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Populismo Reacionário: abordagem para compreender o Brasil contemporâneo

Reactionary Populism: approach to understanding contemporary Brazil

Resenha: LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. . O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.

O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) e as políticas implementadas em sua gestão têm mobilizado ampla atenção de analistas do país e do exterior, não sem motivo, tendo em vista seu potencial nocivo à democracia representativa, a partir de sua retórica e ação efetiva para erodir as bases do Estado Democrático de Direito. O livro ora resenhado se propõe a analisar esse cenário com base em conceito específico, o populismo reacionário, apresentando um diagnóstico amplamente sistematizado dos contextos e das forças econômicas, políticas, midiáticas, sociais e jurídicas envolvidas nesse processo.

O populismo tende a se caracterizar, de maneira geral, como uma forma de fazer política típica de ambientes democráticos de massa, realizado por uma liderança carismática, cujo papel é reivindicar a representação da maioria contra o restante da sociedade. A representação política do líder populista está fundamentada na concepção de um “povo” concebido enquanto unidade homogênea dotado de demandas próprias, do qual o líder é intérprete privilegiado, demonstrando aparente capacidade de atendê-las por estabelecer conflito contra os inimigos do “povo”, a saber: as instituições e/ou segmentos da sociedade. Neste sentido, o populismo seria constituído por três características: 1) o apelo “ao povo” contra “a elite”; 2) o politicamente incorreto; e 3) a percepção de risco iminente (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 16).

Na obra, o populismo é identificado em distintas clivagens ideológicas. O populismo de esquerda seria orientado à resolução das desigualdades sociais, sobretudo por construir o “povo” a partir da base da pirâmide social, em contraposição à exploração de sua força de trabalho por uma minoria de capitalistas. Por sua vez, o populismo de direita estaria orientado à preservação da ordem pelo recurso da autoridade: sua respectiva composição de “povo” seria formada por defensores da ordem, da economia de mercado e dos valores tradicionais, organizados contra a subversão dos costumes e da propriedade privada (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 17-18). Desde já, é importante ressaltar que o reacionarismo se distingue do conservadorismo por sua radicalização, pois, no conservadorismo, há preservação das instituições e valores fundantes da sociedade política, já o reacionarismo aponta em direção à ruptura para restaurar uma ordem perdida.

A partir disso, o populismo também é classificado de acordo com sua intensidade e os métodos empregados para sua efetivação. Sendo assim, o populismo moderado não teria como propósito confrontar a democracia, inclusive apresentaria potencial para fortalecê-la. Isto posto, para sublinhar as situações em que promoveria uma ruptura com o poder oligárquico para ampliar os canais de participação no espaço público. Ao contrário, o populismo radical, verificado especialmente em experiências populistas reacionárias, objeto da obra, tem como propósito desafiar o Estado Democrático de Direito, ao construir uma unidade extremamente restritiva daquilo que seria o “povo”, negando o pluralismo social e político essencial à convivência democrática e, além disso, formular uma percepção das instituições democráticas como inimigas do “povo”, sendo necessário sua destruição, ao invés de reformulação, seja por abrigar o establishment político, e/ou por restringir a liberdade de expressão irrestrita. Os autores descrevem o populismo radical, especialmente sua vertente reacionária, da seguinte forma:

O populista radical se apresenta assim como um herói antissistema. Por isso, ele está menos preocupado em governar o país forjando consensos em torno de projetos institucionais do que em explorar, por via da polarização, o mal-estar gerado por aqueles problemas que tornaram possível sua projeção na cena política. Cria deliberadamente conflitos para jogar uma parte do país, “o povo”, contra seus inimigos, acusado de ser uma espécie de “anti povo”, composto por todos aqueles cidadãos que não se identificam com a ideia de povo veiculada pelo populista, limitada e restrita do ponto de vista histórico, territorial ou cultural (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 19).

Desse modo, o livro se debruça sobre a manifestação do populismo radical de direita, cujo governo de Jair Bolsonaro é um dos expoentes na política internacional recente. Este populismo se configura pela resistência ao avanço da igualdade social, em razão de sua motivação de “restauração da ordem”, que subdivide a sociedade entre patriotas conservadores, “o povo”, defensores dos símbolos nacionais, da propriedade privada, do patriarcalismo e da “moralização na gestão dos recursos públicos”; e os cosmopolitas e progressistas, empenhados em violar os princípios da “civilização judaico-cristã”.

A gênese do populismo reacionário seria resultado de uma conjunção de fatores, combinados pela insatisfação popular com o sistema político, a difusão do antipetismo e casos de corrupção na administração pública. Boa parte dessas demandas foram absorvidas por grupos, segmentos e indivíduos participantes das Jornadas de Junho de 2013, manifestações que reuniram milhares de pessoas, com ocorrência em quase todas as cidades do país naquele ano. Conforme sustentam Lynch e Cassimiro (2022, p. 36)LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.: “as jornadas cristalizaram uma percepção difusa de ilegitimidade do sistema político que datava de pelo menos uma década”.

Este cenário possibilitou ao Poder Judiciário a projeção enquanto agente habilitado a “regenerar” as estruturas político-partidárias corrompidas. Dessa forma, a operação Lava Jato, com apoio institucional, inclusive do Supremo Tribunal Federal, passou a representar a resposta para as insatisfações populares, com ações para “moralizar” o sistema político. As ações da Operação Lava Jato tiveram participação decisiva no processo de golpe parlamentar contra a Presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, com a divulgação de grampos obtidos de forma ilegal, assim como na incriminação pública sem provas do então ex-presidente Lula. A Operação fomentou significativamente a crença de que a governabilidade política foi conquistada através da corrupção generalizada, e também contribuiu para estimular a aversão política da opinião pública a segmentos da esquerda do sistema partidário, sobretudo o Partido dos Trabalhadores. Os atores nesse processo, especialmente o ex-juiz Sérgio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, alçaram-se à condição de “vanguarda destinada a refundar o país com base em princípios republicanos e democráticos” (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 55).

Jair Bolsonaro assumiu o governo amparado por forças sociais remanescentes das Jornadas de Junho, como o Movimento Brasil Livre, e por representantes do Poder Judiciário, tanto que o ex-juiz Sérgio Moro assumiu o Ministério da Justiça no dia da posse presidencial. O quadro de depressão econômica e desmoralização do sistema político promovido pela Operação Lava Jato corroeu a credibilidade da Nova República e do sistema democrático. Logo, o cenário de fragilidade institucional possibilitou a implementação da cartilha populista, ou seja, o desrespeito deliberado pelas liturgias e práticas institucionais e a criação de tensão entre os Poderes, prolongando este desgaste e minando ainda mais a credibilidade dos atores políticos, para se apresentar como único e verdadeiro representante do povo (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 72).

A ideologia de sustentação do populismo reacionário engendrada pelo governo se baseou no caráter extra-humano da ordem social, remetendo seus fundamentos a Deus, à natureza, à biologia, à nação e ao mercado, estabelecendo antagonismo a menor intenção de minar essas bases. A coalizão do governo se mostrou empenhada em uma ruptura com a ordem, para restaurar o mítico passado do “bom” governo militar.

Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro (2022)LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022. argumentam que o populismo reacionário atraiu tudo aquilo que de pior o Brasil herdou, em termos ideológicos, da colonização. Inspirados pelo guru, Olavo de Carvalho, foram restabelecidos no país o culto à violência, ao autoritarismo, à exploração predatória da natureza, ao anti-intelectualismo, ao personalismo e ao patriarcalismo. Em conjunto a esses aspectos, foram acrescentados elementos conspiratórios, notadamente, a ideia de dominação conquistada pelo “marxismo cultural”, cujas técnicas de manipulação mental possibilitariam a hegemonia de suas concepções, relacionadas às liberdades individuais, na imprensa convencional, nas escolas, nas universidades e no campo científico. Tais premissas teriam destruído os fundamentos naturais da sociabilidade cristã, baseadas na Igreja e na família (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 78-79).

Essas premissas reacionárias e conspiratórias encontraram respaldo, em boa medida, no cenário internacional, especialmente no governo Donald Trump (2017-2021), dos Estados Unidos. O grupo de seguidores de Olavo de Carvalho, já no início, foi quem formulou as estratégias de intervenção governamental, rompendo com segmentos sociais, como o Movimento Brasil Livre, e ex-representantes da Operação Lava Jato, por divergências programáticas, bem como pela disputa pelo protagonismo social. Essa ruptura não promoveu fragmentação da base popular, mas sim a fragilidade dos grupos e atores desvinculados do governo.

O populismo reacionário fundamentou-se na teoria de uma democracia iliberal, formulada pelo filósofo alemão Carl Schmitt, e que influenciou os regimes totalitários do século XX. Nesta perspectiva, a realidade política estaria circunscrita à definição da nação enquanto unidade étnica e cultural homogênea, na qual a vontade nacional seria expressada pela concentração de poder no líder, cuja legitimidade seria derivada da devoção da população. Sua característica consistiria na construção permanente de antagonismos irredutíveis entre a nação e seus inimigos internos e externos (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 117). A retomada desse princípio no Brasil conjugou o antagonismo em torno de liberais e socialistas, os quais teriam aparelhado o Estado, tornando-o cada vez mais intervencionista, no âmbito material e dos costumes, para impor uma cultura relativista, de origem estrangeira, avessa à família, à religião e à propriedade. De acordo com esta narrativa, em tempos passados, o Brasil teria sido salvo pela intervenção militar; no quadro recente, seria salvo pela composição de governo sob a inviolável liderança de Jair Bolsonaro (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 124).

A partir disso, o governo Bolsonaro desprezou princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, como a legalidade, a transparência, a isonomia, a publicidade e a moralidade dos atos administrativos na condução do Estado. A ideia de ruptura tornou-se a principal força impulsionadora das ações, atacando as instituições que, de acordo com a Constituição, estão encarregadas de limitar os poderes do Executivo e responsabilizá-lo por seus atos (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 143).

Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro (2022)LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022. consideram haver dois grupos fundamentais na composição do populismo reacionário. O primeiro deles era o “gabinete do ódio”, formado pelos filhos do presidente e por discípulos de Olavo de Carvalho, responsável por disseminar fake news sobre as ações do governo e contra seus adversários, por conseguinte, a disseminação do negacionismo científico, histórico e ambiental. O propósito deste grupo era preservar engajada a base popular, fomentando o imaginário de que Bolsonaro era um político disruptivo, corajoso, perseguido e capaz de “romper com o sistema” (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 155-157). O segundo núcleo, intitulado “gabinete militar”, era composto por generais aposentados e da ativa, cuja atribuição era realizar a articulação política do governo. Esse gabinete tinha a função de garantir a confiabilidade da gestão, sobretudo por reativar o imaginário popular do “bom governo” militar no país, agora comprometidos em restaurar a ordem. É necessário ressaltar o processo de disputa e tensão entre os gabinetes, com perseguição do “gabinete do ódio” a representantes das Forças Armadas, inclusive ao então vice-presidente Hamilton Mourão, sempre que as posições do núcleo militar divergiam das ações de Bolsonaro (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 161-62).

Não obstante, acredito que os autores, apesar de abordarem lateralmente, conferiram peso menor aos grupos cristãos nesta coalizão, haja vista que os mesmos formaram parte do governo, inclusive em pastas fundamentais nos Ministérios. Por um lado, a ampla maioria de parlamentares no Congresso Nacional, eleitos sob a tutela de igrejas, congregações ou segmentos religiosos, compuseram a base de apoio parlamentar às ações do governo. Por outro, esses grupos foram, com ampla participação de suas lideranças, relevante parcela da base de sustentação popular, conferindo espaços para difusão de suas ideias em cultos e missas, mas também nos veículos de comunicação sob sua concessão. Por essas razões entendo que seria necessário conferir maior importância aos atores religiosos nesse núcleo central de coalizão do populismo reacionário.

Os autores avaliam que mesmo após a saída de Jair Bolsonaro do governo, o populismo reacionário assentou raízes profundas na sociedade brasileira, as consequências mais evidentes são: a radicalização e apologia da violência política, a criação de “mundos informacionais paralelos” e o aparelhamento ideológico de setores da administração pública, principalmente setores da justiça e das forças de segurança. Desse modo, o reflexo seria a permanente deslegitimação de princípios fundamentais à democracia, ao funcionamento das instituições e dos poderes constituídos no exercício de suas funções (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 175-178 e 191).

Na obra, a ideia dos autores é elaborar um conceito, o populismo reacionário, por meio da compreensão dos limites entre o populismo e a democracia, de modo específico, ao apontar as consequências antidemocráticas2 2 Em artigo também buscamos apresentar elementos para refletir sobre as dimensões do populismo democrático e antidemocrático (SILVA; BARON, 2021). desta manifestação do populismo, conforme trecho destacado abaixo:

O conceito de populismo reacionário que propusemos desenvolver neste livro tenta estabelecer os limites da relação entre populismo e democracia: se uma concepção restritiva de povo é inseparável do populismo reacionário, logo também se mostra inerente a ele um projeto antipluralista. E, como o pluralismo é condição da democracia, o populismo reacionário necessariamente tem consequências antidemocráticas. Mesmo em casos em que os movimentos populistas não são efetivos em operar o tipo de mudança institucional autoritária que têm em mente, a sua ação política leva sempre tensão e risco ao sistema político democrático. Como afirma Nadia Urbinati, o que distingue a ambição populista de outras formas de mobilização política são os esforços para converter “uma nova maioria em maioria permanente”, ou seja, eliminar a regra da maioria “num ambiente de pluralismo político em que as maiorias são temporárias e modificáveis. Compreender o populismo reacionário significa, portanto, entender como seu discurso ideológico articula uma proposta de fechamento do horizonte democrático (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022., p. 188).

Esta proposta de elaboração teórica parece estar na agenda de pesquisa da teoria política, motivando, devido aos fenômenos recentes, novos enquadramentos do conceito de populismo (URBINATI, 2019URBINATI, Nadia. Me the people: how populism transforms democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2019.; MUDDE, 2019MUDDE, Cas. The far-right today. Cambridge: Polity Press, 2019.; MOUFFE, 2018MOUFFE, Chantal. For a left populism. Londres: Editora Verso, 2018.). Mesmo considerando a relevância da obra, é necessário apontar a ausência de elementos conceituais recorrentes na discussão do populismo na teoria política contemporânea mais recente, principalmente categorias oriundas da sociologia, psicologia e psicanálise, as quais extrapolam a análise restrita das instituições e a correlação com a história e o pensamento político em que a experiência populista foi, ou está sendo, engendrada.

O primeiro aspecto diz respeito à indecidibilidade sobre as circunstâncias da experiência populista, cujos fatores de sua emergência são, por vezes, pouco mensuráveis e, por isso, dificilmente construídos artificialmente por intermédio da técnica e de métodos para sua execução. Da forma como o argumento se constrói na obra, a partir da reconstrução de fatos e circunstâncias ocorridas no governo Bolsonaro, temos a ideia de que o populismo reacionário foi resultado de uma engenharia retórica e institucional cujo resultado seria, inevitavelmente, sua execução, sem abrigar espaços para o fato de que as mesmas estratégias poderiam ser implementadas sem sua devida efetivação. Essa discussão, entendo, permitiria aprofundar o conceito elaborado na obra, em lugar de estar, em alguma medida, restrita à experiência específica, objeto da reflexão.

O segundo está relacionado à ponderação de que seu êxito pode estar associado, em grande parte, ao fato de o líder exercer poder sobre a massa na ordem dos afetos (LACLAU, 2006LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Editora Fondo de Cultura Económica, 2006.; URBINATI, 2019URBINATI, Nadia. Me the people: how populism transforms democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2019.; ROSANVALLON, 2019ROSANVALLON, Pierre. O século do populismo. Rio de Janeiro: Editora Ateliê das Humanidades, 2019.). Neste sentido, conforme sustenta Ernesto Laclau (2006)LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Editora Fondo de Cultura Económica, 2006., o líder seria, utilizando conceito lacaniano, um nome que ativaria o desejo do objeto. Dito de outro modo, o líder incorporaria a representação de demandas não pelo fato de possuir atributos objetivos para atendê-las, mas, preponderantemente, em função de ele próprio representar aquilo que o supera, ou seja, a capacidade de emancipação dos sujeitos envolvidos, no caso específico, a moralização na administração pública, o afastamento e combate a forças progressistas. Portanto, o líder, nesta perspectiva, seria o significante capaz de unificar todas as demandas dispersas, tornando possível a construção de um “povo”, o qual é uma parte das pessoas, mas que consegue ser politicamente construída como todo.

Por último, os significantes flutuantes são frequentemente mobilizados em análises sobre o populismo, pelo fato de representar o esvaziamento de sentido de princípios os quais possuem seus significados relativamente abertos, como a ideia de democracia, Deus, direitos humanos. De acordo com Ernesto Laclau (2006)LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Editora Fondo de Cultura Económica, 2006., na experiência populista, o significante flutuante teria função de desconstruir os princípios agregados contingencialmente à democracia, promovendo a flutuação de seu significado entre as narrativas existentes, mais do que isso, colocando em território de permanente disputa as noções daquilo que é democrático e antidemocrático, legítimo e ilegítimo, o que é considerado como direito básico ou não. Sendo assim, devido a importância que assumiram no debate teórico internacional sobre o assunto, seja em sua absorção ou crítica à sua inaplicabilidade, esses conceitos poderiam contribuir para o entendimento do estabelecimento de paralelos com outros cenários ou para delimitar a especificidade do fenômeno no Brasil.

Referências

  • LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Editora Fondo de Cultura Económica, 2006.
  • LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo Henrique. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.
  • MOUFFE, Chantal. For a left populism. Londres: Editora Verso, 2018.
  • MUDDE, Cas. The far-right today. Cambridge: Polity Press, 2019.
  • ROSANVALLON, Pierre. O século do populismo. Rio de Janeiro: Editora Ateliê das Humanidades, 2019.
  • SILVA, Luis Gustavo Teixeira; BARON, Letícia. A noção de representação política em Ernesto Laclau: populismo e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 36, p. 1-33, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.36.240010. Acesso em: 22 mar. 2023.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.36.240010
  • URBINATI, Nadia. Me the people: how populism transforms democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2019.
  • 2
    Em artigo também buscamos apresentar elementos para refletir sobre as dimensões do populismo democrático e antidemocrático (SILVA; BARON, 2021SILVA, Luis Gustavo Teixeira; BARON, Letícia. A noção de representação política em Ernesto Laclau: populismo e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 36, p. 1-33, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.36.240010. Acesso em: 22 mar. 2023.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2023
  • Aceito
    28 Jul 2023
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