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Sepse em pacientes com traumatismo craniencefálico em unidade de terapia intensiva: fatores relacionados à maior mortalidade

Resumos

Objetivo:

Pacientes com traumatismo craniencefálico são particularmente suscetíveis a sepse, a qual pode exacerbar a resposta inflamatória sistêmica e levar à disfunção orgânica. Investigou-se a influência de variáveis clínicas sobre a mortalidade de pacientes com traumatismo craniencefálico e sepse em unidade de terapia intensiva.

Métodos:

Trata-se de estudo retrospectivo envolvendo 175 pacientes com traumatismo craniencefálico atendidos durante 1 ano em um hospital de referência em trauma, que apresentaram sepse, sepse grave ou choque séptico. Foram obtidos dados demográficos e clínicos e foi aferida a pontuação no escore SOFA no momento da identificação da sepse e após 72 horas.

Resultados:

Observou-se predomínio de homens jovens, com traumatismo craniencefálico grave, múltiplas lesões cranianas, sepse de foco pulmonar, tempo de internação prolongado e alta mortalidade (37,7%). Falência respiratória e circulatória tiveram alta incidência, já falência renal e da coagulação foram menos frequentes e não se registrou falência hepática. Após a regressão logística, a presença de choque séptico e falência respiratória após 72 horas da identificação da sepse foram associados à maior mortalidade, com odds ratio de 7,56 (IC95%=2,04-27,31; p=0,0024) e 6,62 (IC95%=1,93-22,78; p=0,0027), respectivamente. Ainda, houve maior mortalidade nos pacientes que não possuíam falência orgânica em D1, mas que desenvolveram após 72 horas do diagnóstico de sepse e naqueles que já tinham falência orgânica no momento do diagnóstico da sepse e permaneceram assim após 72 horas.

Conclusão:

Choque séptico e disfunção orgânica progressiva (particularmente a respiratória) aumentaram a mortalidade de pacientes com traumatismo craniencefálico e sepse.

Sepse; Traumatismos craniocerebrais; Síndrome do desconforto respiratório do adulto; Insuficiência de múltiplos órgãos; Choque séptico; Unidades de terapia intensiva


Objective:

Patients with traumatic brain injury are particularly susceptible to sepsis, which may exacerbate the systemic inflammatory response and lead to organ dysfunction. The influence of clinical variables on the mortality of intensive care unit patients with traumatic brain injury and sepsis was investigated.

Methods:

The present investigation was a retrospective study involving 175 patients with traumatic brain injury who were treated in a period of 1 year at a reference hospital for trauma and who had sepsis, severe sepsis, or septic shock. Demographic and clinical data were obtained, and the SOFA score was calculated at the time sepsis was found and after 72 hours.

Results:

There was a predominance of young men with severe traumatic brain injury, multiple head injuries, sepsis with a pulmonary focus, prolonged hospital stay, and high mortality (37.7%). Circulatory and respiratory failure had a high incidence, but renal and coagulation failure were less frequent, and liver failure was not observed. After logistic regression, the presence of septic shock and respiratory failure 72 hours after the sepsis diagnosis was associated with higher mortality, with an odds ratio of 7.56 (95%CI=2.04-27.31, p=0.0024) and 6.62 (95%CI=1.93-22.78, p=0.0027), respectively. In addition, there was a higher mortality among patients who had no organ failure on D1 but who developed the condition after 72 hours of sepsis and in those patients who already had organ failure at the time sepsis was diagnosed and remained in this condition after 72 hours.

Conclusion:

Septic shock and progressive organ (particularly respiratory) dysfunction increases the mortality of patients with traumatic brain injury and sepsis.

Sepsis; Craniocerebral trauma; Respiratory distress syndrome, adult; Multiple organ failure; Septic shock; Intensive care units


INTRODUÇÃO

A sepse é definida como uma reação inflamatória sistêmica secundária a um processo infeccioso e é a principal causa de morte nas unidades de terapia intensiva (UTI) em todo o mundo, sendo, portanto, um grave problema de saúde pública.(11. Angus DC, Linde-Zwirble WT, Lidicker J, Clermont G, Carcillo J, Pinsky MR. Epidemiology of severe sepsis in the United States: analysis of incidence, outcome, and associated costs of care. Crit Care Med. 2001;29(7):1303-10.

2. Silva E, Pedro MA, Sogayar AC, Mohovic T, Silva CL, Janiszewski M, Cal RG, de Sousa EF, Abe TP, de Andrade J, de Matos JD, Rezende E, Assunção M, Avezum A, Rocha PC, de Matos GF, Bento AM, Corrêa AD, Vieira PC, Knobel E; Brazilian Sepsis Epidemiological Study. Brazilian Sepsis Epidemiological Study (BASES study). Crit Care. 2004;8(4):R251-60.
-33. Sales Júnior JA, David CM, Hatum R, Souza PC, Japiassú A, Pinheiro CT, et al. Sepse Brasil: estudo epidemiológico da sepse em unidades de terapia intensiva brasileiras. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(1):9-17.)

Nesse contexto, alguns grupos específicos de pacientes se apresentam mais suscetíveis à sepse e à sua evolução para formas graves, tais como pneumopatas, cardiopatas, hepatopatas e pacientes imunossuprimidos.(33. Sales Júnior JA, David CM, Hatum R, Souza PC, Japiassú A, Pinheiro CT, et al. Sepse Brasil: estudo epidemiológico da sepse em unidades de terapia intensiva brasileiras. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(1):9-17.) Dentre estes, os pacientes com traumatismo craniencefálico (TCE), devido a diversas modificações impostas a sua homeostase, apresentam-se especialmente sujeitos a adquirir infecções e a evoluir para sepse, resultando em lesões secundárias, que implicam em acréscimo considerável de morbimortalidade. Tal afirmação é tanto mais verdadeira, quando se trata de TCE grave tratado em ambiente de terapia intensiva.(44. Corral L, Javierre CF, Ventura JL, Marcos P, Herrero JI, Mañez R. Impact of non-neurological complications in severe traumatic brain injury outcome. Crit Care. 2012;16(2):R44.,55. Selassie AW, Fakhry SM, Ford DW. Population-based study of the risk of in-hospital death after traumatic brain injury: the role of sepsis. J Trauma. 2011;71(5):1226-34.)

Infelizmente a incidência e a mortalidade por TCE no Brasil ainda é desconhecida, visto que não há trabalhos a nível nacional com tal objetivo. Entretanto, dados de estudos pequenos, de abrangência local, sugerem que se trata de uma doença frequente e que, em boa parte dos casos, apresenta-se de forma grave, exigindo cuidados de terapia intensiva.(66. Melo JR, Silva RA, Moreira Júnior ED. Características dos pacientes com trauma cranioencefálico na cidade do Salvador, Bahia, Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(3A):711-4.,77. Souza RM, Ferreira Júnior AA, Ikemori SY, Souza FF, Souza RC. Vítimas de trauma crânio-encefálico internadas em unidade de terapia intensiva e enfermaria de hospital de referência da Baixada Santista. Acta Paul Enferm. 2004;17(2):201-10.)

Vale ressaltar que os principais estudos nacionais sobre a epidemiologia da sepse incluíram um número pequeno de pacientes com trauma, incluindo o TCE. Dessa forma, os resultados destes estudos podem não refletir o comportamento da sepse em pacientes com trauma neurológico, em virtude das peculiaridades desse grupo.(22. Silva E, Pedro MA, Sogayar AC, Mohovic T, Silva CL, Janiszewski M, Cal RG, de Sousa EF, Abe TP, de Andrade J, de Matos JD, Rezende E, Assunção M, Avezum A, Rocha PC, de Matos GF, Bento AM, Corrêa AD, Vieira PC, Knobel E; Brazilian Sepsis Epidemiological Study. Brazilian Sepsis Epidemiological Study (BASES study). Crit Care. 2004;8(4):R251-60.,33. Sales Júnior JA, David CM, Hatum R, Souza PC, Japiassú A, Pinheiro CT, et al. Sepse Brasil: estudo epidemiológico da sepse em unidades de terapia intensiva brasileiras. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(1):9-17.) Assim, foi desenvolvido este estudo, visando investigar os principais fatores relacionados à maior mortalidade em pacientes com TCE atendidos em UTI que evoluíram com sepse.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo realizado por meio de coleta de dados registrados em prontuários de pacientes com TCE atendidos no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência, que é referência em trauma no Estado do Pará, após aprovação da Divisão de Ensino e Pesquisa do referido hospital e do Comitê de Ética em Pesquisa do Estado do Pará/Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CAAE: 07666012.7.00005174, parecer 182.775).

Foram identificados todos os pacientes que receberam alta hospitalar ou vieram a óbito no período de 1º de junho de 2011 a 31 de maio de 2012 com diagnóstico de TCE, definido por meio da 10ª edição do Código Internacional de Doenças (CID-10), registrado no sumário dse alta. Destes, foram incluídos aqueles que, em algum momento da internação, receberam assistência em uma UTI e apresentaram sepse, sepse grave ou choque séptico, segundo a definição do Consenso de 1991 da American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine (ACCP/SCCM).(88. Bone RC, Balk RA, Cerra FB, Dellinger RP, Fein AM, Knaus WA, et al. Definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. The ACCP/SCCM Consensus Conference Committee. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine. Chest. 1992;101(6):1644-55. Review.) Foram excluídos aqueles pacientes cujo prontuário possuía dados incompletos ou duvidosos, bem como os pacientes admitidos na UTI pediátrica.

Para caracterizar a amostra, foram registrados a idade e o gênero dos pacientes, bem como o momento em que foi identificada a sepse (na admissão ou durante a internação na UTI). Todos os pacientes foram classificados em sepse, sepse grave ou choque séptico, sendo registrada a classificação mais grave apresentada. Além disso, foi obtida a pontuação no escore Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), para avaliar o grau de disfunção orgânica dos pesquisados, sendo esta aferida no momento da identificação da sepse (D1) e 72 horas após (D3). Na ausência de algum dos parâmetros desse escore, tal parâmetro recebeu a pontuação zero. Em caso de sedação, o valor do quesito escala de coma de Glasgow foi o último registrado antes desta. Nos casos de óbito antes de 72 horas após o início da sepse, a pontuação da escala SOFA em D3 foi obtida com os dados do dia do óbito.

Foi considerada como falência orgânica uma pontuação de 3 ou mais em um determinado quesito do escore SOFA. Tal critério foi baseado no trabalho de Zygun et al.,(99. Zygun DA, Kortbeek JB, Fick GH, Laupland KB, Doig CJ. Non-neurologic organ dysfunction in severe traumatic brain injury. Crit Care Med. 2005;33(3):654-60.) que definiram disfunção orgânica como uma pontuação ≥1 em um setor do escore MOD (Multiple Organ Dysfunction score) e falência uma pontuação ≥3, apenas adaptando tais critérios para o escore SOFA (visto que ambos os escores têm estruturas análogas).

O TCE foi estratificado em leve, moderado e grave, tomando como referência a pontuação na escala de coma de Glasgow no momento da admissão no hospital, sendo adotados os valores entre 14 e 15 como TCE leve, 9 a 13 como moderado e valores entre 3 e 8 como TCE grave. O tipo de lesão encefálica evidenciada na tomografia computadorizada de crânio, a presença de traumas associados e o tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico) também foram registrados. Ainda, identificou-se a presença de comorbidades, definidas como qualquer doença ou processo patológico que o paciente fosse portador previamente ao trauma (por exemplo: hipertensão arterial) que tivesse sido registrada no prontuário.

Dados de interesse sobre a infecção incluíram o foco infeccioso, bem como sua origem (comunitária ou nosocomial, definida de acordo com os critérios do Centers for Disease Control and Prevention(1010. Garner JS, Jarvis WR, Emori TG, Horan TC, Hughes JM. CDC definitions for nosocomial infections. In: Olmsted RN, editor. APIC infection control and applied epidemiology: principles and practice. St. Louis: Mosby; 1996. p. A1-20.) - infecções detectadas com menos de 48 horas de internação foram consideradas de origem comunitária) e o resultado das culturas. O desfecho primário deste estudo foi a taxa de mortalidade. Os pacientes em morte encefálica confirmada que foram transferidos para outros hospitais para captação de órgãos foram contabilizados como óbitos.

Para análise estatística, os dados categóricos foram expressos em valores percentuais, enquanto os dados numéricos foram expressos por média±desvio padrão ou mediana±intervalo interquartílico, de acordo com cada caso. Inicialmente, foi realizada uma análise descritiva dos dados coletados, seguida por avaliação da influência de cada variável sobre a mortalidade, sendo definidos, a priori, como estatisticamente significativos os valores com p<0,05. As variáveis que apresentaram influência estatisticamente significativa sobre a mortalidade foram submetidas a um modelo de regressão logística múltipla, visando avaliar se seu efeito foi independente das demais variáveis, bem como obter o valor do odds ratio. Para avaliar a adequação do modelo de regressão, foram utilizados os testes de Hosmer-Lemeshow e o R2 de Nagelkerke.

Para a avaliação da pontuação no escore SOFA, foi produzida uma curva ROC (sigla do inglês Receiver Operating Characteristics), para determinação do ponto de corte com maior acurácia em predizer a chance de o paciente vir a falecer.

Ainda, a amostra deste estudo foi resultado da inclusão dos pacientes internados no período referente a 1 ano, não sendo realizado cálculo do tamanho amostral. Assim, foi realizada uma análise post hoc utilizando o software GPower 3.0.10 para determinar o poder do estudo em determinar uma associação entre choque séptico e falência respiratória em D3 com a mortalidade. Essa análise evidenciou um poder maior que 0,90 para ambas variáveis (1,00 e 0,99, respectivamente). Para todas as demais análises estatísticas foi utilizado o programa BioEstat 5.0.

RESULTADOS

No período do estudo, foram identificados 1.108 prontuários de pacientes com diagnóstico de TCE, dos quais 175 preencheram os critérios de inclusão. As características gerais dos pacientes são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos pacientes de acordo com variáveis demográficas e clínicas

Para a análise da pontuação no escore SOFA, foi realizada uma curva ROC que demonstrou que a pontuação ≥7 teve a maior acurácia em predizer a chance de óbito, com sensibilidade de 63% e especificidade de 81% para a pontuação no escore SOFA em D1 (AUC: 0,72; IC95%: 0,63-0,80) e sensibilidade de 78% e especificidade de 86% para SOFA em D3 (AUC: 0,82; IC95%: 0,75-0,88).

Na análise univariada, foi evidenciado que o diagnóstico de sepse na admissão, choque séptico, infecção não pulmonar, infecção comunitária, falência respiratória em D3, falência neurológica em D1 e D3, falência circulatória em D1 e D3, falência renal em D3, e SOFA ≥7 em D1 e D3 foram fatores associados a maior mortalidade com significância estatística (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2
Análise primária da relação entre as variáveis demográficas e clínicas com a mortalidade dos pacientes
Tabela 3
Análise primária da relação entre a presença de falências orgânicas e mortalidade

Posteriormente, essas variáveis significativas foram submetidas a um modelo de regressão logística múltipla, segundo o qual apenas choque séptico e falência respiratória em D3 permaneceram como fatores associados com maior mortalidade (Tabela 4). Na avaliação do goodness-of-fit, o teste de Hosmer-Lemeshow demonstrou p=0,88 (qui-quadrado: 3,665; graus de liberdade: 8) e o valor do R2 de Nagelkerke foi 0,63.

Tabela 4
Análise após regressão logística múltipla da relação entre as variáveis significativas na análise inicial e na mortalidade

Quando observada a evolução temporal das falências orgânicas, houve um aumento importante da chance de óbito nos pacientes que não possuíam falência orgânica em D1, mas que desenvolveram após 72 horas do diagnóstico de sepse e naqueles que já tinham falência orgânica no momento do diagnóstico da sepse e permaneceram assim após 72 horas, quando comparados com os pacientes que permaneceram sem falências orgânicas (Tabela 5).

Tabela 5
Relação entre a progressão das falências orgânicas entre D1 e D3 e a mortalidade

DISCUSSÃO

Nesse estudo, realizado com pacientes com TCE tratados em UTI que evoluíram com sepse, foram identificados como fatores independentes relacionados à maior mortalidade a presença de choque séptico e de falência respiratória após 72 horas do diagnóstico da sepse. Além disso, os pacientes sem falência orgânica em D1 que evoluíram com falência em D3 ou aqueles que já possuíam falência em D1 que persistiu após 72 horas tiveram maior mortalidade.

Observou-se uma amostra com predomínio marcante de pacientes jovens do gênero masculino, com TCE grave, múltiplas lesões cranianas e, frequentemente, com traumas associados, resultando em tempo de internação na UTI e no hospital prolongados e em alta taxa de mortalidade. A maioria das infecções foi diagnosticada durante a internação na UTI e o principal foco infeccioso foi o pulmão, notadamente devido à pneumonia nosocomial por bactérias Gram-negativas.

Em relação à presença de falência orgânica, Zygun et al.,(99. Zygun DA, Kortbeek JB, Fick GH, Laupland KB, Doig CJ. Non-neurologic organ dysfunction in severe traumatic brain injury. Crit Care Med. 2005;33(3):654-60.) em trabalho com pacientes com TCE, encontraram taxas de 23% de falência respiratória, 18% de falência cardiovascular, 4% de falência da coagulação, 1% de falência renal e nenhum caso de falência hepática - achados similares aos encontrados neste estudo. Destaca-se a elevada taxa de pacientes com falência circulatória, sendo este o sistema mais comprometido neste trabalho.

Em estudo recente com pacientes com TCE grave em UTI, foram encontradas altas taxas de instabilidade hemodinâmica com 44% dos pacientes apresentando hipotensão e 70% necessitando do uso de drogas vasoativas durante algum momento da internação na UTI.(44. Corral L, Javierre CF, Ventura JL, Marcos P, Herrero JI, Mañez R. Impact of non-neurological complications in severe traumatic brain injury outcome. Crit Care. 2012;16(2):R44.) Além disso, a disfunção respiratória também foi um achado frequente, similar a outros estudos com pacientes com TCE que observaram elevadas taxas de pneumonia associada à ventilação mecânica e síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).(44. Corral L, Javierre CF, Ventura JL, Marcos P, Herrero JI, Mañez R. Impact of non-neurological complications in severe traumatic brain injury outcome. Crit Care. 2012;16(2):R44.,1111. Schirmer-Mikalsen K, Vik A, Gisvold SE, Skandsen T, Hynne H, Klepstad P. Severe head injury: control of physiological variables, organ failure and complications in the intensive care unit. Acta Anaesthesiol Scand. 2007;51(9):1194-201.)

Destaca-se que a evolução para choque séptico tem sido repetidamente associada a maior mortalidade em diversos estudos com pacientes com sepse em UTI. Trabalhos nacionais demonstram mortalidade de 10,1% a 32,8% para pacientes com sepse, 22,6% a 49,9% para sepse grave, e 64,8% a 72,7% para o choque séptico, com significância estatística.(1212. Zanon F, Caovilla JJ, Michel RS, Cabeda EV, Ceretta DF, Luckemeyer GD, et al. Sepse na unidade de terapia intensiva: etiologias, fatores prognósticos e mortalidade. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(2):128-34.,1313. Kauss IA, Grion CM, Cardoso LT, Anami EH, Nunes LB, Ferreira GL, et al. The epidemiology of sepsis in a Brazilian teaching hospital. Braz J Infect Dis. 2010;14(3):264-70.)

Em nossa pesquisa, após a regressão logística, observou-se que pacientes com choque séptico tiveram risco 7,5 vezes maior de evoluir a óbito, em relação aos pacientes com sepse ou sepse grave, sendo esta a variável mais fortemente correlacionada com este desfecho. Em outro trabalho com pacientes com TCE em UTI, também foi relatada mortalidade significativamente maior nos pacientes com choque séptico.(44. Corral L, Javierre CF, Ventura JL, Marcos P, Herrero JI, Mañez R. Impact of non-neurological complications in severe traumatic brain injury outcome. Crit Care. 2012;16(2):R44.)

Por outro lado, evidências na literatura apontam que a presença de disfunções orgânicas implica um pior prognóstico em pacientes com TCE. Zygun et al.(99. Zygun DA, Kortbeek JB, Fick GH, Laupland KB, Doig CJ. Non-neurologic organ dysfunction in severe traumatic brain injury. Crit Care Med. 2005;33(3):654-60.) observaram aumento significativo do risco de morte hospitalar em pacientes com pontuação elevada no escore MOD e, quanto maior o número de órgãos em falência, pior foi o prognóstico. Outro autor, em um trabalho com pacientes com sepse em UTI, observou uma mortalidade de 14,6% na presença de falência de até dois órgãos ou sistemas, enquanto na presença de falência de três ou mais órgãos ou sistemas a mortalidade, elevou-se para 59,8% (p<0,0001).(1212. Zanon F, Caovilla JJ, Michel RS, Cabeda EV, Ceretta DF, Luckemeyer GD, et al. Sepse na unidade de terapia intensiva: etiologias, fatores prognósticos e mortalidade. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(2):128-34.) Entretanto, neste estudo, a pontuação elevada no escore SOFA apresentou apenas uma tendência para maior mortalidade, sem significância estatística. É possível que, em uma amostra maior, a associação entre essas variáveis se tornasse estatisticamente significativa.

Já a presença de falência respiratória após 72 horas do diagnóstico de sepse foi a única falência de um sistema específico que se mostrou um preditor independente de mortalidade. Corral et al.(44. Corral L, Javierre CF, Ventura JL, Marcos P, Herrero JI, Mañez R. Impact of non-neurological complications in severe traumatic brain injury outcome. Crit Care. 2012;16(2):R44.) demonstraram associação significativa entre a presença de SDRA e morte em pacientes com TCE, sendo a mortalidade de 22% na presença de relação PaO2/FiO2 entre 300 e 200 e de 47% quando essa relação <200.

Em outro estudo, observou-se que a presença de SDRA ou de lesão pulmonar aguda (LPA) resultou em um aumento de dez vezes na mortalidade. Além disso, os autores observaram que indivíduos mais jovens foram os mais sujeitos a ocorrência de SDRA ou de LPA (provavelmente devido ao óbito precoce dos pacientes mais idosos) e pacientes com sepse tiveram 7,59 vezes mais risco de desenvolver tais complicações respiratórias.(1414. Rincon F, Ghosh S, Dey S, Maltenfort M, Vibbert M, Urtecho J, et al. Impact of acute lung injury and acute respiratory distress syndrome after traumatic brain injury in United States. Neurosurgery. 2012;71(4):795-803.)

De especial interesse foi a observação quanto à evolução das falências orgânicas no momento do diagnóstico de sepse e após 72 horas. Nesse contexto, trabalho realizado em pacientes com sepse grave e choque séptico demonstrou que quanto maior a duração de uma disfunção orgânica maior a mortalidade, sendo a persistência da disfunção em um órgão ou sistema por mais de 48h correlacionada de forma muito significativa com a evolução a óbito em um modelo de regressão logística. Nesse mesmo estudo, pacientes que receberam intervenções terapêuticas dentro de 48 horas do surgimento de uma disfunção orgânica tiveram mortalidade significativamente menor que aqueles que receberam intervenções com intervalo maior que 48 horas.(1515. Freitas FG, Salomão R, Tereran N, Mazza BF, Assunção M, Jackiu M, et al. The impact of duration of organ dysfunction on the outcome of patients with severe sepsis and septic shock. Clinics (São Paulo). 2008;63(4):483-8.)

Em outro trabalho com pacientes com sepse em UTI, observou-se que os sobreviventes tiveram pontuação média no escore SOFA menor que os não sobreviventes no momento do diagnóstico (4,19 versus 7,99). Nos sobreviventes, houve tendência à redução na pontuação no escore SOFA com média no último dia de 2,18, enquanto nos não sobreviventes ocorreu o contrário: um aumento da pontuação nesse escore, com média de 10,49 no último dia.(1212. Zanon F, Caovilla JJ, Michel RS, Cabeda EV, Ceretta DF, Luckemeyer GD, et al. Sepse na unidade de terapia intensiva: etiologias, fatores prognósticos e mortalidade. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(2):128-34.)

Esse estudo apresenta algumas limitações. Seu desenho foi retrospectivo, utilizando dados registrados em prontuários médicos. A amostra é relativamente pequena e provem de um único centro. O nosso modelo de regressão logística apresentou algumas limitações, como o número elevado de variáveis inseridas (12 em um modelo com apenas 66 desfechos) e a presença de interação entre algumas variáveis dentro do modelo (falências orgânicas e escore SOFA). Assim, tais limitações podem comprometer a capacidade preditiva desta regressão e levar a um viés na interpretação dos resultados, motivo pelo qual sugere-se que mais estudos sejam realizados para confirmar tais achados.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa evidenciou que os pacientes com choque séptico e falência respiratória após 72 horas da identificação da sepse tiveram maior mortalidade, provavelmente por apresentarem maior grau de disfunção orgânica. Sugere-se que novos estudos sejam realizados para confirmar tais achados, bem como avaliar o efeito de intervenções específicas, visando, em última instância, à redução da mortalidade dos pacientes com traumatismo craniencefálico tratados em unidades de terapia intensiva que desenvolvem sepse.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2013
  • Aceito
    16 Maio 2014
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