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Orientação sobre sexualidade para estudantes de enfermagem

Orientación sobre sexualidad para estudiantes de enfermería

Resumos

OBJETIVO: Identificar a percepção de estudantes do Curso de graduação em Enfermagem sobre atividades voltadas à orientação sexual; estabelecer a forma de desenvolvimento destas atividades junto aos estudantes. MÉTODOS: Trata-se de um estudo descritivo em que se utilizou a análise de conteúdo, realizado junto a uma população constituída por 193 estudantes do Curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. RESULTADOS: 93% dos entrevistados concordaram com atividades voltadas à orientação sexual, e 80% justificaram a necessidade por meio das categorias: contribuição para formação profissional (9%), estereótipos (1%), necessidade de informação (26%), prevenção (4%), cuidar de si para cuidar do outro (13%), autoconhecimento (8%) e dificuldades com o assunto (19%). CONCLUSÃO: Existe interesse dos estudantes de enfermagem por atividades voltadas à discussão da sexualidade humana no espaço acadêmico.

Estudantes de enfermagem; Sexologia; Sexualidade


OBJETIVO: Identificar la percepción de estudiantes del Pregrado en Enfermería sobre actividades dirigidas a la orientación sexual; establecer la forma de desarrollo de estas actividades junto a los estudiantes. MÉTODOS: Se trata de un estudio descriptivo en el cual se utilizó el análisis de contenido, realizado junto a una población conformada por 193 estudiantes del pregrado en Enfermería de la Universidad Federal de Sao Paulo. RESULTADOS: el 93% de los entrevistados concordaron con actividades dirigidas a la orientación sexual, y el 80% justificaron la necesidad por medio de las categorías: contribución a la formación profesional (9%), estereotipos (1%), necesidad de información (26%), prevención (4%), cuidar de sí para cuidar del otro (13%), autoconocimiento (8%) y dificultades con el asunto (19%). CONCLUSIÓN: Existe interés de los estudiantes de enfermería por actividades orientadas a la discusión de la sexualidad humana en el espacio académico.

Estudiantes de enfermería; Sexologia; Sexualidad


OBJECTIVE: To identify the perception of students at the Nursing undergraduate course about sexual orientation activities; to establish how these activities should be developed towards the students. METHODS: This is a descriptive study using content analysis, performed with a population consisting of 193 students of the Nursing undergraduate course of Universidade Federal de São Paulo. RESULTS: 93% of the respondents agreed with sexual orientation activities and 80% justified the necessity through the following categories: contribution for professional education (9%), stereotypes (1%), necessity of information (26%), prevention (4%), taking care of oneself in order to care for the other (13%), self-knowledge (8%) and difficulties with the topic (19%). CONCLUSION: Nursing students are interested in activities focused on the discussion of human sexuality within the academic universe.

Students of nursing; Sexology; Sexuality


ARTIGO ORIGINAL

Orientação sobre sexualidade para estudantes de enfermagem

Orientación sobre sexualidad para estudiantes de enfermería

José Roberto da Silva BrêtasI; Conceição Vieira da Silva OharaII; Isis Distrutti QuerinoIII

IProfessor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

IIProfessora Adjunto da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP -São Paulo (SP), Brasil

IIIEspecialista em Clínica Médica Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: José Roberto da Silva Brêtas R. Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino SP – Cep: 04024-002 E-mail: bretas@ymail.com

RESUMO

OBJETIVO: Identificar a percepção de estudantes do Curso de graduação em Enfermagem sobre atividades voltadas à orientação sexual; estabelecer a forma de desenvolvimento destas atividades junto aos estudantes.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo descritivo em que se utilizou a análise de conteúdo, realizado junto a uma população constituída por 193 estudantes do Curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo.

RESULTADOS: 93% dos entrevistados concordaram com atividades voltadas à orientação sexual, e 80% justificaram a necessidade por meio das categorias: contribuição para formação profissional (9%), estereótipos (1%), necessidade de informação (26%), prevenção (4%), cuidar de si para cuidar do outro (13%), autoconhecimento (8%) e dificuldades com o assunto (19%).

CONCLUSÃO: Existe interesse dos estudantes de enfermagem por atividades voltadas à discussão da sexualidade humana no espaço acadêmico.

Descritores: Estudantes de enfermagem; Sexologia; Sexualidade

RESUMEN

OBJETIVO: Identificar la percepción de estudiantes del Pregrado en Enfermería sobre actividades dirigidas a la orientación sexual; establecer la forma de desarrollo de estas actividades junto a los estudiantes.

MÉTODOS: Se trata de un estudio descriptivo en el cual se utilizó el análisis de contenido, realizado junto a una población conformada por 193 estudiantes del pregrado en Enfermería de la Universidad Federal de Sao Paulo.

RESULTADOS: el 93% de los entrevistados concordaron con actividades dirigidas a la orientación sexual, y el 80% justificaron la necesidad por medio de las categorías: contribución a la formación profesional (9%), estereotipos (1%), necesidad de información (26%), prevención (4%), cuidar de sí para cuidar del otro (13%), autoconocimiento (8%) y dificultades con el asunto (19%).

CONCLUSIÓN: Existe interés de los estudiantes de enfermería por actividades orientadas a la discusión de la sexualidad humana en el espacio académico.

Descriptores: Estudiantes de enfermería; Sexologia; Sexualidad

INTRODUÇÃO

O cuidado em sentido genérico refere-se àqueles atos de assistência, de apoio ou de facilitação para ou por um outro indivíduo ou grupo que mostra necessidades evidentes ou antecipadas, a fim de melhorar uma condição ou modo de vida humano. E o cuidar refere-se às atividades, processos e decisões diretas (ou indiretas) de sustentação e habilidosas com relação a assistir às pessoas, de tal maneira a refletir atributos comportamentais que são enfáticos, de apoio, com compaixão, protetores, de socorro, educacionais e outros, dependentes das necessidades, problemas, valores e metas do indivíduo ou grupo sendo assistido(1).

O ato de cuidar na enfermagem estabelece uma relação muito próxima, íntima muitas vezes, de contato físico intenso e permeado por várias sensações e sentimentos. Esta atuação diretamente sobre o corpo do outro, faz com que a profissional ou estudante de enfermagem entre em contato com as excreções, as dores e os sentimentos do paciente(2).

É mediante o corpo que o indivíduo se faz presente e se relaciona com o mundo, organiza o seu estar no mundo e também é por meio do corpo que a enfermeira toma consciência da sua historicidade, das suas relações com o outro e com o mundo, possibilitando perceber e compreender que o sentido da própria existência não pode ser apreendido ou desvendado sem mediação, e que esta se oferece à nossa compreensão e interpretação por meio do corpo(3).

Acreditamos que o corpo da enfermeira é o mediador do cuidado prestado ao cliente e devido à proximidade estabelecida entre ambos no ato de cuidar, tanto corpo quanto corporalidade se tornam singulares dentro dessa profissão.

Para essa prática a enfermeira ou estudante de enfermagem cerca-se de técnicas para atender as necessidades de cuidado do cliente, proporcionando um processo de inter-relacionamento pelo contato físico, que é traduzido pelo tocar.

As técnicas são importantes para o cuidado do cliente, mas por outra ótica, são sempre utilizadas como mecanismo de defesa pelo enfermeiro. Neste sentido, cabe uma observação, não existe técnica que proteja a pessoa de si mesmo(4).

Com base nestes pressupostos, entendendo que a sexualidade é uma manifestação psicoafetiva individual e social que transcende sua base biológica (sexo) e cuja expressão é normatizada pelos valores sociais vigentes(5), ressaltamos que embora esteja presente em todos os momentos vividos pelo enfermeiro, é, ainda, mantida silenciosa, encoberta ou na invisibilidade(6). Esta invisibilidade e o ocultamento de alguns temas emergentes deste contexto trazem, por si só, uma significação especial. Isto acontece em relação ao tema da sexualidade na formação e na prática do enfermeiro.

Na enfermagem, um sinal de que a sexualidade é tratada como um tabu é a própria carência de estudos, de discussões e de reflexões realizadas em nível acadêmico e na própria prática profissional, além do que, quando viabilizadas, aparecem numa perspectiva biologista, limitada ao planejamento familiar e ao ato sexual enquanto fonte de risco, e não de prazer(6-7).

De forma geral, a sexualidade é um tema ainda muito reprimido pela nossa sociedade e a repressão na educação sexual, desde a infância, acarreta sucessivos "nós" que vão se emaranhando e provocando esmagamento do nosso desenvolvimento e comportamento sexual. Tal situação exige, em geral, certo tempo para ser absorvida e nem sempre se reverte espontaneamente e/ou liberta o indivíduo de sentimentos negativos, que foram incoerentemente introjetados. Neste sentido, a enfermagem insere-se dentro deste contexto sócio-cultural e, portanto, não difere quanto às crenças, mitos e tabus(8).

Assim, citamos um estudo realizado com enfermeiras americanas, em que foram exploradas as percepções das mesmas sobre a sexualidade relacionada ao cuidado do paciente e, os achados expõem as dificuldades com o assunto. O mesmo propõe a introdução do tema sexualidade no currículo das enfermeiras para que estas possam adquirir conhecimento e integrá-lo a sua prática(9).

Motivados pela proposta de sensibilizar os estudantes do Curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em relação ao tema, elaboramos este estudo com a finalidade de reunir subsídios para organização das atividades voltadas à orientação sobre a sexualidade.

OBJETIVOS

Esta pesquisa teve por objetivos: identificar a percepção de estudantes do Curso de graduação em Enfermagem sobre atividades voltadas à orientação sexual; estabelecer a forma de desenvolvimento destas atividades junto aos estudantes.

METODOS

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quanti-qualitativa. A opção por este tipo de estudo foi a de descrever as características de determinada população ou fatos e fenômenos de determinada realidade. O mesmo promove um delineamento da realidade uma vez que esta descreve, registra, analisa e interpreta a natureza atual ou processos dos fenômenos. O enfoque deste método nas condições dominantes da realidade, ou como uma pessoa, grupo ou coisa se conduz ou funciona no presente, emprega, para este fim, a comparação e o contraste. Na resolução de problemas, informa as condições atuais, necessidades e como alcançar resultados(10).

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP, atendendo os padrões estabelecidos pela Resolução n.º 196/96, que trata das Normas de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos(11).

A população do estudo constituiu-se de 193 estudantes, sendo 176 (91%) do sexo feminino e 17 (9%) do sexo masculino, matriculados nas quatro séries do Curso de Graduação em Enfermagem da UNIFESP, que quiseram participar espontaneamente da mesma.

Uma vez que obtivemos a participação dos sujeitos mediante o Termo de Consentimento Livre e Esclareci, para a coleta de dados, optamos pela entrevista semi-estruturada, visto que possibilita uma atmosfera de interação e reciprocidade entre quem entrevista e o entrevistado. A grande vantagem da entrevista sobre as outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. E quando a entrevista é bem sucedida, pode permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e intima, assim como temáticas de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais, o que permite um aprofundamento sobre o assunto pesquisado(12).

Para viabilizar esta etapa da pesquisa, utilizamos algumas variáveis para caracterizar a população estudada: faixa etária, sexo, religião e estado civil; acrescidas da variável de estudo "atividades voltadas à orientação sexual", contemplada por pergunta baseada na concordância ou não dos entrevistados acerca das atividades mencionadas, na justificativa da resposta e na melhor forma de operacionalização das mesmas, assim permitindo um diálogo livre entre o pesquisador e o entrevistado.

Após a entrevista, utilizamos a técnica da Análise de Conteúdo para interpretação do material coletado. A Análise de Conteúdo pode ser definida como um conjunto de técnicas de análise de comunicação, visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção das mensagens(13).

Dentre as técnicas da Análise de Conteúdo, optamos pela análise categorial, que permitiu a realização da análise dos dados por meio da leitura integral dos relatos de cada entrevistado, em que tentamos compreender o interesse ou não sobre a temática. Foram lidos de forma a obter-se um sentido geral do todo de cada relato. Em seguida, realizamos uma releitura de cada relato, buscando identificar elementos estruturadores dos discursos proferidos pelos adolescentes sobre o assunto pesquisado, de forma que pudessem ser decompostos em categorias, proporcionando o eixo para análise dos mesmos.

Para apresentação dos resultados elaboramos dois quadros considerando a diferença de interesse dos estudantes. A partir da análise das descrições de cada categoria, também foram expressos mediante símbolos numéricos.

RESULTADOS

Quanto à faixa etária, a população feminina apresentou-se com 24% de 17 a 20 anos, 55% de 21 a 23 anos e 21% de 24 a 29 anos de idade. Na população masculina temos 24% de 17 a 20 anos, 35% de 21 e 23 anos, e 41% de 24 a 29 anos de idade.

De acordo com os dados coletados, a religião predominante foi a católica com 56%, seguida da espírita com 16%, evangélica com 9%, outras (messiânica, protestante, adventista, luterana e judaica) com 8%, sendo que 2% afirmaram não ter religião e 9% não responderam. Quanto ao estado civil, 94% eram solteiros, 3% casados, 2% em união consensual e 1% divorciado.

Os dados obtidos pela análise de conteúdo revelaram as percepções dos sujeitos do estudo, os quais foram organizados em dois grupos: os que concordavam e os que não concordavam com atividades voltadas à orientação sexual.

Na população entrevistada, 93% concordaram com atividades voltadas orientação da sexualidade. As justificativas apresentadas para a necessidade desta orientação foram agrupadas nas seguintes categorias: contribuição para formação profissional (9%), estereótipos (1%), necessidade de informação (26%), prevenção (4%), cuidar de si para cuidar do outro (13%), autoconhecimento (8%) e dificuldades com o assunto (19%). Desses sujeitos, 20% não apresentaram justificativas

Os estudantes (7%) que não concordaram com as atividades de orientação da sexualidade, justificaram a opinião por meio das categorias: algo desnecessário (4%); exposição (1%); informação suficiente (2%).

Com relação à distribuição da preferência dos estudantes sobre a forma de operacionalização das atividades, verificou-se que 76% dos entrevistados gostariam que a orientação sexual ocorresse de forma individual e em grupo, seguida pela forma individual (13%) e de apenas orientação em grupo (11%).

Quanto à distribuição da opinião da população referente à estratégia para as orientações, a preferência foi discussão em grupo (32%), seguida por oficinas com tema especifico (30%), entrevista (18%), aula expositiva (15%) e outras estratégias (5%). Entre as outras estratégias, foram citadas dinâmicas que permitam o contato com o corpo (tanto o nosso como do outro); dinâmicas coletivas; estudos de temas atuais, baseados em textos lidos pelos próprios discentes; entrevista e discussão com mais de duas pessoas; cada dia uma pessoa do grupo aparece com uma dúvida, depois se desenvolve uma discussão, com conseqüente explicação do professor ou monitor.

A distribuição segundo o local onde as reuniões poderiam ocorrer, a maioria dos respondentes (50%) preferiu as salas de aula do Departamento de Enfermagem como local para o acontecimento das reuniões, seguidos por 40% que preferiam o Centro de Assistência de Enfermagem e 10% que preferiam outro local qualquer.

Com relação ao período para o desenvolvimento das atividades e atendimento, a população, estudada demonstrou preferência para o final da tarde (47%), seguida do horário de almoço (33%), período da tarde (13%) e finalmente, manhã e noite, ambas com 7% das respostas.

Quanto a opinião da população acerca das pessoas responsáveis pelo desenvolvimento das atividades, mostrou o docente e o monitor (estudante) desenvolvendo as atividades juntos (71%), seguidos de somente docente (24%) e apenas estudante (5%).

Quadro 1


Quadro 2


DISCUSSÃO

A categoria contribuição para formação profissional, desvelou na essência das justificativas que um serviço de orientação sobre sexualidade é importante para a formação do profissional enfermeiro, pois educamos constantemente outros ao realizarmos um cuidado, uma atividade educativa, muitas vezes incluindo a orientação sexual. Também sabemos que o tema não é discutido no espaço da graduação de forma adequada, dada a importância que tem dentro das atuais teorias de enfermagem, como a teoria das Necessidades Humanas Básicas, que preconizam o cuidado integral do individuo, o que inclui cuidar da sexualidade.

A sexualidade vem sendo tratada no discurso teórico da enfermagem como uma das necessidades humanas básicas e, portanto, referida como merecedora da atenção no atendimento das necessidades de saúde do ser humano. Mas, na prática, a atenção a ela dispensada encontra-se ancorada na sua função reprodutiva e nos problemas de ordem clinica e patológica. Não há uma discussão crítica e contextualizada que contemple questões ligadas à esfera sócio-cultural da sexualidade humana. Esse silêncio não existe somente no discurso teórico, pois identificamos que o sexo e sexualidade ainda são assuntos considerados tabus no ensino e na pratica da enfermagem(6,14).

Ajudar outra pessoa a crescer é, pelo menos, ajudá-la a cuidar de alguma coisa ou de alguém além de si mesmo. Isso envolve encorajamento e apoio para que possa desenvolver condições para ser capaz de cuidar. Dessa forma, ajudando o indivíduo a cuidar de si próprio, atendendo as suas próprias necessidades de cuidado e responsabilizando-o pela própria vida. Assim, entendemos que a partir da educação e do cuidado do indivíduo em sexualidade, estaremos dando subsídios a ele para cuidar de si, desenvolver autonomia e construir uma vida sexual mais saudável(1).

Na prática dos cuidados de enfermagem, o profissional sempre está em contato com o corpo e a sexualidade do outro, como por exemplo, na realização de procedimentos como banho no leito, higiene oral, higiene intima, sondagem vesical e outros. Diante dessa realidade, uma melhor formação no tema sexualidade contribuiria para o conhecimento do estudante de enfermagem, do cliente que é sujeito dos seus cuidados, minimizando assim algumas dificuldades na relação aluno-paciente e contribuindo para melhor formação profissional.

Alguns estudantes justificaram a importância do serviço, pois "não há nos currículos escolares informação voltada à sexualidade" e "o assunto não é discutido com freqüência na faculdade" e que, não discutir a questão e as dificuldades sentidas em nível da graduação não isenta a enfermeira de se deparar com a sua ocorrência durante a vida profissional, ao contrário, as agravam, tornando as situações mais difíceis para serem resolvidas no dia-a-dia da prática(14).

Há ainda aqueles que acreditam que o serviço de orientação não deveria ser apenas para os estudantes de enfermagem, mas também se estender aos outros cursos do Campus Vila Clementino da UNIFESP, que conta com cinco cursos da área da saúde (Medicina, Enfermagem, Fonoaudiologia, Biomedicina e Tecnologia Oftálmica).

Consideramos esta justificativa muito importante, já que a enfermeira é vista na sociedade com ambigüidade, ora um anjo assexuado desprovido de qualquer tipo de prazer, ora um objeto sexual. Isto se deve ao fato de que a mulher tem sido considerada objeto digno de veneração - ser frágil que deve ser protegido, dirigido, defendido, ser sublime, natureza angelical, como objeto erótico, perigoso, desejado e temido, natureza sedutora, mas demoníaca. Anjo ou demônio são dois estereótipos que encarnam dois dos mitos mais universalmente difundidos a respeito da mulher, o mito da bondade e da maldade femininas (15). Assim, tanto a mulher quanto a enfermeira, e esta duplamente, carregam estereótipos que se confundem e se somam, no caso desta ultima por predominar o gênero feminino na profissão(16). Também há ainda o fato de a mídia colaborar com a perpetuação da figura da enfermeira como objeto sexual, utilizando-se desta sempre em cenas que denigrem a sua imagem e que não condizem com a realidade profissional, como utilização de roupas inadequadas no ambiente de trabalho, troca de afetos e relações com pacientes e outros profissionais da área da saúde.

A mídia tem um forte efeito na visão do público e alegam que a constante falsa representação sobre enfermeiras resulta na imagem negativa formada pelo publico(16-17).

Na categoria necessidade de informação, a maior parte das justificativas tem como essência a falta de esclarecimento e dúvidas em relação ao assunto sexualidade e, dessa forma o serviço seria importante porque esclareceria as dúvidas dos alunos, oferecendo-lhes uma melhor orientação e conseqüentemente, aos pacientes.

Obtivemos, nesta categoria, justificativas voltadas para o futuro profissional, o que consideramos pertinente, já que a área da saúde está em constante desenvolvimento e atualização, desta forma, os alunos estariam melhor preparados para lidarem com a temática.

Há também justificativas que tiveram como base, a falta da figura familiar para conversar a respeito desse assunto e a falta de liberdade com os pais, e mesmo com os amigos para esclarecer dúvidas e, desta forma, o serviço os ajudaria porque entendemos que o aluno possa se sentir melhor com a orientação de um profissional especializado na área de sexualidade e por uma pessoa que não tenha vinculo afetivo.

Dentro da categoria prevenção, obtivemos justificativas que mesmo o profissional da área da saúde tendo informações, está sujeito aos riscos de se contaminar, transmitir Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), ou mesmo de ocorrer uma gravidez não planejada na relação sexual. Assim, observamos que estes alunos gostariam de atividades voltadas à orientação, para aprenderem a prevenir adequadamente as DST e a concepção indesejada.

Na categoria cuidar de si para cuidar do outro, entendemos que a essência das justificativas dos alunos é que para estar apto a cuidar de alguém é necessário primeiro cuidar de si mesmo, ou seja, os alunos têm necessidade de conhecer e entender as questões da sua sexualidade, para posteriormente vir a orientar alguém sobre esse assunto. Neste sentido, construir-se como sujeito ético, cuidar de si, ontologicamente, é a primeira relação; depois, e até como decorrência, pode vir o cuidado do outro, já que quem sabe cuidar de si adequadamente, sabe conduzir-se, encontra-se em condições de conduzir-se na relação com e para o outro(18).

Já na categoria autoconhecimento, os alunos justificaram a importância do serviço de orientação em sexualidade apenas com uma forma de se conhecerem melhor, não necessariamente que o conhecimento de si mesmo influenciaria no seu cuidado e orientação. Segundo Polak(3) as enfermeiras acreditam que é primordial saber quem elas são, como seus corpos e suas mentes agem e, também, que elas necessitam se conhecer primeiro, para depois saber o que significa seu corpo, sua profissão e que características têm seu trabalho, para ela mesma e para os outros.

Entendemos pelos discursos que as atividades de orientação sexual podem ser uma forma de autoconhecimento que, muitas vezes, é prejudicado pela sobrecarga de atividades a que os alunos são submetidos em um curso de tempo integral. Mas entendemos que, a partir do momento em que eles entendem sobre sua própria sexualidade e possuem informações adequadas para educar alguém sobre esse assunto, estarão mais preparados e seguros para orientar alguém, fornecendo melhor cuidado para si e para aquele que é seu cliente.

Salvage(19) refere que a sexualidade é uma parte integral do individuo, qualquer doença tem o potencial de afetá-la. Este autor esboçou exemplos de fatores que afetam a sexualidade, como o processo de doença, drogas, cirurgias e radioterapia, qualquer uma delas pode ter um profundo efeito em um paciente. Os efeitos das alterações na sexualidade podem ser muito complexos por causa dos aspectos inter-relacionados de biologia, sociologia e psicologia que estão envolvidos. Essa complexidade pode trazer dificuldades para estimar o efeito que a doença está tendo, mas pode não impedir as enfermeiras de considerar a sexualidade quando cuidam de seus pacientes. Isto é reforçado quando encontramos, em nosso estudo, que 93% dos estudantes consideram importante um serviço de apoio e orientação sobre sexualidade para estudantes de enfermagem.

Quanto àqueles que não concordaram com a atividade, observamos que na categoria dificuldade com o assunto, muitas justificativas tiveram na sua essência o preconceito com que, muitas vezes, o assunto sexualidade é tratado, seja pelos familiares ou pela sociedade, fazendo com que este assunto continue a ser reservado e sem naturalidade para ser discutido. Assim, essa dificuldade se estende ao cuidado prestado, fazendo com que, muitas vezes, este se torne uma atividade desprazerosa e estressante para quem realiza.

Os discursos existentes na formação, na prática das enfermeiras, e na própria técnica utilizada no cuidado excluem o erótico, o sensual e são carregados de preconceitos, agravando mitos e tabus, criando um clima de proibição sobre o assunto, despertando dúvidas e incertezas, as quais se sobrepõem ao não dito, ao não expressado verbalmente. Isto faz com que cada um haja de acordo com as suas pré-concepções gerando, muitas vezes, constrangimentos, sentimentos de vergonha, de culpa e de hostilidade, tanto para a enfermeira quanto para o outro, na inter-relação no momento do cuidado(20).

Situações desagradáveis envolvem instâncias onde a privacidade é quebrada, e sugerem que isto é um aspecto importante na construção da enfermagem sobre o conceito da sexualidade. Quebras de privacidade ocorrem quando enfermeiras tocam ou chegam muito perto de seus pacientes, ou quando parte do corpo que é tabu é exposto.

Na categoria algo desnecessário, se obteve justificativas com significados variados e analisaremos cada uma separadamente.

Observou-se que ainda existem estudantes que, mesmo cursando a área das ciências da saúde, acreditam que o conceito de sexualidade se esgota no ato sexual, no prazer sexual. Assim, entendemos que, para esses alunos, o serviço funcionaria não apenas como uma orientação em sexualidade, mas também como desvelamento da profissão de enfermeira, pois acreditamos que, nos cuidados de enfermagem, estamos lidando com a sexualidade do cliente constantemente, e assim, também com a nossa sexualidade.

Em outras justificativas entendemos que os estudantes consideravam o assunto sexualidade como individual e reservado, e que o que aprendem nas suas experiências de vida já é suficiente. Sabemos que muitos dos conceitos sobre sexualidade que aprendemos no nosso cotidiano são errôneos, e as conseqüências desse mau aprendizado aparecem nas DST, gravidez não planejada e na transmissão de conceitos errados a outras pessoas. Principalmente por serem futuros profissionais da saúde, é que esses estudantes deveriam buscar informações corretas e confiáveis para orientar o outro, e também aprender que o assunto sexualidade, por mais reservado que seja, necessita ser discutido para se tornar mais natural e compreendido no amplo sentido que possui (biológico, psicológico e social).

Na categoria exposição, observou-se que este estudante se sentiria exposto ao freqüentar um serviço de orientação sobre sexualidade na universidade, mas entendemos que a partir do momento em que estes alunos compreenderem que sexualidade faz parte de cada individuo e que depende também da sua cultura e processo de formação como ser humano, os preconceitos que detém em relação ao serviço de apoio se esgotarão, e esse possa vir a ser considerado como um elemento importante na formação pessoal e profissional.

Na categoria informação suficiente, observou-se que estes alunos acreditam já terem a informação necessária para si e para orientar o outro, considerando o serviço desnecessário.

CONCLUSÃO

Uma análise global deste estudo nos permitiu afirmar que a inclusão da atividade de orientação da sexualidade para estudantes de enfermagem não só contribuirá para formação profissional como também pessoal de cada estudante, seja minimizando os tabus existentes em relação à sexualidade, seja esclarecendo as dúvidas ou sendo uma fonte de informações.

Acreditamos que independentemente da forma como a sexualidade foi abordada na infância e adolescência do indivíduo, a universidade não pode omitir ou marginalizar a discussão do processo da sexualidade humana. Se realmente objetiva e tem o compromisso com a formação do cidadão/ estudante que tenha uma visão holística do ser humano; para tanto, é necessária, a preocupação com a temática na formação desses jovens enquanto indivíduos que precisam se autoconhecer e serão futuros profissionais que irão interagir com outras pessoas.

Também podemos afirmar que a presente pesquisa modestamente contribuirá para a temática, já que existe carência de estudos, de discussões e reflexões em nível acadêmico. Os resultados foram esclarecedores e motivadores, resultando na organização de ações voltadas à orientação sobre sexualidade, como: introdução da temática no conteúdo da disciplina Psicologia Aplicada à Saúde; uma disciplina eletiva; distribuição de preservativos; orientação individual e coletiva mediante a procura dos estudantes interessados pelo assunto.

Artigo recebido em 25/02/2008 e aprovado em 06/06/2008

* Estudo realizado com alunos matriculados do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Autor Correspondente:

    José Roberto da Silva Brêtas
    R. Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino
    SP – Cep: 04024-002
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      06 Jun 2008
    • Recebido
      25 Fev 2008
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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