente universalismo do conhecimento ocidental, mostrando como este se coadunava com os pressupostos da heteronormatividade. Elas criticaram o quanto os fundamentos do conhecimento ocidental eram politizados e implicitamente legitimadores do colonialismo e do imperialismo. A questão não era incluir o pensamento feminista negro nas verdades pré-existentes, mas ampliar os termos de como a verdade é determinada.

Eu me baseio nessas tradições em “Intersectionality and the question of freedom” (capítulo 5 de iacst), através de uma leitura atenta da obra de Simone de Beauvoir ([1948] 1977; [1949] 2011), uma importante filósofa feminista, cujo trabalho está sendo redescoberto por uma nova geração de filósofos. Eu respeito o trabalho de Beauvoir e tento oferecer uma leitura cuidadosa e detalhada de como seus argumentos sobre gênero, juntamente com raça, classe, sexualidade, idade e etnicidade, moldaram a sua análise da liberdade. Eu justaponho as análises de Beauvoir às de Pauli Murray (1987Murray, Pauli. (1987). Song In a weary throat. Nova York, Harper and Row.), um intelectual afro-americano pouco conhecido, que estabelece um diálogo com as mesmas categorias centrais da interseccionalidade, mas chega a uma visão bastante diferente da liberdade (Bell-Scott, 2016Bell-Scott, Patricia. (2016), The firebrand and the first lady: Portrait of a friendship. Nova York, Vintage.). Meu objetivo não era criticar Beauvoir para abrir espaço aos meus próprios argumentos, mas, antes, capturar as suas ideias como uma forma de impulsionar as minhas.

Para retornar à sua pergunta, talvez o tempo seja mais bem utilizado em defesa do feminismo negro se continuarmos o diálogo entre as pessoas que a ele afluem, em vez de tentar convencer filósofos recalcitrantes, que permanecem indiferentes às suas ideias. A mudança institucional leva tempo, mas os que foram marginalizados nas instituições ocidentais não vão esperar para sempre. Se o poder não for compartilhado com os de baixo, as demandas por mudança persistirão. As concessões que poderiam ser feitas em resposta às demandas do feminismo negro e de outros projetos de saberes resistentes ainda estão por serem vistas.

Marcia Lima: Tanto os Estados Unidos quanto o Brasil têm testemunhado episódios de extrema violência contra negros, particularmente contra homens negros. Tenho exercitado o uso do seu poderoso conceito de “imagem de controle” para aplicá-lo especialmente a instituições sociais que reproduzem tais imagens, e gostaria de lhe propor duas perguntas a esse respeito. Primeira: você acha que esse conceito é útil para entendermos a situação dos homens negros (sua desumanização, objetificação e estereótipos sobre seu comportamento violento)? Segunda: você considera que a ausência de um debate maior sobre gênero, quando se trata de pensar a situação dos homens negros, torna essa imagem mais eficiente, em particular no caso da violência? Intelectuais negros se posicionam enquanto homens negros? Nós não costumamos nos referir à sua condição de gênero…

Patricia Hill Collins: Eu examinei essa noção de imagens de controle em vários lugares em minha produção (ver, por exemplo, Collins, 2018), inclusive tratei da sua aplicação à masculinidade negra. A ideia de imagens de controle se aplica aos homens negros. Em Black sexual politics, por exemplo, há dois capítulos sobre gênero e sexualidade, um sobre masculinidade negra e outro sobre feminidade negra (Collins, 2004). Em ambos, a estruturação parte das imagens de controle, argumentando que tais imagens são específicas a cada grupo e dão sustentação a uma ideologia de gênero negra que subordina de maneira diferente negros e negras. Dizendo-o de outra maneira, a manipulação do gênero e da sexualidade foi e continua sendo fundamental à forma pela qual o racismo é organizado e opera. A imagem de controle da mulher negra forte tem como contrapartida a imagem de controle do homem negro fraco. Essas imagens de controle gêmeas permeiam tanto a literatura, quanto as políticas públicas.

Sua segunda pergunta diz respeito à centralidade da violência nas imagens de controle de homens e mulheres negras. A violência tem sido central para as imagens de controle da masculinidade negra, que emerge no contexto do pós-escravidão nos Estados Unidos enquanto uma “fera negra violenta”, que já não poderia mais ser domesticada por ter deixado de estar escravizada. Esse tropo recorrente dos homens negros como sendo inerentemente violentos persiste como uma justificativa para lhes subtrair os direitos de cidadania e o respeito humano básico. Mas quando se trata da violência, como exatamente essas imagens “controlam” os homens negros? Como as imagens de controle da masculinidade negra moldam a compreensão que os homens negros têm da violência que eles experimentam por parte dos agentes do Estado, que eles dirigem uns contra os outros e que eles infligem às meninas e mulheres em suas vidas?

Fundamentalmente, essas e outras imagens de controle têm por efeito mascarar formas de violência sistêmica que caracterizam relações interseccionadas de poder (Collins, 2018Collins, Patricia Hill. (2018), “Controlling images”. In: Weiss, G.; Murphy, A. & Salamon, G. (eds.). 50 concepts for a critical phenomenology. Evanston, Illinois, Northwestern University Press.). Pode ser desafiador ver como as imagens de controle podem ser aplicadas a toda uma gama interseccional de identidades sociais; entretanto, a violência abre uma janela para uma compreensão mais ampla de como as imagens de controle são fundamentais para as relações de poder. Por exemplo, as imagens de controle que caracterizam a masculinidade branca heterossexual, particularmente entre os homens brancos de classe média, são uniformemente positivas. No entanto, esse grupo é desproporcionalmente responsável por formas de violência sistêmica que afetam muitos outros grupos. Qual é o papel das imagens de controle na incorporação de meninos brancos a seus lugares predefinidos enquanto homens brancos? Esse é importante domínio de análise. Que tipo de análise produzimos ao observar situações em que homens negros tentam resolver problemas nas comunidades negras tornando-se mais parecidos com os homens brancos?

As mulheres negras de há muito têm observado como as imagens de controle da feminidade negra, que refletem intersecções de gênero, raça e sexualidade, causam um poderoso efeito negativo sobre as suas vidas. Mas muitas das discussões sobre a violência de gênero contra as mulheres negras têm como alvo as práticas sociais mais amplas, por exemplo, uma cultura do estupro na qual homens brancos atacavam sexualmente mulheres negras na maior impunidade; outras vezes, minimizavam a violência cometida pelos seus parceiros íntimos, filhos, pastores e membros da comunidade. A imagem de controle da mulher negra forte aconselha as mulheres negras a negligenciar a violência cometida pelos homens negros, em nome de protegê-los do racismo. Mas será que isso é suficiente? Ou será um modo de eludir a difícil questão de que lidar com a violência requer examinar o modo pelo qual todas as partes envolvidas reproduzem e são afetadas pelas imagens de controle?

Helena Hirata: Arlie Hochschild atribui a causas materiais o sucesso de seu conceito de “trabalho emocional” (Hochschild, 2017, p. 8). Segundo Hochschild, “a verdadeira causa de seu sucesso” tem a ver com “o imenso desenvolvimento” do setor dos serviços. É possível identificar um tipo de explicação semelhante para o sucesso do conceito de “interseccionalidade”? No seu ponto de vista, o que explica a ampla aceitação desse conceito, tanto na academia quanto nos movimentos sociais?

Patricia Hill Collins: A análise de Arlie Hochschild sobre o trabalho emocional certamente influenciou minha formulação sobre o trabalho nos serviços como um espaço de relações de poder interseccionadas. As experiências das trabalhadoras domésticas negras que trabalham em residências ilustram como os empregadores brancos agregavam o trabalho emocional de suas empregadas. Apesar de alegarem que as mulheres negras eram como “um membro da família”, ou talvez por isso mesmo, elas eram sempre sub-remuneradas e expostas à violência sexual ao tempo em que realizavam o trabalho de cuidado nessas casas de brancos. A imagem de controle da “Mammy” sorridente, a cuidar de seus filhos brancos como se seus fossem, obscurece o descuido a que estão sujeitos os seus filhos negros enquanto ela tem que deixá-los para ir trabalhar. A marca do bom serviço é o cuidado prestado, ou seja, exprimir emoções de forma a convencer seu ou sua superior de que realmente o/a ama. Mas o trabalho emocional no exercício do cuidado traz também embutido um elemento de resistência - é o sorriso que desaparece no rosto da garçonete quando, ao fim do jantar, o cliente deixa uma gorjeta insignificante; ou as histórias que as trabalhadoras domésticas negras compartilham sobre seus empregadores quando estão em suas próprias cozinhas.

O estudo de Hochschild foi pioneiro porque situou o trabalho emocional no contexto de um florescente setor de serviços. Sua análise sobre como as aeromoças eram treinadas mostrou o quão importante era o desempenho convincente do trabalho de cuidado para o crescimento e a lucratividade do setor de serviços. Essa noção de trabalho emocional pode perfeitamente transladar-se para as universidades e instituições acadêmicas; como são parte do setor de serviços, dos professores e dos assistentes na pós-graduação também se espera, crescentemente, que desempenhem de modo convincente o trabalho de cuidado institucional a que estão obrigados. Num tal contexto, o trabalho emocional adquire uma posição especial, algo que não passa despercebido às mulheres e às pessoas de cor, majoritariamente responsáveis por efetuar tal trabalho acadêmico de cuidado. Quais são os custos impostos a quem realiza um trabalho emocional que é ordinariamente sub-remunerado? Numa relação capitalista de troca, as emoções e o cuidado tornam-se mercadorias.

Acho desafiadora essa sua pergunta sobre como essas formulações sobre o trabalho emocional poderiam ajudar a explicar as maneiras pelas quais a interseccionalidade foi incorporada na academia. A interseccionalidade é certamente notada, comentada e reconhecida. Mas, daí a afirmar que esse reconhecimento sinalizaria uma aceitação genuína vai uma grande distância. Será que essa aparente aceitação da interseccionalidade pelas estruturas neoliberais da academia se deveria, em alguma medida, à percepção do seu valor enquanto um trabalho de cuidado realizado ao interior dessas instituições? De que maneira essas normas invisíveis de cuidado, caso existentes, estariam influindo no modo pelo qual os discursos são percebidos e divulgados? Mais especificamente, estará a interseccionalidade sendo percebida como um projeto crítico mais amigável, mais cuidadoso, e por isso mesmo menos ameaçador, do que outras teorias sociais tidas como mais desafiadoras, como o feminismo, a teoria racial crítica ou a teoria social marxista? Dentro das teorias sociais aparentemente apolíticas na academia, será que a interseccioalidade funcionaria como um proxy para um discurso multicultural mais palatável sobre a diferença?

A interseccionalidade pode ser o discurso certo, no momento certo, por razões erradas. Ela foi incorporada, mas em que termos e para que fins? É importante não confundir visibilidade e aceitação. Um pequeno rol de pessoas pode estar associado à interseccionalidade, mas quanto dessas ideias e discursos foi realmente incorporado por especialistas aos diferentes campos de estudo ou por professores e pesquisadores em qualquer instituição? Minha sensação é que a interseccionalidade é bem menos aceita na academia do que se pensa. Ela pode ser tornada visível de maneiras vantajosas para a academia. Na medida em que fornece uma amplo guarda-chuva para a inclusão, eximindo as universidades de mudanças substanciais, incorporar a interseccionalidade ajuda as performances institucionais do trabalho de cuidado.

Quando se trata de atender às necessidades de trabalho emocional nas universidades, a interseccionalidade tem sido cada vez mais assumida por setores de serviços dentro das mesmas, por exemplo, os serviços estudantis, o recrutamento de professores e outros similares. Mas o modo como ela tem sido usada remete ao tema do trabalho emocional. Considere-se, por exemplo, como as ideias da interseccionalidade foram diluídas num vocabulário em constante mudança, aplicado às soluções contra injustiças de raça e gênero. As universidades fizeram uma mudança cosmética, atentas ao mantra da diversidade, equidade e inclusão, ao tempo em que evitavam qualquer transformação institucional substantiva. Em outras palavras, a interseccionalidade está sendo crescentemente modificada por meio de um discurso que apoia o trabalho institucional de cuidado e o trabalho emocional que isso acarreta, ao invés de se tornar um campo de estudo por direito próprio. Seu uso deixa de ser analítico e crítico para se tornar um serviço a ser provido. Essa foi uma das minhas principais preocupações em iacst, a saber, como a interseccionalidade pode aguçar as suas possibilidades analíticas e críticas num contexto de uma academia aparentemente inclusiva.

Flavia Matheus Rios: O pensamento feminista latino-americano tem sido, de alguma forma, relevante para o (ou considerado pelo) pensamento feminista negro nos Estados Unidos? Você teve algum contato com as ideias das feministas negras latino-americanas?

Patricia Hill Collins: Meus contatos com os feminismos negros latino-americanos são indiretos, mediados pelo feminismo chicano, porto-riquenho, americano-cubano e pelos feminismos das latinas nos Estados Unidos, que têm laços distintos com a América Latina. Tais laços transfronteiriços, e no caso das mulheres porto-riquenhas, relações coloniais internas, foram essenciais para o crescimento do feminismo das “mulheres de cor” nos Estados Unidos, assim como para a interseccionalidade. No trabalho intelectual, há o reconhecimento de que as latinas, negras e afro-latinas, que devem corresponder a uns 25% das latinas nos Estados Unidos, trazem perspectivas distintas aos projetos interseccionais que decorrem de variadas experiências com o colonialismo, a escravidão, a indigeneidade e a imigração. Os diálogos entre mulheres de cor, informados por ativistas e intelectuais latinas, oferecem importantes perspectivas sobre as intersecções de gênero, sexualidade, religião e cidadania. Por exemplo, o trabalho de Gloria Anzaldua sobre o pensamento fronteiriço e a consciência mestiça forneceu uma âncora filosófica para o feminismo das mulheres de cor nos Estados Unidos (Anzaldua, 1987). Mas isso não é suficiente. É essencial aprender mais sobre os feminismos específicos de diferentes países e como esses feminismos se influenciaram mutualmente.

Para ser franca, eu gostaria de saber bem mais sobre a relação entre o feminismo latino-americano e o feminismo negro norte-americano. O feminismo negro é um projeto colaborativo e em constante evolução. Laços existem, mas ainda precisamos de um trabalho empírico constante e sério sobre as interconexões entre variantes do feminismo. Como cada uma de nós tem limites quanto ao que sabe e pode fazer, temos que nos apoiar umas às outras, para completar as peças que faltam às nossas próprias perguntas. Você faz o que pode, e espera que outros possam ajudar. Essa é a promessa colaborativa da interseccionalidade. Reconhecendo que cada uma de nós tem somente uma perspectiva parcial sobre dominação e resistência, em vez de continuarmos a enquadrar nossas perguntas pelo viés intelectual ocidental, como por exemplo o da filosofia ocidental, os grupos marginalizados deveriam buscar uns aos outros, de modo a aprender uns com os outros.

Marcos Nobre: Eu ficaria muito grato se você pudesse elaborar um pouco mais sobre a constelação das noções de dominação, resistência e emancipação. Formulei minhas dúvidas a esse respeito em duas perguntas interligadas. Se a entendi bem, o principal ponto normativo da abordagem interseccional no seu livro mais recente é o da “resistência”, que me parece ser a noção que dá sentido ao termo “crítico”, presente no seu projeto de “teoria social crítica”. A primeira questão seria: há uma única contrapartida conceitual para “resistência”, ou elas seriam muitas? E, no mesmo sentido, a segunda questão: a que se resiste? À dominação? Ao capitalismo?

Patricia Hill Collins: Eu realmente gostei desta pergunta porque ela toca o cerne de quais termos são os melhores portadores da substância de meus argumentos. Eu discuti comigo mesma sobre cada termo individual, bem como sobre as conexões entre eles. Examinar as conexões entre resistência e trabalho intelectual está no centro da minha produção (ver, por exemplo, On intellectual activism, Collins, 2012). Mas entender como estou concebendo resistência tem sido uma preocupação constante para mim. Teorizar a resistência, tanto quanto estimulá-la, tem sido fundamental para minha reflexão. Preciso conhecer as maneiras específicas pelas quais minha concepção de resistência informa meus argumentos sobre a interseccionalidade como teoria social crítica. Você pergunta: “Haveria uma única contrapartida conceitual para ‘resistência’, ou elas são várias?”. Ainda não tenho certeza, mas posso lhe dizer um pouco sobre onde estou agora ao pensar por meio da resistência. Aqui, suas duas perguntas complementares são especialmente úteis. Deixe-me responder uma de cada vez. Primeiro, você pergunta: A que se está resistindo? A tarefa central de iacst consiste em abordar essa questão da resistência a que e a centralidade das ideias para tal resistência. Há algum tempo, tenho buscado criar um sentido de ação política que não resida nem no terreno da teoria nem da prática. Em outras palavras, a resistência política é mais do que ideias, mas depende de ideias. A interseccionalidade aprofunda a compreensão da resistência às injustiças sociais existentes por meio da forma como funcionam os sistemas de poder. Capitalismo, racismo, colonialismo, heteropatriarcado, nacionalismo e sistemas semelhantes de poder podem ser vistos como sistemas de relações de poder injustas. A característica comum aqui é que todos esses são sistemas por meio dos quais a dominação assume uma forma específica tanto em cada sistema, como nas interseções entre eles. Por exemplo, a dominação pode ocorrer por meio de relações interpessoais íntimas ou pode servir para animar uma guerra em larga escala. As injustiças sociais podem ser percebidas no cotidiano, nos grupos, nas formas como as organizações são construídas, nas políticas das instituições sociais, tanto quanto nos discursos que defendem esses arranjos.

Entretanto, conceituar resistência dessa maneira continua a centrar a análise na opressão, e não na resistência. Uma dimensão do poder hegemônico é que ele rotineiramente define os termos de todo o debate, inclusive do significado de resistência. Porém, e se virarmos esse relacionamento pelo avesso? Talvez obtenhamos o tipo de ordem social e dominação que temos agora, não como um reflexo das ações da elite, mas como resultado da resistência sedimentada à dominação do passado. As ideias seriam especialmente importantes nessa visão de resistência, que a torna ordinária, como parte da vida cotidiana. Estratégias de resistência específicas são parte de uma socialização contínua e por toda a vida, que se recusa a capitular à normalidade da opressão. Reconheço como é assustador o modo pelo qual as relações interseccionadas de poder oprimem, bem como as miríades de formas pelas quais a dominação é organizada na sociedade, desde os seus níveis micro aos macro. Recuso-me a teorizar o poder de uma forma tal que não admita a resistência, ou a resistência de uma forma tal que a torne um derivado do poder. Como rejeito a suposição não declarada de que a opressão é inevitável, que informou tantas teorias sociais críticas, minha abordagem para conceituar a resistência não é niilista. Eu me torno parte do problema se produzir uma teoria social crítica que não contemple, em si mesma, as implicações para a resistência. Dizendo-o de outra forma, teorizar a resistência não somente anima minha teorização social enquanto um objetivo, mas pensar sobre as implicações de minha teorização para a práxis (resistência) também serve como uma verificação metodológica do meu próprio decurso.

A segunda pergunta é mais difícil, porque requer análise e imaginação. É muito mais fácil analisar contra o que é a resistência, do que imaginar para que serve a resistência. O que está além da resistência? Como você sabe quando a resistência é bem-sucedida? Visará a resistência a algum objetivo maior, teoricamente possível, embora politicamente impraticável, como, por exemplo, emancipação, justiça social, liberdade? Como o mundo parecerá diferente se a resistência e a dominação que ele engendra não forem centrais ao comportamento humano? Será isso possível?

Essas podem ser questões existenciais amplas, mas tiveram implicações práticas; isso porque eu sabia que não poderia me alongar em teorizar a resistência se quisesse terminar o iacst. Contudo, essa questão da resistência permaneceu enquanto eu terminava o livro, mas eu sabia que não poderia respondê-la naquele momento. Agora que o iacst foi publicado, espero ter uma noção melhor de como aprofundar o tema da resistência que, com toda a razão, você aponta como um princípio organizador central do iacst, bem como o corpus do meu trabalho até agora.

Ainda não tenho respostas definitivas, mas posso compartilhar algumas indicações acadêmicas intrigantes sobre como as pessoas imaginam a libertação da dominação. As análises de resistência em que os pensadores visam a sair da teoria social ocidental a fim de imaginar novas possibilidades para relações de conhecimento/poder são especialmente intrigantes (ver, por exemplo, On decoloniality, Mignolo e Walsh, 2018Mignolo, Walter D. & Walsh, Catherine E. (2018), On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Durham, nc, Duke University Press., ou Afrotopia, Sarr, 2019Sarr, Felwine. (2019), Afrotopia. Minneapolis, Mn, University of Minneapolis Press.). Deixe-me mencionar brevemente duas delas. Em primeiro lugar, o interesse renovado por ficção especulativa, ficção científica e Afrofuturismo provê um vislumbre fascinante sobre como intelectuais negros, entre outros, imaginam a vida fora da dominação, como uma forma de resistir-lhe. Esse esforço mobiliza as categorias de tempo e espaço como uma forma tanto de criticar a relação de poder existente, quanto de imaginar a vida para além do aqui e do agora. Os romances de Octavia E. Butler anteciparam as preocupações contemporâneas com a resistência e a liberdade. Sua obra clássica, Parable of the sower, não apenas fornece uma base para se conceituar a resistência, mas também um gênero importante para o trabalho criativo (Butler, 1993).

Em segundo lugar, os trabalhos de acadêmicos e ativistas indígenas em distintos contextos nacionais fornecem, de longe, a literatura mais ampla e profunda para se teorizar a resistência. Além de usar uma variedade de estratégias (ficção, memória, ensaio analítico, estudos históricos e análise de ciências sociais), a atenção aos conhecimentos e epistemologias indígenas é inestimável. Eu gostaria de ter tido acesso a essa literatura quando estava escrevendo o iacst. No capítulo 7, apresento uma pequena história de um grupo indígena no Canadá como um ponto de entrada para as vastas literaturas e experiências de povos indígenas que existiram fora das epistemologias ocidentais. Essas tradições narrativas identificam uma epistemologia ricamente matizada que possui temas centrais recorrentes, mas que não pode ser congelada nos princípios de uma epistemologia morta. Estou feliz por ter sido capaz de reconhecer, em iacst, os limites epistemológicos do repensar a resistência com base em epistemologias ocidentais. Mas isso não é suficiente. Pretendo seguir essas três linhas de investigação como uma forma de aprimorar minha concepção de resistência.

Nadya Araujo Guimarães: Os “construtos centrais” que você desenvolve no livro (relacionalidade, poder, desigualdade social, contexto social, complexidade e justiça social) são uma contribuição específica proveniente do paradigma da interseccionalidade? Como a teoria social contemporânea e a clássica dialogam a esse respeito? Você observou algum processo de fertilização cruzada?

Devo confessar que, no momento em que pensava nessa questão, minhas memórias se voltaram para uma descoberta interessante que fiz o ano passado, quando estava retraçando o impacto, na academia americana, das ideias de uma destacada feminista branca brasileira, Heleieth Saffioti. No final dos anos 1960, Saffioti escreveu um livro (A mulher na sociedade de classe), originalmente uma tese, que foi seminal para a sociologia brasileira (Saffioti, 1969). Nesse livro, ela antecipou o argumento das múltiplas dimensões da opressão, baseada simultaneamente em relações de classe, raça e gênero (claro, a palavra gênero não estava lá!). Menos de dez anos depois da primeira edição brasileira, 1978, o livro foi publicado em inglês pela Monthly Review Press (Saffioti, 1978), com uma introdução de Eleanor Leacock, uma conhecida antropóloga marxista, branca, muito sensível às questões acadêmicas e políticas levantadas pelo movimento feminista. Ao traçar as marcas da recepção das ideias de Saffioti fora do Brasil, foi uma alegria perceber que, logo após o lançamento do livro na sua versão em inglês, algumas resenhas interessantes apareceram em revistas internacionais relevantes. No entanto, tropecei com uma resenha inesperada, publicada no American Journal of Sociology (ajs) bem depois, em 2014, nada menos que vinte anos após a edição em inglês (Celarent, 2014Celarent, Barbara. (May 2014), “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. American Journal of Sociology, 119 (6): 1821-1827.). Qual não foi a minha surpresa! Como todas as outras resenhas sobre o livro de Saffioti, essa também foi assinada por uma mulher, Barbara Celarent, uma autora cuja existência na área dos estudos de gênero era por mim desconhecida. Para meu espanto, alguns meses depois, descobri que essa mulher nunca existira. O verdadeiro autor era Andrew Abbott, o proeminente professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago e ex-editor do ajs. Entre 2009 e 2015, ele publicou nada menos que trinta e cinco resenhas enfatizando a relevância de vários livros, alguns deles (como o de Heleieth) quase desconhecidos (ou talvez esquecidos) pelo debate global contemporâneo. Sob o pseudônimo de Barbara Celarent - uma “Professora de Particularidade na Universidade de Atlântida”, como ela é referida pela ajs (campo e instituição obviamente inexistentes), Abbott argumentava que era chegada a hora de forçar o debate sobre teoria social a se tornar menos Ocidental do que vinha sendo, de modo que pudéssemos chegar a uma verdadeira teoria social global (Abbott, 2016).

Por isso mesmo, quando você se referiu a “particularidades”, dez minutos atrás, minhas memórias voaram em direção ao empreendimento de Abbott, e me pego pensando novamente em por que ele precisou usar um pseudônimo. Além disso, por que Barbara Celarent, como personagem, foi concebida como ela o foi? E, sobretudo, por que esse grande conjunto de resenhas só chamou a atenção acadêmica depois de publicado como um todo, em um livro coassinado/editado com um homem, Andrew Abbott (Celarent & Abbott, 2016)? Por que ninguém reparou?!

Isso me permite voltar ao meu ponto: em seu novo livro, você também está lidando com um conjunto de conceitos que são cruciais para a teoria social ocidental; e você também está tentando reformular, integrar, embalá-los como categorias “centrais” para sua perspectiva. Você poderia refletir um pouco mais sobre isso?

Patricia Hill Collins: Achei que você fosse me perguntar outra coisa, mas agora que você descreveu como Andrew Abbott - um proeminente teórico social branco do sexo masculino - publicou resenhas de livros que gostaria de ver revisados no ajs, mas que ele mesmo escreveu sob pseudônimo, quero refletir sobre esse caso. Estou especulando aqui (e baseio meus pensamentos apenas em sua narrativa do caso) sobre o que sei acerca do ajs, uma revista de ponta na sociologia americana cuja influência no campo é significativa, bem como no meu conhecimento profissional sobre a produção de Andrew Abbott. Eu adotei o livro Chaos of disciplines, de autoria de Abbott (Abbott, 2010), em meu curso de teoria social na graduação; bem assim, considerei útil o seu livro Methods of discovery: Heuristics for the social sciences (Abbott, 2004) ao formular meu argumento sobre o uso heurístico de interseccionalidade (ver iacst, capítulo 1). No entanto, como dar sentido à criação de Abbott/Celarent, uma identidade híbrida de gênero na qual Abbott e Celarent trocam de lugar, como atores sociais, no palco e nos bastidores?

Uma leitura benevolente dos motivos de Abbott/Celarent sugeriria que ele/ela percebeu, com razão, que não conseguiria encontrar pareceristas para textos como o Woman in class society, de Saffioti, que fossem suficientemente qualificados para atender às suas exigências, haja vista o que são as revisões rigorosas do ajs. Ao lhes conceder o apoio anônimo de um patrono poderoso, como ele, talvez ela/ele tivesse imaginado que estaria apoiando estudiosos que não eram brancos, não eram homens, não eram ocidentais e não teriam o privilégio de promover seus livros. Num cenário marcado pelo gênero, Abbott pôde se sentir autossatisfeito em termos morais, politicamente protegido de críticas, porque ele não escreveu os comentários; ela o fez. Ao tempo em que se divertia, de algum modo, com as travessuras de Celarent. Por mais bem-intencionado que Abbott/Celarent possa ter sido, esse caso é um exemplo original de como editores de revistas, financiadores e similares podem exorbitar no desempenho de seus papéis nos bastidores, modelando o que conta como sociologia legítima.

No entanto, uma leitura menos positiva dessa situação de pseudônimo a consideraria o pior tipo de ação afirmativa, pois pressupõe que grupos marginalizados que conseguem chegar à academia são menos qualificados e, portanto, só podem ter sucesso se formarem alianças com aliados mais poderosos, normalmente homens brancos proeminentes, avançados na sua carreira e de elite. Como discuto em “Intersectionality and epistemic resistance” (iacst, capítulo 4), o desafio de construir comunidades interpretativas em meio às diferenças de poder existentes na academia - neste caso, o acesso à teoria social - tem dimensões epistemológicas que estruturam as relações de poder. Abbott tinha outras opções além de se tornar um ventríloquo, manipulando Celarent, uma boneca imaginária que falava por ele, sem ter que assumir a responsabilidade por seus argumentos (nesta entrevista tenho que assumir a responsabilidade por minhas ideias porque sou visível), ou até mesmo falar. Por exemplo, eu me pergunto: por que Abbott falhou em usar o poder que a sua posição, como editor da ajs, lhe daria para recrutar e expandir o grupo de pareceristas para os livros que Celarent avaliou? Esse tipo de manipulação anônima das próprias regras, mesmo quando feita em nome da promoção de “novas” ideias, é controlada por elites que, no fundo, distorcem os processos de criação de conhecimento sem serem reconhecidas como atores sociais. Compare o comportamento editorial de Abbott/Celarent com o de minha colega Margaret Andersen quando era editora de Gender and Society. Tal como Abbott/Celarent, ela reconheceu a importância do novo trabalho de mulheres, pessoas de cor e estudiosos globais do gênero, e atuou decididamente para estimular jovens acadêmicos no sentido de que enviassem artigos para um número especial sobre “Race, Class, and Gender”. Muitas pessoas não o teriam feito se não fosse o tom da chamada de trabalhos veiculada pela Revista, que consideraram acolhedora. O número de artigos recebidos excedeu em muito a capacidade de um número especial. A decisão de Andersen moldou, dali por diante, o perfil dessa revista. A brincadeira privada de Abbott, escrevendo sob um pseudônimo que preservou seu anonimato, deixa um legado duvidoso para o engajamento com a sociologia e para o ajs. Em contraste, a posição pública de Andersen de apoiar os estudos de raça, classe e gênero ajudou a cultivar uma comunidade interpretativa de estudiosos de raça, classe e gênero, cujo trabalho continua a ter um grande impacto no campo.

Continuo empenhada em promover diálogos entre estudiosos da teoria social contemporânea, da teoria social clássica e da teoria social crítica. Ainda assim, histórias como o caso Abbott/Celarent me fazem desconfiar de como os processos de fertilização cruzada podem ser realistas se eles não estiverem rigorosamente atentos à política de construção do conhecimento dentro da teoria social em sentido amplo. Meu capítulo sobre “Intersectionality and resistant knowledge projects” visa a ampliar os referentes que estruturam a reflexão de quem produz novas ideias, e como estas podem emergir da resistência (iacst, capítulo 3). Como os projetos de conhecimento resistente, como o feminismo negro, podem ser eficazes se permanecem enredados em estruturas de legitimação do conhecimento como as sugeridas pelo caso Abbott/Celarent? Pelo menos tomamos conhecimento do mesmo. Mas, no que diz respeito à interseccionalidade, quantas ações anônimas de bastidores objetivam sabotar esse projeto de conhecimento resistente, ao mesmo tempo que afirmam defender seus princípios fundamentais?

Isso me leva à outra parte de sua pergunta. De que formas, se for esse o caso, os princípios básicos que proponho de relacionalidade, poder, desigualdade social, contexto social, complexidade e justiça social podem prover como um vocabulário básico para o diálogo? Será que eles ajudam na fertilização cruzada, ou obscurecem as questões difíceis na medida em que essa linguagem aparentemente compartilhada sugere que os entendemos da mesma maneira? Formulei o assunto precisamente nesses termos tanto porque os mesmos são familiares às teorias social clássica, contemporânea e crítica, como porque eles transitam através e além dessas localizações. Significativamente, os atores sociais em locais não acadêmicos também portam outros entendimentos desses mesmos termos, por vezes na linguagem usada pelos leigos, ou nos significados a eles conferidos pela linguagem especializada de profissionais.

Reconheço as limitações advindas do uso desses conceitos, mas também reconheço o desafio teórico central de como tornar nossas ideias claras quando as usamos. As ideias podem estar perfeitamente claras em sua mente ou em conversas entre grupos de indivíduos com ideias semelhantes. Entretanto, as conversas perpassadas por diferenças de poder, como raça, classe, gênero, sexualidade, idade e cidadania, normalmente revelam as limitações de nossas próprias explicações aparentemente evidentes acerca do mundo social. Para mim, o significado de cada conceito está sempre em construção por meio do diálogo (ver, por exemplo, meus comentários anteriores sobre a interseccionalidade como metodologia). A teoria social oferece uma compreensão provisória de um conceito, mas o significado de um conceito decorre do seu uso. Uma advertência: os tipos de diálogos que geram o pensamento crítico mais forte raramente estão livres de conflitos.

Ao escrever iacst, tive uma série de conversas imaginárias com os campos mais proeminentes no desenvolvimento de um conceito particular. Por exemplo, muitos dos profissionais da interseccionalidade estão comprometidos com a justiça social, um conceito sobre o qual há uma ampla literatura nos domínios dos direitos humanos e da legislação dos direitos civis, tanto quanto da filosofia. Inexiste uma definição estabelecida para justiça social. Significativamente, muitos profissionais especializados na interseccionalidade presumem que os outros compartilham suas definições, com frequência idiossincráticas, sobre o que seja justiça social e que estão igualmente comprometidos com ela. Mas, como discuto em “Intersectionality without social justice?” (iacst, capítulo 8), qualquer compreensão de justiça social para a interseccionalidade deve ser construída e não presumida. Relacionalidade, enquanto um conceito, enfrenta um desafio semelhante, decorrente de sua crescente popularidade nos diversos campos de estudo no Ocidente. Porém, estará a relacionalidade se tornando, cada vez mais, um termo vazio que nutre um estilo carente de substância? Estará esse conceito condenado a ver drenado o seu potencial crítico? O capítulo “Relationality within intersectionality” (iacst, capítulo 7) foi, para mim, um dos mais difíceis de escrever, visto que o termo relacionalidade é amplamente usado, tanto dentro quanto fora da interseccionalidade.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães: O mestiço na América Latina foi imaginado por nossas elites intelectuais como uma fusão de três raças, como uma meta-raça que acabaria por superar as categorias coloniais da subordinação racial e o mito da superioridade branca. Vimos essa construção ser posteriormente rejeitada por intelectuais negros brasileiros - como Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez e outros - que perceberam ser a mestiçagem uma forma de obscurecer o racismo contra negros e afrodescendentes. Recentemente, antropólogos como KellyLuciani (2016Luciani, José Antonio Kelly. (2016), Sobre a antimestiçagem. Florianópolis, Cultura e Barbárie.) demonstraram a existência de uma postura antimestiço entre os racializados subalternos: longe de se imaginarem como uma fusão, esses mestiços acreditam ter diferentes raças dentro de si, o que lhes permite transitar por diferentes mundos raciais.

Atualmente, no Brasil, assistimos à discussão sobre quem pode se beneficiar das cotas. Temos ouvido o argumento de que algumas pessoas estão fraudando o processo; mas há também outro entendimento que propõe que não, eles podem estar sendo sinceros, eles fazem parte do grupo dos beneficiários pois também sofreram algum tipo de discriminação. Como você vê o desdobramento desse processo? Nos Estados Unidos, diferentemente, há a ideia de “fazer-se passar por” (“passing”), tida como sempre fraudulenta. Aqui, entretanto, as pessoas entendem essa atitude como real, elas acham que é possível mover-se entre as categorias. Você se lembra dos escritos de CarlDegler (1971Degler, Carl. (1971), Neither black nor white: Slavery and race relations in Brazil and the United States. Madison, University of Wisconsin Press.) sobre o Brasil: a seu ver, o mulato brasileiro foi absorvido pelas classes dominante e branca, e dessa cooptação dos mestiços teria resultado a incapacidade de liderança dos negros brasileiros.

Minha pergunta, então, seria: como essas duas mestiçagens imaginadas afetam a sua maneira de pensar sobre raça na América Latina?

Patricia Hill Collins: Tenho um conhecimento prático sobre mestiçagem na América Latina, mas não sou uma especialista. Diante disso, a melhor maneira de abordar sua questão é extrapolar das relações raciais nos Estados Unidos para pontos de contato e de divergência entre o Brasil e os Estados Unidos. Ambos os sistemas tentaram amenizar as falhas em suas democracias, explicando-as pelas interseções entre racismo e nacionalismo em suas respectivas compreensões acerca da identidade nacional. No Brasil, a mestiçagem oferece uma identidade nacional imaginada por meio da qual a lealdade à nação brasileira minimiza, quando não apaga, as diferenças raciais. Essa filosofia de democracia racial apaga o racismo ao ignorar a realidade da hierarquia racial. Como você assinala, essa meta-raça - que ostensivamente foi além das categorias coloniais de subordinação racial e do mito da superioridade branca - foi incorporada à democracia racial e a sua necessidade de construção da mestiçagem. Em contraste, a identidade nacional imaginada nos Estados Unidos colapsa a identidade nacional com a branquitude, uma forma de nacionalismo étnico. Esse nacionalismo étnico influencia as políticas oficiais de integração racial e de multiculturalismo, segundo as quais a democracia dos Estados Unidos visa à inclusão.

Os negros no Brasil e nos Estados Unidos denunciaram como essas respectivas versões da identidade nacional estão na base da supremacia branca. Para o Brasil, o desafio organizacional era criar consciência entre os sujeitos negros de que sua negritude ou raça era fundamental para seu status social e tratamento. O racismo antinegro aparentemente não existiu no Brasil porque o apagamento da negritude pelo construto da mestiçagem também apagou uma linguagem de crítica às desigualdades raciais no emprego, habitação, educação e saúde. Os negros nos Estados Unidos enfrentaram uma versão de racismo do tipo apartheid racial que se baseava na estrita separação de raças, usando critérios biológicos tais como a “regra de uma gota” (“one drop rule”). Esse sistema relutantemente deu lugar a uma visão de multiculturalismo, segundo a qual, quando fossem removidas as barreiras para a assimilação dos afro-americanos, os negros estariam livres para contribuir para uma América multicultural. Em essência, o objetivo do multiculturalismo era se tornar um caldeirão que fosse um caminho para uma sociedade em que a cor não importasse (“colorblind society”). Ironicamente, esse caldeirão multicultural se assemelhava à mestiçagem brasileira. Ambos propõem uma forma idealizada de democracia racial que se baseia em um racismo cego à cor, que produz disparidades raciais importantes, as quais, entretanto, não precisam estar sustentadas em categorias raciais oficiais.

Sinto um pouco mais de dificuldade para desvendar o segundo entendimento imaginário de mestiçagem. Você identifica “mestiços racializados subalternos” como promovendo uma “postura antimestiço… que lhes permite transitar por diferentes mundos raciais”. Acreditando que têm raças diferentes dentro de si, eles rejeitam a noção de fusão, por exemplo, o conceito de caldeirão de mestiçagem, em favor de uma compreensão multicultural da mestiçagem. Quem são essas pessoas e onde elas se encaixam na história racial do Brasil? O termo “subalterno” pode obscurecer mais do que revelar. Quando retiradas de seu contexto indiano, de um sistema de castas intergeracional bem ajustado, eu me pergunto: quais ideias viajam e quais não em relação ao contexto brasileiro? Quais são os laços desse segmento de “mestiços racializados”? A contraparte norte-americana seriam os indivíduos birraciais ou “mixed-race”, que só recentemente se organizaram como “mixed-race”. Esse grupo se encontra entre brancos e negros, um espaço liminar que faz sentido no contexto da história racial dos Estados Unidos. Como me faltam maiores detalhes acerca desse grupo no caso do Brasil, reservarei outros comentários para uma conversa futura.

A meu ver, esses debates dizem da complexidade de tentar remediar os efeitos contínuos do racismo sistêmico, que reproduz a desvantagem sem que ninguém assuma a responsabilidade por tal, agora. Essa é a beleza da construção de Eduardo Bonilla-Silva (2003Bonilla-Silva, Eduardo. (2003), Racism without racists: Color-blind racism and the persistence of racial inequality in the United States. Nova York, Rowman & Littlefield Publishers, 2003.) acerca do “racismo sem racistas”, a saber, um sistema de racismo cego à cor, em que os negros podem ser hipervisíveis como sujeitos, ao tempo em que as dimensões estruturais que levam a que as instituições sociais reproduzam o privilégio branco e a desvantagem negra permanecem invisíveis para os brancos. Políticas públicas deficientes visam a reparar danos passados e seus efeitos persistentes, mas eles têm uma árdua batalha junto às pessoas brancas bem-intencionadas que simplesmente se recusam a acreditar que o racismo seja real. A ação afirmativa é uma política, entre muitas, que intenta reparar erros passados. “Mestiços racializados subalternos” e “indivíduos mestiços” certamente farão parte desse esforço para corrigir o racismo. Mas será que eles podem oferecer o tipo de liderança em torno dessas questões, nessa nova era de conflito racial na qual eles se tornam as pessoas que podem transitar por diferentes mundos? Sozinhos, certamente não. Eles precisarão de aliados. Entretanto, pode ter passado o momento para uma nova categoria de liderança de pessoas que se considere capaz de negociar as demandas, frequentemente conflitantes, de grupos racialmente díspares. Em meio ao transcurso de um movimento como o “Black Lives Matter”, não nos resta mais que esperar para ver.

Edna Roland: Você já teve algum contato com o feminismo africano?

Patricia Hill Collins: Não tanto quanto eu gostaria. Certamente, tive conversas individuais substantivas com feministas africanas, mas nunca estudei sistematicamente o feminismo africano. Dada a amplitude do termo, o importante para construir um feminismo africano é que ele responda às necessidades das mulheres na África continental. Minha sensação é que as feministas africanas estão trabalhando em contextos nacionais específicos que, por sua vez, as colocam em uma posição para diálogos que abordam as necessidades específicas das mulheres dentro e entre os cinquenta e quatro países soberanos da África continental. Incluo uma discussão provisória do feminismo africano em bft que reflete as preocupações das feministas africanas em analisar o discurso de gênero produzido no Ocidente. Esses debates começam a se aprofundar e a se expandir para abranger as questões mais amplas da decolonialidade. O livro da socióloga Sylvia Tamale, de Uganda, Decolonization and afro-feminism (Tamale, 2020Tamale, Sylvia. (2020), Decolonization and afro-feminism. Ottawa Canada, Daraja Press.) abre novos caminhos a esse respeito dentro do feminismo africano. Ampliar essa lente para abranger as mulheres na diáspora africana e suas relações com o feminismo negro agrega camadas adicionais de complexidade e de possibilidade.

Meu foco nos últimos anos tem sido o feminismo negro no Brasil, um importante local do feminismo diaspórico africano que, por não se originar nos Estados Unidos, oferece uma âncora importante para o feminismo negro diaspórico. O Brasil se constitui num importante ponto de referência, entre o feminismo africano e o feminismo negro nos Estados Unidos. Para mim, o feminismo negro no Brasil é um projeto que tem uma energia que deriva dessa herança africana, mas que também se baseia na necessidade. Enquanto as necessidades das mulheres negras no Brasil permanecerem não atendidas, a necessidade do feminismo negro persistirá. Tive a sorte de passar um tempo com uma incrível variedade de mulheres negras no Brasil que afirmam sem pejo a negritude e o feminismo. Além disso, é impressionante o alcance do feminismo negro para ultrapassar as fronteiras do ensino superior, das políticas públicas, das artes e do ativismo popular. Existe aqui uma sinergia intelectual e uma energia que faltam nos Estados Unidos. Esse é o tipo de compromisso a que me referi anteriormente, e está profundamente organizado nos diferentes locais, mas também entre gerações. Enquanto as necessidades das mulheres negras no Brasil permanecerem não atendidas, a necessidade do feminismo negro persistirá.

No que concerne a meus laços diretos com o feminismo africano, continuei a tentar aprender o máximo que pude através de trabalhos publicados por feministas africanas, entretanto não diria que tenho cultivado o tipo de rede social com feministas africanas que tenho conseguido no Brasil. Mas estou trabalhando nisso.

Edna Roland: Tenho tido acesso a informações muito interessantes sobre as jovens feministas de Angola, sobre a forma como elas estão discutindo o patriarcado!! ...

Patricia Hill Collins: Agradeço seus comentários sobre as mulheres jovens e o ativismo feminista na África continental. Para ser franca, meu foco no Brasil aumentou minha consciência do feminismo africano, especialmente na diáspora portuguesa. Em novembro de 2018, participei do encontro internacional sobre mulher e feminismo (“Nós Tantas Outras”) organizado pelo Sesc São Paulo. Foi revigorante participar de um evento no Sul Global, que foi organizado e que ocorreu fora dos locais feministas dos Estados Unidos. Em vez de nos reunirmos em um campus universitário ou em um hotel de alto padrão, nossas sessões foram realizadas em diversos locais do Sesc. Passamos um tempo considerável na van, viajando para locais de conferências e discutindo nossos respectivos projetos nas artes, no ativismo, na academia e nas políticas públicas. Fiquei especialmente motivada por minhas conversas informais com mulheres vindas de Moçambique e da Guiné-Bissau. O crescimento do feminismo entre as mulheres jovens não foi um tema destacado na agenda da conferência, mas estimulou algumas conversas de van fascinantes e várias conversas informais. Muitas das participantes descreveram o surgimento do feminismo entre as mulheres jovens e as diferentes maneiras que encontravam para formular essa mensagem feminista em culturas bastante diferentes. Por exemplo, uma mulher apresentou como as mulheres jovens, na China, protestaram contra o assédio nas ruas; não por meio de marchas, petições e manifestações, mas por meio do uso criativo do teatro de rua silencioso. Sem usar palavras, elas comunicaram uma mensagem que condenava o assédio nas ruas de uma forma que dificultava a censura das autoridades. Em nossas conversas, compartilhamos informações sobre como meninas e mulheres jovens estão apresentando respostas criativas às coisas que estão afetando suas vidas. Todas nós precisávamos ouvir umas das outras. Sou muito grata por ter podido participar dessa reunião e agradeço, igualmente, o seu convite para esta entrevista.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2020
  • Aceito
    11 Set 2020
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