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Telessaúde na atenção fisioterapêutica durante a pandemia de COVID-19: um relato de experiência

Resumo

Introdução

As ações e medidas tomadas para mitigação da pandemia por coronavírus afetaram expressivamente a atuação do profissional fisioterapeuta. A partir da resolução do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, que aprovou o atendimento remoto, inúmeras iniciativas foram empreendidas.

Objetivo

Identificar, analisar e discutir barreiras, facilitadores e desafios da telessaúde na atenção fisioterapêutica durante a pandemia. Descrição do relato: A interrupção dos atendimentos presenciais levou ao desenvolvimento de estratégias de telessaúde através de chamada telefônica ou videochamada, em ações assíncronas (educação em saúde) e síncronas (práticas corporais sem frequência pré-estabelecida no setor público e duas vezes por semana no privado). O tipo de dispositivo determinou a modalidade de atendimento. Os facilitadores foram: relações interpessoais, perfil do paciente, tipo de dispositivo e experiência anterior de práticas corporais. As barreiras foram: baixa escolaridade, tipo e qualidade do acesso à internet. Os desafios foram a restrição de olhar e toque característicos da profissão.

Conclusão

Embora com potencial expressivo de longitudinalidade do cuidado e formação de redes de apoio, o teleatendimento é dependente de recursos tecnológicos, sendo excludente diante das iniquidades do país. O teleatendimento traz relevantes repercussões na atenção fisioterapêutica ao interferir diretamente nas tecnologias leves da profissão.

COVID-19; Pandemias; Fisioterapia; Atenção primária à saúde; Telessaúde

Abstract

Introduction

The actions and measures taken to mitigate the coronavirus pandemic significantly affected physio-therapy practice. Several initiatives were undertaken after the Federal Council of Physiotherapy and Occupational Therapy approved remote care. Thus, we aimed to identify, analyze, and discuss barriers, facilitators, and perceived challenges of telehealth physical therapy during the pandemic by describing an experience. Report description: The interruption of weekly face-to-face consultations led to remote care strategies using asynchronous methods, in the form of phone calls (health education), and a synchronous approach via video calls formats (mind-body practices without a pre-established frequency in the public service and twice weekly in the private sector). The type of personal device determined the health care delivery. The facilitators were interpersonal relationships, patient profile, type of personal device and previous experience with mind-body practices. The barriers were low education level, access to internet and type of connection. Challenges were restriction or absence of therapeutic touch and eye gaze, which are characteristic of the profession.

Conclusion

Despite its significant potential for the continuity and longitudinality of health care and development of social networks, telehealth depends on technological resources and, as such, tends to be exclusive due to the inequities in Brazil. Additionally, telehealth has relevant repercussions for physical therapy practice, especially therapeutic touch and eye gaze, which are soft skills inherent to the profession.

COVID-19; Pandemics; Physical therapy; Primary health care; Telehealth

Introdução

No Brasil foram mais de 686 mil mortes e 34,7 milhões de casos confirmados de COVID-19 até 29 de setembro de 2022.11. Coronavírus Brasil [cited 2021 Mar 8]. Available from: https://covid.saude.gov.br
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Medidas de supressão da pandemia foram iniciadas devido ao alto número de casos assintomáticos, rápida transmissão e inefetividade do isolamento vertical, incluindo conhecimento insuficiente sobre a doença, iniquidades sociais e inefetividade das ações públicas.22. Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de COVID-19 no Brasil: Crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e0006882. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00068820
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,33. Aquino EML, Silveira IH, Pescarini JM, Aquino R, Souza-Filho JA, Rocha AS, et al. Medidas de distanciamento social no contro-le da pandemia de COVID-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Cien Saude Coletiva. 2020;25(Supl 1):2423-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10502020
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À beira de colapsos recorrentes dos serviços de saúde, realizou-se a ação estratégica “Brasil Conta Comigo”,44. Brasil. Portaria no 580, de 27 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica "O Brasil Conta Comigo - Residentes na área de Saúde", para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Brasília: Diário Oficial da União; 30 mar 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-580-de-27-de-marco-de-2020-250191376
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,55. Brasil. Portaria no 639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica "O Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde", voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Brasília: Diário Oficial da União; 2 abr 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-639-de-31-de-marco-de-2020-250847738
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instituída para apoiar o planejamento de recursos humanos para o enfrentamento à pandemia nas três esferas de governo, incluindo capacitação e contratação de profissionais fisioterapeutas. A mídia, contudo, valorizou a atuação no cuidado aos infectados, reforçando paradoxos do saber-fazer no atendimento hospitalar especializado e dependente de altas tecnologias mediante situações laborais precárias em detrimento do papel da assistência fisioterapêutica nos demais níveis de atenção à saúde. São aproximadamente 36 milhões de casos recuperados,11. Coronavírus Brasil [cited 2021 Mar 8]. Available from: https://covid.saude.gov.br
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porém sintomas como dispneia e fadiga podem persistir, entre outras sequelas.66. Candan SA, Elibol N, Abdullahi A. Consideration of prevention and management of long-term consequences of post-acute respiratory distress syndrome in patients with COVID-19. Physiother Theory Pract. 2020;36(6):663-8. https://doi.org/10.1080/09593985.2020.1766181
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Apesar da imunização, variantes levaram novas ondas de avanço da doença simultaneamente à demanda de assistência aos pacientes pós-COVID-19. Com o aumento de casos recuperados, por sua vez, houve maior atenção midiática ao papel do fisioterapeuta na reabilitação pós-COVID-19. Sendo assim, a COVID-19 fortaleceu a compreensão das competências e habilidades do fisioterapeuta, a priori no hospital, mediante vagas criadas nos hospitais dada a insuficiência de profissionais qualificados e alta demanda, e a posteriori na reabilitação pós-COVID-19.

A despeito da necessidade de assistência relacio-nada diretamente com a COVID-19, a pandemia levou à chamada para ação no que diz respeito à telessaúde, capaz de proteger os profissionais de saúde e os pacientes sem interromper os cuidados em saúde.77. Bokolo Jnr A. Exploring the adoption of telemedicine and virtual software for care of outpatients during and after COVID-19 pandemic. Ir J Med Sci. 2021;190(1):1-10. https://doi.org/10.1007/s11845-020-02299-z
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8. Bokolo Jnr A. Use of telemedicine and virtual care for remote treatment in response to COVID-19 Pandemic. J Med Syst. 2020;44(7):132. https://doi.org/10.1007/s10916-020-01596-5
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9. Ohannessian R, Duong TA, Odone A. Global telemedicine implementation and integration within health systems to fight the COVID-19 Pandemic: A call to action. JMIR Public Heal Surveill. 2020;6(2)e18810. https://doi.org/10.2196/18810
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-1010. López C, Closa C, Lucas E. Telemedicina en rehabilitación: necesidad y oportunidad post-COVID. Rehabilitacion (Madr). 2020;54(4):225-7. https://doi.org/10.1016/j.rh.2020.06.003
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A chancela do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO)1111. Brasil. Resolução no 516, de 20 de março de 2020 - Teleconsulta, Telemonitoramento e Teleconsultoria. Estabelece outras providências durante o enfrentamento da crise provo-cada pela Pandemia do COVID-19. Brasília: Diário Oficial da União; 23 mar 2020. https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=15825
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reforça a práxis nos demais níveis de atenção em cenários de cuidado distintos (Tabela 1). Dada a prevalência expressiva de condições crônicas e fatores de risco à saúde no Brasil,1212. Brasil. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. 137 p. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2019_vigilancia_fatores_risco.pdf
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estratégias para evitar a agudização de doenças crônicas, ações para prevenção de agravos e redução de danos cinético-funcionais da restrição de mobilidade social e redução da atividade física mostraram-se essenciais. Outras necessidades de cuidado surgiram quando rompida a construção imaginária da demanda com “centralidade da produção de saúde com base no procedimento”,1313. Franco TB, Merhy EE. A produção imaginária da demanda e o processo de trabalho em saúde. In: Franco TB, Merhy EE, editores. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade em saúde. 1st ed. São Paulo: Hucitec; 2013. p. 199-212.ou seja, produção de cuidado baseada em associações entre a satisfação das necessidades do usuário a partir da realização de procedimentos, tais como a solicitação de exames e prescrição de medicamentos, em vez da tradução dos desejos e necessidades reais dos sujeitos em atos assistenciais. Em 2020, a busca no Google por “exercício em casa” aumentou 800%, assim como “alívio da dor” e “diminuir o estresse”. Estudos prévios sugeriram recomendações para tais demandas.99. Ohannessian R, Duong TA, Odone A. Global telemedicine implementation and integration within health systems to fight the COVID-19 Pandemic: A call to action. JMIR Public Heal Surveill. 2020;6(2)e18810. https://doi.org/10.2196/18810
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,1010. López C, Closa C, Lucas E. Telemedicina en rehabilitación: necesidad y oportunidad post-COVID. Rehabilitacion (Madr). 2020;54(4):225-7. https://doi.org/10.1016/j.rh.2020.06.003
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Tabela 1 - Modalidades de atendimento não presencial11

A pandemia deflagrou a necessidade de discutir o lugar social do fisioterapeuta e barreiras, facilitadores e desafios da práxis, sobretudo na telessaúde na Atenção Primária. Refletir sobre mudanças de cenários da prática, desafios enfrentados e particularidades da assistência é central para compreender as práxis irrestritas ao atendimento de maior complexidade já amplamente abordado.

A pandemia, portanto, instigou-nos a (re)pensar estratégias de cuidado aos usuários/pacientes e trabalhadores em isolamento social, uso de recursos tecnológicos para minimamente promover orientação do home office, promoção do autocuidado nos dife-rentes ciclos de vida através da educação em saúde, uso de Práticas Integrativas e Complementares (PICs) e estímulo à adoção de estilo de vida ativo e saudável no domicílio e/ou em espaços reduzidos. Diante disso, este relato de experiência foi elaborado a partir do diálogo entre duas fisioterapeutas implementando iniciativas de telessaúde, enfatizando a reflexão sobre barreiras, facilitadores e desafios da telessaúde na atenção fisioterapêutica durante a pandemia.

Descrição da experiência

Antes do início da pandemia, os atendimentos eram realizados semanalmente em serviço privado (prática corporal personalizada) e salão paroquial (práticas corporais coletivas) em articulação universidade e unidade básica. Com o início das medidas de mitigação da pandemia, os pacientes/usuários foram informados sobre a interrupção dos atendimentos presenciais, sendo em seguida criados grupos de WhatsApp. Foram enviadas orientações sobre isolamento social e medidas de proteção individual e coletiva, confecção de máscaras de proteção, datas e locais da “blitz COVID-19” para testagem rápida.

Diante da impossibilidade de continuar os atendi-mentos presenciais, foram desenvolvidas as estratégias “Tocando com a voz” e “Abraço virtual” (setores privado e público, respectivamente) para ressignificar o cuidado e assegurar a continuidade do cuidado. Dez fisioterapeutas egressos aceitaram atuar na telessaúde voluntariamente na iniciativa “Abraço virtual”. No “Tocando com a voz”, apenas uma fisioterapeuta foi responsável pelos atendimentos. Realizadas de abril a julho de 2020 em Santos, São Paulo, as vivências foram descritas, sistematizadas e analisadas pelas fisioterapeutas responsáveis pelas duas iniciativas (Tabelas 2 e 3). Para melhor compreensão, uma linha do tempo das experiências foi elaborada (Figura 1).


Tabela 2 - Características das experiências de telessaúde em fisioterapia desenvolvidas durante a pandemia


Tabela 3 - Facilitadores, barreiras e desafios percebidos nas experiências de telessaúde em fisioterapia durante a pandemia

Figura 1
Linha dos eventos relacionados aos relatos de atendimento remoto.

Por tratar-se de relato de experiência, não houve a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todavia, tanto fisioterapeutas quanto pacientes foram consultados previamente e concor-daram com a descrição e divulgação deste relato de experiência. Não foram divulgados dados que possibilitem identificar os sujeitos presentes nas ações, respeitando o preconizado pela Resolução nº 466/1212 do Conselho Nacional de Saúde, que trata do Sistema CEP/Conep, e pelos Comitês de Ética em Pesquisa.1414. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS n. 466, de 12 de dezembro de 2012. https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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Cabe acrescentar que os autores foram responsáveis pelo conteúdo deste relato, o qual não representa necessariamente as opiniões dos demais fisioterapeutas ou dos pacientes.

Este relato surgiu a partir do diálogo entre as autoras responsáveis, que buscavam apoio mútuo e estratégias para enfrentar e superar a interrupção dos atendimentos presenciais e assegurar a continuidade do cuidado. Diante da necessidade de discutir o campo real de atuação profissional, as autoras partilharam as experiências desenvolvidas. A escolha por descrever facilitadores, barreiras e desafios veio para oportunizar as contribuições do campo real, o qual, diferentemente da pesquisa experimental (e até mesmo do ambiente da clínica, no caso da pandemia, substituído pelo domicílio), apresenta um cenário complexo e dinâmico de maiores interferências externas, e demais fatores que possam facilitar, restringir ou comprometer o cuidado.

Tocando com a voz

Antes da pandemia, atendimentos baseados em práticas corporais individualizadas eram realizados duas vezes por semana, com duração de 45-60 minutos, em serviço privado e em grupos de até quatro pacientes/clientes. O total de atendidos variava entre 20 e 36 jovens a idosos com incapacidades leves e dores crônicas, recebidos através de demanda espontânea ou encaminhamento médico.

Entre os pacientes, somente onze participaram da iniciativa “Tocando com a voz”, enquanto dois suspenderam os serviços, três não conseguiram participar (falta de familiaridade com as tecnologias digitais, necessidade de auxílio para a realização dos exercícios e complexidade do caso), quatro não conseguiram conciliar as práticas com a nova rotina em casa (filhos e netos, mudanças no horário de trabalho, etc.) e um interrompeu as práticas por questões financeiras.

A iniciativa foi realizada de maneira síncrona em videochamada, duas vezes por semana, e consistiu em roda de conversa (partilha de emoções, percepções e necessidades em saúde), seguida de prática corporal e finalizada com sugestões de lazer e orientações para home office e autocuidado, incluindo exercícios domiciliares sem supervisão (Tabela 2).

A prática corporal era individual ou coletiva, incluindo exercícios respiratórios e conscientização corporal, seguida de exercícios de equilíbrio, mobilidade, forta-lecimento e alongamento baseados principalmente em yoga, pilates, funcional e cinesioterapia, relaxamento, meditação ou exercícios respiratórios (Tabela 2). Os principais materiais utilizados, enviados por correio para cada paciente, foram tapetes, almofadas, toalhas de banho ou de rosto, mantas ou cobertas, recipientes ou embalagens de alimentos, além de faixas elásticas e bolinhas.

Abraço virtual

O “Meninas do Morro” era um grupo terapêutico com participação de 24 indivíduos estáveis clinica-mente, sendo a maioria mulheres acima de 60 anos e com incapacidades leves. Entre os participantes, cerca de 12 mulheres realizavam semanalmente práticas corporais no salão paroquial, incluindo circuitos de equilíbrio, alongamentos globais e PICs.

Do total de 24 usuários, conseguiu-se contato somente com 16 participantes do sexo feminino. Embora a maioria fosse aposentada ou pensionista, duas permaneceram trabalhando (cuidadora e comerciante), demandando discutir os casos com a equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS) e fornecer máscaras de proteção individual. Entre os 16 participantes, dez coabitavam com familiares, que seguiram trabalhando. Em relação aos fisioterapeutas, duas voluntárias deixaram de participar devido à dificuldade de contato com as usuárias após inúmeras tentativas.

A iniciativa foi desenvolvida e orientada pela fisioterapeuta responsável pelo grupo “Meninas do Morro”. O telemonitoramento foi proposto segundo princípios norteadores: manutenção do vínculo, escuta qualificada e redução de danos funcionais decorrentes da restrição de mobilidade social. Haja visto que o atendimento foi realizado via chamada telefônica, oito participantes receberam via WhatsApp orientações e roteiro de exercícios domiciliares sem supervisão, principalmente alongamentos e exercícios simples de fácil execução e menor risco de queda elaborados para cada participante pelo fisioterapeuta que o atendeu (Tabela 2). As demais participantes foram atendidas individualmente via chamada telefônica para orientações sobre medidas de proteção individual contra a COVID-19 e autorrelato sobre condição de saúde e funcionalidade (Tabela 2). Destas participantes, quatro foram contatadas somente uma vez por conta de restrições relacionadas aos pacotes de dados e acesso à internet.

Implicações práticas: barreiras, facilitadores e desafios

Após a descrição pormenorizada das iniciativas (Tabela 2), foram identificados e sumarizados facilita-dores, barreiras e desafios enfrentados durante a experiência mediante diálogo entre as fisioterapeutas responsáveis. Tais pontos podem ser observados na Tabela 3. Haja visto que as iniciativas foram realizadas de maneira emergencial em resposta ao contexto pandêmico, não foi estabelecido um protocolo padronizado para a implementação dos atendimentos, bem como não foram delineadas ferramentas para a avaliação de sua efetividade. Ainda que os princípios norteadores sejam os mesmos, os aspectos socioeconômicos relativos aos pacientes determinaram a condução das práticas, principalmente no setor público.

A telessaúde contribuiu para longitudinalidade do cuidado, monitoramento dos pacientes, cumprimento do isolamento social, educação em saúde e formação de redes de apoio. Estudos anteriores já haviam demonstrado o papel da telessaúde na educação em saúde, sobretudo no manejo de condições crônicas e orientações sobre o uso adequado de medicamentos.1515. Rush KL, Hatt L, Janke R, Burton L, Ferrier M, Tetrault M. The efficacy of telehealth delivered educational approaches for patients with chronic diseases: A systematic review. Patient Educ Couns. 2018;101(8):1310-21. https://doi.org/10.1016/j.pec.2018.02.006
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No caso da pandemia, a telessaúde favoreceu a compreensão do processo saúde-doença da COVID-19 e do papel das medidas individuais e coletivas de mitigação da pandemia, esclarecimento de fake news e aprendizado sobre o autocuidado tanto por iniciativa dos fisioterapeutas quanto por demandas espontâneas dos pacientes. Contudo a telessaúde é dependente de dispositivo e acesso à internet, e 20% dos domicílios da área rural não têm disponibilidade de internet.16 Embora usar a internet em casa seja referido em 82,7% dos domicílios, as razões para não usá-la são falta de interesse (32,9%), serviço de acesso caro (26,2%) e nenhum morador saber usá-la (25,7%).1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. 2019 [cited 2021 Jul 24]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnadcontinua
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É fundamental, portanto, discutir sua aplicabilidade, tecendo considerações sobre a exclusão digital no país.

No setor privado, a videochamada facilitou a teleconsulta, enquanto no público as ligações possibilitaram apenas o telemonitoramento (Tabela 3). A despeito da necessidade de identificar e monitorar a condição de saúde dos sujeitos, a teleconsulta permite a realização de intervenções em tempo real, superando ou atenuando o cenário de alteração da funcionalidade diante das restrições de mobilidade social. Por isso, a teleconsulta pode ser considerada privilégio, permitido pela posse de dispositivo(s) de uso pessoal apto(s) para realizar videochamadas e conexão com internet suportando a sincronicidade. Ambos são social e digi-talmente excludentes, pois 5% dos domicílios no país não têm telefone e há indivíduos sem dispositivo para uso pessoal devido ao valor do aparelho (27,7%), falta de interesse (21,9%), não saber usar (21,9%) e utilização de aparelho de terceiros (16,4%).1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. 2019 [cited 2021 Jul 24]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnadcontinua
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Apenas 38,7% dos idosos utilizam a internet, porém 79% dos aposentados e 50% das donas de casa nunca a acessam1717. Brasil. Pesquisa brasileira de mídia 2016: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília; 2016. 162 p. https://www.abap.com.br/wp-content/uploads/2021/06/pesquisa-brasileira-de-midia-2016.pdf
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e quase 60% não sabem acessar,1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. 2019 [cited 2021 Jul 24]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnadcontinua
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justificando as diferenças observadas nos relatos.

As videochamadas dependem do tipo e qualidade do acesso à internet. No Brasil, 81,2% dos indivíduos têm banda larga móvel, 77,9% possuem banda larga fixa e 59,2% possuem ambos.1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. 2019 [cited 2021 Jul 24]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnadcontinua
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O dispositivo, contudo, determina o uso da videochamada (conexão de pouca qualidade, não ter aplicativo instalado e/ou não apresentar capacidade para processá-lo), o que explica a impossibilidade de realizar intervenções supervisionadas no setor público.

A dificuldade ou falta de familiaridade com a internet e ferramentas síncronas foi uma barreira para a teleconsulta, porém o perfil do paciente/cliente no setor privado (classe média com fluência digital, um ou mais dispositivos e acesso à internet de qualidade) favoreceu melhor aproveitamento das práticas síncronas. Quanto maior a escolaridade, maior o acesso diário à internet, contribuindo para o sucesso das teleconsultas no setor privado.1717. Brasil. Pesquisa brasileira de mídia 2016: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília; 2016. 162 p. https://www.abap.com.br/wp-content/uploads/2021/06/pesquisa-brasileira-de-midia-2016.pdf
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Todavia, 96% dos analfabetos, 50% dos indígenas, 36% dos pardos e 41% dos negros nunca acessam a internet, evidenciando o quão excludente pode ser esta assistência.1717. Brasil. Pesquisa brasileira de mídia 2016: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília; 2016. 162 p. https://www.abap.com.br/wp-content/uploads/2021/06/pesquisa-brasileira-de-midia-2016.pdf
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Cabe ressaltar a centralidade do vínculo e das tecnologias leves nas experiências, o quais foram considerados facilitadores nas experiências relatadas. A produção do cuidado usuário-centrada implica em construir “novo referencial para os usuários, que des-construa o imaginário que têm sobre o procedimento (...) valorizando sobretudo o trabalho realizado por todos os profissionais de saúde e as tecnologias relacionais”, assegurando integralidade do/no cuidado.1313. Franco TB, Merhy EE. A produção imaginária da demanda e o processo de trabalho em saúde. In: Franco TB, Merhy EE, editores. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade em saúde. 1st ed. São Paulo: Hucitec; 2013. p. 199-212. Operar através de tecnologias leves não é exclusividade do nível de atenção, a exemplo do descrito por Negro et al.1818. Negro A, Mucci M, Beccaria P, Borghi G, Capocasa T, Cardinali M, et al. Introducing the Video call to facilitate the communication between health care providers and families of patients in the intensive care unit during COVID-19 pandemia. Intensive Crit Care Nurs. 2020;60:102893. https://doi.org/10.1016/j.iccn.2020.102893
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sobre videochamada na comunicação entre profissio-nais e familiares em unidade de terapia intensiva na pandemia. Para melhor compreensão das tecnologias em saúde na atuação fisioterapêutica, são apresentados definições e exemplos na Tabela 4.

Tabela 4
Tecnologias leves, leves-duras e duras na fisioterapia

O preconceito inicial tanto de fisioterapeutas quanto de pacientes, sobretudo no setor privado, dada a ideia de empobrecimento da prática remota, foi superado com a ênfase nas tecnologias leves. A continuidade das práticas fortaleceu os vínculos terapeuta-paciente e serviço-usuário. As videochamadas favoreceram o vínculo paciente-paciente, formando redes de apoio através do compartilhamento das experiências, per-cepções e emoções no/do isolamento social. No setor público, a equipe da UBS iniciou telemonitoramento dos usuários em abril, exceto para os casos acompanhados pelo “Abraço virtual”. Adicionalmente, envolver egressos voluntários ampliou os olhares e diminuiu a sobrecarga da equipe.

A experiência prévia de prática corporal facilitou a prática síncrona, favorecendo o predomínio do comando verbal. Amplamente utilizadas no setor privado, as práticas corporais foram limitadas no setor público diante dos riscos da prática não-supervisionada.1919. Lazzarotti Filho A, Silva AM, Antunes PC, Silva APS, Leite JO. O termo práticas corporais na literatura científica brasileira e sua repercussão no campo da educação física. Movimento. 2010;16(1):11-29. https://doi.org/10.22456/1982-8918.9000
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Entendidas como “manifestações da cultura corporal que carregam os significados que as pessoas lhes atribuem, devem contemplar as vivências lúdicas e de organização cultural e operar segundo a lógica do acolhimento, aqui no sentido de estar atento às pessoas, de trabalhar ouvindo seus desejos e suas necessidades”,2020. Castellani Filho L, Carvalho YM. Ressignificando o esporte e o lazer nas relações com a saúde. In: Castro A, Malo M, editores. SUS: ressignificando a promoção da saúde. São Paulo: Hucitec-Opas; 2006. p. 208-22. as práticas corporais contribuem para instaurar rituais, atenuando os desafios enfrentados e oferecendo espaço de compromisso com o diálogo, a corresponsabilização do cuidado e a autonomia dos envolvidos.

No setor privado, os facilitadores contribuíram para adaptar as práticas nas teleconsultas, evidenciando governabilidade da práxis “pautada pela ética do compromisso com a vida e expressas em ato nas dimensões assistenciais do trabalho vivo em saúde, como a relação de acolhimento, a criação do vínculo, a produção da resolutividade e a criação de maiores graus de autonomia, no modo de as pessoas andarem a vida”.2121. Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em ato, em saúde. In: Franco TB, Merhy EE, editores. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade em saúde. 1st ed. São Paulo: Hucitec; 2013. p. 19-68.

O isolamento social aumentou comportamentos sedentários, com redução da atividade física.2222. Ammar A, Brach M, Trabelsi K, Chtourou H, Boukhris O, Masmoudi L, et al. Effects of COVID-19 home confinement on eating behaviour and physical activity: Results of the ECLB-COVID19 international online survey. Nutrients. 2020; 12(6):1583. https://doi.org/10.3390/nu12061583
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Opções de lazer no domicílio e atividades para aferir renda extra costurando máscaras de pano incluem permanecer sentado. O lazer das idosas acontecia predominantemente em espaços coletivos e dependentes das práticas corporais oferecidas pelo serviço de saúde. Estar no território e ocupá-lo minimizava a falta ou restrição de espaços abertos das casas, corroborando que “a atividade física que se desenvolve no tempo disponível reproduz as diferenças sociais”.2323. Carvalho YM. O mito da atividade física. 5 ed. São Paulo: Hucitec Editora; 2016. 184 p.

A casa, marcada por sentidos e significados específicos do usuário/paciente, representou desafio do/no/para o corpo “habituado a descansar” ou “acamado/debilitado” em casa. A falta de recursos específicos para a realização da prática (i.e., halteres ou aparelhos/acessórios do método pilates) exercitou a criatividade na adaptação com objetos de casa, evidenciando que a prática corporal não tem roupa ou lugar certos e rompendo o utilitarismo da/na atividade física.2323. Carvalho YM. O mito da atividade física. 5 ed. São Paulo: Hucitec Editora; 2016. 184 p. Compreender o lugar do fisioterapeuta para além do ambiente clínico e a autonomia do usuário para escolher o cenário de cuidado representou mudança importante de paradigma, superando a visão da práxis na assistência à doença e aos pacientes acamados/incapacitados em casa.

A práxis do fisioterapeuta determina-se amplamente pelo olhar e tocar. O olhar ausente e/ou restrito impediu a observação de perdas de funcionalidade, comuns pela idade e possivelmente exacerbadas pelo isolamento. A voz foi responsável pela transmissão de afeto, ma-nutenção do vínculo, educação em saúde e orientação do cuidado. Entende-se, portanto, que olhar e tocar são tecnologias leves da práxis e foram substancialmente influenciadas pela pandemia. Considerando o impacto do perfil dos participantes no modo de produzir o cuidado na telessaúde (teleconsulta no setor privado versus telemonitoramento no setor público), discutir as iniquidades sociais em saúde contribui para ampliar a compreensão sobre o papel das tecnologias digitais na saúde em um contexto de complexa desigualdade social, como no Brasil.

Iniquidades em saúde

Isolamento social e medidas de higiene comprova-damente reduziram a infecção por COVID-19.22. Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de COVID-19 no Brasil: Crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e0006882. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00068820
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,2424. Barreto ML, Barros AJD, Carvalho MS, Codeço CT, Hallal PRC, Medronho RA, et al. O que é urgente e necessário para subsidiar as políticas de enfrentamento da pandemia de COVID-19 no Brasil? Rev Bras Epidemiol. 2020;23:E20003. https://doi.org/10.1590/1980-549720200032
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Lavar as mãos, contudo, depende de políticas de saneamento básico, já que apenas 53,2% da população tem esgo-tamento sanitário e 83,6% possuem abastecimento de água.2525. Macedo YM, Ornellas JL, Bomfim HF. COVID- 19 no Brasil: o que se espera para população subalternizada? Rev Encantar. 2020;2:1-10. http://dx.doi.org/10.5935/encantar.v2.0001
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Sendo assim, é preciso levar em consideração o processo saúde-doença-cuidado, sobretudo no contexto pandêmico, o qual acentuou as iniquidades sociais. Áreas com pobreza urbana exacerbada apresentaram maior avanço, gravidade e letalidade da COVID-19 e maiores impactos socioeconômicos devido às fragilidades das políticas públicas e perdas progressivas de direitos.2525. Macedo YM, Ornellas JL, Bomfim HF. COVID- 19 no Brasil: o que se espera para população subalternizada? Rev Encantar. 2020;2:1-10. http://dx.doi.org/10.5935/encantar.v2.0001
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,2626. Santos MPA, Nery JS, Goes EF, Silva A, Santos ABS, Batista LE, et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estud Av. 2020;34(99):225-43. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
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Territórios com alta densidade de habitações, alta prevalência de doenças crônicas, saneamento insuficiente, sem acesso sistemático à água e menor acesso aos serviços de saúde têm como contingente populacional negros e trabalhadores informais.2626. Santos MPA, Nery JS, Goes EF, Silva A, Santos ABS, Batista LE, et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estud Av. 2020;34(99):225-43. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
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Apesar de ações de apoio mútuo e solidariedade horizontal, mais da metade dos casos de COVID-19 no início da pandemia foi em negros.2626. Santos MPA, Nery JS, Goes EF, Silva A, Santos ABS, Batista LE, et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estud Av. 2020;34(99):225-43. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
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A “vulnerabilização massificada” atingiu principalmente desempregados, autônomos em fenô-meno de “uberização do trabalho” (trabalhadores de aplicativos), empregadas domésticas e trabalhadores de pequenos negócios.2727. Silva PHI. O mundo do trabalho e a pandemia de COVID-19: um olhar sobre o setor informal. Cad Adm. 2020;28(0):66-70. https://doi.org/10.4025/cadadm.v28i0.53586
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Os trabalhadores formais (microempreendedores individuais e trabalhadores liberais) enfrentaram o dilema de obter a renda para sobrevivência, arriscando a contaminação de si e dos outros.2727. Silva PHI. O mundo do trabalho e a pandemia de COVID-19: um olhar sobre o setor informal. Cad Adm. 2020;28(0):66-70. https://doi.org/10.4025/cadadm.v28i0.53586
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Manter-se em isolamento pode ser considerado um privilégio, ao passo que tais medidas não atingiram igualmente a população brasileira, sobretudo pela necessidade de aferir renda e dependência do transporte público. Um país com território extenso e notável desigualdade social apresentou desafios adicionais ao controle da pandemia com regiões com números crescentes de casos, internações e óbitos, enquanto outras evidenciavam platô e/ou queda em distintas etapas de flexibilização e imunização da população. Dessa maneira, surge a inquietação: seria a assistência fisioterapêutica na pandemia, sobretudo no atendimento remoto, direito ou privilégio?

Perspectivas

A pandemia repercutiu na práxis e empregabilidade do fisioterapeuta. Seu lugar social no Brasil relaciona-se intimamente com a visão dos sujeitos sobre a fisiote-rapia e implica que mudanças na práxis atravessam o entendimento desse lugar.2828. Almeida ALJ, Guimarães RB. O lugar social do fisioterapeuta brasileiro. Fisioter Pesqui. 2009;16(1):82-8. https://doi.org/10.1590/S1809-29502009000100015
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O perfil do profissional fisioterapeuta e do docente-pesquisador baseia-se nas especialidades.2828. Almeida ALJ, Guimarães RB. O lugar social do fisioterapeuta brasileiro. Fisioter Pesqui. 2009;16(1):82-8. https://doi.org/10.1590/S1809-29502009000100015
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29. Shiwa SR, Schmitt ACB, João SMA. O fisioterapeuta do estado de São Paulo. Fisioter Pesqui. 2016;23(3):301-10. https://doi.org/10.1590/1809-2950/16115523032016
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-3030. Badaró AFV, Guilhem D. Perfil sociodemográfico e profissional de fisioterapeutas e origem das suas concepções sobre ética. Fisioter Mov. 2011;24(3):445-54. https://doi.org/10.1590/S0103-51502011000300009
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Na mídia, o profissional fisioterapeuta essencial na atenção de alta complexidade sustentou a supervalorização da especialidade. O Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª região (Crefito-3) criou “A frente especial de fiscalização do Crefito-3” para assegurar biossegurança aos fisioterapeutas com ações em hospitais, enquanto fisioterapeutas seguiram trabalhando nos outros níveis de atenção com uso de equipamentos de proteção individual “caseiros” (máscaras de pano e face shields fabricados com garrafas pet ou folhas de retroprojetor). Contudo novas demandas em saúde reforçam a necessidade de “profissionais polivalentes e ao mesmo tempo singulares, sensíveis e capazes de perceber as mais diversas necessidades da pessoa humana e, por meio do seu fazer, levar esta a produzir o seu próprio movimento para que, desse modo, mantenha ou adquira a sua autonomia”.3131. Bertoncello D, Pivetta HMF. Diretrizes curriculares nacionais para a graduação em fisioterapia: reflexões necessárias. Cad Edu Saude E Fis. 2015;2(4):71-84.http://revista.redeunida.org.br/ojs/index.php/cadernos-educacao-saude-fisioter/article/view/666
http://revista.redeunida.org.br/ojs/inde...
Apesar da historicidade da profissão atrelada à reabilitação, sua presença na promoção de saúde relaciona-se com mudança na formação profissional, compreensão da saúde como conceito complexo, ampliado, multideterminado e sen-sível aos contextos, e da funcionalidade e autonomia como objeto da práxis.3232. Souza DE. Fisioterapia e promoção de saúde. In: Bispo Jr JP, editor. Fisioterapia e Saúde Coletiva: reflexões, fundamentos e desafios. 1 ed. São Paulo: Hucitec Editora; 2013. p. 75-97.

Na pandemia, o uso das PICs destacou-se principalmente para o autocuidado. O Crefito-3 lançou cartilha sobre PICs e autocuidado em pacientes pós-COVID-19. Todavia a formação acadêmica ainda é incipiente e contraditória no uso das PICs, priorizando a técnica em detrimento dos princípios.3333. Nascimento MC, Romano VF, Chazan ACS, Quaresma CH Formação em práticas integrativas e complementares em saúde: desafios para as universidades públicas. Trab Educ Saude. 2018;16(2):751-72. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00130
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Embora as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação provoquem mudanças nos currículos e perfil profissional,3131. Bertoncello D, Pivetta HMF. Diretrizes curriculares nacionais para a graduação em fisioterapia: reflexões necessárias. Cad Edu Saude E Fis. 2015;2(4):71-84.http://revista.redeunida.org.br/ojs/index.php/cadernos-educacao-saude-fisioter/article/view/666
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reorientar a prática requer considerar como a profissão é veiculada na mídia, repensar o discurso acadêmico da especialidade e o delineamento de estudos sobre modelos de cuidado, e produzir conhecimento sobre a formação em saúde voltada à integralidade do cuidado, tecnologias leves e telessaúde.

Conclusão

A COVID-19 atravessou modos de viver e cuidar com dimensões socioeconômicas, ambientais e políticas, ressignificando fazeres e saberes do fisiote-rapeuta. Embora com potencial expressivo de longitudinalidade do cuidado e formação de redes de apoio, o teleatendimento é dependente de recursos tecnológicos, podendo ser excludente diante das iniquidades sociais enfrentadas no país e acentuadas pela pandemia. Adicionalmente, o teleatendimento traz relevantes repercussões na atenção fisioterapêutica ao interferir diretamente nas tecnologias leves da profissão e podendo restringir as possibilidades de assistência, principalmente na ausência do olhar.

Agradecimentos

As autoras agradecem aos pacientes e profissionais que participaram das experiências desenvolvidas, assim como concordaram com a divulgação das reflexões acerca das atividades. Além disso, as autoras agradecem as contribuições valiosas das professoras Ana Carolina Basso Schmitt e Vera Maria da Rocha.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2022
  • Revisado
    3 Out 2022
  • Aceito
    23 Jan 2023
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