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Reestruturação negociada e flexibilização em uma emrpesa industrial uruguaia

Restructuration négociée et flexibilisation dans une entreprise industirelle Uruguayenne

Negotiated restructuring and flexibilização in an Uruguayan industrial company

Resumos

O artigo analisa o processo de reestruturação produtiva em uma empresa uruguaia de laticínios. O objetivo deste trabalho é evidenciar que a reestruturação produtiva é também um processo social, visto que os diferentes agentes são afetados pelas transformações em curso e devem modificar seus posicionamentos no espaço social. Analisa-se as lutas e negociações em relação ao processo geral de reestruturação de plantas industriais; a busca empresarial de colaboração da força de trabalho; e a resistência sindical à multifuncionalidade e à formação de uma camada restrita de trabalhadores com domínio de competências. A metodologia incluiu fontes estatísticas, aplicação de questionários e de entrevistas, e observação nos locais de trabalho. Os resultados mostram uma reestruturação negociada que cria desconfiança entre empresa e trabalhadores.

trabalho; reestruturação produtiva; flexibilidade; indústria; Uruguai


Cet article étudie le processus de restructuration productive dans une entreprise uruguayenne de produits laitiers. L'objectif de ce travail est de faire remarquer que la restructuration productive est aussi un processus social puisque les différents agents sont touchés par les transformations en cours et qu'ils doivent modifier leurs attitudes dans l'espace social. On y analyse les luttes et les négociations par rapport au processus général de restructuration des plans industriels, la recherche d'une collaboration de la force de travail par les entreprises ainsi que la résistance syndicale face aux fonctions multiples et à la formation d'une couche limitée de travailleurs dotés de compétences. La méthodologie inclut le recours à des statistiques, à des questionnaires et des entretiens, et à des observations sur les lieux de travail. Les résultats montrent une restructuration négociée qui engendre une méfiance entre les entreprises et les travailleurs.

travail; restructuration productive; flexibilité; industrie; Uruguay


This paper analyzes the process of productive restructuring in an Uruguayan company of dairy products. The objective of this work is to show that the productive restructuring is also a social process, because the different agents are affected by the transformations in course and will modify their positionings in the social space. The struggles and negotiations in relation to the general process of restructuring of industrial plants are analyzed; the enterpreneurial search of cooperation of the workforce; and union resistance to the multifuncionality and to the formation of a restricted layer of workers with domain of skills. The methodology included statistical sources, application of questionnaires and interviews, and observation in the work places. The results show a negotiated restructuring that creates distrust between business and workers.

work; productive restructuring; flexibility; industry; Uruguay


Reestruturação negociada e flexibilização em uma emrpesa industrial uruguaia1 1 Este artigo é uma versão corrigida e ampliada do trabalho Processos de flexibilização espacial e interna em um contexto de reestruturação negociada. Estudo de caso em uma empresa industrial uruguaia, apresentado no V Congresso Latino-americano de Sociologia Hacia una nueva civilización del trabajo, celebrado em Montevidéu entre 18 e 20 de abril de 2007. Foi realizado com o auxílio da bolsa de recém-doutor que o autor recebia de FAPERGS/CAPES.

Negotiated restructuring and flexibilização in an Uruguayan industrial company

Restructuration négociée et flexibilisation dans une entreprise industirelle Uruguayenne

Pedro Robertt

Professor-doutor do Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas. Rua Alberto Rosa 154, Porto. Cep: 96010-770 - Pelotas, RS - Brasil. probertt21@gmail.com

RESUMO

O artigo analisa o processo de reestruturação produtiva em uma empresa uruguaia de laticínios. O objetivo deste trabalho é evidenciar que a reestruturação produtiva é também um processo social, visto que os diferentes agentes são afetados pelas transformações em curso e devem modificar seus posicionamentos no espaço social. Analisa-se as lutas e negociações em relação ao processo geral de reestruturação de plantas industriais; a busca empresarial de colaboração da força de trabalho; e a resistência sindical à multifuncionalidade e à formação de uma camada restrita de trabalhadores com domínio de competências. A metodologia incluiu fontes estatísticas, aplicação de questionários e de entrevistas, e observação nos locais de trabalho. Os resultados mostram uma reestruturação negociada que cria desconfiança entre empresa e trabalhadores.

Palavras-chave: trabalho, reestruturação produtiva, flexibilidade, indústria, Uruguai.

ABSTRACT

This paper analyzes the process of productive restructuring in an Uruguayan company of dairy products. The objective of this work is to show that the productive restructuring is also a social process, because the different agents are affected by the transformations in course and will modify their positionings in the social space. The struggles and negotiations in relation to the general process of restructuring of industrial plants are analyzed; the enterpreneurial search of cooperation of the workforce; and union resistance to the multifuncionality and to the formation of a restricted layer of workers with domain of skills. The methodology included statistical sources, application of questionnaires and interviews, and observation in the work places. The results show a negotiated restructuring that creates distrust between business and workers.

Keywords: work, productive restructuring, flexibility, industry, Uruguay.

RÉSUMÉ

Cet article étudie le processus de restructuration productive dans une entreprise uruguayenne de produits laitiers. L'objectif de ce travail est de faire remarquer que la restructuration productive est aussi un processus social puisque les différents agents sont touchés par les transformations en cours et qu'ils doivent modifier leurs attitudes dans l'espace social. On y analyse les luttes et les négociations par rapport au processus général de restructuration des plans industriels, la recherche d'une collaboration de la force de travail par les entreprises ainsi que la résistance syndicale face aux fonctions multiples et à la formation d'une couche limitée de travailleurs dotés de compétences. La méthodologie inclut le recours à des statistiques, à des questionnaires et des entretiens, et à des observations sur les lieux de travail. Les résultats montrent une restructuration négociée qui engendre une méfiance entre les entreprises et les travailleurs.

Mots-clés: travail, restructuration productive, flexibilité, industrie, Uruguay.

APRESENTAÇÃO

A Cooperativa Nacional de Produtores de Leite - Conaprole, fundada em 1936, é um empreendimento industrial de produtores uruguaios, associados cooperativamente, dedicados à transformação de leite e elaboração derivados lácteos. A sua criação foi efetivada através do ditame de uma lei nacional, sendo realizadas ao longo do século XX modificações na normativa legal que alteraram sua estrutura e inserção no mercado local. A legislação específica permitiu que a empresa tivesse o monopólio da produção de leite pasteurizado na cidade de Montevidéu, de 1936 até 1982, tendo como contrapartida a responsabilidade pela expansão do consumo interno do produto na capital do país. Isso lhe conferiu, desde a origem, características de empresa privada de interesse público. A um forte posicionamento histórico no mercado interno, agrega-se, nos dias atuais, uma crescente presença no mercado global. Desde final dos anos noventa, a Conaprole vem passando por um significativo processo de reestruturação produtiva, caracterizado principalmente pelo fechamento, transferência e criação de novas unidades industriais e pelo processo de enxugamento no número de trabalhadores. Junto a isso, vêm sendo implementados processos de renovação tecnológica, informacional e organizacional.2 2 Diversos cientistas sociais vêm estudando as transformações no mundo do trabalho nas últimas duas décadas. Da ampla bibliografia sobre o tema, podem ser citados: Antunes (1999); Antunes (2002); Beaud; Pialoux (1999) Castel (1999); Coriat (1995); De la Garza Toledo (1998); Druck (2001); Durand (2003); Gounet (1999); Harvey (1993); Leite, (2003); Linhart (1994); Neffa (1999); Novick (2000); Wood (1991); Zarifian (1990), entre outros. Daí a razão de ser objeto de estudo, neste artigo.

Esta exposição se inicia com uma breve contextualização da situação da economia uruguaia no decorrer da década de noventa do século XX e início da década de 2000. Posteriormente, é examinada a reestruturação produtiva no espaço da empresa Conaprole, entendida metodologicamente como um campo de lutas.3 3 O conceito de campo é utilizado em concordância com os desenvolvimentos teóricos de Bourdieu (2000). Beaud e Pialoux (1999) e Pialoux (1996) estudaram a empresa Peugeot na França com um instrumental teórico semelhante ao aqui apresentado, isto é, considerando a organização de uma empresa industrial como um campo de lutas. É analisado o projeto de reorganização empresarial, bem como o posicionamento do sindicato dos trabalhadores Associação de Operários e Empregados da Conaprole (AOEC), no que se refere à definição dos postos de trabalho nas plantas e nos setores de produção e à participação do último na negociação de medidas de atenuação dos efeitos negativos da flexibilização espacial (fechamento definitivo ou transitório de plantas de produção). Contempla-se a busca empresarial de colaboração da força de trabalho e a resistência sindical ao avanço da multifuncionalidade e à formação de uma camada restrita de trabalhadores com domínio de competências. Estuda-se o modelo de relacionamento entre direção empresarial e sindicato de trabalhadores, constatando-se a formação de um compromisso com desconfiança, isto é, uma reestruturação que é efetuada através da negociação permeada de receios entre trabalhadores e gerências. Conclui-se que, apesar de existir um diálogo entre representantes da empresa e do sindicato de trabalhadores em torno do processo de reestruturação produtiva o que diferencia o modelo adotado do existente em outros países esse processo tem como limite o objetivo estratégico de criação de uma empresa enxuta.

A SITUAÇÃO ECONÔMICA URUGUAIA E OS PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO

As principais características da economia uruguaia, na década de noventa do século XX, conforme o economista Olesker (2002a, p.6-7), eram: a abertura financeira e comercial externa irrestrita, a desregulação das relações entre o Estado e a sociedade, a inexistência de políticas produtivas, fruto da globalização liberal, a perda de importância relativa do setor industrial, o crescente déficit comercial, devido ao aumento das importações, a diminuição crescente dos mecanismos de regulação trabalhista (acordos coletivos), a precarização das condições de trabalho e uma centralização de capitais subordinada à hegemonia financeira. Nesse contexto, as empresas possuíam elementos favoráveis para levar à frente processos de reestruturação produtiva, baseados, fundamentalmente, no enxugamento da mão-de-obra.

Em relação ao comportamento da economia uruguaia, no decorrer da década mencionada e início da década de 2000, observou-se a diminuição do número de empregos com carteira assinada, em particular na indústria de transformação, e o aumento do desemprego. Os empregos formais, no setor público e privado, passaram de 42,3% em 1991 a 38,6% em 1999. Em 1991, 21,1% dos trabalhadores da População Economicamente Ativa (PEA) se encontravam ocupados no setor industrial, caindo para 16,2% em 1999. A atividade industrial voltou a diminuir entre 1998 e 2003. Olesker (2004, p.3) estimou um índice de volume de produção industrial que passou de 100,0% para 62,6%, no período em análise. No decorrer dos anos 90, a taxa de desemprego aberto passou de 8,9% em 1991 para 11,3%, em 1999 (Olesker, 2001). Nos primeiros anos da década de 2000, o desemprego teve outro aumento pronunciado, passando de 13,6%, em 2000, para 16,9% em 2003 (Uruguay, 2006). Segundo informações do Instituto Nacional de Estatística,4 4 Cálculos do autor, segundo informações do Instituto Nacional de Estatística (Olesker, 2005; El Servicio, 2005). o número de trabalhadores sem carteira assinada chegou, em 2003, a 37,9% da população trabalhadora assalariada.

A duração média de procura de trabalho também aumentou em anos recentes, passando de vinte e nove semanas (em Montevidéu e no resto do país, no período de janeiro a março de 1997) para trinta e trinta e três semanas (no período de dezembro a fevereiro de 2001) (Olesker, 2001). Em 2002, esse indicador aumentou em Montevidéu para trinta e duas semanas e, no interior urbano, foi de vinte e oito semanas (Olesker, 2002c). Em relação às condições de trabalho, a partir de dados proporcionados por Olesker (2002b), estima-se que, em inícios da década de 2000, a precariedade atingia 52,4% dos empregos do setor privado da economia.

Um estudo do Banco Mundial de 2001 oferecia pistas sobre o processo de reestruturação produtiva levada adiante no Uruguai. Apesar de ter uma visão favorável do funcionamento da economia uruguaia, devido ao comportamento positivo do crescimento econômico, a agência mundial observava com preocupação o fato de a reestruturação de importantes setores da economia uruguaia ter gerado queda do emprego, especialmente na manufatura, demandas oscilantes da mão-de-obra e aumento da pobreza e da desigualdade de renda (Banco Mundial, 2001, p.6-7).

A reestruturação da economia, em seu conjunto, conforme o Banco Mundial, foi resultado, entre outros fatores, da liberalização financeira e comercial (menor proteção tarifária) por meio do Mercosul, da incorporação de novas tecnologias e da realocação de trabalhadores. O efeito conjunto foi, então, uma menor demanda de trabalhadores, particularmente no setor industrial manufatureiro, e "uma maior vulnerabilidade para os trabalhadores" (p.9-10).

O Banco Mundial também registrou, especialmente no final dos anos noventa, uma evolução negativa de indicadores econômicos de emprego, tais como as taxas de desemprego e de subemprego, bem como instabilidade no emprego e aumento da informalidade (p.9-10).

Supervielle e Quiñones (2000), por sua vez, fazem uma análise do avanço da flexibilidade no Uruguai, por meio do estudo das políticas governamentais de 1985 a 1999.

No primeiro governo democrático, entre 1985 e 1989, passado o período militar de 1973 a 1984, começou-se a impulsionar a flexibilização e a desregulação das normas trabalhistas. No entanto, é no segundo governo pós-ditadura que uma orientação econômica mais liberal, anti-estatista e anti-intervencionista, começa a ser implementada. As políticas trabalhistas deixam de ter centralidade, passando a primar a dimensão de mercado sobre outras, como a da negociação coletiva. Esse governo estava orientado pelas tendências neoliberais que predominavam na época na região latino-americana, dando prioridade à abertura econômica, à redução drástica da inflação, ao equilíbrio das contas públicas e à diminuição do peso e privatização das empresas do Estado. Junto com isso, foi difundida a idéia de que era preciso reduzir os custos trabalhistas (deu-se um forte impulso aos planos de demissão voluntária de funcionários públicos), dispor de trabalhadores mais disciplinados e flexíveis e reduzir as instâncias de negociação coletiva.

No nível das empresas, Supervielle e Quiñones (2000) constataram o aumento da flexibilização da jornada de trabalho e das férias trabalhistas, a diminuição dos contratos por tempo indeterminado e o crescimento no número dos trabalhadores subcontratados. Os autores concluem que o governo da época favoreceu a flexibilização e a desregulação das relações trabalhistas no nível das empresas, com o objetivo de oferecer-lhes maiores incentivos para se adaptarem ao processo de abertura da economia e de integração regional. Essa mesma orientação foi seguida pelo terceiro governo pós-ditadura, entre 1995 a 1999.

A reestruturação da Conaprole se insere nesse contexto de reorganização geral da economia, representando um exemplo paradigmático do processo de reestruturação empresarial.

NEGOCIAÇÃO DA REESTRUTURAÇÃO DE PLANTAS NA CONAPROLE

A Conaprole tem levado adiante um forte processo de reestruturação de plantas de produção, iniciado nos primeiros anos da década de 90 do século XX, aprofundado no final dessa década e em vigor até, pelo menos, o ano de 2005. A seguir, são enumerados os principais movimentos realizados durante esse período. A primeira grande medida de reestruturação de plantas se processou entre 1999 a 2001, com a concentração de plantas produtoras de queijo. Nesse processo, três unidades industriais foram transferidas para a Planta 9, localizada na cidade de San Ramón (Departamento de Canelones). As plantas transferidas foram a número 3, localizada na cidade de Canelones, a número 5, localizada na cidade de Tarariras, no Departamento de Colônia, e a número 13, situada na cidade de Montevidéu. Dando continuidade a esse processo, em 2001, foi fechada a Planta 6, situada na localidade de Parada Esperanza, no Departamento de Paysandú. As linhas de produção foram transferidas para a Planta 16, localizada no Departamento de Soriano, e vários trabalhadores foram transferidos para a planta 9. Na Figura 1, podem ser visualizadas as transferências de plantas (traço contínuo) e de linhas de produção (traço intermitente).


A reestruturação também tem significado o fechamento parcial de plantas. No ano de 2002, a Conaprole fez um forte investimento na Planta 7, no Departamento de Florida, dedicada à fabricação de leite em pó para exportação. Isto possibilitou levar adiante o fechamento parcial de outras unidades industriais que também produziam leite em pó para exportação (as Plantas 11 e 16, localizadas, respectivamente, em Rincón del Pino, Departamento de San José e Mercedes, capital do Departamento de Soriano). Outras plantas industriais, como a número 9, têm passado por períodos de baixa demanda e requerem fechamentos parciais de algumas linhas de produção. Além disso, a reestruturação também supõe transferências parciais e concentração de linhas de produção em algumas plantas. Assim, por exemplo, entre setembro e dezembro de 2002, foram transferidas as linhas de manteiga e de doce de leite da Planta 1, de Montevidéu, para a Planta 7, de Florida.

Finalmente, no ano de 2004, começou a se processar um novo e importante projeto de concentração de unidades industriais: a transferência das linhas de produção das plantas 1 e 2, localizadas na capital do país, para o recém criado Complexo Industrial Montevidéu - CIM.

O impacto do fechamento total ou parcial de plantas de produção, desde o final da década de 90 até os dias atuais, tem sido tão forte, que os trabalhadores costumam identificar a reestruturação produtiva com esse processo. Para os trabalhadores, a reestruturação é, antes de tudo, sinônimo de fechamento de plantas, ou transferência de linhas de produção, seções ou setores. Aqueles que permanecem na empresa costumam se considerar reestruturados (ou não) em função de terem sido atingidos por tais mudanças espaciais. Na Figura 2, podem ser visualizadas as transferências definitivas de trabalhadores entre plantas de produção.


Juntamente com o processo de reestruturação espacial, tem-se efetivado uma forte diminuição do quadro de funcionários, passando-se aproximadamente de 2.840 em 1985 a 1.670 em 2005, o que representa uma redução de 41,2% do número de trabalhadores em duas décadas. Por esse motivo, para os trabalhadores, a reestruturação da empresa está associada ao processo de flexibilidade5 5 Para a análise dos diferentes conceitos de flexibilidade presentes neste artigo podem ser consultadas, entre outras, as seguintes obras: Boyer (1987); De la Garza Toledo (1998); Cattani (1997). quantitativa, não apenas no que diz respeito à transferência de linhas e plantas de produção, mas também quanto ao enxugamento do quadro de funcionários. Um chefe relatou, da seguinte maneira, a percepção desse processo: "Aqui tem gente que trabalha há muitos anos; cada vez que se fala em reestruturação o primeiro que se pensa é que vão mandar gente embora".

O processo de relocalização das plantas teve, em quase todos os casos, a oposição do sindicato dos trabalhadores, devido à eventual perda de postos de trabalho. Uma das formas de ação sindical, nos casos de tomada de conhecimento de transferência de linhas de produção ou de fechamento de plantas de produção, tem sido a de apresentar sua discordância ante órgãos legislativos, como, por exemplo, perante a Comissão de Legislação de Trabalho da Câmara de Senadores (Uruguay, 2004).

Nos casos em que ocorreram fechamentos de plantas de produção, no interior do país, houve oposição de agentes sociais locais, devido, sobretudo, ao fato de eles perceberem o impacto negativo para a cidade do fechamento de uma unidade industrial que representava um fator dinâmico da economia do lugar. Por exemplo, em 2000, ano em que foi anunciado o fechamento da Planta 6, em Paysandú, houve importantes mobilizações locais que manifestavam a oposição à efetivação dessa medida. Ocorreram reuniões e entrega de documentos à diretoria da Conaprole, para reivindicar a manutenção dessa planta, com a participação do prefeito, de senadores, de vários vereadores (inclusive o presidente da câmara), de produtores de leite, de trabalhadores sindicalizados e de representantes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento, todos vinculados ao Departamento de Paysandú, além de integrantes do Ministério de Trabalho, representantes da Universidade da República; e de dirigentes da AOEC (Buscan..., 2000, p.29; Conaprole..., 2000, p.52).

Apesar da oposição da organização sindical, de agentes locais e de agentes que atuavam em âmbito nacional, a direção da Conaprole procedeu à reorganização de suas unidades industriais. Paralelamente, iniciou-se, em 1999, um complexo processo de redefinição quantitativa e qualitativa dos postos de trabalho necessários em cada linha, seção, setor e planta de produção. Nesse ano, a Conaprole e a AOEC chegaram a um acordo sobre a estabilidade no trabalho, pelo qual a primeira se comprometia a não demitir nenhum trabalhador e a segunda se dispunha a negociar com a empresa quais seriam os postos de trabalho a serem ocupados pelos trabalhadores atingidos pelo processo de reorganização empresarial. O processo de reestruturação produtiva adquiriu, a partir de então, o caráter de "reestruturação negociada".

A instalação do CIM, que concentrava as plantas de produção 1 e 2 de Montevidéu, durante 2004 e 2005, representa o último grande processo de reestruturação de unidades industriais ocorrido nos últimos anos. Um trabalhador que seria transferido para o novo complexo industrial expressou da seguinte maneira a vivência do processo geral de reestruturação:

É o último que fica pra nós; daqui não podemos ir para nenhuma outra parte, porque antes havia algumas vantagens: 'não vou para Planta 13, mas fico no setor de manteiga ou de doce de leite'. Agora não. Isto é o único que fica para ser movido.

Nada define melhor a luta quantitativa pela realocação dos trabalhadores que deveriam desempenhar suas tarefas em cada setor, seção ou linha de produção do que a determinação do "padrão", que é definido pelos diferentes agentes dentro da empresa, como a quantidade mínima de trabalhadores necessária para que a produção seja efetuada sob determinadas condições técnicas e organizacionais de trabalho. A estimativa do número e a avaliação do perfil de trabalhadores necessários nos setores, seções ou linhas de produção determinam o padrão total de uma planta. O processo geral de enxugamento leva a uma discussão permanente entre a direção da empresa e os trabalhadores sindicalizados sobre qual é o padrão necessário nos diferentes lugares. A negociação do "padrão" está presente em todas as transferências de linhas ou plantas de produção, evidenciando que esse é um objeto de luta entre a direção da empresa e a direção sindical. A luta dos trabalhadores pela defesa do posto de trabalho é expressa em declarações tais como: "os companheiros diziam para você 'se a empresa fala que há lugar para quarenta, a gente tem de levar oitenta', ou 'falam [de transferir] vinte de trinta e seis que há, de quarenta e poucos que há, vamos ver como podemos quebrar esse esquema' ".

Para ilustrar o processo complexo de definição do padrão em uma planta de produção, enfocar-se-á, na análise a seguir, as plantas 1 e 2 de Montevidéu no CIM, durante 2004 e 2005. No percurso de instalação do novo centro industrial, foi sendo determinando, através de reuniões de negociação da direção da empresa com a direção da AOEC, principalmente com a criação de instâncias bilaterais (como a comissão paritária CIM, formada em 2004), o número de trabalhadores considerado necessário. A iniciativa sempre foi da direção da Conaprole, ao definir o padrão "tecnicamente" necessário, enquanto que o sindicato negociou constantemente para que os trabalhadores pudessem continuar trabalhando em Montevidéu. As demais alternativas eram passar a trabalhar em uma planta no interior do país, aceitar uma proposta de demissão voluntária ou, os que tinham 55 anos ou mais, aderir ao plano chamado pela direção da empresa de pré-aposentadoria (o trabalhador fica em casa, com um contrato menor de horas, um salário menor e recebendo uma compensação econômica, até chegar a idade legal para se aposentar).

A instalação do CIM requereu a transferência das linhas das plantas 1 e 2, sem paralisação da produção. Juntamente com as transferências das linhas de produção, os trabalhadores foram escolhidos gradativamente para trabalhar no novo complexo industrial, o que garantiria, inicialmente, que ninguém ficaria de fora. Em alguns momentos, a direção da Conaprole fez movimentos antecipados, transferindo trabalhadores mais favoráveis à política da empresa. Porém a AOEC sempre questionou as medidas empresariais que prescreviam o deslocamento de trabalhadores sem consultar à organização sindical.

Nesse processo, foram criadas situações conflitantes, em especial, quando a incorporação tecnológica ou a unificação de setores determinava, segundo a direção da Conaprole, que seria menor o número de trabalhadores necessários em relação aos que desempenhavam essas tarefas nas plantas anteriores. Um dos objetivos, declarados pela empresa, para a unificação das plantas, era a redução dos custos nos setores de manutenção, o que implicava, também, redução do número de trabalhadores ligados a tais setores. Por esse motivo, uma luta específica ocorreu em relação aos chamados trabalhadores de ofício (eletricistas, mecânicos, torneiros e outros) necessários no CIM.

A luta do sindicato para garantir postos de trabalho no CIM se manifestou também em outras questões, tais como o cumprimento de horas-extras, o trabalho dos supervisores na linha de produção e os acordos sobre o uso de força de trabalho temporária. Desde final da década de 90, a AOEC impôs limitações à realização de horas-extras por parte de seus filiados. Na medida em que a empresa levava adiante um forte processo de enxugamento, a organização sindical questionava o fato de que, enquanto alguns trabalhadores estavam sendo levados a deixar a empresa fomentados por políticas de demissão voluntária , outros, pelo contrário, estavam trabalhando mais. Uma fonte de atritos, no caso particular do CIM, foi o fato de a empresa colocar restrições para o aumento do padrão em determinadas seções ou setores, ao mesmo tempo em que existiam trabalhadores efetuando, nesses lugares, jornadas de trabalho superiores às oito horas regulamentares. O mesmo pode ser dito em relação ao trabalho dos supervisores na linha de produção. A incorporação de novas tecnologias cria uma redefinição dos cargos intermediários. Os denominados operários especializados passam a efetuar cada vez mais tarefas de supervisão, tornando redundante o trabalho dos supervisores. Por isso, a empresa procura redefinir sua função na linha de produção. No entanto, a organização sindical opõe-se a que supervisores realizem tarefas "próprias de um operário", como forma de não diminuir o padrão dos trabalhadores em cada setor.

O uso da força de trabalho temporária também foi objeto de acordos e conflitos entre empresa e sindicato. Assim, nos últimos anos, têm sido realizados acordos para a não contratação de safristas nos setores de produção e para a manutenção de força de trabalho contratada por tempo determinado em setores de apoio à produção (eletricidade, mecânica e outros), até que o processo de reestruturação de plantas e a transferência de trabalhadores não atinjam certa estabilidade. Contudo, em determinadas ocasiões, principalmente em momentos de conflito, conforme depoimentos de dirigentes sindicais, a empresa tem contratado trabalhadores temporários para levar adiante tarefas efetuadas por trabalhadores permanentes. Nesta seção, abordou-se o complexo processo de reestruturação industrial de plantas, levado adiante pela direção da empresa Conaprole, como um espaço de lutas que tem combinado tanto o momento de diálogo com o sindicato de trabalhadores quanto situações de conflito entre as partes envolvidas.

NEGOCIAÇÃO DA FLEXIBILIZAÇÃO ESPACIAL E DE MEDIDAS IMPLEMENTADAS NO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO

O processo de mobilização da força de trabalho não está relacionado apenas ao fechamento de plantas, mas também à paralisação transitória de uma planta ou de algumas linhas de produção, ocasionada por necessidades de manutenção ou por baixa da demanda, particularmente do mercado externo. Nesses casos, os trabalhadores são distribuídos entre diferentes plantas, ou são impelidos a usufruir de suas férias anuais. Por sua vez, quando essas ações não são aplicáveis, recorre-se, durante alguns meses do ano, ao mecanismo legal do seguro-desemprego, benefício estatal pelo qual o trabalhador recebe um determinado percentual de seu salário por um máximo de seis meses (depois desse período, deve ser reintegrado ou demitido).

Nesse ponto verifica-se também uma forte participação sindical, constatada em expressões de dirigentes dos trabalhadores tais como a de "temos gente no seguro-desemprego". Apesar de ser a direção da empresa quem define a existência temporária de trabalhadores sobrantes em alguma unidade industrial, a organização sindical negocia o número deles e qual será o seu destino no período em que a linha, seção, setor ou planta onde desempenham tarefas permanecer inativa.

No que diz respeito ao seguro-desemprego, trata-se de uma situação desfavorável para o trabalhador, pois, durante o tempo em que recebe o benefício estatal, acaba percebendo uma quantia bastante inferior à sua renda salarial. A AOEC tem proposto um sistema de alternância dos trabalhadores no seguro-desemprego, de modo que cada um deles não ultrapasse um mês nessa condição. Além disso, em alguns casos, tem-se recorrido à escolha mediante sorteio, efetuado pela AOEC, dos trabalhadores que deverão ficar nessa situação, bem como à implementação de fundos econômicos de solidariedade.

Alguns sistemas de locomoção têm sido implementados pela direção da Conaprole durante o fechamento transitório de unidades industriais, com o objetivo de facilitar o deslocamento de trabalhadores. Em muitos casos, conforme depoimentos de dirigentes da AOEC, esses sistemas de locomoção têm sido instaurados devido à demanda da organização sindical, representando um exemplo de negociação no âmbito da reestruturação.

Os sistemas de locomoção também têm sido acionados em casos de fechamento definitivo de plantas industriais. Quando foi fechada a Planta 3, no Departamento de Canelones, os trabalhadores transferidos para a Planta 9 começaram a utilizar um sistema de transporte disponibilizado pela direção da empresa para se deslocar da cidade de Canelones (onde continuavam morando) até San Ramón. Posteriormente, esse sistema foi ampliado para ex-trabalhadores da Planta 13 que, morando em Montevidéu, passaram a trabalhar na Planta 9. O sistema de transportes fornecido pela empresa é percebido, na visão sindical, como uma "conquista dos trabalhadores", o que mostra como uma medida relativa ao processo geral de reestruturação torna-se um objeto de disputa material e simbólica entre empresa e trabalhadores.

Um plano de moradia coletiva para trabalhadores que foram transferidos para a Planta 9, de San Ramón, constitui outro componente da reestruturação negociada. Esse plano foi desenvolvido originalmente como proposta da direção da empresa, com o seu apoio para a compra do terreno e a participação dos trabalhadores na a construção da moradia. Contudo, se o movimento inicial foi da empresa (a partir da proposta de um ex-diretor), a organização sindical acabou se envolvendo fortemente, pois, desse modo, trabalhadores transferidos entre plantas poderiam ter também uma moradia própria, vendo facilitada, assim, sua fixação em outra cidade. A construção da moradia coletiva em Canelones foi adiada, devido, sobretudo, a empecilhos colocados pela Prefeitura desse Departamento para a aquisição do terreno.

Uma vez que o sindicato se envolveu com a questão da moradia para os trabalhadores da Planta 9, o plano tornou-se objeto de disputa. Assim, situações de conflito entre a direção da empresa e os trabalhadores sindicalizados, nos últimos anos, têm sido associadas a essa questão. Juntamente com o plano de moradia, foram estipuladas remessas de dinheiro para que os trabalhadores pudessem cobrir seus aluguéis enquanto as casas não estivessem construídas. Do lado do sindicato, o apoio aos trabalhadores que devem se deslocar entre plantas (não apenas no caso da Planta 9) de forma definitiva consiste, muitas vezes, na luta por essas remessas de dinheiro. As medidas analisadas nesta seção constituem objeto de disputa entre a direção da empresa e a direção sindical, no processo geral de reestruturação industrial, com fechamentos definitivos e transitórios de plantas industriais e forte mobilização da força de trabalho.

A FLEXIBILIZAÇÃO INTERNA COMO DISPUTA

Esta seção é dedicada à análise do avanço dos processos de flexibilização interna, no que diz respeito a duas questões: o desenvolvimento de uma camada de trabalhadores que exerce diversas competências no posto de trabalho e a criação de uma parcela multifuncional da força de trabalho. Analisa-se, especialmente, o consentimento e as disputas em torno desses processos.

Paulatinamente, começa a aparecer uma camada de trabalhadores mais afins com os processos de flexibilização interna. Uma constante da política empresarial é a tentativa de colocar, nos novos processos de trabalho, empregados que ofereçam pouca resistência. Na planta de Florida, o setor de elaboração de leite em pó o mais moderno em inovação tecnológica foi organizado com base em trabalhadores que aceitavam as orientações dadas pela empresa, de acordo com os novos modelos de organização mais flexível. Para tanto, o investimento em capacitação foi direcionado mais a eles do que ao restante dos trabalhadores. Os trabalhadores desse setor desenvolvem competências6 6 Esta análise baseia-se no uso do conceito de competência proposto por Gorgeu, Mathieu e Pialoux (2003). Conforme esses autores, a competência é definida pelo uso de diversos conhecimentos para levar adiante determinadas tarefas. Assim, a competência tem a ver com o fato de o trabalhador possuir vários conhecimentos ou desempenhar atividades em ofícios periféricos à produção, como a manutenção, a qualidade e a logística. Ela envolve o trabalho intelectual, o domínio de diversos conhecimentos e a capacitação para decidir com base nesses conhecimentos. cognitivas, aplicando saberes necessários para a realização das suas tarefas (uso de tecnologia informacional, aplicação de diferentes fórmulas para a produção de múltiplas variedades de um produto, flexibilidade do produto de acordo com a demanda do mercado), e competências comportamentais (baseadas nas idéias de responsabilidade, autonomia e cooperação com os objetivos gerenciais). Uma situação semelhante é encontrada em trabalhadores das seções de manteiga e de doce de leite da Planta 7. Nessas seções, existe uma camada de trabalhadores que opera, de forma flexível, diversos equipamentos automatizados em seu posto de trabalho. A presença de operários que desenvolvem diversas competências cognitivas e comportamentais, através de tecnologias flexíveis, também foi observada na fabricação de queijo na Planta 9 de San Ramón e na produção de leite pasteurizado ou longa vida no CIM, em Montevidéu.

Outros operários desenvolvem diversas competências através da incorporação de novos layouts, na organização do trabalho. Isso permite a operação de vários equipamentos ao mesmo tempo, como no mencionado setor de elaboração de manteiga e doce de leite da Planta 7 de Florida e na seção de leite pasteurizado, no CIM.

Muitos trabalhadores que desenvolvem diversas competências não são filiados ao sindicato ("a gente deles", como foi afirmado por um dirigente sindical). Esta situação é particularmente verificada na Planta 7 de Florida, onde os trabalhadores desempenham tarefas com diversas competências. A direção da empresa busca evitar resistências, colocando, nos setores de produção que requerem maior treinamento e que implicam a operação de vários equipamentos, trabalhadores mais dispostos a "colaborar". Em contraste, trabalhadores sindicalizados, que trabalham em seções como as de manteiga e doce de leite, da Planta 7, ocupam-se de retirar o produto da linha de produção, isto é, realizam uma tarefa de menor qualificação em relação às anteriores.

A direção da Conaprole, de acordo com depoimentos de trabalhadores sindicalizados, também retirou trabalhadores que anteriormente desempenhavam tarefas no setor mais moderno dessa planta e promoveu outros mais afins com as políticas da empresa, provenientes de outros setores. No entanto, a escolha de trabalhadores para esses setores tem se transformado em um terreno de disputa, no qual o sindicato promove a democratização do acesso aos postos de trabalho com maior tecnologia e que envolvem o desenvolvimento de diversas competências, particularmente as cognitivas.

O cenário observado na Planta 7 reiterou-se no processo de concentração de plantas em Montevidéu. É certo que a transferência de trabalhadores foi sendo efetuada à medida que foram deslocadas as linhas de produção e que a organização sindical participou em âmbitos paritários, estabelecendo quais deles e em que ordem seriam deslocados para o CIM. No entanto, também é certo que a empresa fez os movimentos que considerou necessários para que a transferência e o funcionamento das linhas de produção, no novo centro industrial, fossem feitos com sucesso. Para isso, procurou transferir, em primeiro lugar, trabalhadores (principalmente não sindicalizados) que aceitassem as novas formas de organização do trabalho flexíveis que seriam implantadas na nova planta industrial. A mais importante divisão encontrada no processo de reestruturação ocorre entre os trabalhadores sindicalizados e os não sindicalizados. Quando a empresa tem de fazer um movimento em direção a uma forma de organização do trabalho mais flexível, apóia-se em trabalhadores que oferecem menor resistência (desde que sejam portadores das competências requeridas), principalmente entre aqueles não filiados ao sindicato.

Uma das tentativas de alargamento das competências buscada pela direção da empresa, através de cursos de capacitação, é a de transformar os operários de manutenção em elétrica ou mecânica em "eletro-mecânicos". Assim, um operário que é técnico em eletricidade desempenharia funções e aplicaria conhecimentos de mecânica, e um operário especializado em mecânica também faria trabalhos de eletricidade. Outra tentativa é representada pela proposta de o operário da linha de produção desempenhar funções de manutenção mecânica e elétrica. Em ambos os casos, a direção da Conaprole enfrenta a oposição do sindicato, que visualiza, na aplicação de tais medidas, a redução de postos de trabalho

As disputas também são visíveis quando a empresa busca a multifuncionalidade.7 7 O conceito de multifuncionalidade (igual ao de competência) é aqui utilizado de acordo com o proposto por Gorgeu, Mathieu e Pialoux (2003). Para esses autores, a multifuncionalidade indica aumento no número de tarefas realizadas por cada trabalhador e implica capacidade de uma pessoa para conhecer e ocupar vários postos de trabalho. Apesar da oposição do sindicato, a direção conta com trabalhadores que aceitam a multifuncionalidade. Foi constatado que alguns trabalhadores, particularmente os não filiados à AOEC, estavam dispostos a trabalhar em outras seções que não as suas, durante uma mesma jornada de trabalho.

O projeto empresarial visa à obtenção de uma força de trabalho altamente flexível, que, sobretudo, se desloque na linha de produção e entre linhas, seções, setores e plantas. Representantes da empresa costumam explicitar a resistência oferecida pela organização sindical para implantar a multifuncionalidade. Por sua vez, os trabalhadores sindicalizados lutam para manter as funções associadas a seu posto e para se deslocarem o menos possível. No entanto, o desenvolvimento tecnológico, as oscilações na produção (devido a um mercado alta e crescentemente variável) e o deslocamento entre plantas requerem mais flexibilidade. Cumpre esclarecer que, apesar de sua resistência, os trabalhadores preferem desempenhar tarefas em outro posto de trabalho a serem encaminhados ao seguro-desemprego, ou a terem de aderir aos planos de demissão voluntária propostos pela empresa. Assim, nos casos em que os operários, por diversos motivos, não têm trabalho na sua linha, a organização sindical os autoriza a desempenharem tarefas diferentes das designadas no seu posto.

A direção da Conaprole tem procurado, através de supervisores de seção ou de setor, institucionalizar a cooperação entre os trabalhadores, o que implica certo grau de multifuncionalidade. Há uma luta cotidiana, no chão-da-fábrica, entre trabalhadores e chefias imediatas: enquanto os primeiros procuram continuar fazendo suas tarefas específicas, os últimos pressionam para que fique consolidada a realização de atividades até então executadas apenas ocasionalmente. Conforme um dirigente sindical:

Hoje em dia isso, se está perdendo [cooperar com os colegas nas suas tarefas], porque você vai e faz aquilo, e o capataz chega e diz: 'bom, já que fez uma vez, agora você vai fazer outra vez; e já que você está aí, pelas dúvidas, faça também essa outra coisa'.

De forma semelhante à flexibilidade espacial, os trabalhadores e sua organização sindical têm cooperado com o projeto gerencial de multifuncionalidade, para garantir postos de trabalho. No entanto, trata-se de uma flexibilidade interna, que é negociada constantemente com a direção da Conaprole. Em varias ocasiões, têm se registrado situações nas quais a direção do sindicato aceita que operários trabalhem em uma seção que não é a sua, o que representa um exemplo de multifuncionalidade, para que não precisem ser encaminhados ao seguro-desemprego devido à escassez de trabalho na sua seção.

Examinado o avanço da flexibilização interna, bem como a oposição e a cooperação sindical, passa-se agora ao tipo de relação estabelecida entre os principais agentes que atuam no campo da empresa.

COMPROMISSO COM DESCONFIANÇA ENTRE OS AGENTES DO CAMPO DA EMPRESA

O projeto de reestruturação produtiva é levado adiante pela direção da Conaprole, porém ele é conduzido a partir de um compromisso estabelecido com os trabalhadores sindicalizados, o qual vem sendo denominado, neste trabalho, de "reestruturação negociada".8 8 Em relação ao caso uruguaio, Olesker (2000) constatou que existiam alguns setores da economia nos quais se mantinham certos níveis de negociação, apesar da política governamental negativa ao incentivo de instâncias desse tipo, como foi visto acima. Em um contexto geral desfavorável à participação dos trabalhadores nos processos de reorganização empresarial, Olesker verificou que, nos setores financeiros, da saúde privada, do transporte e da construção, bem como nas empresas públicas e na Conaprole, mantinham-se âmbitos de negociação, resultado do poder sindical. Ao se analisar em outros países, observa-se uma realidade diversificada, embora exista certo consenso acadêmico sobre o fato de o sindicalismo ter perdido mundialmente a influência que deteve em boa parte do século XX. No Brasil, por exemplo, Carvalho Neto (1999) registrou ser uma raridade a participação dos trabalhadores na negociação da reestruturação produtiva. Em uma pesquisa de seis setores industriais no Brasil, Invernizzi (2004) concluiu que a reestruturação teve como conseqüência a transformação do perfil político da força de trabalho e a conseqüente crise nas organizações sindicais. Em um estudo do setor de telecomunicações, Guimarães (2003) encontrou uma situação caracterizada pela crise sindical e pela emergência de novas estratégias. A autora registrou que, nos Estados Unidos e no Brasil, o setor das telecomunicações se tornou competitivo, globalizado, diversificado e heterogêneo e pouco disposto à negociação com os sindicatos. Em relação à ação sindical, nos Estados Unidos, houve uma oscilação entre a cooperação e o confronto, a fusão dos sindicatos de trabalhadores dos setores de comunicação e de informática e a emergência de algumas experiências de internacionalização. No Brasil, transitava-se, no início da primeira década do século XXI, do confronto para a negociação e verificavam-se dificuldades de unificação entre trabalhadores sindicalizados de distintos setores, bem como uma incipiente participação em reuniões com trabalhadores de outros países. Em relação ao contexto europeu, Santos (2005) assinalava que a reestruturação industrial e a terceirização da economia tinham enfraquecido o movimento sindical.

Cabe esclarecer que as lutas (e o compromisso) não se reduzem ao agir entre os agentes. Em algumas ocasiões, principalmente de acirramento do conflito entre eles, observa-se a intervenção de agentes pertencentes ao espaço social mais amplo, como, por exemplo, de associações de produtores e organizações sociais dos locais onde estão localizadas as plantas de produção, da organização nacional de trabalhadores (PIT-CNT), ou mesmo de órgãos do Estado, como, por exemplo, o Ministério do Trabalho. O Estado também vem intervindo, através dos poderes executivo e legislativo, com alterações na lei original de criação da Conaprole (a última alteração ocorreu em 2000), modificando aspectos importantes da relação entre os trabalhadores e a direção da empresa, como, por exemplo, a anulação da disposição legal que estabelecia que um percentual dos rendimentos econômicos advindos da industrialização do leite deveriam ser repassados para os primeiros.

Na direção da empresa existem linhas gerenciais (denominadas, aqui, de dialogais) que procuram estabelecer um diálogo com os trabalhadores, para levar adiante o processo de reestruturação sem maiores "traumatismos". A negociação, para esse setor gerencial, é identificada com o avesso do conflito e como sinônimo de formas "civilizadas" de relacionamento. É comum, aliás, que seus representantes se coloquem como um "terceiro" ator, separado da diretoria da Conaprole e dos trabalhadores sindicalizados.

Um indicador do agir de setores gerenciais mais "comunicativos" é representado pelo fato de se ter levado adiante um forte processo de enxugamento da força de trabalho, mesmo no momento de maior radicalidade desse processo, entre 1999 e 2005, sem que tenha havido demissões em massa ou unilaterais e sem grandes conflitos que paralisassem a produção. Para isso recorreu-se, principalmente, a planos de demissão voluntária, a sistemas de aposentadoria, para quem tinha atingido a idade legal para uso desse benefício, e a propostas chamadas de "pré-aposentadoria", para os que estavam próximos do tempo exigido. Isso não significou, é importante esclarecer, a inexistência de pressões individualizadas para que os trabalhadores aceitassem esses planos.

Embora tenha havido certa comunicação e cooperação no processo de reestruturação produtiva, isso também não tem implicado, como se verá mais adiante, ausência de conflitos entre a direção da Conaprole e os trabalhadores sindicalizados. A comunicação e a cooperação prosperaram, porque se conseguiu estabelecer um acordo mínimo entre os agentes do campo, para efetuar, sob o comando da direção da Conaprole, uma importante reorganização interna da empresa.

Embora exista uma linha gerencial que se aproxima de um modelo mais comunicativo, que procura uma relação mais dialógica com os trabalhadores, há também outra linha gerencial mais estratégica, que aponta, principalmente, para baixa dos custos da empresa através da aceleração dos processos de enxugamento da força de trabalho.

A formação de um compromisso entre a linha gerencial mais dialogal da direção da Conaprole e os trabalhadores sindicalizados, para que a reestruturação fosse levada adiante sem grandes conflitos, não implicou a consolidação da confiança entre esses agentes. A desconfiança dos trabalhadores responde ao fato de, apesar da busca de comunicação das linhas gerenciais mais dialogais, prevalecer, no conjunto da direção empresarial, o objetivo estratégico de formação de uma empresa enxuta, o que pode ser constatado na diminuição drástica da força de trabalho que sempre prevaleceu nas últimas décadas. As linhas gerenciais mais dialogais carregam consigo um projeto nada alentador para os trabalhadores, o de que boa parte deles ficará fora da empresa. Seu discurso não pode deixar de ser contraditório, pois ele afirma que "haverá uma Conaprole melhor, mas não será para todos".

Contudo, deve-se considerar que há um esforço das linhas gerenciais denominadas dialogais e da organização sindical dos trabalhadores para que se estabeleça uma relação mais confiável. De um lado, representantes dessas linhas gerenciais investem boa parte de seu tempo em procurar acordos e soluções e em criar âmbitos de diálogo. De outro, a direção sindical participa de múltiplas reuniões com representantes dessas linhas gerenciais, ocupando nisso boa parte do tempo dedicado à ação sindical.

A desconfiança encontrada não é apenas visualizada na direção sindical, mas está presente no conjunto dos trabalhadores, pelo menos nos filiados ao sindicato. Existe um importante contingente de trabalhadores que acredita ser a reestruturação produtiva implementada pela direção da Conaprole prejudicial para eles. O processo de enxugamento e de mobilidade espacial da força de trabalho é tão forte, que os discursos e políticas comunicativas colidem diante dessa realidade. Também prejudicam a consolidação da confiança medidas empresariais contraditórias, levadas adiante no processo de mobilidade espacial da força de trabalho entre plantas, tais como a mudança de rumo no que diz respeito às plantas de produção que serão fechadas e a realização de horas-extras não negociadas com o sindicato. Ou ainda o trabalho de supervisores na linha de produção, quando, ao mesmo tempo, muitos operários não têm, devido ao processo geral de reestruturação, um lugar definido para trabalhar.

A desconfiança também é gerada pelos conflitos criados ao redor dos processos que fazem parte da reestruturação produtiva, isto é, a aceleração da flexibilização espacial, o aumento da flexibilidade interna, principalmente no que diz respeito à multifuncionalidade, os discursos e políticas de envolvimento individual da força de trabalho e a implementação de terceirizações e de planos de demissão voluntária.

A desconfiança dos trabalhadores, em relação à direção da Conaprole, assume o ápice quando se verifica o não cumprimento de acordos efetuados. Os acordos podem estar referidos a diversas questões, tais como planos de demissão voluntária ou especificação de padrões de trabalhadores de uma nova planta de produção. Nos últimos anos, houve conflitos, devido, principalmente, ao fato de a organização sindical avaliar que a direção da Conaprole não tinha respeitado acordos salariais assinados entre ambos. A desconfiança, então, a respeito do cumprimento dos diferentes acordos tem seu principal alicerce nesses conflitos. Em 2002, por exemplo, teve lugar um dos principais conflitos, devido ao questionamento da AOEC de que a direção da Conaprole não teria cumprido um acordo que determinava um incremento de 6% dos salários, bem como ao plano gerencial de envio de trezentos trabalhadores ao seguro-desemprego (Relaciones..., 2002, p.17).

Para os trabalhadores sindicalizados, a criação do compromisso com a empresa é resultado da própria ação sindical. A presença da organização sindical é, para eles, a que garante que a empresa insira uma política comunicativa como parte da sua estratégia. Isso é constatado em depoimentos como: "Se fosse por eles, se não houvéssemos feito paralisações e se não tivéssemos a organização sindical que temos, fazia tempo que tínhamos sumido".

As relações entre os principais agentes da empresa são de cooperação, desconfiança e também de conflito. Os conflitos registrados entre 1999 e 2005, com medidas de paralisação por parte da AOEC, estão relacionados com questões na maioria das vezes associadas ao processo geral de reestruturação, entre as quais destacam-se: as propostas de fechamento de plantas; a transferência de linhas de produção e de trabalhadores; a venda de ativos da empresa e terceirizações; as modificações no regime legal que ampara a Conaprole, o que a aproxima, cada vez mais, de uma empresa privada com fins exclusivamente de lucro; o encaminhamento de trabalhadores ao seguro-desemprego (sobretudo entre 1999 e 2002); a realização de horas-extras em plantas de produção que estão sendo reestruturadas; o trabalho de supervisores como operários nas linhas de produção; a escassez de informação por parte da direção da Conaprole sobre o processo de reestruturação de plantas; a discordância com os "padrões", principalmente em setores de produção com trabalhadores transferidos; a aplicação de avaliação de desempenho, que visa à formação de uma força de trabalho mais colaboradora; o envio de comunicações escritas ao trabalhador e à família; a implementação de plano de moradia para trabalhadores; o descumprimento de acordos assinados (salariais e outros); o desconhecimento de medidas sindicais; e as sanções a trabalhadores que cumprem medidas da AOEC, contrárias ao avanço da reestruturação.

Em momentos de conflito, os trabalhadores sindicalizados negam-se a executar quaisquer tarefas que impliquem flexibilização. O sindicato costuma decidir, nessas ocasiões, realizar o "trabalho a regulamento", pelo qual o trabalhador aceita fazer apenas funções relacionadas com seu posto de trabalho. Por exemplo, um "operário especializado" não aceita trabalhar em tarefas de "operário comum", o que, em tempos de "normalidade", é aceito, nos casos em que não existe demanda de produção no seu setor.

Em alguns casos, a AOEC chegou a paralisar praticamente em sua totalidade o funcionamento das plantas e, em outros, determinou medidas de paralisação rotativa (por exemplo, três horas semanais por trabalhador), afetando o funcionamento do conjunto das linhas de produção da fábrica. Nos últimos anos, também foram registradas medidas simbólicas, como a denúncia pública de chefes com os quais os trabalhadores têm uma relação conflituosa, a ocupação pelos trabalhadores sindicalizados do setor de Recursos Humanos (encarregado de implementar planos relacionados com o processo de reestruturação, tais como os de demissão voluntária) e as mobilizações coletivas ao Ministério do Trabalho, ao Parlamento ou a cidades com plantas industriais no interior do país que estão passando por processos de reestruturação.

Entretanto, quando a disputa no campo se torna muito acirrada, não é só o sindicato que leva adiante determinadas ações para apoiar sua posição. A direção da empresa também efetua ações que impedem a geração de prejuízos econômicos. Nos casos em que os trabalhadores sindicalizados efetuam medidas de paralisação do trabalho, a direção da Conaprole tem contratado trabalhadores temporários, sem proteção sindical, para garantir que a produção não seja prejudicada. Isso determina uma luta pela ocupação dos postos de trabalho no chão-de-fábrica. Em suma, o compromisso estabelecido é resultado de um processo geral de reestruturação, que cria uma forte incerteza sobre os novos planos gerenciais a serem executados e o destino dos trabalhadores na empresa.

REFLEXÕES FINAIS

Neste texto, analisou-se o processo de reestruturação produtiva em uma indústria de laticínios uruguaia. O contexto econômico mais geral, em que se insere esse processo de reestruturação, esteve marcado pela liberalização econômica e financeira, pela perda de importância econômica do setor industrial, pela desregulação das relações de trabalho, por meio, principalmente, da restrição à implementação de acordos coletivos e pela precarização das condições de trabalho. A década de noventa do século XX e o início da década de 2000 foram períodos caracterizados pela diminuição dos empregos com carteira assinada, pelo aumento do desemprego e dos empregos precários e pela evolução negativa dos indicadores de pobreza e de desigualdade de renda. Nessa época, avança a primazia do mercado, e dimensões como a negociação coletiva constituem uma raridade, constatando-se, no âmbito das empresas, a desregulação das relações trabalhistas.

Nesse contexto foi que se processou, especialmente a partir dos últimos anos da década do noventa do século XX, a reestruturação produtiva da empresa Conaprole. Nessa firma, implementou-se um processo de negociação da reestruturação produtiva, inexistente na maioria dos setores econômicos do país. As razões para isso são múltiplas, destacando-se: a imagem da empresa na sociedade uruguaia, com forte presença no mercado interno desde as primeiras décadas do século XX; as características da indústria de processo contínuo, na qual devem ser evitados os conflitos trabalhistas, caso contrário, correm-se sérios riscos de conservação da matéria-prima; as recomendações de órgãos financeiros mundiais de crédito com referência a relações trabalhistas de cooperação e a capacidade de atuação da organização sindical (Robertt, 2006).

A análise realizada em torno das questões centrais do processo de reestruturação produtiva, tais como a flexibilização espacial e interna, mostra, para o caso estudado, disputas entre a direção da empresa e a direção sindical. Isso indica que a reorganização das empresas, mesmo em um contexto geral negativo aos trabalhadores, não é só resultado da decisão unilateral das gerências, senão que depende também do agir de outros agentes, principalmente dos sindicatos. Ante uma visão da flexibilização como tendência inevitável do capitalismo atual, o estudo realizado mostra que os processos de reorganização empresarial dependem do agir dos empresários, mas também do que possam fazer tanto os trabalhadores envolvidos como outros agentes sociais e políticos. No caso da Conaprole, têm sido efetuadas tanto intervenções políticas, para torná-la cada vez mais uma organização com fins exclusivamente de lucro (principalmente através de modificações no marco legal que a contempla), quanto mediações de agentes sociais e políticos, para evitar que a reestruturação de plantas industriais tenha um alto impacto negativo sobre os trabalhadores.

Em relação ao processo geral de reestruturação de plantas industriais, observou-se uma forte participação sindical, que procurou, de um lado, garantir que os trabalhadores mantivessem seus postos de trabalho e, de outro, que o processo de mobilização da força de trabalho viesse acompanhado de medidas (seguro-desemprego, sistemas de locomoção para trabalhadores transferidos temporária ou definitivamente entre plantas, plano de moradia para trabalhadores que mudaram de cidade, entre outras) que atenuassem suas piores conseqüências.

A organização sindical também tem se oposto a qualquer medida que signifique diminuição dos postos de trabalho e, como conseqüência, do número de trabalhadores na empresa. A luta pela definição do "padrão" em cada seção, setor ou planta de produção é um exemplo disso, bem como as resistências dos trabalhadores sindicalizados à realização de horas-extras, ao trabalho de supervisores na linha de produção e ao aumento no uso de força de trabalho temporária. Todos esses são fatores que podem contribuir eventualmente para a diminuição da força de trabalho efetiva. Apesar de a direção da Conaprole conseguir uma diminuição significativa do número de funcionários nas últimas décadas, mediante principalmente planos de demissão voluntária ou de aposentadoria, a organização sindical procurou sempre desestimular que opções desse tipo fossem aceitas por seus filiados.

Por seu turno, os processos de flexibilização interna, tanto em termos de aumento das competências cognitivas e comportamentais quanto da multifuncionalidade (em termos de uma polivalência empobrecida) também são objetos de disputa entre representantes da empresa e trabalhadores sindicalizados. Como se pôde constatar, as gerências da empresa têm procurado, em diversos momentos, que trabalhadores que não seguem as orientações dadas pela AOEC, principalmente os não sindicalizados, colaborem com os processos de flexibilidade interna, colocando-os em setores modernos, que utilizam uma tecnologia mais flexível, ou procurando que assumam tarefas que implicam uma maior multifuncionalidade. Nesse sentido, cabe enfatizar que os trabalhadores não filiados ao sindicato representam a principal carta que a direção empresarial possui para levar adiante o processo de reestruturação produtiva.

Na visão sindical, em cada proposta gerencial de organização do trabalho mais flexível, está presente a possibilidade de diminuição da força de trabalho. Por isso, cada movimento da empresa orientado nessa direção tem como contrapartida uma resposta praticamente imediata do agente sindical. Volta a ser colocada aqui, então, a questão do enxugamento do número de trabalhadores. No momento em que se realizava a pesquisa, um representante da empresa chegou a falar que o sindicato observava cada movimento da organização econômica como se tivesse uma lupa nas mãos. Isso significa que a flexibilidade interna, seja por meio do aumento das competências cognitivas, seja pela adoção da multifuncionalidade, não é uma lógica inevitável do capitalismo a ser instaurada, tampouco uma competição abstrata de projetos, mas sim uma mudança na organização do trabalho que se disputa cotidianamente no espaço da empresa.

Neste artigo, analisou-se um modelo de reestruturação empresarial que tem tido sucesso por ser levado adiante junto com o compromisso e a cooperação entre alguns agentes do campo: as denominadas linhas gerenciais mais dialogais e a direção sindical. Nesse sentido, um momento crucial foi o acordo de estabilidade no trabalho assinado, em 1999, entre a direção da empresa e a direção sindical, pelo qual se garantiu que a reestruturação seria levada adiante sem realizar demissões unilaterais de trabalhadores.

O compromisso efetuado constitui um elemento que sobressai nos processos contemporâneos de reorganização empresarial. Mas, paradoxalmente, trata-se de um compromisso (ou "reestruturação negociada") com desconfiança e conflitos, devido, principalmente, à primazia do objetivo estratégico de efetivar uma reorganização empresarial com enxugamento no número de trabalhadores e mobilidade espacial de linhas de produção e da força de trabalho. Isso tem levado, aliás, à existência de fortes conflitos entre a direção da Conaprole e a direção sindical, vinculados, na maioria das vezes, ao processo geral de reestruturação. Nesses conflitos, são tomadas medidas de pressão tanto pelos trabalhadores (diferentes métodos de paralisação das atividades e mobilizações, entre outras) quanto pelas gerências (como, por exemplo, a contratação de trabalhadores temporários).

Ao se comparar esse caso com as experiências unilaterais de reestruturação empresarial que se vêm processando, desde início da década de noventa do século XX, em variadas partes, conclui-se que o modelo analisado apresenta características positivas. Alguns casos estudados, no Brasil, nos Estados Unidos e em países europeus, indicam que os processos de reestruturação empresarial são avessos à incorporação dos trabalhadores na tomada de decisões. O caso apresentado neste trabalho mostra a implantação de um modelo de reestruturação que leva em consideração a cooperação e a negociação, embora não consiga se desprender de uma visão e de uma prática predominantemente estratégicas de construção de uma empresa enxuta. Do lado dos trabalhadores, observa-se uma forte preocupação de acompanhar a reestruturação da empresa, embora as ações efetuadas tendam a ser basicamente defensivas, procurando amenizar os efeitos mais negativos desse processo. Em comparação com estudos feitos em outros contextos, o sindicato de trabalhadores da Conaprole leva adiante estratégias de cooperação e confronto frente aos processos de reestruturação e flexibilização, mas não consegue deter o projeto gerencial mais estratégico de criação de uma empresa enxuta.

(Recebido para publicação em setembro de 2007)

(Aceito em novembro de 2007)

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  • ZARIFIAN, Philippe. La nouvelle productivité. Paris: Éditions l'Harmattan, 1990.
  • 1
    Este artigo é uma versão corrigida e ampliada do trabalho
    Processos de flexibilização espacial e interna em um contexto de reestruturação negociada. Estudo de caso em uma empresa industrial uruguaia, apresentado no V Congresso Latino-americano de Sociologia
    Hacia una nueva civilización del trabajo, celebrado em Montevidéu entre 18 e 20 de abril de 2007. Foi realizado com o auxílio da bolsa de recém-doutor que o autor recebia de FAPERGS/CAPES.
  • 2
    Diversos cientistas sociais vêm estudando as transformações no mundo do trabalho nas últimas duas décadas. Da ampla bibliografia sobre o tema, podem ser citados: Antunes (1999); Antunes (2002); Beaud; Pialoux (1999) Castel (1999); Coriat (1995); De la Garza Toledo (1998); Druck (2001); Durand (2003); Gounet (1999); Harvey (1993); Leite, (2003); Linhart (1994); Neffa (1999); Novick (2000); Wood (1991); Zarifian (1990), entre outros.
  • 3
    O conceito de campo é utilizado em concordância com os desenvolvimentos teóricos de Bourdieu (2000). Beaud e Pialoux (1999) e Pialoux (1996) estudaram a empresa Peugeot na França com um instrumental teórico semelhante ao aqui apresentado, isto é, considerando a organização de uma empresa industrial como um campo de lutas.
  • 4
    Cálculos do autor, segundo informações do Instituto Nacional de Estatística (Olesker, 2005; El Servicio, 2005).
  • 5
    Para a análise dos diferentes conceitos de flexibilidade presentes neste artigo podem ser consultadas, entre outras, as seguintes obras: Boyer (1987); De la Garza Toledo (1998); Cattani (1997).
  • 6
    Esta análise baseia-se no uso do conceito de competência proposto por Gorgeu, Mathieu e Pialoux (2003). Conforme esses autores, a competência é definida pelo uso de diversos conhecimentos para levar adiante determinadas tarefas. Assim, a competência tem a ver com o fato de o trabalhador possuir vários conhecimentos ou desempenhar atividades em ofícios periféricos à produção, como a manutenção, a qualidade e a logística. Ela envolve o trabalho intelectual, o domínio de diversos conhecimentos e a capacitação para decidir com base nesses conhecimentos.
  • 7
    O conceito de multifuncionalidade (igual ao de competência) é aqui utilizado de acordo com o proposto por Gorgeu, Mathieu e Pialoux (2003). Para esses autores, a multifuncionalidade indica aumento no número de tarefas realizadas por cada trabalhador e implica capacidade de uma pessoa para conhecer e ocupar vários postos de trabalho.
  • 8
    Em relação ao caso uruguaio, Olesker (2000) constatou que existiam alguns setores da economia nos quais se mantinham certos níveis de negociação, apesar da política governamental negativa ao incentivo de instâncias desse tipo, como foi visto acima. Em um contexto geral desfavorável à participação dos trabalhadores nos processos de reorganização empresarial, Olesker verificou que, nos setores financeiros, da saúde privada, do transporte e da construção, bem como nas empresas públicas e na Conaprole, mantinham-se âmbitos de negociação, resultado do poder sindical. Ao se analisar em outros países, observa-se uma realidade diversificada, embora exista certo consenso acadêmico sobre o fato de o sindicalismo ter perdido mundialmente a influência que deteve em boa parte do século XX. No Brasil, por exemplo, Carvalho Neto (1999) registrou ser uma raridade a participação dos trabalhadores na negociação da reestruturação produtiva. Em uma pesquisa de seis setores industriais no Brasil, Invernizzi (2004) concluiu que a reestruturação teve como conseqüência a transformação do perfil político da força de trabalho e a conseqüente crise nas organizações sindicais. Em um estudo do setor de telecomunicações, Guimarães (2003) encontrou uma situação caracterizada pela crise sindical e pela emergência de novas estratégias. A autora registrou que, nos Estados Unidos e no Brasil, o setor das telecomunicações se tornou competitivo, globalizado, diversificado e heterogêneo e pouco disposto à negociação com os sindicatos. Em relação à ação sindical, nos Estados Unidos, houve uma oscilação entre a cooperação e o confronto, a fusão dos sindicatos de trabalhadores dos setores de comunicação e de informática e a emergência de algumas experiências de internacionalização. No Brasil, transitava-se, no início da primeira década do século XXI, do confronto para a negociação e verificavam-se dificuldades de unificação entre trabalhadores sindicalizados de distintos setores, bem como uma incipiente participação em reuniões com trabalhadores de outros países. Em relação ao contexto europeu, Santos (2005) assinalava que a reestruturação industrial e a terceirização da economia tinham enfraquecido o movimento sindical.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2007
    • Recebido
      Set 2007
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