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Percepção de profissionais de saúde sobre o processo de tomada de decisão na assistência a pacientes pediátricos

RESUMO

Objetivo:

Avaliar as percepções de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem sobre sua participação no processo de tomada de decisão de limitação de suporte de vida, em pacientes pediátricos terminais, comparando por categoria profissional.

Métodos:

Estudo transversal realizado em unidade de terapia intensiva pediátrica de hospital público universitário, terciário, com a participação de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Foi usada a Escala de Voz da MacArthur Admission Experience Survey para avaliar e quantificar a percepção dos profissionais que assistiram 17 pacientes pediátricos em limitação de suporte de vida, nas primeiras 24 horas após o desfecho de cada paciente. Todos os profissionais que atuavam na unidade (n=117), potencialmente elegíveis para a pesquisa, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à ocorrência dos casos.

Resultados:

Participaram 25/40 (62,5%) médicos, 10/17 (58,8%) enfermeiros e 41/60 (68,3%) técnicos de enfermagem, representando 65% dos profissionais elegíveis. A taxa de devolução dos questionários pelos médicos foi maior que a dos técnicos (p = 0,0258). Houve registro de percepção de falta de voz nas três categorias profissionais, em taxas variáveis, porém menos percebida pelos médicos do que pelos enfermeiros e técnicos (p < 0,00001); entre estes últimos, não houve diferença (p = 0,7016). Nas três categorias profissionais, foram assinalados os três itens que compõem a subescala. Em duas das três afirmativas, houve diferença significativa entre médicos e enfermeiros (p = 0,004), e entre médicos e técnicos (p = 0,001). Em uma das afirmativas, não houve diferença entre as três categorias profissionais.

Conclusão:

Houve percepção de falta de voz no processo de tomada de decisão, em taxas variáveis, nas três categorias de profissionais que assistiram pacientes pediátricos terminais em limitação de suporte de vida, sendo os médicos os que expressaram menor percepção de coerção.

Descritores:
Assistência ao paciente; Tomada de decisões; Unidades de terapia intensiva pediátrica; Ética profissional; Ordens quanto à conduta (ética médica)/psicologia; Inquéritos e questionários; Coerção

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the perceptions of physicians, nurses and nursing technicians of their participation in the decision-making process surrounding life support limitation in terminally ill pediatric patients, with comparisons by professional category.

Methods:

A cross-sectional study was conducted in the pediatric intensive care unit of a tertiary public university hospital with the participation of physicians, nurses and nursing technicians. The MacArthur Admission Experience Survey Voice Scale was used to assess and quantify the perceptions of professionals who assisted 17 pediatric patients with life support limitation within 24 hours after the outcome of each patient was determined. All professionals working in the unit (n = 117) who were potentially eligible for the study received a free and informed consent form prior to the occurrence of the cases studied.

Results:

Study participants included 25/40 (62.5%) physicians, 10/17 (58.8%) nurses and 41/60 (68.3%) nursing technicians, representing 65% of the eligible professionals identified. The questionnaire return rate was higher for physicians than technicians (p = 0.0258). A perceived lack of voice was reported in all three professional categories at varying rates that were lower for physicians than for nurses and nursing technicians (p < 0.00001); there was no difference between the latter (p = 0.7016). In the three professional categories studied, three subscale items were reported. For two of the three statements, there were significant differences between physicians and nurses (p = 0.004) and between physicians and nursing technicians (p = 0.001). For one of the statements, there was no difference among the three professional categories.

Conclusion:

Respondents perceived a lack of voice in the decision-making process at varying rates across the three categories of studied professionals who assisted terminally ill pediatric patients with life support limitation, with physicians expressing lowered rates of perceived coercion.

Keywords:
Patient care; Decision making; Intensive care units, pediatric; Ethics, professional; Resuscitation orders/psychology; Surveys and questionnaires; Coercion

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1970, a limitação de suporte de vida (LSV) vem sendo discutida como uma forma de oferecer uma morte digna a pacientes fora de possibilidades terapêuticas. Passados 20 anos, a LSV já era o modo de morrer mais frequente em unidades de terapia intensiva (UTI) pediátricas norte-americanas, canadenses e de vários países da Europa.(11 Vernon DD, Dean JM, Timmons OD, Banner W Jr, Allen-Webb EM. Modes of death in the pediatric intensive care unit: withdrawal and limitation of supportive care. Crit Care Med. 1993;21(11):1798-802.

2 Balfour-Lynn IM, Tasker RC. At the coalface--medical ethics in practice. Futility and death in paediatric medical intensive care. J Med Ethics. 1996;22(5):279-81.
-33 Martinot A, Grandbastien B, Leteurtre S, Duhamel A, Leclerc F. No resuscitation orders and withdrawal of therapy in French paediatric intensive care units. Groupe Francophone de Réanimation et d'Urgences Pédiatriques. Acta Paediatr. 1998;87(7):769-73.)

Em 2008, após a International Consensus Conference on End-of-Life Care ter recomendado que a tomada de decisão sobre os cuidados de final de vida fosse conjunta entre o médico e o paciente ou sua família, o American College of Critical Care Medicine ampliou a recomendação para decisões centradas na família e compartilhadas com a equipe multiprofissional.(44 Truog RD, Campbell ML, Curtis JR, Haas CE, Luce JM, Rubenfeld GD, Rushton CH, Kaufman DC; American Academy of Critical Care Medicine. Recommendations for end-of-life care in the intensive care unit: a consensus statement by the American College [corrected] of Critical Care Medicine. Crit Care Med. 2008;36(3):953-63. Erratum in: Crit Care Med. 2008;36(5):1699.) A tomada de decisão compartilhada é principalmente adotada por UTI canadenses e americanas, nas quais a participação dos familiares foi descrita em mais de 85% dos casos.(55 Garros D, Rosychuk RJ, Cox PN. Circumstances surrounding end of life in a pediatric intensive care unit. Pediatrics. 2003;112(5):e371.,66 Provoost V, Cools F, Deconinck P, Ramet J, Deschepper R, Bilsen J, et al. Consultation of parents in actual end-of-life decision-making in neonates and infants. Eur J Pediatr. 2006;165(12):859-66.) Em vários países do sul da Europa, assim como da América do Sul, nas UTI pediátricas predomina o modelo paternalista de tomada de decisão, com as decisões centradas no médico, com baixa participação de familiares e enfermeiros.(77 Althabe M, Cardigni G, Vassallo JC, Allende D, Berrueta M, Codermatz M, et al. Dying in the intensive care unit: collaborative multicenter study about forgoing life-sustaining treatment in Argentine pediatric intensive care units. Pediatr Crit Care Med. 2003;4(2):164-9.

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11 Nilson C. A participação do enfermeiro na limitação de suporte de vida em pacientes internados em unidades de tratamento intensivo pediátrico de dois hospitais universitários do sul do Brasil [Dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2009

12 Moritz RD, Deicas A, Rossini JP, Silva NB, Lago PM, Machado FO. Percepção dos profissionais sobre o tratamento no fim da vida, nas unidades de terapia intensiva da Argentina, Brasil e Uruguai. Rev Bras Ter Intensiva. 2010;22(2):125-32.
-1313 Santos MF, Bassitt DP. Terminalidade da vida em terapia intensiva: posicionamento dos familiares sobre ortotanásia. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(4):448-54.)

A exclusão do enfermeiro e as divergências de opinião entre médicos e enfermeiros sobre a quem compete tomar as decisões foram constatadas em diferentes países(1414 Sjökvist P, Nilstun T, Svantesson M, Berggren L. Withdrawal of life support--who should decide? Differences in attitudes among the general public, nurses and physicians. Intensive Care Med. 1999;25(9):949-54.

15 Ferrand E, Lemaire F, Regnier B, Kuteifan K, Badet M, Asfar P, Jaber S, Chagnon JL, Renault A, Robert R, Pochard F, Herve C, Brun-Buisson C, Duvaldestin P; French RESSENTI Group. Discrepancies between perceptions by physicians and nursing staff of intensive care unit end-of-life decisions. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(10):1310-5.

16 Yaguchi A, Truog RD, Curtis JR, Luce JM, Levy MM, Mélot C, et al. International differences in end-of-life attitudes in the intensive care unit: results of a survey. Arch Intern Med. 2005;165(17):1970-5.
-1717 Akpinar A, Senses MO, Er R. Attitudes to end-of-life decisions in paediatric intensive care. Nurs Ethics. 2009;16(1):83-92.) e apontadas como causadoras de desconforto para os profissionais que não participam das discussões, mas devem executar a assistência conforme planejado.(1818 Ho KM, English S, Bell J. The involvement of intensive care nurses in end-of-life decisions: a nationwide survey. Intensive Care Med. 2005;31(5):668-73.

19 Cook D, Rocker G, Giacomini M, Sinuff T, Heyland D. Understanding and changing attitudes toward withdrawal and withholding of life support in the intensive care unit. Crit Care Med. 2006;34(11Suppl):S317-23.
-2020 Zomorodi M, Lynn MR. Critical care nurses' values and behaviors with end-of-life care: perceptions and challenges. J Hosp Palliat Nurs. 2010;12(2):89-96.) A percepção de falta de voz, no sentido de ter o direito de manifestar sua opinião, na tomada de decisão, pode ser expressa e medida por instrumentos, como as escalas da MacArthur Admission Experience Survey,(2121 Lidz CW, Hoge SK, Gardner W, Bennett NS, Monahan J, Mulvey EP, et al. Perceived coercion in mental hospital admission. Pressures and process. Arch Gen Psychiatry. 1995;52(12):1034-9.,2222 Gardner W, Hoge SK, Bennett N, Roth LH, Lidz CW, Monahan J, et al. Two scales for measuring patient's perceptions for coercion during mental hospital admission. Behav Sci Law. 1993:11(3):307-21.) formuladas e validadas para avaliação de Percepção de Coerção, Voz e Justiça Processual, em pacientes internados em áreas clínicas e cirúrgicas.(2323 Taborda JG, Baptista JP, Gomes DA, Nogueira L, Chaves ML. Perception of coercion in psychiatric and nonpsychiatric (medical and surgical) inpatients. Int J Law Psichiatry. 2004;27(2):179-92.)

O objetivo desta pesquisa foi avaliar e quantificar a percepção de voz pelas equipes médica e de enfermagem de uma unidade de terapia intensiva pediátrica de hospital terciário, durante o processo de limitação de suporte de vida em pacientes pediátricos terminais, por um questionário de avaliação de percepção de voz, relacionando o grau de percepção de voz à categoria de profissional.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal que incluiu médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem em uma UTI pediátrica, clínico-cirúrgica, de 13 leitos, em hospital público, terciário e universitário, na Região Sul do Brasil, de 1º de maio de 2009 a 30 de maio de 2010. Todos os 117 profissionais que atuavam na unidade, então potencialmente elegíveis para a pesquisa (40 médicos, sendo 14 intensivistas plantonistas e 26 residentes; 17 enfermeiros; e 60 técnicos de enfermagem), receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) previamente à ocorrência dos casos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob o nº 08-210.

Os casos índices foram 17 pacientes nos quais houve LSV no período de estudo. A LSV compreendeu não acréscimo de novas terapias, com decisão de não ressuscitação, e retirada de procedimentos dolorosos ou desagradáveis considerados fúteis. Não foram retirados tratamentos já instalados. Não foram excluídos sedação, analgesia, hidratação e suporte nutricional.

Em cada caso, foram identificados os médicos, os enfermeiros e os técnicos de enfermagem que participaram do processo de tomada de decisão e dos cuidados dos pacientes em LSV, desde o "momento zero" até o desfecho do caso. O "momento zero" foi considerado na reunião com a família, quando foram decididos a LSV e os cuidados de final de vida. Os desfechos previstos eram óbito, mudança do estado do paciente com retirada da LSV, ou alta da UTI para cuidados paliativos.

Uma vez ocorrido o desfecho, era disponibilizado o questionário da Escala de Voz aos profissionais identificados, preferencialmente dentro das 24 horas seguintes. Os questionários eram anônimos, constando apenas a identificação da categoria profissional.

Para minimizar possível coerção ou quebra de sigilo, os pesquisadores entregaram o TCLE a todos os profissionais da unidade para devolução em urna opaca lacrada. Da mesma forma, após o desfecho de cada paciente em LSV, era deixado o envelope com o instrumento da pesquisa à disposição dos participantes designados em local previamente definido, no qual ficava também urna opaca lacrada para a devolução do mesmo. Nessa fase, a urna somente foi aberta após o encerramento da coleta da pesquisa, por ocasião da análise dos dados.

O instrumento da pesquisa (Escala de Voz derivada da MacArthur Admission Experience Survey) era composto por três afirmativas, que o respondente deveria assinalar de acordo com sua concordância(2424 MacArthur Research Network on Mental Health and the Law. Coercion: Research Instruments [Internet]. 2004. [cited 2015 Jun 3]. Available from: http://www.macarthur.virginia.edu/coercion.html
http://www.macarthur.virginia.edu/coerci...
) (Quadro 1).

Quadro 1
Escala de Voz da MacArthur Admission Experience Survey

Os dados foram analisados pelo Statistical Package for Social Science (SPSS), versão18, e pelo WINPEPI, versão 10.11.(2525 Abramson JH. WINPEPI updated: computer programs for epidemiologists, and their teaching potential. Epidemiol Perspect Innov. 2011;8(1):1.) Foram realizados os testes qui quadrado com correlação de Pearson e o teste de comparações múltiplas de proporções com correção de Bonferroni. O nível de significância estabelecido foi de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

Houve 633 internações no período, com 62 óbitos (9,8%). Desses, 17 (27,4%) pacientes foram considerados fora de possibilidades terapêuticas, constituindo os casos-índice. Em todos houve LSV, incluindo decisão de não ressuscitação.

A mediana de idade dos pacientes foi de 53 meses (IQ: 6 - 106). A mediana do tempo decorrido da tomada de decisão até o desfecho foi de 21 horas (IQ: 8,25 - 66,5). A equipe de cuidadores elegíveis para a pesquisa foi constituída por 40 médicos (14 intensivistas plantonistas e 26 residentes em estágios rotativos), 17 enfermeiros e 60 técnicos de enfermagem. Houve predominância de mulheres nas três categorias (100% dos enfermeiros, 77,5% dos médicos e 98,3% dos técnicos).

A taxa geral de retorno dos TCLE foi de 65%, sendo 25/40 (62,5%) médicos, 10/17 (58,8%) enfermeiros e 41/60 (68,3%) técnicos de enfermagem, sem diferença significativa entre as três categorias de cuidadores. Os 76 profissionais que devolveram os TCLE foram considerados os sujeitos da pesquisa.

Foram distribuídos 376 instrumentos de coleta de dados para os profissionais envolvidos nos pacientes em LSV, tendo sido devolvidos 227 (60%) deles. Dois instrumentos, um de médico e outro de técnico, foram excluídos por dados incompletos. A frequência de devolução dos questionários foi de 65% pelos médicos, 61% pelos enfermeiros e 52% pelos técnicos. Não houve diferença estatisticamente significativa na devolução de instrumentos entre médicos e enfermeiros, e entre enfermeiros e técnicos. No entanto, houve diferença significativa na taxa de devolução entre médicos e técnicos (p = 0,0258). Estes resultados, no entanto, não interferem na qualidade das informações obtidas.

A falta de possibilidade de manifestação de sua opinião, medida pela Escala de Voz, obteve associação estatisticamente significativa (p < 0,00001), com as respostas dadas tanto pelos enfermeiros quanto pelos técnicos, comparativamente aos médicos (Tabela 1). Não houve diferença na falta de voz quando a comparação das respostas foi realizada entre enfermeiros e técnicos de enfermagem (p = 0,7016).

Tabela 1
Análise geral dos resultados obtidos com a Escala de Voz para avaliar a expressão da falta de possibilidade de manifestar sua opinião no processo de tomada de decisão assistencial

As três afirmativas constantes nos questionários foram analisadas individualmente em relação a cada categoria profissional. Houve expressão de falta de possibilidade de manifestação de opinião em todos os itens, nas três categorias profissionais, em taxas variáveis.

Quanto aos itens da Escala de Voz, houve associação estatisticamente significativa entre enfermeiros e técnicos, em relação aos médicos, quanto à percepção de não ter tido oportunidade suficiente de dizer se concordava com a limitação terapêutica ou não ressuscitação (item 1), assim como de não ter tido a oportunidade de dizer o que queria a respeito desse mesmo tema (item 2). Com relação à percepção de que sua opinião, quanto à limitação terapêutica ou não ressuscitação, não ter interessado, não houve qualquer associação entre as categorias profissionais (Tabela 2).

Tabela 2
Avaliação das respostas dadas aos itens da Escala de Voz

DISCUSSÃO

Nesta pesquisa, foram analisadas as percepções de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem que participaram do cuidado de 17 crianças em LSV. Ao invés de situações fictícias ou questionários, que poderiam não ser representativos da realidade, optou-se pela utilização dos casos reais da unidade de tratamento intensivo. Essa opção se deu em função de que os sentimentos poderiam ser diferentes, segundo as características do paciente, de sua doença e de sua família.(2626 Prendergast TJ, Claessens MT, Luce JM. A national survey of end-of-life care for critically ill patients. Am J Respir Crit Care Med. 1998;158(4):1163-7.)

A análise das respostas às três afirmativas que compõem a Escala de Voz indica que as três classes de profissionais perceberam não ter tido possibilidade de manifestar a sua opinião nas decisões sobre os pacientes. No estudo de Lind et al., a manifestação de opinião e a validação das decisões foram pesquisadas em pacientes adultos hospitalizados. Os pacientes tiveram a percepção de que não foram capazes de expressar suas opiniões, ou que suas opiniões não foram seriamente consideradas no processo de tomada de decisão.(2727 Lind EA, Kanfer R, Earley PC. Voice, control, and procedural justice: Instrumental and noninstrumental concerns in fairness judgments. J Pers Soc Psychol. 1990;59(5):952-9.) Os dados desta pesquisa reiteram, na percepção dos profissionais envolvidos, estes resultados antes obtidos com pacientes.

O modelo de tomada de decisão na UTI pediátrica estudada ainda pode ser considerado como predominantemente paternalista, apesar de dar amostras de estar migrando para uma proposta de decisão mais compartilhada.(2828 Davidson JE, Powers K, Hedayat KM, Tieszen M, Kon AA, Shepard E, Spuhler V, Todres ID, Levy M, Barr J, Ghandi R, Hirsch G, Armstrong D; American College of Critical Care Medicine Task Force 2004-2005, Society of Critical Care Medicine. Clinical practice guidelines for support of the family in the patient-centered intensive care unit: American College of Critical Care Medicine Task Force 2004-2005. Crit Care Med. 2007;35(2):605-22.) As decisões não foram exclusivamente tomadas pelos médicos, mas a participação dos profissionais de enfermagem foi baixa neste período. Os familiares foram sempre informados e envolvidos no processo de tomada de decisões, desde o início das discussões sobre LSV. A participação se deu mais no sentido de aceitar ou recusar as opções propostas, do que no sentido de compartilhar propriamente as decisões. Isso é semelhante ao que foi verificado na França.(2929 Devictor DJ, Latour JM; EURYDICE II study group. Forgoing life support: how the decision is made in European pediatric intensive care units. Intensive Care Med. 2011;37(11):1881-7.) Esse mesmo modelo é também descrito em países com culturas semelhantes à brasileira, como Argentina,(77 Althabe M, Cardigni G, Vassallo JC, Allende D, Berrueta M, Codermatz M, et al. Dying in the intensive care unit: collaborative multicenter study about forgoing life-sustaining treatment in Argentine pediatric intensive care units. Pediatr Crit Care Med. 2003;4(2):164-9.) Portugal(3030 Rebagliato M, Cuttini M, Broggin L, Berbik I, de Vonderweid U, Hansen G, Kaminski M, Kollée LA, Kucinskas A, Lenoir S, Levin A, Persson J, Reid M, Saracci R; EURONIC Study Group (European Project on Parents' Information and Ethical Decision Making in Neonatal Intensive Care Units). Neonatal end-of-life decision making: Physicians' attitudes and relationship with self-reported practices in 10 European countries. JAMA. 2000;284(19):2451-9.) e Itália.(3131 Cardoso T, Fonseca T, Pereira S, Lencastre L. Life-sustaining treatment decisions in Portuguese intensive care units: a national survey of intensive care physicians. Crit Care. 2003;7(6):R167-75.)

As percepções de enfermeiros e médicos referidas em publicações nacionais(1111 Nilson C. A participação do enfermeiro na limitação de suporte de vida em pacientes internados em unidades de tratamento intensivo pediátrico de dois hospitais universitários do sul do Brasil [Dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2009,1212 Moritz RD, Deicas A, Rossini JP, Silva NB, Lago PM, Machado FO. Percepção dos profissionais sobre o tratamento no fim da vida, nas unidades de terapia intensiva da Argentina, Brasil e Uruguai. Rev Bras Ter Intensiva. 2010;22(2):125-32.) e internacionais em muito se assemelham aos dados obtidos no presente estudo. Isto já não é possível com relação aos técnicos de enfermagem, em função da ausência de dados sobre esta categoria profissional específica.(3232 Granja C, Teixeira-Pinto A, Costa-Pereira A. Attitudes towards do-no-resuscitate decisions: differences among health professionals in a Portuguese hospital. Intensive Care Med. 2001;27(3):555-8.) Chamou a atenção, contudo, que as associações verificadas entre enfermeiros e técnicos sempre foram semelhantes e se diferenciaram das verificadas com os médicos.

As limitações deste estudo estiveram relacionadas ao fato de as percepções representarem parcialmente os profissionais de uma única UTI pediátrica na Região Sul do país. Possivelmente, o porcentual de profissionais que não devolveu os TCLE (35%) poderia representar uma parcela do grupo tão ou mais desconfortável com essa situação.

A participação de outras instituições, como grupo controle, poderia trazer melhor entendimento da percepção desses profissionais com relação à falta de voz na tomada de decisão na assistência em LSV.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa evidenciou percepção de falta de possibilidade de manifestar sua opinião no processo de tomada de decisão assistencial, com o uso de um instrumento validado, Escala de Voz, envolvendo cuidados de final de vida em crianças. Nas três categorias profissionais estudadas, os médicos foram os que expressaram menor percepção de falta de possibilidade de manifestarem suas opiniões, comparativamente aos enfermeiros e técnicos de enfermagem.

  • Editor responsável: Jefferson Pedro Piva

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem ao Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2016
  • Aceito
    20 Jun 2016
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