Resumo
Objetivo
Avaliar a influência do álcool na adesão à terapia antirretroviral e qualidade de vida de pessoas com HIV.
Métodos
Estudo transversal investigou 114 pessoas com HIV utilizando o Teste de Identificação de Problemas Relacionados ao Uso do Álcool (AUDIT), Questionário Para Avaliação da Adesão ao Tratamento Antirretroviral (CEAT-VIH) e Instrumento World Health Organization Quality of Life Instrument - HIV Bref (WHOQOL-HIV Bref).
Resultados
Observou-se adesão adequada à terapia (63,2%) e consumo de baixo risco de álcool (89,4%). Houve associação significativa entre o uso nocivo do álcool e o histórico prévio de uso dessa substância (p=0,03). Os domínios Físico (p=0,01) e de Relações Sociais (p=0,01) da qualidade de vida foram afetados pelo consumo de risco do álcool.
Conclusão
O baixo uso do álcool não trouxe repercussões negativas sobre a adesão à terapia antirretroviral, porém, o uso nocivo do álcool alterou domínios da qualidade de vida.
HIV; Alcoolismo/terapia; Alcoolismo/complicações; Qualidade de vida; Terapia antirretroviral de alta atividade
Abstract
Objective
To evaluate the influence of alcohol on adherence to antiretroviral therapy, and quality of life, of HIV-infected individuals.
Methods
A cross-sectional study investigated 114 people with HIV using the Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT), a Questionnaire to Assess the Compliance to Antiretroviral Treatment (CEAT-VIH), and the World Health Organization Quality of Life Instrument - HIV Bref (WHOQOL-HIV Bref).
Results
Adequate adherence to therapy (63.2%) and low alcohol consumption (89.4%) were observed. There was a significant association between the harmful use of alcohol and the past history of use of this substance (p=0.03). The Physical (p=0.01) and Social Relations (p=0.01) domains of quality of life were affected by at-risk alcohol consumption.
Conclusion
Low alcohol use did not have negative repercussions on adherence to antiretroviral therapy; however, the harmful use of alcohol altered domains of quality of life.
HIV; Alcoholism/therapy; Alcoholism/complications; Quality of life; Antiretroviral therapy, highly active
Introdução
Os avanços na área da saúde e implementação de medidas preventivas e de controle da infecção pelo HIV reduziram a detecção de novos casos de Aids, mas em contrapartida, entre as pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA) houve um aumento do consumo de substâncias que causam dependência11. Soboka M, Tesfaye M, Feyissa GT, Hanlon C. Alcohol use disorders and associated factors among people living with HIV who are attending services in south west Ethiopia. BMC Res Notes. 2014; 7(828). e repercutem na vida social, econômica e psicológica dessa população.22. Molina PE, Bagby GJ, Nelson S. Biomedical consequences of alcohol use disorders in the HIV-infected host invited review. Curr HIV Res. 2014; 12(4):265-75.
O uso de álcool por PVHA está relacionado a um pior prognóstico, com aumento da morbidade e mortalidade,33. Schwitters A, Sabatier J, Seth P, Glenshaw M, Remmert D, Pathak S, et al.HIV and alcohol knowledge, self-perceived risk for HIV, and risky sexual behavior among young HIV-negative men identified as harmful or hazardous drinkers in Katutura, Namibia. BMC Public Health. 2015; 15(1):e1182. comportamentos sexuais de alto risco, aceleração da progressão da doença, baixa adesão à terapia antirretroviral (TARV), declínio dos linfócitos T CD4+ e aumento da carga viral, além da propagação da infecção pelo HIV, pois pessoas alcoolizadas estão mais propensas a manterem relações sexuais desprotegidas, favorecendo a transmissão do vírus.33. Schwitters A, Sabatier J, Seth P, Glenshaw M, Remmert D, Pathak S, et al.HIV and alcohol knowledge, self-perceived risk for HIV, and risky sexual behavior among young HIV-negative men identified as harmful or hazardous drinkers in Katutura, Namibia. BMC Public Health. 2015; 15(1):e1182.,44. Marshall BD, Operario D, Bryant KJ, Cozinheiro RL, Edelman EJ, Gaither JR, et al. Drinking trajectories among HIV-infected men who have sex with men: a cohort study of United States veterans. Drug Alcohol Depend. 2015; 148: 69-76.
Muitas PVHA utilizam o álcool por este atuar em seu estado mental, proporcionando alívio do estresse, decorrente do estigma e preconceito.55. Kekwaletswe CT, Morojele NK. Alcohol use, antiretroviral therapy adherence, and preferences regarding an alcohol-focused adherence intervention in patients with human immunodeficiency virus. Patient Prefer Adherence. 2014; 8:401-13.Destaca-se também que o uso abusivo dessa substância e de outras drogas influenciam negativamente na Qualidade de Vida (QV).66. Cunha GH, Fiuza ML, Gir E, Aquino OS, Pinheiro AK, Galvao MT. Quality of life of men with AIDS and the model of social determinants of health. Rev Lat Am Enfermagem. 2015; 23(2):183-91. Esta pode ser descrita como uma expressão subjetiva, que abrange diversas áreas, incluindo as relações sociais, o meio ambiente e o espiritual, variando de indivíduo para indivíduo e que depende do estado de saúde, sendo um produto da interação de diferentes áreas da vida do ser humano.44. Marshall BD, Operario D, Bryant KJ, Cozinheiro RL, Edelman EJ, Gaither JR, et al. Drinking trajectories among HIV-infected men who have sex with men: a cohort study of United States veterans. Drug Alcohol Depend. 2015; 148: 69-76.,77. Mutabazi-Mwesigire D, Katamba A, Martin F, Seeley J, Wu AW. Factors that affect quality of life among people living with HIV attending an urban clinic in Uganda: a cohort study. PLoS One. 2015; 10(6):e0126810.
Diante do exposto, considerando o aumento do consumo de álcool entre as PVHA e,33. Schwitters A, Sabatier J, Seth P, Glenshaw M, Remmert D, Pathak S, et al.HIV and alcohol knowledge, self-perceived risk for HIV, and risky sexual behavior among young HIV-negative men identified as harmful or hazardous drinkers in Katutura, Namibia. BMC Public Health. 2015; 15(1):e1182.
4. Marshall BD, Operario D, Bryant KJ, Cozinheiro RL, Edelman EJ, Gaither JR, et al. Drinking trajectories among HIV-infected men who have sex with men: a cohort study of United States veterans. Drug Alcohol Depend. 2015; 148: 69-76.-55. Kekwaletswe CT, Morojele NK. Alcohol use, antiretroviral therapy adherence, and preferences regarding an alcohol-focused adherence intervention in patients with human immunodeficiency virus. Patient Prefer Adherence. 2014; 8:401-13. portanto suas possíveis repercussões sobre a adesão à TARV e qualidade de vida, delineou-se esse estudo com o objetivo de avaliar o efeito do álcool na adesão à terapia antirretroviral e na qualidade de vida de pessoas com HIV.
Métodos
Estudo transversal, com abordagem quantitativa, desenvolvido em ambulatório de infectologia de um serviço de saúde universitário em Fortaleza, Ceará, Brasil, desenvolvido de maio a novembro de 2015 com pessoas vivendo com HIV.
Para atender aos objetivos do estudo, uma amostra foi dimensionada, adotou-se grau de confiança de 95%, prevalência presumida de 0,50, à população de 160 e ao erro tolerável (0,05), sendo calculada uma amostra de 114 pacientes.
Os critérios de inclusão foram indivíduos com HIV, ambos os sexos, idade igual ou maior a 18 anos e em uso de TARV por pelo menos seis meses. Os critérios de exclusão envolveram: doença mental, gravidez, reclusão em penitenciárias e moradores de casa abrigo.
A coleta de dados ocorreu em ambiente privativo, por meio de entrevista, com duração média de 60 minutos, utilizando-se o Formulário Sociodemográfico e Clínico, Teste de Identificação de Problemas Relacionados ao Uso do Álcool (AUDIT), Cuestionario para La Evaluación de La Adhesiónal Tratamiento Antiretroviral (CEAT-VIH) e o World Health Organization Quality of Life Instrument - HIV Bref.
O Formulário Sociodemográfico e Clínico contempla as variáveis: sexo, idade, cor, escolaridade, estado civil, orientação sexual, mora com parceiro, religião, situação ocupacional, renda familiar mensal, tempo de TARV, contagem de linfócitos TCD4+, carga viral, histórico de uso de álcool e outras drogas ilícitas.
O Teste de Identificação de Problemas Relacionados ao Uso do Álcool (AUDIT) foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde e validado no Brasil.88. Lima CT, Freire AC, Silva AP, Teixeira RM, Farrell M, Prince M. Concurrent and construct validity of the AUDIT in an urban Brazilian sample. Alcohol Alcohol. 2005; 40(6):584-9. Identifica bebedores de risco e investiga o padrão de consumo alcoólico nos últimos 12 meses, mediante 10 itens, que abrangem três domínios teóricos: Consumo de álcool; dependência do consumo de álcool; consequências adversas do consumo de álcool. Há possibilidade de uma resposta para cada pergunta, de modo que os escores variam de zero (0) a 40 pontos.99. Moretti-Pires RO, Corradi-Webster CM. [Adaptation and validation of the alcohol use disorder identification test (AUDIT) for the riverside population of the interior of the Amazon]. Brasil. Cad Saúde Pública. 2011; 27(3):497-509. Portuguese.Adotou-se como ponto de corte o escore ≥ 8 para definir o uso arriscado ou prejudicial do álcool, ou seja, baixo risco (< 8) e uso de risco (≥ 8).33. Schwitters A, Sabatier J, Seth P, Glenshaw M, Remmert D, Pathak S, et al.HIV and alcohol knowledge, self-perceived risk for HIV, and risky sexual behavior among young HIV-negative men identified as harmful or hazardous drinkers in Katutura, Namibia. BMC Public Health. 2015; 15(1):e1182.
O questionário para avaliação da adesão ao tratamento antirretroviral (CEAT-VIH), validado no Brasil1010. Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. [Brazilian adaptation of the “Assessment of Adherence to Antiretroviral Therapy Questionnaire]. Rev Saúde Pública. 2007; 41(5):685-94. Portuguese.possui 20 itens, entre os quais17 apresentam respostas do tipo Likert, pontuadas de um a cinco e três itens apresentam respostas dicotômicas (sim/não), tendo como valor mínimo 17 e máximo 89. Os graus de adesão foram classificados em dois grupos: adesão adequada, cujo escore bruto é ≥ 75 e adesão inadequada, aqueles com escore ≤ 74.
O Instrumento de Avaliação da QV, o World Health Organization Qualityof Life Instrument - HIV Bref (WHOQOL-HIV Bref) validado no Brasil, possui 31 questões e está divido em seis domínios: I - Físico, II - Psicológico, III - Nível de independência, IV - Relações sociais, V - Meio ambiente, VI - Espiritualidade/religião/crenças, além da faceta geral de QV e percepção geral da saúde.1111. Zimpel RR, Fleck MP. Quality of life in HIV-positive Brazilians: application and validation of the WHOQOL-HIV, Brazilian version. AIDS Care. 2007; 19(7):923-30.,1212. Pedroso B, Gutierrez GL, Duarte E, Pilatti LA, Picinin CT. Quality of life assessment of HIV/AIDS carriers: an overview of the WHOQOL HIV and WHOQOL-HIV-BREF instruments. Rev Fac Ed Fis UNICAMP. 2012; 10(1):50-69. Portuguese. Os escores entre 4 e 9,9 representam percepção inferior acerca da Qualidade de Vida, de 10 a 14,9, percepção intermediária, e de 15 a 20, superior.1313. Ferreira BE, Oliveira IM, Paniago AM. [Quality of life of HIV/AIDS carriers and their relationship with CD4 + lymphocytes, viral load and time of diagnosis]. Rev Bras Epidemiol. 2012; 15(1):75-84. Portuguese.,1414. Passos SM, Souza LD. An evaluation of quality of life and its determinants among people living with HIV/AIDS from Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2015; 31(4):800-14.
Para a análise das características sociodemográficas e clínicas e a descrição dos escores de AUDIT, QV e CEAT-VIH, foi utilizada a estatística descritiva, (frequência simples, medidas de tendência central) e medidas de dispersão (desvio-padrão, mínimo e máximo). Todas as correlações executadas utilizaram o coeficiente de correlação de Spearman. As escalas foram avaliadas quanto à correlação inter-itens (alfa de Cronbach) cuja variação é de 0 a 1, quanto mais próximo de 1, maior a consistência interna.
Realizou-se uma análise de associação entre a escala de AUDIT e as variáveis sociodemográficas e clínicas pelo método de Fisher e foi definida a razão de chance pelo método de Odds Ratio. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney para a comparação entre duas médias do AUDIT e do WHOQOL-HIV Bref. A Correlação de Spearman foi empregada para relacionar a classificação do AUDIT com a adesão segundo a CEAT-VIH. Em todos os casos, o nível de significância estabelecido foi de 0,05 (5%).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Ceará, sob protocolo nº 1.003.964.
Resultados
Das 114 pessoas com HIV, houve maior frequência do sexo masculino (54,4%), com idades entre 30 e 50 anos (81,5%), heterossexuais (74,5%), com até 12 anos de estudo (86,8%), pardos (53,5%), católicos (62,2%), vivendo com parceiro(a)(45,6%), empregados (52,6%), renda familiar entre um e dois salários mínimos por mês (43,8%), sendo o salário mínimo vigente na época do estudo de R$ 788,00. Com relação aos dados clínicos, a maior proporção apresentava contagem de linfócitos T CD4+ superior a 300 células/mm3 (79,0%) e carga viral inferior a 50 cópias/ml (81,5%).
Sobre o uso do álcool, 44,8% reportaram história de consumo e 19,3% de drogas ilícitas. Quanto à classificação do uso de álcool, 102 (89,4%) PVHA eram usuárias de baixo risco (média ± desvio padrão: 1,6 ± 2,0; mediana: 1; mínimo: 0; máximo: 7). No entanto, 12 (10,5%) pacientes tinham uso de risco do álcool (média ± desvio padrão: 12,5± 5,7; mediana: 10,5; mínimo: 8; máximo: 27). A correlação inter-itens (Alfa de Cronbach) do questionário AUDIT, apresentou 0,844, demonstrado um elevado índice de consistência. As informações sobre o uso de álcool e sua relação com as características sociodemográficas da população estão descritas na tabela 1.
Em relação à adesão à TARV, 42 (36,8%) apresentaram adesão inadequada. Quanto à correlação entre a classificação do uso de álcool e a adesão, 66 (64,7%) pessoas com baixo risco do uso de álcool apresentaram adesão adequada (média ± desvio padrão: 1,8 ± 2,0) enquanto 36 (35,3%) apresentaram adesão inadequada (média ± desvio padrão:1,2 ± 2,0), das 12 (10,5%) pessoas que apresentaram consumo de risco para o álcool, 6 (50%) apresentaram adesão adequada (média ± desvio padrão: 14,0 ± 7,4) e 6 (50%) adesão inadequada (média ± desvio padrão: 11,0 ± 3,5). Não houve correlação estatisticamente significante entre a classificação AUDIT e a adesão segundo a CEAT-VIH (Correlação de Spearman: 0,095; P=0,32).
Os domínios do WHOQOL-HIV Bref estão apresentados na tabela 2. Por sua vez, a associação entre os domínios desse instrumento e do AUDIT está demonstrada na tabela 3.
Discussão
Em virtude do advento da TARV e a cronicidade da Aids, PVHA tendem a se envolver em comportamentos de risco, tais como o uso de substâncias que causam dependência e que podem influenciar negativamente na sua condição de saúde.1515. Rego SR, Oliveira CF, Rego DS, Santos RF, Silva VB. [Study of self-report of adherence and problematic use of alcohol in a population of individuals with AIDS using HAART]. J Bras Psiquiatr. 2011; 60(1):46-9. Portuguese.
Em relação à história pregressa de uso de álcool, quase metade dos participantes reportaram contato prévio com essa substância. O álcool influencia negativamente na condição de saúde e na adesão ao tratamento, além de aumentar o risco de transmissão do vírus e de relações sexuais desprotegidas.1616. Wandera B, Tumwesigye NM, Nankabirwa JI, Kambugu AD, Parkes-Ratanshi R, Mafigiri DK, et al. Alcohol consumption among HIV-infected persons in a large urban HIV clinic in Kampala Uganda: a constellation of harmful behaviors. PLoS One. 2015; 10(5):e0126236.Em outro estudo realizado com pacientes em uso de TARV, a frequência do consumo de álcool e de bebedores de risco foi de 33,0%, portanto, superior ao da presente amostra.1515. Rego SR, Oliveira CF, Rego DS, Santos RF, Silva VB. [Study of self-report of adherence and problematic use of alcohol in a population of individuals with AIDS using HAART]. J Bras Psiquiatr. 2011; 60(1):46-9. Portuguese. Já em outra pesquisa, o percentual de pacientes em uso de álcool foi de 5,2%, valor mais próximo ao desta amostra.1616. Wandera B, Tumwesigye NM, Nankabirwa JI, Kambugu AD, Parkes-Ratanshi R, Mafigiri DK, et al. Alcohol consumption among HIV-infected persons in a large urban HIV clinic in Kampala Uganda: a constellation of harmful behaviors. PLoS One. 2015; 10(5):e0126236.
O histórico de uso de álcool teve relação significativa com o seu atual uso nocivo, demonstrando a importância de se investir em estratégias ampliadas de prevenção do consumo do álcool que envolvam as esferas política e social. Essas ações devem incluir a participação da família, da escola e dos serviços de saúde em busca de evitar o início precoce do uso de álcool na infância e na adolescência a partir da sensibilização sobre os impactos negativos dessa substância no âmbito social, financeiro e na saúde.1717. Zalaf MR, Fonseca RM. [Problematic use of alcohol and other drugs in student housing: meet to face]. Rev Esc Enferm USP. 2009; 43(1):132-8. Portuguese.
A história prévia de uso de drogas ilícitas não teve relação com o consumo de risco do álcool, divergindo de outro estudo.1818. Tran BX, Nguyen LT, Do CD, Nguyen QL, Maher RM. Associations between alcohol use disorders and adherence to antiretroviral treatment and quality of life amongst people living with HIV/AIDS. BMC Public Health. 2014; 14:27. No Brasil o consumo de álcool é legalmente aceito e culturalmente incentivado, enquanto o consumo de outras drogas é ilegal.1717. Zalaf MR, Fonseca RM. [Problematic use of alcohol and other drugs in student housing: meet to face]. Rev Esc Enferm USP. 2009; 43(1):132-8. Portuguese.Isso pode justificar a menor proporção de indivíduos entrevistados que mencionou história prévia de uso de drogas e, consequentemente a ausência da associação entre o consumo prévio de drogas e o uso nocivo do álcool.
Quanto aos marcadores de progressão da doença, indivíduos que fazem uso de bebidas alcoólicas apresentaram menor contagem de linfócitos T CD4+ e maior carga viral.1818. Tran BX, Nguyen LT, Do CD, Nguyen QL, Maher RM. Associations between alcohol use disorders and adherence to antiretroviral treatment and quality of life amongst people living with HIV/AIDS. BMC Public Health. 2014; 14:27. Tem-se que os pacientes com contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/mm33. Schwitters A, Sabatier J, Seth P, Glenshaw M, Remmert D, Pathak S, et al.HIV and alcohol knowledge, self-perceived risk for HIV, and risky sexual behavior among young HIV-negative men identified as harmful or hazardous drinkers in Katutura, Namibia. BMC Public Health. 2015; 15(1):e1182.tem maiores chances de serem menores consumidores de álcool, enquanto os indivíduos com carga viral indetectável são mais propensos a fazerem uso de bebidas alcoólicas.11. Soboka M, Tesfaye M, Feyissa GT, Hanlon C. Alcohol use disorders and associated factors among people living with HIV who are attending services in south west Ethiopia. BMC Res Notes. 2014; 7(828).
Com relação à adesão ao tratamento farmacológico, observou-se que a maioria dos pacientes teve adesão adequada à TARV, divergindo de pesquisas prévias.1919. Kader R, Govender R, Seedat S, Koch JR, Parry C. Understanding the impact of hazardous and harmful use of alcohol and/or other drugs on arv adherence and disease progression. PLoS One. 2015; 10(5):e0125088.
20. Yaya I, Landoh DE, Saka B, Wasswa P, Aboubakari A-s, N’Dri MK, et al. Predictors of adherence to antiretroviral therapy among people living with HIV and AIDS at the regional hospital of Sokodé, Togo. BMC Public Health. 2014; 14: 1308.-2121. Galvão MT, Soares LL, Pedrosa SC, Fiuza ML, Lemos LA. [Quality of life and adherence to antiretroviral medication in people with HIV]. Acta Paul Enferm. 2015; 28(1):48-53. Portuguese.Esse resultado pode estar relacionado ao fato de somente 12 indivíduos dessa pesquisa terem sido classificados como em uso nocivo de álcool, provavelmente decorrente do pequeno número de pessoas.
Além disso, essa evidência alerta para a necessidade da equipe multidisciplinar realizar a busca ativa dos indivíduos que não comparecem às consultas de rotina, com vistas a identificar e intervir nos casos em que a ausência no serviço se relaciona ao uso nocivo do álcool. Como se adverte, o acolhimento da equipe de saúde deve ser livre de preconceito ou julgamento de valor, com ênfase em ações que minimizem ou reduzam as consequências adversas do uso de álcool, sem necessariamente exigir abstinência.2222. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Cuidado integral às pessoas que vivem com HIV pela Atenção Básica Manual para a equipe multiprofissional. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2015.40p.
Pacientes em uso de TARV e que consomem álcool são significativamente mais propensos a parar ou esquecer de tomar alguma dose da terapia antirretroviral.1919. Kader R, Govender R, Seedat S, Koch JR, Parry C. Understanding the impact of hazardous and harmful use of alcohol and/or other drugs on arv adherence and disease progression. PLoS One. 2015; 10(5):e0125088.,2020. Yaya I, Landoh DE, Saka B, Wasswa P, Aboubakari A-s, N’Dri MK, et al. Predictors of adherence to antiretroviral therapy among people living with HIV and AIDS at the regional hospital of Sokodé, Togo. BMC Public Health. 2014; 14: 1308. Além disso, alguns pacientes deixam de fazer uso dos medicamentos para ingerir bebidas alcoólicas nos finais de semana,2323. Silva JA, Dourado I, Brito AM, Silva CA. [Factors associated with non adherence to antiretrovirals in adults with AIDS in the first six months of therapy in Salvador, Bahia, Brazil]. Cad Saúde Pública. 2015; 31(6):1188-98. Portuguese. consequentemente, não alcançam a supressão viral completa e são mais suscetíveis à resistência viral.2424. Chibanda D, Benjamin L, Weiss HA, Abas M. Mental, Neurological, and Substance Use Disorders in People Living With HIV/AIDS in Low- and Middle-Income Countries. J Acquir Immune Defic Syndr. 2014; 67(1):54-67. De forma geral, o uso de álcool é um forte preditor de falhas na adesão medicamentosa e piora no desfecho clínico de PVHA.22. Molina PE, Bagby GJ, Nelson S. Biomedical consequences of alcohol use disorders in the HIV-infected host invited review. Curr HIV Res. 2014; 12(4):265-75.,1616. Wandera B, Tumwesigye NM, Nankabirwa JI, Kambugu AD, Parkes-Ratanshi R, Mafigiri DK, et al. Alcohol consumption among HIV-infected persons in a large urban HIV clinic in Kampala Uganda: a constellation of harmful behaviors. PLoS One. 2015; 10(5):e0126236.,2525. Williams EC, Bradley KA, Balderson BH, McClure JB, Grothaus L, Mccoy K, et al. Alcohol and associated characteristics among older persons living with hiv on antiretroviral therapy. Subst Abus. 2014; 35(3):245-53.
O consumo do álcool e de outras substâncias que causam dependência em PVHA pode desencadear competições e interações com os antirretrovirais e alterar a sua proteína de ligação, uma vez que o etanol compete com os medicamentos nas ligações das isoenzimas do processo de metabolização. Assim, esses consumidores podem ter maior risco de toxicidade e terapia ineficaz, devido à concentração inadequada do fármaco no plasma.2626. Kumar S, Rao P, Earla R, Kumar A. Drug-drug interactions between anti-retroviral therapies and drugs of abuse in HIV systems. Expert Opin Drug Metab Toxicol. 2015; 11(3):343-55.
O presente estudo identificou associação estatística entre o uso de risco do álcool e os domínios Físico e de Relações Sociais do instrumento WHOQOL-HIV Bref, semelhante a outro estudo.1818. Tran BX, Nguyen LT, Do CD, Nguyen QL, Maher RM. Associations between alcohol use disorders and adherence to antiretroviral treatment and quality of life amongst people living with HIV/AIDS. BMC Public Health. 2014; 14:27.O domínio Físico avalia a dor, o desconforto, a energia,a fadiga, o sono e o repouso de PVHA, enquanto o domínio Relações Sociais avalia as relações pessoais, o apoio social, a atividade sexual e a inclusão social desses indivíduos.1414. Passos SM, Souza LD. An evaluation of quality of life and its determinants among people living with HIV/AIDS from Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2015; 31(4):800-14. Esse achado reafirma os impactos negativos já conhecidos do uso nocivo do álcool sob os domínios físico, social e cognitivo.2727. Oliveira AL, Gonçalves FM, Cabral RW, Borges LS, Cruz CA, Cabral HW. [The impacts on the attentional capacity in workers who use drugs]. Rev Bras Med Trab. 2016; 14(2):84-8. Portuguese.
Quando há a presença de redes sociais de apoio e o envolvimento familiar, observa-se a redução do estigma e preconceito imposto pela doença e a consequente melhoria da QV de PVHA.2828. Srisorrachatr S, Zaw SL, Chamroonsawasdi K. Quality of life among women living with HIV/AIDS in Yangon, Myanmar. J Med Assoc Thai. 2013; 96 Suppl 5:S138-45. Além disso, o emprego, a presença de parceiro, as melhores condições socioeconômicas e o tempo de uso da TARV estão relacionados com as melhores pontuações nas diferentes dimensões do instrumento de avaliação da QV.2929. Tran BX, Ohinmaa A, Mills S, Duong AT, Nguyen LT, Jacobs P, et al. Multilevel predictors of concurrent opioid use during methadone maintenance treatment among drug users with HIV/AIDS. PLoS One. 2012; 7(12):e51569.
A interferência nos domínios Físico e de Relações Sociais pode comprometer a continuidade do tratamento do HIV,1515. Rego SR, Oliveira CF, Rego DS, Santos RF, Silva VB. [Study of self-report of adherence and problematic use of alcohol in a population of individuals with AIDS using HAART]. J Bras Psiquiatr. 2011; 60(1):46-9. Portuguese.,2323. Silva JA, Dourado I, Brito AM, Silva CA. [Factors associated with non adherence to antiretrovirals in adults with AIDS in the first six months of therapy in Salvador, Bahia, Brazil]. Cad Saúde Pública. 2015; 31(6):1188-98. Portuguese. na medida em que altera a capacidade do indivíduo de cuidar de si mesmo, além de dificultar o oferecimento do suporte social por parte da família, dos amigos e dos profissionais de saúde.2828. Srisorrachatr S, Zaw SL, Chamroonsawasdi K. Quality of life among women living with HIV/AIDS in Yangon, Myanmar. J Med Assoc Thai. 2013; 96 Suppl 5:S138-45. Isso traz como consequências dificuldades no comparecimento às consultas de acompanhamento, na realização dos exames rotineiros e na tomada dos antirretrovirais. Essas situações de risco podem tornar a PVHA em uso nocivo do álcool mais suscetível à ocorrência de infecções oportunistas e à morte.22. Molina PE, Bagby GJ, Nelson S. Biomedical consequences of alcohol use disorders in the HIV-infected host invited review. Curr HIV Res. 2014; 12(4):265-75.,1616. Wandera B, Tumwesigye NM, Nankabirwa JI, Kambugu AD, Parkes-Ratanshi R, Mafigiri DK, et al. Alcohol consumption among HIV-infected persons in a large urban HIV clinic in Kampala Uganda: a constellation of harmful behaviors. PLoS One. 2015; 10(5):e0126236.,2525. Williams EC, Bradley KA, Balderson BH, McClure JB, Grothaus L, Mccoy K, et al. Alcohol and associated characteristics among older persons living with hiv on antiretroviral therapy. Subst Abus. 2014; 35(3):245-53.
De forma geral, o uso de álcool tem-se mostrado como um forte preditor de falhas na adesão medicamentosa e piora no desfecho clínico de PVHA, quando comparado com os pacientes que não fazem consumo de bebidas alcoolicas.22. Molina PE, Bagby GJ, Nelson S. Biomedical consequences of alcohol use disorders in the HIV-infected host invited review. Curr HIV Res. 2014; 12(4):265-75.,1717. Zalaf MR, Fonseca RM. [Problematic use of alcohol and other drugs in student housing: meet to face]. Rev Esc Enferm USP. 2009; 43(1):132-8. Portuguese.,2727. Oliveira AL, Gonçalves FM, Cabral RW, Borges LS, Cruz CA, Cabral HW. [The impacts on the attentional capacity in workers who use drugs]. Rev Bras Med Trab. 2016; 14(2):84-8. Portuguese. Assim, quanto maior o consumo de álcool, maior o índice de não adesão à TARV.1616. Wandera B, Tumwesigye NM, Nankabirwa JI, Kambugu AD, Parkes-Ratanshi R, Mafigiri DK, et al. Alcohol consumption among HIV-infected persons in a large urban HIV clinic in Kampala Uganda: a constellation of harmful behaviors. PLoS One. 2015; 10(5):e0126236.,2020. Yaya I, Landoh DE, Saka B, Wasswa P, Aboubakari A-s, N’Dri MK, et al. Predictors of adherence to antiretroviral therapy among people living with HIV and AIDS at the regional hospital of Sokodé, Togo. BMC Public Health. 2014; 14: 1308.
Sobre a correlação entre uso do álcool, qualidade de vida e adesão à TARV, um estudo mostrou que pacientes que não eram consumidores de álcool e em uso de TARV tiveram 1,69 mais chances de melhor qualidade de vida quando comparado com aqueles que faziam uso dessa substância. Assim, o uso de álcool teve uma associação negativa significativa com a qualidade de vida global.77. Mutabazi-Mwesigire D, Katamba A, Martin F, Seeley J, Wu AW. Factors that affect quality of life among people living with HIV attending an urban clinic in Uganda: a cohort study. PLoS One. 2015; 10(6):e0126810.
O uso do álcool influencia negativamente os marcadores de progressão da doença, causando piora no quadro clínico, ocasionando a soroconversão para a Aids e o consequente aumento da mortalidade.1818. Tran BX, Nguyen LT, Do CD, Nguyen QL, Maher RM. Associations between alcohol use disorders and adherence to antiretroviral treatment and quality of life amongst people living with HIV/AIDS. BMC Public Health. 2014; 14:27. Além disso, as PVHA em uso de álcool são mais propensas ao uso de maior número de medicamentos, fator que diminui a qualidade de vida.1313. Ferreira BE, Oliveira IM, Paniago AM. [Quality of life of HIV/AIDS carriers and their relationship with CD4 + lymphocytes, viral load and time of diagnosis]. Rev Bras Epidemiol. 2012; 15(1):75-84. Portuguese.
Apesar dos instrumentos aplicados terem demonstrado boa consistência interna, uma limitação do estudo consistiu na inclusão de indivíduos ativos no acompanhamento em saúde e o número reduzido de participantes. Para futuros estudos, recomenda-se a busca ativa dos indivíduos com baixa adesão com vistas a identificar aqueles cujo comprometimento da adesão se relaciona ao uso nocivo do álcool. Ressalta-se também a necessidade de implementação de estudos de intervenção e de ações nos serviços de saúde direcionadas à prevenção do uso de álcool e à redução de danos.
Conclusão
Nesse estudo, a maioria das PVHA apresentava consumo de baixo risco para o uso de álcool, adesão adequada adesão à TARV e boa qualidade de vida. O baixo uso do álcool não trouxe repercussões negativas sobre a adesão à terapia antirretroviral ou qualidade de vida. Porém, o uso nocivo do álcool alterou domínios da qualidade de vida que são imprescindíveis para a continuidade do tratamento, indicando a importância do apoio social entre PVHA com consumo de risco para essa substância.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan 2017
Histórico
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Recebido
7 Dez 2016 -
Aceito
10 Fev 2017