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Cuidados paliativos no domicílio: percepção de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família

Resumos

OBJETIVO: Compreender a percepção de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família com relação aos cuidados paliativos no domicílio. MÉTODOS: Estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa realizado com nove enfermeiras da Estratégia Saúde da Família do município de Lavras - MG. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo. RESULTADOS: As várias dimensões do cuidado no contexto domiciliar foram identificadas, bem como a atuação e as limitações das enfermeiras no cuidado do paciente em final de vida e de sua família. A capacidade em estabelecer vínculo, pela proximidade com pessoas que recebem seus cuidados, é um ponto marcante da atuação dessas enfermeiras com pacientes e familiares nas situações de final de vida. CONCLUSÃO: As enfermeiras ao considerar o paciente e sua família como unidade de cuidado, têm a oportunidade de compartilhar solidariedade, experiências e aprendizados, não só do ponto de vista profissional, mas, sobretudo, humano.

Programa Saúde da Família; Cuidados paliativos; Enfermagem em saúde pública; Assistência domiciliar


OBJECTIVE: To understand the perception of nurses from the Family Health Strategy in relation to palliative care in the home. METHODS: A descriptive, exploratory study with a qualitative approach conducted with nine nurses from the Family Health Strategy of the municipality of Lavras - MG. Semi-structured interviews were conducted and data were subjected to content analysis. RESULTS: The various dimensions of care in the home context were identified, along with the performance and limitations of nurses in the care of the patient and his family at end of life. The capacity to establish a bond, by the proximity to people who receive their care, is a remarkable point of the action of these nurses with patients and families in end of life situations. CONCLUSION: The nurses consider the patient and his family as the unit of care, they have the opportunity to share solidarity, experiences and learning, not only from a professional standpoint, but above all, from a human one.

Family Health Program; Hospice care; Public health nursing; Home nursing


OBJETIVO: Comprender la percepción de enfermeras de la Estrategia Salud de la Familia respecto a los cuidados paliativos en el domicilio. MÉTODOS: Estudio descriptivo, exploratorio, con abordaje cualitativo realizado con nueve enfermeras de la Estrategia Salud de la Familia del municipio de Lavras - MG. Se llevaron a cabo entrevistas semi estructuradas y los datos se sometieron al Análisis de Contenido. RESULTADOS: Fueron identificadas las diversas dimensiones del cuidado en el contexto domiciliario, así como también la actuación y las limitaciones de las enfermeras en el cuidado del paciente al final de su vida y de su familia. La capacidad para establecer vínculo, por la proximidad con personas que reciben sus cuidados, es un punto marcante de la actuación de esas enfermeras con pacientes y familiares en las situaciones de final de vida. CONCLUSIÓN: Las enfermeras al considerar al paciente y su familia como unidad de cuidado, tienen la oportunidad de compartir solidaridad, experiencias y aprendizajes, no sólo desde el punto de vista profesional, sino también, sobre todo, humano.

Programa de Salud Familiar; Cuidados paliativos; Enfermería en salud pública; Atención domiciliaria de salud


ARTIGOS ORIGINAIS


Cuidados paliativos no domicílio: percepção de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família

IGraduada em Enfermagem pelo Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS (2010). Membro do Grupo de Pesquisa NIPPEL (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto). Mestranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP)

IIProfessora Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (EEUSP), Líder do NIPPEL – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto

IIIEspecialista em Quimioterapia-Oncologia pela Faculdade Oswaldo Cruz, Professora, Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS

IVDoutora em Ciências pela EEUSP, Pesquisadora do NIPPEL – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto, Professora da FMR, Universidade Nove de Julho – UNINOVE

VDoutora em Enfermagem pela EEUSP, Pesquisadora do NIPPEL – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto, Professora, Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO:Compreender a percepção de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família com relação aos cuidados paliativos no domicílio.

MÉTODOS: Estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa realizado com nove enfermeiras da Estratégia Saúde da Família do município de Lavras – MG. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo.

RESULTADOS:As várias dimensões do cuidado no contexto domiciliar foram identificadas, bem como a atuação e as limitações das enfermeiras no cuidado do paciente em final de vida e de sua família. A capacidade em estabelecer vínculo, pela proximidade com pessoas que recebem seus cuidados, é um ponto marcante da atuação dessas enfermeiras com pacientes e familiares nas situações de final de vida.

CONCLUSÃO:As enfermeiras ao considerar o paciente e sua família como unidade de cuidado, têm a oportunidade de compartilhar solidariedade, experiências e aprendizados, não só do ponto de vista profissional, mas, sobretudo, humano.

Descritores: Programa Saúde da Família; Cuidados paliativos; Enfermagem em saúde pública; Assistência domiciliar

INTRODUÇÃO

Atualmente existe uma preferência por parte das famílias e dos doentes pelos cuidados paliativos serem dispensados no domicílio, aliada à tendência de mudanças na sociedade, que leva de volta às famílias a responsabilidade dos cuidados aos doentes que estão morrendo. Desse modo, o cuidado no fim da vida tem se tornado uma competência necessária para os serviços de atenção primária à saúde, principalmente pela proximidade que o cuidado na comunidade proporciona entre as equipes profissionais, os doentes e as famílias(1).

Conhecendo a percepção das enfermeiras da Estratégia Saúde da Família (ESF) com relação aos cuidados paliativos no domicílio, acredita-se ser possível identificar os significados que estes atribuem ao processo de cuidar de pacientes em fase de final de vida, bem como as possíveis estratégias que facilitam ou que dificultam a sua interação com a família durante o cuidado, permitindo assim traçar futuros programas para qualificar recursos humanos de forma instrumentalizada, para de fato prestarem o cuidado ao paciente e sua família.

Nesse sentido, ajudar os indivíduos com doenças crônicas e sem possibilidades curativas, bem como, seus familiares na fase avançada da doença e no final de vida nos remetem a um modelo terapêutico que vem sendo denominado Cuidados Paliativos.

Cuidados paliativos podem ser definidos como o cuidado ativo e total prestado ao paciente cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. Consistem em um cuidado diferenciado que visa à prevenção e alívio do sofrimento por meio da identificação precoce, da adequada avaliação e tratamento da dor e de outros sintomas físico psicossociais e espirituais, promovendo a qualidade de vida do paciente e de seus familiares(2)..

No Brasil, algumas normas foram subsidiando e estimulando a criação e implementação de serviços que prestam esse tipo de cuidados. Dentre elas, pode-se citar a Portaria nº 19 de 03 de janeiro de 2002, que amplia a inserção de Cuidados Paliativos instituindo no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos, dispondo no art.1º, item b a afirmação: "estimular a organização de serviços de saúde multidisciplinar para a assistência a pacientes com dor e que necessitam de Cuidados Paliativos"(3,4)..

Ante este contexto nacional, nota-se uma tendência em transferir o paciente fora de possibilidades terapêuticas de cura do ambiente hospitalar para o domicílio(5) com o propósito de tornar a morte mais humanizada e natural.

Desta forma, é indispensável a formação de recursos humanos capacitados para tal prática. Contudo, a escassez de cursos e uma discreta formação relacionada aos cuidados paliativos na graduação e na pós-graduação nas diversas áreas de saúde, mesmo em oncologia (especialidade em que mais se observa o desenvolvimento dos cuidados paliativos) geram um cenário desafiador, no qual existe muito o que fazer em termos de pesquisa, de ensino, de organização de serviços e de formação de recursos humanos(5-7).. Ressalta-se que o foco do cuidado ainda recai sobre os aspectos fisiológicos, como resultados da forte cultura biomédica e, consequentemente, os aspectos relacionados à família e às questões de ordem social, emocional e espiritual que nem sempre são percebidos como prioridade (8)..

Considerando que a enfermeira da Estratégia Saúde da Família deve ter qualificação e perfil diferenciados, no sentido de enfatizar sua assistência na inter-relação equipe/comunidade/família(9)., a abordagem do diálogo aberto torna-se a chave para que essas profissionais dispensem o cuidado de modo efetivo, na vigência de uma doença que ameaça a vida, sendo necessário, portanto, além de conhecimentos gerais sobre a doença, habilidades específicas para envolver-se e comunicar-se com o paciente e a família(10)..

O objetivo deste estudo foi compreender a percepção de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família (ESF) sobre o cuidado domiciliar prestado ao indivíduo e sua família, dentro da perspectiva dos Cuidados Paliativos.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório com abordagem qualitativa, realizado no município de Lavras – MG. Este município conta com 17 equipes de ESF, sendo uma enfermeira por equipe. De maneira aleatória foi estabelecida a ordem para realização das entrevistas. O número de participantes foi se configurando em razão da análise de seus depoimentos, uma vez que se verificou a repetição e ausência de novos dados, além de uma crescente compreensão dos temas identificados, estabelecendo a saturação teórica dos dados (11)..

Nove enfermeiras foram entrevistadas e voluntariamente aceitaram participar da pesquisa, no período entre janeiro e julho de 2010; estas tinham idade entre 24 e 44 anos; tempo de formação de 1 ano a 11 anos e tempo de atuação em ESF de 4 meses a 10 anos.

Em um primeiro momento, foi realizada a aproximação com os sujeitos da pesquisa por meio de contato telefônico; nessa ocasião, discutiu-se com as participantes o objetivo do projeto para obtenção do aceite para participação no estudo.

Posteriormente, foram agendadas entrevistas para apreensão dos relatos a respeito dos cuidados paliativos no ambiente domiciliar, sendo feitas entrevistas semiestruturadas, combinando perguntas fechadas e abertas por meio de um roteiro, orientado pelo objetivo da pesquisa, abordando aspectos do cuidado ao paciente e à família no contexto domiciliar.

As questões que nortearam a pesquisa foram as seguintes:

1. Você já passou pela experiência de cuidar de um paciente em final de vida como enfermeiro de PSF?

2. Em caso afirmativo: Conte-me como foi essa experiência. Quais foram suas ações de cuidado nessa situação? Quais foram as principais necessidades do paciente atendidas? O que você considera que poderia ser melhorado na assistência desse paciente?

3. Em caso negativo: Se você tivesse um paciente em final de vida sob seus cuidados, quais seriam suas ações de cuidado nessa situação?

4. Para os dois casos: Como foi a sua formação com relação à morte e aos cuidados de final de vida? Qual é seu papel como enfermeira nos Cuidados Paliativos? Qual sua opinião de levar o paciente para morrer em casa?

As entrevistas foram agendadas e realizadas nas unidades de Estratégia Saúde da Família onde cada uma das entrevistadas trabalhava. Realizou-se a gravação da entrevista para posterior transcrição e análise dos discursos. Ressalta-se que a participação no estudo foi voluntária e, antes de cada entrevista, foi explicitado o objetivo do trabalho. A seguir, foi solicitado que a entrevistada lesse e assinasse o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde do município e pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS (CAAE – 0025.0.189.000-09).

Os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo, utilizando a técnica de Análise Temática, que requer o desmembramento do texto em unidades temáticas, tomando como base os objetivos do estudo. A Análise Temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência significam alguma coisa para o objetivo analítico visado(12)..

As falas das entrevistadas foram apresentadas por meio de um código composto pela palavra "Enfermeira", seguido de um número de 1 a 9, determinado de acordo com a sequência de realização das entrevistas, para garantia de seu anonimato.

RESULTADOS

Com base na análise dos discursos, foi possível identificar as categorias expostas a seguir.

Decisão de levar o paciente para o domicílio

No geral, a decisão de levar o paciente para morrer em casa é tomada pelo médico que o acompanha durante a internação hospitalar. No entanto, a família e o paciente, quando consciente, podem questionar a decisão do médico, porém, as entrevistadas afirmaram que os pacientes na situação de final de vida não devem permanecer em hospitais.

"Em unidade terapêutica quem vai decidir é o médico que está assistindo ele [paciente] no hospital" (Enfermeira 4).

De acordo com as entrevistadas, para que a família possa levar o paciente em final de vida para receber os cuidados em sua casa, é necessário que ela tenha estrutura para o cuidado e também aceite a condição de inevitabilidade da morte do paciente. Para as enfermeiras, é benéfico ao paciente permanecer no seio familiar na situação de final de vida, porém, elas apontam que é difícil para a família se responsabilizar pelos cuidados que o paciente necessita.

"Você acompanha a família, se ela tem estrutura e aceita ficar com o paciente em casa, é melhor ficar em casa" (Enfermeira 3).

Desejos do paciente em final de vida

A concordância da família de levar o paciente para casa está pautada, sobretudo em seu desejo manifestado de morrer em casa. Diante disso, quando o médico propõe à família sua transferência para casa, este percebe-se diante da possibilidade de atender a um desejo do paciente, antes de sua morte.

"O desejo dela [da paciente] não era ficar no hospital, de forma alguma" (Enfermeira 3).

Outro aspecto apontado, diz respeito ao desejo do paciente de receber ou não medicações para o tratamento da dor intensa que, no geral, é feito com o uso de opioides. As entrevistadas apontaram seu importante respeitar o desejo do paciente, quando ele recusa essas medicações em razão da sedação que elas provocam, considerando o desejo do paciente de ficar lúcido nos últimos momentos de sua vida.

"Ela [paciente] não aceitava medicação para dor forte... não queria medicação forte, pra dor com medo dessa deixar ela sedada" (Enfermeira 3).

Papel e limitações da Estratégia Saúde da Família

As entrevistadas apontaram que a ideologia da ESF não é oferecer um aporte home care ao paciente e sua família. O suporte que a equipe oferece-lhes é de suma importância, porém, as enfermeiras ressaltaram que os familiares não podem deixar todo o cuidado ao paciente sob a responsabilidade da equipe, pois esta não tem condições de oferecer esse tipo de cuidado, tendo em vista a demanda e os objetivos da ESF. Nesse sentido, o papel da ESF, na perspectiva das enfermeiras participantes do estudo, consiste no suporte à família, capacitando-a para oferecer os cuidados de que o paciente necessita.

"... não tem como a gente ficar lá [no domicílio] o tempo todo" (Enfermeira 7).

"A gente ajuda no banho, olha os medicamentos, se tem tomado ou não, se tiver algum curativo a gente faz também e presta todas as orientações para o resto do dia e da noite" (Enfermeira 5).

No entanto, observou-se uma grande preocupação das enfermeiras com relação ao tempo disponível da equipe para proporcionar uma assistência adequada ao paciente e à sua família. Várias são as limitações da ESF, tais como: falta de tempo dos profissionais e horário de funcionamento da ESF, ou seja, nos finais de semana e feriados o paciente e a família não têm a quem recorrer.

"Nós fazemos nossa parte dentro de nossas possibilidades, mas nós somos limitados, porque a gente não está aqui 24 horas. O PSF só funciona 8 horas em dias úteis. Então, tem final de semana, tem feriado, tem a noite que a gente não está aqui" (Enfermeira 5).

Cuidados com a família

As enfermeiras consideraram a importância de um cuidado equivalente tanto ao paciente como a seus familiares. A família exerce um papel fundamental no cuidado ao paciente em fase final de vida e, nesse sentido, deve estar preparada para cuidar dele na ausência dos profissionais da ESF. Por essa razão, é necessário que a equipe trabalhe, para que a família permaneça estruturada durante todo o processo de final de vida do paciente.

"O aporte da família é tão importante quanto o do paciente" (Enfermeira 1).

O envolvimento com a família inicia-se com as visitas domiciliárias e, a partir desse momento, as enfermeiras conhecem o ambiente, observam as reações de cada indivíduo e investigam as necessidades do paciente e da família. Assim, elas se veem em uma posição mais favorável para oferecer um cuidado que atenda às reais demandas da família.

"Se envolver com a família, saber como essa família está, a gente tenta dar um aporte emocional, envolvendo a família, orientando sobre toda a situação" (Enfermeira 2).

As entrevistadas ressaltaram a importância de explicar aos familiares a real situação do paciente. Assim, a equipe oferece informações a respeito do estágio da doença, soluciona dúvidas e tenta antecipar para a família, o que poderá acontecer com o paciente, para que esta possa se preparar para a morte.

"Eu procuro estabelecer o diálogo, estar orientando, estar sempre orientando o que está acontecendo com o paciente, explicando o que pode vir a acontecer, preparando a família para o futuro" (Enfermeira 6).

Vínculo com o paciente e família

Com base nas entrevistas, observou-se que os pacientes em final de vida necessitam de uma assistência equivalente àquela dispensada a um indivíduo que tenha possibilidade de cura. Dessa forma, as enfermeiras consideraram o respeito, a atenção e o carinho sentimentos fundamentais proporcionados ao paciente em final de vida e sua família. Por meio deles, os profissionais demonstram aos seus pacientes que eles têm importância e que são seres humanos, ou seja, proporcionam um cuidado emocional a essas pessoas.

"não é porque ele [paciente] está ali em final de vida que eu vou fazer de qualquer jeito. Eu cuido como de qualquer outra pessoa, tomando todos os cuidados" (Enfermeira 2).

"Conversando com ela [paciente], porque ela não tinha com quem conversar e ela gostava de contar casos. Então, além do curativo, a gente também oferecia um apoio emocional a ela. Conversava, dava atenção" (Enfermeira 9).

Por intermédio das visitas domiciliárias, as enfermeiras conseguem instituir um vínculo com o paciente e a família, isto é, a interação paciente/família e enfermeiro inicia-se baseada nas conversas estabelecidas entre eles. Esse vínculo permite que a enfermeira sinta-se segura para detectar e para atender as necessidades do paciente e da família na situação de final vida e, assim, o cuidado torna-se individualizado.

"Tem este lado bom do vínculo, o lado que a gente cria mesmo uma intimidade com o paciente e com a família" (Enfermeira 4).

Trabalho em equipe multidisciplinar

O conteúdo das entrevistas evidenciou a importância da integralização das ações dos diversos profissionais da equipe multidisciplinar: enfermeiro, médico, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, agente comunitário de saúde, técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem, para que o paciente e sua família possam manter os cuidados de final de vida em casa.

"A gente tem que estar sempre trabalhando em equipe, porque sozinho a gente não chega a lugar nenhum" (Enfermeira 5).

As entrevistadas ressaltaram ainda que a enfermeira e o médico são os profissionais que têm maior contato com o paciente e sua família, sendo importante também a atuação do nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, os agentes, os técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem.

"Enfermeiro e médico têm mais contato com o paciente e a família. O psicólogo nem é da equipe, ele é do Núcleo de Apoio da Saúde da Família. Mas quem está mais de frente com essa situação sou eu enfermeira e a médica, a gente que conversa mais com a família" (Enfermeira 4).

O psicólogo é apontado como importante na situação de um paciente em final de vida, porém, não são todas as ESFs que possuem esse profissional, assim, as enfermeiras assumem o cuidado emocional do paciente dentro de suas possibilidades.

"... nós não temos um psicólogo para estar trabalhando com a gente" (Enfermeira 8).

"Então, a gente faz da forma que a gente pode, na realidade, o ideal seria que toda a equipe tivesse um psicólogo, que é quem sabe fazer toda a abordagem cognitiva e emocional do paciente" (Enfermeira 1).

Redes de apoio

Quando o paciente permanece em casa no final de vida, além do suporte familiar, ele também tem a oportunidade de receber o apoio de sua família extensa e de seus amigos, para que possa enfrentar a inevitabilidade da morte. Além dessas pessoas, o paciente e a família também podem contar com o apoio da equipe da ESF, quando ocorre alguma intercorrência com o paciente.

"Os amigos conversavam e tentavam fazer com que ela [paciente] aceitasse a situação" (Enfermeira 3).

As entrevistadas apontaram ainda a importância da religiosidade e da participação dos membros da comunidade religiosa do paciente para que ele se sinta acolhido e perceba que não está sozinho durante o processo de morrer.

"... não só a religião católica, tinha gente que vinha, tinha o pessoal que passava na casa, passava Testemunha de Jeová..." (Enfermeira 3).

Na situação em que o paciente não tem o apoio da família nos cuidados e/ou mora sozinho, os vizinhos e amigos são as pessoas que o ajudam nos momentos difíceis. Nessas condições, as orientações quanto aos cuidados com o paciente são passadas às pessoas que estão com ele no momento da visita, tais como: vizinhos, amigos, sobrinhos, entre outros.

"O paciente ficava em casa por conta de um vizinho, de um amigo" (Enfermeira 5).

Formação acadêmica relacionada aos cuidados de final de vida

As entrevistadas apontaram que, embora o assunto morte e morrer tenha sido discutido durante sua formação acadêmica, a maior abordagem ainda está na área curativa, ou seja, a maior parte da formação enfoca como restabelecer a saúde do paciente. As enfermeiras relataram que puderam aprender sobre a importância do respeito e do cuidado individualizado nas situações de final de vida, porém, informaram que tiveram pouco contato com esse tipo de paciente durante a sua formação acadêmica, enfatizando a importância do componente experiencial, e não apenas teórico, nas situações de final de vida.

"A gente não tem uma formação prática, quando a prática acontece é que a gente realmente começa a aprender" (Enfermeira 4).

"Experiência, experiência a gente vai ganhando de acordo com as situações que você vai vivendo, que vai acompanhando" (Enfermeira 3).

DISCUSSÃO

Os dados demonstraram que, no geral, a decisão de levar o paciente para morrer em casa é tomada pelo médico que o acompanha, durante a internação hospitalar. Além disso, após a avaliação clínica do paciente no serviço hospitalar, no momento da alta, os familiares raramente recebem informações claras a respeito da doença, orientação e/ou apoio para proporcionarem o cuidado no domicílio e tampouco recebem referência sobre um serviço de apoio para continuar o tratamento, após a alta(13)..

O cuidado do paciente durante o processo de morrer no domicílio é uma experiência difícil e desgastante para o enfermeiro, sobretudo pela falta de habilidade para lidar com famílias e pela falta de disponibilidade dos recursos tecnológicos(14).. De acordo com as enfermeiras, não é papel da ESF disponibilizar os mesmos recursos tecnológicos de um hospital ou serviço de home care. No entanto, a equipe, em especial, o enfermeiro, deve ter como objetivo atender às demandas do paciente em situação de final de vida. Aspectos como a promoção do conforto e melhora na qualidade de vida são primordiais para garantir a dignidade e autonomia do paciente, envolvendo também a família nesse cuidado.

Um dos aspectos propostos pelos Cuidados Paliativos é o controle de sintomas e, dentre eles, a dor. Para o controle da dor, medicações como opioides podem ser utilizadas. Contudo, os dados mostram certo receio por parte dos pacientes em utilizar opioides, em razão de seu efeito sedativo. Assim, as enfermeiras evidenciaram a importância de respeitar o desejo do paciente em receber ou não essas medicações pela sedação que elas provocam. Dessa forma, quanto mais se respeita a autonomia do paciente e a participação dos familiares na discussão da evolução do quadro clínico e condutas terapêuticas, maior será o sucesso da humanização do cuidado prestado ao paciente em final de vida(15)..

A assistência da ESF ao paciente e à família inicia-se baseada na convivência com essas pessoas. Desta forma, as enfermeiras, com sua equipe, organizam o espaço domiciliar onde o cuidado será desenvolvido(14).. Contudo, para que o paciente possa receber os cuidados de final de vida em casa, é necessário que a família também se responsabilize por esses cuidados.

O trabalho multidisciplinar da ESF também assume fundamental importância para a abordagem da saúde da família, em especial na assistência domiciliar, que envolve os profissionais, o paciente e seus familiares. No entanto, muitos profissionais realizam suas práticas de modo individualizado e, muitas vezes, visualizando a família como mera receptora e fornecedora de informações(16)..

As dificuldades enfrentadas pelos familiares dos pacientes fora das possibilidades terapêuticas no domicílio podem estar relacionadas com a falta de informação em relação à doença e ao prognóstico, com a situação financeira, com o conflito entre o sentimento de quem cuida e de quem é cuidado, com a falta de conhecimento sobre a própria doença, entre outros. Estas dificuldades podem se tornar mais intensas ou minimizadas por meio de informações básicas sobre o cuidado(17).. Os discursos das enfermeiras assemelham-se ao descrito na literatura, isto é, elas também acreditam que as dificuldades enfrentadas pelos familiares poderiam ser menores, se soubessem antecipadamente as possíveis situações que podem ocorrer com o paciente, e como o cuidador pode agir frente a cada uma delas.

O choro e a voz dos familiares do paciente na situação de final de vida exteriorizam sentimentos e são formas de desabafo, que promovem sensação de alívio(18).. As enfermeiras também acreditam que o conforto e o amparo à família podem ser oferecidos por meio de uma boa conversa, dos diálogos e da escuta. Dessa maneira, a família sente-se mais segura e à vontade em se abrir com a profissional.

Geralmente, os enfermeiros têm contato com as bases teóricas para o cuidado de pacientes em final de vida, porém, esses profissionais demonstram baixa assimilação desse saber teórico à prática profissional. As ações da maioria desses profissionais são resultados de suas vivências adquiridas na prática cotidiana do trabalho(19).. Isso evidencia que o currículo da graduação em Enfermagem nas faculdades não tem subsidiado qualitativamente a formação de um saber voltado ao cuidado nas situações de morte e morrer.

Desse modo, é um desafio para a ESF centrar na lógica da produção do cuidado, visto que se traduz no trabalho orientado aos problemas, às necessidades e à qualidade de vida do usuário(20).. São ações que, além de contemplarem os procedimentos necessários, como curativo, sondagem, buscam integrar as relações humanas, o vínculo e o acolhimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo possibilitou compreender a percepção das enfermeiras da ESF no cuidado domiciliar à pessoa que necessita de tratamento paliativo e à sua família. Por meio dessas percepções, desvelaram-se categorias que poderão subsidiar o cuidado efetivo do paciente e de sua família durante o processo de morrer no contexto domiciliar.

Os dados evidenciaram que a decisão de levar o paciente para morrer em casa é tomada pelo médico que o assiste durante a internação hospitalar, ficando evidente a pouca participação do paciente e de sua família no que diz respeito ao processo de tomada de decisão relacionado às ações com os pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura.

Neste trabalho, foi possível compreender que a capacidade de estabelecer vínculo, pela proximidade com as pessoas que recebem os cuidados, é um ponto marcante da atuação da enfermeira da ESF com pacientes e familiares nas situações de final de vida. Pela proximidade com a família, a enfermeira percebe novas possibilidades de cuidar e aprende novos caminhos da assistência em saúde, com base em sua prática profissional.

Ao considerar o paciente e sua família como unidade de cuidado, as enfermeiras têm a oportunidade de compartilhar solidariedade, experiências e aprendizados, não só do ponto de vista profissional mas, sobretudo, humano.

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    Michelle Freire BalizaI; Regina Szylit BoussoII; Vívian Marina Calixto Damasceno SpineliIII; Lucía SilvaIV; Kátia PolesV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      16 Jun 2011
    • Aceito
      07 Jun 2012
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