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Erros na administração de medicamentos via parenteral: Perspectiva dos técnicos de enfermagem

Errores en la administración de medicamentos por vía parenteral: perspectiva de los técnicos de enfermería

Resumo

Objetivo:

Analisar a compreensão dos técnicos de enfermagem sobre os erros e eventos adversos relacionados a administração de medicamentos via parenteral.

Métodos:

Estudo de abordagem qualitativa, descritivo e exploratório. Realizado com 25 técnicos de enfermagem em um hospital universitário do Nordeste no período de março a junho de 2017. Para coleta dos dados, utilizou-se um roteiro de entrevista com perguntas abertas. Na análise de dados utilizou-se o método da Classificação Hierárquica Descendente através do software IRAMUTEQ e para análise de conteúdo optou-se pela técnica de análise temática de Minayo.

Resultados:

Na análise da Classificação Hierárquica Descendente foram obtidas cinco classes, a partir delas emergiram as categorias: Compreensão dos técnicos de enfermagem sobre erros de medicação; Compreensão dos técnicos de enfermagem sobre eventos adversos; Fatores associados e estratégias de prevenção de erros e eventos adversos; e Conduta diante da ocorrência de erros e eventos adversos.

Conclusão:

Os técnicos de enfermagem mostraram que sua compreensão sobre eventos adversos é limitada ao conceito de reações adversas, entendem que a sua ocorrência está atrelada não somente a falta de atenção, mas também a fatores extrínsecos como sobrecarga de trabalho, número considerável de pacientes e dimensionamento inadequado, e reconhecem a importância da comunicação e notificação nesse processo para a melhoria da segurança do paciente.

Descritores
Erros de medicação; Vias de administração de medicamentos; Técnicos de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Segurança do paciente

Resumen

Objetivo:

Analizar la comprensión de los técnicos de enfermería sobre los errores y eventos adversos relacionados con la administración de medicamentos por vía parenteral.

Métodos:

Estudio de enfoque cualitativo, descriptivo y exploratorio. Realizado con 25 técnicos de enfermería en un hospital universitario del Nordeste de Brasil en el período de marzo a junio de 2017. Para la recolección de datos se utilizó una entrevista con preguntas abiertas. En el análisis de datos se utilizó el método de clasificación jerárquica descendente a través del software IRAMUTEQ, y para el análisis de contenido se optó por la técnica de análisis temático de Minayo.

Resultados:

En el análisis de la clasificación jerárquica descendente se obtuvieron cinco clases, de las cuales surgieron las siguientes categorías: Comprensión de los técnicos de enfermería sobre errores de medicación, Comprensión de los técnicos de enfermería sobre eventos adversos, Factores asociados y estrategias de prevención de errores y eventos adversos, y Conducta ante episodios de errores y eventos adversos.

Conclusión:

Los técnicos de enfermería demostraron que su comprensión sobre eventos adversos está limitada al concepto de reacciones adversas, entienden que los incidentes están vinculados no solo a la falta de atención, sino también a factores extrínsecos como sobrecarga de trabajo, número considerable de pacientes y dimensionamiento inadecuado, y reconocen la importancia de la comunicación y notificación en este proceso para mejorar la seguridad del paciente.

Descriptores
Errores de Medicación; Vías de administración de medicamentos; Enfermeros no diplomados; Atención de enfermeira; Seguridad del paciente

Abstract

Objective:

To analyze the nursing technicians' understanding of errors and adverse events related to parenteral medication administration.

Methods:

This is a qualitative, descriptive and exploratory study conducted with 25 nursing technicians at a university hospital in Northeastern Brazil, between March and June 2017. An interview script with open questions was used for data collection. In the data analysis, the Descending Hierarchical Classification method was used through the IRAMUTEQ software. Minayo's thematic analysis technique was chosen for content analysis.

Results:

In the analysis of the Descending Hierarchical Classification, five classes were obtained, from which the following categories emerged: Nursing technicians' understanding of medication errors; Nursing technicians' understanding of adverse events; Associated factors and strategies for preventing errors and adverse events; and Conduct before the occurrence of errors and adverse events.

Conclusion:

Nursing technicians showed that their understanding of adverse events is limited to the concept of adverse reactions. They understand that its occurrence is linked not only to lack of attention but also to extrinsic factors such as work overload, a considerable number of patients and inadequate dimensioning. They recognize the importance of communication and notification in this process for improving patient safety.

Keywords
Medication errors; Drug administration routes; Licensed practical nurses; Nursing care; Patient safety

Introdução

A segurança do paciente é o ato de evitar, prevenir ou reduzir os eventos adversos (EA) ou lesões geradas no processo de atendimento médico-hospitalar e domiciliar.(11. Silva AA, Silva JF, Santos JR, Avelino FV, Santos MR, Machado PA. Patient safety in the hospital context: an integrative literature review. Cogitare Enferm. 2016;21(5):1–9.) Sabe-se que EA são incidentes que resultam em dano ao paciente com comprometimento da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer efeito dele oriundo, podendo ser físico, social ou psicológico.(22. Duarte SC, Stipp MA, da Silva MM, de Oliveira FT. Adverse events and safety in nursing care. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):136–46.)

Os EA podem ser consequências de erros, estes definidos como a incapacidade de concluir uma ação planejada e/ou o uso de um plano incorreto. De acordo com o modelo do queijo suíço proposto por James Reason para explicação dos erros, os mesmos ocorrem devido a falhas ativas (a nível operacional) e latentes (dentro do sistema organizacional). Para aumentar a segurança e reduzir a ocorrência de erros e EA são necessárias barreiras voltadas para a prevenção dos dois tipos de falhas.(33. Reason J. Human error: models and management. BMJ. 2000 Mar;320(7237):768–70.)

Estudo realizado no Brasil sobre EA que resultaram em óbitos registrados no Sistema de Notificação para Vigilância Sanitária evidenciou 63.933 eventos no período de junho/2014 a junho/2016, destes 0,6% evoluíram para óbito, o tipo de notificação predominante foi relacionada a falhas durante a assistência à saúde (49,6%).(44. Maia CS, Freitas DR, Gallo LG, Araújo WN. Notificações de eventos adversos relacionados com a assistência à saúde que levaram a óbitos no Brasil, 2014-2016. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(2):e2017320.)

A nível internacional, pesquisa realizada em seis hospitais Belgas mostrou que foram encontrados 465 EA nos 830 registros de pacientes, destes 46% considerados evitáveis e os principais foram relacionados a terapia medicamentosa (25,6%).(55. Marquet K, Claes N, De Troy E, et al. One fourth of unplanned transfers to a higher level of care are associated with a highly preventable adverse event: a patient record review in six Belgian hospitals. Crit Care Med. 2015;43(5):1053–1061.) No México, estudo multicêntrico apontou que entre os 137 EA reportados pelo pessoal da enfermagem, em sete instituições, 75% poderiam ser evitados.(66. Zárate-Grajales R, Olvera-Arreola S, Hernández-Cantoral A, Hernández Corral S, Sánchez-Angeles S, Valdez Labastida R, et al. Factores relacionados con eventos adversos reportados por enfermería en unidades de cuidados intensivos. Proyecto multicêntrico. Enferm Univ. 2015;12(2):63–72.) Outro estudo realizado em unidades cirúrgicas na Espanha, encontrou prevalência de 36,8% EA, com 0,5 eventos por paciente e 56,2% evitáveis.(77. Pérez Zapata AI, Gutiérrez Samaniego M, Rodríguez Cuéllar E, Andrés Esteban EM, Gómez de la Cámara A, Ruiz López P. Detection of adverse events in general surgery using the “ Trigger Tool” methodology. Cir Esp. 2015;93(2):84–90.)

Na perspectiva de evitar complicações indesejadas a saúde do paciente durante a assistência de enfermagem, destaca-se o cuidado especial com a via de administração parenteral. Esse procedimento abrange mais do que a injeção de um fármaco e deve ser realizado por profissionais que conhecem os aspectos fundamentais para a execução da técnica, a equipe de enfermagem. É realizado com frequência pelos técnicos de enfermagem e tem potencial de causar dano ao paciente, portanto, medidas de segurança e prevenção de erros devem ser adotadas.(88. Pinheiro ML, Freitas RF, Resille DP, Campos TS. Administração de medicamentos por via parenteral: uma revisão. Conexão Ciênc. 2016;11(1):153–8.)

Para evitar tais consequências indesejadas, as instituições de saúde têm se preocupado em adotar práticas de segurança do paciente.(22. Duarte SC, Stipp MA, da Silva MM, de Oliveira FT. Adverse events and safety in nursing care. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):136–46.) Assim, têm-se como questão norteadora do estudo: Qual a perspectiva dos técnicos de enfermagem acerca dos erros e eventos adversos na administração de medicação via parenteral? Para tanto, objetivou-se analisar a compreensão dos técnicos de enfermagem sobre os erros e eventos adversos relacionados a administração de medicamentos via parenteral.

Métodos

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, descritiva e de caráter exploratório, no qual utilizou-se o guia internacional Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) e foram atendidos os 32 domínios buscando garantir a cientificidade. A pesquisa foi realizada em um Hospital Universitário do Nordeste, caracterizado por ofertar serviços de alta e média complexidade, 32 especialidades médicas, possuir 190 leitos de internação, 15 de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e dez salas cirúrgicas. A coleta de dados ocorreu no período de março a junho de 2017.

Os participantes foram os técnicos de enfermagem lotados em unidades assistenciais do referido hospital: admissão, internação, centro cirúrgico e UTI. Em uma amostra qualitativa ideal o número de participantes é definido quando os dados além de apresentar, na avaliação do pesquisador, redundância ou repetição, refletem as múltiplas dimensões do fenômeno estudado,(99. Minayo MC. Sampling and saturation in qualitative research: consensuses and controversies. Rev Pesq Qualitativa. 2017;5(7):1–12.) desse modo, a amostra final, selecionada por conveniência, foi composta por 25 técnicos de enfermagem, de um total de 412 profissionais que trabalham em regime celetista e carga horária semanal de 36 horas. Foram incluídos os técnicos de enfermagem que não estavam afastados no período de coleta dos dados por motivos de licenças diversas e excluídos aqueles com tempo de trabalho inferior a seis meses.

Os dados foram produzidos por meio da aplicação de um roteiro de entrevista com perguntas abertas sobre os seguintes tópicos relacionados à medicação parenteral: entendimento sobre erro de medicação/ EA; fatores que contribuem para os erros na aplicação/ EA; estratégias que podem minimizar a ocorrência de erros de medicação/ EA; condutas tomadas diante de um erro de medicação/ EA; vivência de ocorrência de algum erro/EA de medicação.

Inicialmente realizou-se uma ambientação e verificou-se que o instrumento não precisaria de modificações para o entendimento dos participantes. Estes foram convidados presencialmente pela pesquisadora a contribuir com a pesquisa no seu local de trabalho, posteriormente as entrevistas foram realizadas em local e horário acordados. A pesquisadora responsável pela condução foi devidamente treinada, esta é pertencente a um grupo de pesquisa sobre segurança do paciente com experiência de pesquisa na área. As recusas que houveram se deram pela justificativa de falta de tempo. As entrevistas duraram em média 15 minutos, foram gravadas em áudio digital e seguidamente transcritas na íntegra, destaca-se que não houve presença de não participantes e não existiu necessidade de realizar entrevistas repetidas.

Para o processamento dos dados utilizou-se o software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Texteset et de Questionnaires). Este software executa diferentes processamentos de análise estatística sobre corpus textuais, neste estudo optou-se pelo método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que categorizou os textos em classes de acordo com seus respectivos vocabulários, nessa distribuição obteve-se segmentos de texto que se assemelhavam e diferiam das demais classes.(1010. Souza MA, Wall ML, Thuler AC, Lowen IM, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353.)

Realizou-se a análise de conteúdo temática, passando por seus três momentos: pré-análise, que é a etapa facilitada pelo uso do IRAMUTEQ; exploração do material, que visa a transformação dos dados brutos para chegar no núcleo de compreensão do texto; e o tratamento dos resultados, no qual o autor faz inferências e interpretações.(1111. Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7a ed. São Paulo: Hucitec; 2000.)

A pesquisa obedeceu aos princípios éticos norteadores de pesquisas envolvendo seres humanos, dispostos na Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí e aprovada sob o parecer n° 1.962.182, CAAE: 64475317.1.0000.5214, em 17 de março de 2017. Os participantes deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido disponível em duas vias.

Resultados

A maioria dos profissionais era do sexo feminino (88%), a média de idade foi 35,52 anos (± 6,4), com predomínio da faixa etária de 25-34 anos (48%). Com relação ao grau de instrução, apesar de serem contratados para cargo de nível médio (técnico de enfermagem), a maioria possuía ensino superior completo (56%), no entanto, esta característica não interferiu na percepção dos profissionais com relação as questões abordadas. O tempo de serviço foi de mais de 10 anos com 40% do percentual.

O IRAMUTEQ reconheceu 357 Unidades de Contexto Elementares (UCE) nos segmentos analisados com aproveitamento de 83,61% do corpus. A partir da CHD obteve-se cinco classes, nomeadas pela pesquisadora de acordo com a análise dos significados e sentidos das palavras correspondentes e das UCE mais significativas de cada classe, originando quatro categorias: Compreensão dos técnicos de enfermagem sobre erros de medicação; Compreensão dos técnicos de enfermagem sobre eventos adversos; Fatores associados e estratégias de prevenção de erros e eventos adversos; e Conduta diante da ocorrência de erros e eventos adversos. São também apresentadas as relações de palavras de cada classe e o X2 com grau de significância <0,0001 (Figura 1).

Figura 1
Estrutura temática dos erros na administração de medicamentos via parenteral: perspectiva dos técnicos de enfermagem

Classe 1. Compreensão dos técnicos de enfermagem sobre erros de medicação

Na classe 1 o total de UCE analisadas foi 19,33% e mostrou o que os entrevistados compreendiam sobre erro de medicação. Dentre as palavras mais frequentes, destacaram-se “prescrição” (X2 = 67,89%), “diluir” (X2 = 36,88%), “via” (X2 = 30,08%), “entender” (2 X2 = 9,80%) e “ler” (X2 = 25,47%).

De acordo com os depoimentos abaixo, para os profissionais o erro de medicação ocorre quando o procedimento ocasiona algum tipo de dano a saúde do paciente.

“Administrar a medicação de um paciente em outro paciente ou administrar uma medicação cuja diluição não for igual ao que está na prescrição médica ou não administrar no tempo especificado na prescrição.” (T1)

“Qualquer administração que promova algum dano ao paciente. No caso da medicação via parenteral, uma medicação vencida, troca de medicação, uma medicação em que não foi usado o diluente adequado, uma diluição que pode ser a menos ou a mais, entre outras.” (T2)

Classes 2 e 3. Fatores associados e estratégias de prevenção de erros e eventos adversos

A classe 2 abrange 16,53% do total de UCE e a classe 3 representa 18,77%. Através da análise do sentido das palavras e da relação apresentada pelo dendograma entre as duas classes, optou-se por agrupá-las em uma categoria.

O teor da classe 2 indicou que “sobrecarga de trabalho” (X2 = 20,43%) relaciona-se a “hospital” (X2 = 25,61%) e a “horários” (X2=22,63%). Entende-se, assim, que as ocorrências de erros estavam relacionadas a fatores como rotina hospitalar com altas demandas.

“Pode acontecer por sobrecarga de trabalho, por falta de atenção, acho que isso. […] e isso pode induzir ao erro” (T8)

“A gente sempre escuta nos postos que as pessoas estão com muitos pacientes, a sobrecarga de trabalho.” (T15)

O conteúdo da classe 3 apontou “olhar” (X2=29,93%), como forma de ter mais atenção ao procedimento e uma estratégia importante para que esse erro ou EA sejam evitados. Chamou atenção a frequência das palavras “nome do paciente” (X2=21,09%) e “troca” (X2=16,09%). Nos depoimentos abaixo notam-se as intervenções para evitar os erros e EA que foram citadas pelos profissionais.

“Mais treinamento para os técnicos, diminuir os pacientes. Aqui a quantidade de pacientes é enorme e a gente fica com muito paciente, é uma correria só.” (T23)

“Na verdade é sempre ser mais atentos na conferência das medicações que você tá preparando e que vai administrar, tanto no ato da preparação, como no ato da administração, sempre conferir o prontuário, conferir com a medicação que vai administrar, o nome do paciente, a medicação, a via, pra que minimize mais os erros” (T25)

Classe 4. Compreensão dos técnicos de enfermagem sobre eventos adversos

A classe 4 abrange 21,01% das UCE, categorizada como o entendimento dos profissionais a respeito de EA. Como palavras mais citadas nas falas têm-se: “reação adversa” com X2 = 52,90%, “apresentar” (X2 = 52,63%), “perguntar” (X2 =48,31%) e “alergia” (X2 = 41,46).

Notou-se pelos discursos dos participantes uma limitação do conceito de EA somente a reação adversa, como observa-se abaixo.

“Pode ser quando o paciente toma a medicação e não se sente bem, apresentando alguns sintomas como vermelhidão, coceira, dor, mal estar, náusea.” (T7)

“No caso seria uma reação, aplicou a medicação e a paciente tem uma reação que a gente não tá esperando, digamos cai a pressão, sudorese, coisas assim que não é pra acontecer se tomar aquela medicação.” (T12)

Classe 5. Conduta diante da ocorrência de erros e eventos adversos

A classe 5 abrange 24,37% do total de UCE. Seu conteúdo sugere que “comunicar” (X2=100,31%) o erro é um elemento marcante na fala dos depoentes, com destaque para a comunicação para o “enfermeiro” (X2=82,89%). Outras palavras também chamaram atenção pelo seu X2 significativo: “reverter” (33, 79%), “conduta” (33, 79%) e “imediatamente” (30,51%).

Pôde-se observar diante dos depoimentos que os participantes perceberam a importância de reconhecer e comunicar os EA. Além disso, destacaram a relevância do registro no sistema de informações gerenciais do hospital (VIGIHOSP).

“Comunicação do fato para o enfermeiro que está acompanhando, suspender a medicação e comunicar o médico plantonista pra ele tomar as devidas providências, acho que tudo vai na comunicação” (T24)

“Tem que ser registrado no VIGIHOSP, porque lá vai ter vários campos onde vai ser direcionado que posição tomar diante do fato.” (T8)

Discussão

A utilização da via parenteral é essencial para muitos pacientes hospitalizados, no entanto, trata-se de um procedimento complexo. Os erros na administração de medicação por esta via são comuns e podem causar ansiedade para os profissionais de saúde e pacientes, bem como reduzir a confiança destes na assistência prestada. Devido a isso, o erro de medicação via parenteral se torna um tema de grande preocupação para gestores, fabricantes e prestadores dos cuidados de saúde.(1212. Blandford A, Furniss D, Lyons I, Chumbley G, Iacovides I, Wei L, et al. Exploring the Current Landscape of Intravenous Infusion Practices and Errors (ECLIPSE): protocol for a mixed methods observational study. BMJ Open. 2016;6(3):e009777.)

Nesta pesquisa os entrevistados demonstraram ter conhecimento superficial sobre o conceito de EA relacionados a medicação parenteral. A compreensão foi restrita a descrição de Reação Adversa a Medicamento (RAM) e Ineficácia Terapêutica (IT), corroborando com estudo realizado com profissionais da saúde atuantes em UTIs de um hospital universitário em Goiânia.(1313. Moreira IA, Bezerra ALC, Paranaguá TTB, Silva AEBC, Filho FMA. Health professionals' knowledge regarding adverse events in the intensive care unit. Rev Enferm UERJ. 2015; 23(4): 461-7.)

Confirmando este estudo, outra pesquisa também identificou a carência de conhecimento da equipe de enfermagem, diante disso, pode-se inferir a necessidade de mudanças no currículo de formação desta categoria, especialmente no nível técnico, mas também no superior, a fim de sanar carências de conhecimentos e assim, obter-se boas práticas de medicação segura.(1212. Blandford A, Furniss D, Lyons I, Chumbley G, Iacovides I, Wei L, et al. Exploring the Current Landscape of Intravenous Infusion Practices and Errors (ECLIPSE): protocol for a mixed methods observational study. BMJ Open. 2016;6(3):e009777.)

Assim como observado na presente pesquisa, os erros ocorrem devido a interação de vários fatores além da sobrecarga, como o perfil do paciente, déficit de conhecimento do profissional, rótulo de medicamento de difícil identificação, desorganização na estocagem dos medicamentos, prescrições incompletas, ausência de histórico de enfermagem, letras ilegíveis, uso inapropriado de casas decimais e abreviaturas, falta de conhecimento matemático, prescrições verbais, transcrições de erro, falta de cuidado, esquecimento, desatenção e distração.(1313. Moreira IA, Bezerra ALC, Paranaguá TTB, Silva AEBC, Filho FMA. Health professionals' knowledge regarding adverse events in the intensive care unit. Rev Enferm UERJ. 2015; 23(4): 461-7.)

Os participantes destacaram a importância do preparo do medicamento adequado na prevenção de erros. Nota-se que ao reconstituir ou diluir medicamentos deve-se considerar a padronização para aprimorar a eficácia e promover maior segurança ao paciente, por exemplo, a realização da dupla checagem, conferência dos nove certos na administração e utilização de protocolos.(1414. Julca CS, Rocha PK, Tomazoni A, Manzo BF, Souza S, Anders JC. Use of safety barriers in the preparation of vasoactive drugs and sedatives/analgesics in pediatric intensive care. Cogitare Enferm. 2018;23(4):e54247.)

Durante a preparação de medicamentos, técnicos de enfermagem podem ser distraídos quando são interrompidos e o aumento da carga de trabalho pode predispô-los a falta de atenção. Em estudo na Turquia observou-se o preparo de 2340 doses de 200 tipos de medicamentos e obteve-se como resultado 36,1% de interrupções causadas pelos próprios acompanhantes dos pacientes e membros da equipe.(1515. Özkan S, Kocaman G, Ozturk C. Interruptions during pediatric medication preparation and administration. J Pediatr Res. 2016;3(2):104–8.) Neste sentido, a interrupção e o excesso de atividades atrelados a responsabilidade de administrar medicamentos via parenteral podem ser fatores contribuintes para erros.

Como artifícios para minimizar esses erros sugeriram reuniões periódicas entre funcionários e gerentes, mudanças no processo de trabalho, como padronização de duplo checklist entre o técnico de enfermagem e enfermeiro e dupla verificação de preparação. O gerenciamento correto de medicamentos de alto risco deve ser considerado uma questão prioritária na prática clínica, com presença de estratégias educacionais e organizacionais como protocolos para armazenamento, prescrição, dispensação, preparo e administração, além disso, a implementação de novas tecnologias no processo de trabalho deve ser levada em consideração.(1616. Mieiro DB, Oliveira ÉB, Fonseca RE, Mininel VA, Zem-Mascarenhas SH, Machado RC. Strategies to minimize medication errors in emergency units: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2019;72 Suppl 1:307–14.)

Os profissionais deste estudo reconheceram a importância de comunicar o erro, além de destacarem a notificação em sistema de informações. A comunicação do erro para os demais profissionais de saúde também foi evidenciada em pesquisa qualitativa com enfermeiros do estado de São Paulo que consideraram importante reportar o erro a toda a equipe e a gerência. Esses enfermeiros ainda acrescentaram uma necessidade que não foi observada pelos técnicos na presente pesquisa, que é comunicar ao paciente e a família sobre a ocorrência dos EA.(1717. Chu RZ. Simple steps to reduce medication errors. Nursing. 2016;46(8):63–5.)

Destaca-se que o relatório de erros de medicação em sistemas de informação ajuda a identificar falhas nos processos e pode contribuir na prevenção de novos incidentes. Quando são relatadas, essas informações podem ser utilizadas para melhor entender as causas e desenvolver estratégias para prevenir futuros danos ao paciente. Entretanto, é necessário que seja um ato voluntário em um contexto livre de culpa e que, a partir das notificações, investigações sejam realizadas a fim de melhorar a prática.(1616. Mieiro DB, Oliveira ÉB, Fonseca RE, Mininel VA, Zem-Mascarenhas SH, Machado RC. Strategies to minimize medication errors in emergency units: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2019;72 Suppl 1:307–14.)

Os EA ocasionam implicações para os pacientes, profissionais e instituições, podem causar dano pessoal, material, moral e de prestígio ao serviço, além de elevarem a exposição aos riscos. Os gastos financeiros se potencializam e caem os indicadores de qualidade e segurança assistencial. Em relação aos profissionais envolvidos, podem ocorrer punições e demissões, afetar o desempenho do trabalhador, abalar o equilíbrio emocional e surgir sentimentos de incapacidade, incompreensão e infelicidade. Estratégias para a prevenção de EA incluem ações de educação continuada e organização do serviço, os profissionais de saúde devem ser estimulados a notificá-los e as ações educativas devem ser simuladas a partir do contexto da prática em saúde, como um caminho para a assistência segura e de qualidade.(1818. Pérez CD, Fuentes PS, García EJ. Addressing medical errors: an intervention protocol for nursing professionals. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03463.)

Embora relevante, o estudo limitou-se por ser tema de difícil discussão, pois os profissionais ainda se sentem desconfortáveis em discutir o erro humano de forma dialogada, podendo ocasionar no momento da entrevista a omissão de informações, devido a cultura de punição do erro enraizada nesse público. No entanto, foram prestados todos os esclarecimentos prévios para que esta limitação não influenciasse nos resultados da pesquisa.

Os resultados deste estudo podem contribuir na prática clínica profissional a medida que identificou-se a falta de compreensão sobre a problemática que envolve os EA na perspectiva dos técnicos de enfermagem, oferecendo subsídios para elaboração de estratégias de prevenção e planejamentos de intervenções, como planos de ação com intuito minimizar os erros e EA relacionados a medicação via parenteral, visando melhorar e aperfeiçoar a qualidade da assistência, contribuindo para a ciência do cuidado. Além disso, espera-se que esta pesquisa subsidie a proposição de novos estudos que busquem explorar os processos e agentes envolvidos com esses incidentes, buscando seu melhor entendimento e dessa forma garantir a segurança do paciente.

Conclusão

O entendimento dos técnicos de enfermagem sobre EA se mostrou limitado apenas às reações adversas, efeitos adversos ou colaterais, eles compreendem que a sua ocorrência está atrelada não somente a falta de atenção, como também a fatores extrínsecos como a sobrecarga de trabalho, quantitativo elevado de pacientes e a propagação de erros. Em relação as sugestões para a prevenção de erros e EA provocados por esses fatores, destacaram-se o dimensionamento de pessoal adequado, horários mais organizados, treinamentos e utilização de procedimentos operacionais padrão e protocolos estabelecidos pela instituição como forma de superá-los. Mesmo não mencionando a comunicação aberta com pacientes e familiares, os profissionais reconheceram a importância da identificação e comunicação dos incidentes entre toda a equipe de saúde e ainda relataram que realizam a notificação em sistemas de informação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2019
  • Aceito
    06 Mar 2020
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