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As primeiras preocupações com a periferia do sistema capitalista nas teses do imperialismo de Kautsky e Bukharin

The first concerns about the periphery of capitalism in the theses of imperialism of Kautsky and Bukharin

Resumo:

A partir das contribuições de Karl Kautsky e Nikolai Bukharin, datadas das primeiras décadas do século XX, bem como de toda herança que guardam das ideias originárias de Marx, o artigo analisa como esses dois teóricos interpretaram os efeitos do processo histórico de expansão mundial das relações burguesas de produção sobre as regiões ainda não capitalistas do globo, as mesmas que, posteriormente, passariam a ser tratadas sob o amplo conceito de periferia. Diante de um cenário de autêntico imperialismo capitalista, buscar-se-á resgatar as impressões e preocupações que levaram ambos os autores à percepção ideal de um processo real de polarização da economia mundial em um centro, desenvolvido e rico, e em uma periferia, pobre e retardatária, argumento que dominaria as discussões desenvolvimentistas algumas décadas depois.

Palavras-chave:
Kautsky; Bukharin; imperialismo; centro-periferia

Abstract:

From the contributions of Karl Kautsky and Nikolai Bukharin, dating from the early twentieth century and of all who keep the heritage originating ideas of Marx, we look at how these two theorists have interpreted the effects of the historical process of global expansion of relations bourgeois production on regions not yet capitalists of the world, the same as they would be treated, later, under the broad concept of periphery. In the era of capitalist imperialism, we seek to rescue the impressions and concerns that led to these authors toward the ideal perception ideal perception of a real process of polarization of the world economy in a center, developed and rich, and a periphery, poor and backward, argument that would dominate the developmental discussions a few decades later.

Keywords:
Kautsky; Bukharin; imperialism; center-periphery

1 Introdução

Durante as primeiras décadas do século XX, vários autores de influência marxista dedicaram-se a analisar a hipótese do desenvolvimento econômico de alguns poucos países basear-se em relações de exploração e dominação, capazes de garantir a acumulação ampliada de capital simultaneamente à geração de desigualdades crescentes na economia mundial. Interpretando o capitalismo como caracterizado por contradições e conflitos, suas conclusões apontavam para a produção de uma estrutura hierárquica de relações econômicas mundiais, estrutura esta bastante semelhante à que impera na concepção centro e periferia, unidade de análise que, algumas décadas depois, atrairia a atenção de autores de diferentes influências teóricas e tornar-se-ia lugar comum nos estudos sobre o subdesenvolvimento capitalista.

Vivenciando um período histórico de autêntico imperialismo capitalista, alguns desses teóricos anteciparam um tipo de enfoque analítico cuja preocupação voltava-se para os problemas que a intensa invasão do capital provocava sobre as regiões que ainda não haviam completado o processo de desenvolvimento de suas forças de acumulação. É nesse sentido que buscamos resgatar as contribuições de Karl Kautsky e Nikolai Bukharin, dois teóricos de influência marxista que estão entre aqueles que se preocuparam em apresentar uma análise crítica, em tom de denúncia, sobre as consequências desse processo para as economias atrasadas.

Acreditamos que, entre os teóricos marxistas do imperialismo, Kaustky e Bukharin apresentaram ideias e impressões teóricas que guardavam muitos aspectos em comum, tais como: i) a percepção acerca da instabilidade característica do modo de produção capitalista, marcado por recorrentes crises e constantemente exposto às desproporções entre os setores econômicos produtivos; ii) a defesa da dicotomia agricultura e indústria como definidora da condição subdesenvolvida ou desenvolvida das nações, ponto este que coloca o progresso técnico como fundamental para o desenvolvimento econômico dentro dos marcos do capitalismo; iii) a importância atribuída à expansão e ao desenvolvimento das forças produtivas como essencial para a reprodução do processo de acumulação mundial de capital em escala ampliada; iv) a convicção sobre a impotência das nações atrasadas para subverter a ordem econômica internacional estabelecida e desenvolver seus parques industriais nacionais, dada a dificuldade das nascentes burguesias locais de alcançarem uma posição independente frente ao grande capital das nações imperialistas, entre outras.

Tais ideias indicavam a percepção ideal do processo real de polarização da economia mundial em um centro, desenvolvido e rico, e uma periferia, pobre e retardatária, concepção que dominaria as discussões desenvolvimentistas algumas décadas depois e seria, inclusive, ponto fulcral para o pensamento cepalino que viria à tona ao final dos anos 1940. Portanto, ao longo deste trabalho, procurar-se-á resgatar as contribuições desses dois autores que anteciparam as primeiras preocupações quanto à forma como as regiões marginais estavam sendo inseridas no mercado mundial capitalista.

2 O imperialismo e as primeiras preocupações com a periferia do sistema capitalista

Como afirmava Hobson (2002HOBSON, John Atkins. Imperialism, a study. Marxist’s Internet Archive, 2002. Disponível. em: <Disponível. em: http:// www.marxists.org/archive/hobson/1902/imperialism/index. htm > Acesso em: 12 set. 2012.
http:// www.marxists.org/archive/hobson/...
), no prefácio de seu estudo sobre o imperialismo, escrito em 1902, tratava-se de investigar com maior profundidade o significado de um termo que estava “na boca de todo mundo”. O fato de políticos, estudiosos e o povo em geral usar a expressão levou o autor a considerar o imperialismo “o movimento mais poderoso da atual política do mundo ocidental”. Em um ensaio de 1919, Schumpeter dedicou-se a investigar o fenômeno, apontando em suas conclusões para o caráter atávico do imperialismo, uma simples e retrógrada “inclinação puramente instintiva para a guerra e a conquista”, a qual se identificava com as sociedades pré-capitalistas. Para ele, as nações que se utilizavam desse expediente eram estimuladas pelos interesses das classes dominantes e de todos os que tinham a ganhar com o conflito, econômica ou socialmente. Autores marxistas, como Hilferding, Luxemburg, Kautsky, Bukharin e Lenin, a partir de perspectivas diametralmente opostas à de Schumpeter, consideravam o imperialismo completamente identificado e, por que não dizer, essencial ao processo de desenvolvimento das forças capitalistas de acumulação.

Realizando uma profunda investigação histórica sobre as teorias do imperialismo, Etherington (1984ETHERINGTON, Norman. Theories of Imperialism: war, conquest and capital. London & Camberra: Croom Helm; New Jersey: Barnes & Noble Books, 1984., p. 5) defende que a ideia em torno do tema não surgiu com Hobson e nem foi ele o primeiro a perceber que os capitalistas se beneficiavam com o imperialismo. Sua investigação aponta para as primeiras aparições do termo por volta do final do século XIX, mais especificamente, 1898 e 1899, entre escritores americanos de economia e negócios que produziam artigos para o boletim de finanças U.S. Investors, de Boston, Massachussets.

Em maio de 1898, o editor chefe do boletim afirmava que “imperialismo é uma palavra nova no nosso vocabulário político e que em breve será falada em todas as línguas” (Etherington, 1984ETHERINGTON, Norman. Theories of Imperialism: war, conquest and capital. London & Camberra: Croom Helm; New Jersey: Barnes & Noble Books, 1984., p. 7, tradução nossa), chamando a atenção para o fato de que, ao contrário do que poderia parecer, “a guerra era muito boa para os negócios”. Um mês depois, o mesmo informativo expandiria a discussão, passando a tratar de questões como o excesso de capacidade para produzir e de dinheiro acumulado sob a forma de juros e lucros, bem como a transformação das pequenas empresas industriais em gigantescos trusts, numa autêntica “combinação de capital” (ibidem, p. 15, tradução nossa). O tema tornou-se recorrente nas páginas do jornal norte-americano, e nas edições de vinte e quatro de setembro e oito de outubro de 1898 surge a expressão “capital congestionado” (ibidem, p. 16, tradução nossa), ao que segue fervorosa defesa da necessidade econômica do imperialismo para os mercados.

Ainda em setembro do mesmo ano, um expert em assuntos bancários, o americano Charles Conant, publica seu primeiro artigo na North American Review, cujo título, “As bases econômicas do imperialismo”, advogava a essencialidade do imperialismo como mecanismo de absorção dos excedentes de capital, dada a escassez das possibilidades de investimentos, afirmando ainda a necessidade de, se preciso fosse, que o Estado utilizasse o poder das forças armadas com o intuito de abrir e manter novos campos para o investimento de capital. Nas palavras do autor,

Esse novo movimento, imperialismo, não é um assunto de cunho sentimental. É resultado de uma lei natural da economia e do desenvolvimento racial. Os grandes povos civilizados têm, ao seu comando, os meios de desenvolver as nações decadentes do mundo. Esses meios, em seus aspectos materiais, são os grandes volumes de capital poupado os quais são resultado da produção industrial. (Conant, 1898CONANT, Charles A. The economic bases of ‘imperialism’. The North American Review. v. 167, n. 502, p. 326-340, september, 1898. Disponível em: <Disponível em: http://www.jstor.org/stable/25119063?seq=1 >. Acesso em: 11 nov. 2012.
http://www.jstor.org/stable/25119063?seq...
, p. 2, tradução nossa).

Em outra ocasião, o mesmo Conant reforçava a utilização prática do imperialismo e da guerra como alternativas para escapar de um processo de superprodução:

Um congestionamento de capital existe. O problema de encontrar emprego para o capital... é agora o maior de todos os problemas econômicos que nos confronta. A guerra hispano-americana fornece à América a oportunidade de resolver este problema. (Conant apudEtherington, 1984ETHERINGTON, Norman. Theories of Imperialism: war, conquest and capital. London & Camberra: Croom Helm; New Jersey: Barnes & Noble Books, 1984., p. 165, tradução nossa).

Disseminando suas ideias, foi em 1900 que Conant publicou uma série de outros ensaios sob o título The United States in the Orient. Os argumentos de Conant foram sumarizados, como segue abaixo, por um revisor britânico. Atente-se para a recomendação da política imperialista como alternativa à ausência do liberalismo econômico.

Em todos os países avançados há poupança excessiva que não encontra investimento passível de lucro para o capital que sobra, o que resulta em desperdício e desastre. A saída poderia ser encontrada sem o uso do poder político e militar se a liberdade comercial fosse a política de todas as nações... mas, em caso contrário, a América deve estar preparada para usar de força se necessário for; e a América tem vantagens peculiares, a organização de algumas de suas indústrias na forma de produção de grande escala, sob a forma de trustes, isso contribuirá grandemente na luta pela supremacia comercial da América. (Conant apudEtherington, 1984ETHERINGTON, Norman. Theories of Imperialism: war, conquest and capital. London & Camberra: Croom Helm; New Jersey: Barnes & Noble Books, 1984., p. 30, tradução nossa).

Outro a se destacar no tratamento da questão prática do imperialismo naquele momento histórico foi o marxista americano H. Gaylord Wilshire que, tendo migrado para a Inglaterra, realizou campanha pró-socialismo ao final do século XIX. Segundo Etheringhton (1984, p. 42), tanto Hobson quanto Lenin tomaram conhecimento do pensamento de Wilshire, prova disso é a semelhança entre alguns parágrafos de sua obra e a de Lenin acerca do tema, bem como a existência de uma carta escrita por Hobson e endereçada a Wilshire, parabenizando-o pelo excelente artigo, “Significance of the Trust”, de 1901, carta na qual Hobson afirmava ser o melhor artigo já escrito sobre a relação entre o capital e o imperialismo. Escrevendo entre 1900 e 1901, Wilshire defendia que:

Imperialismo é o meio de desviar para terras estrangeiras essa ameaça de dilúvio causada pelo excesso de poupança doméstica. Isso explica essa mania súbita de imperialismo e sua defesa por parte do Partido Republicano, o qual é a expressão política da riqueza organizada do país. (WilshireWILSHIRE, Henry Gaylord.The significance of the trust. Wilshire Book Company, 1903. Disponível em <Disponível em https://archive.org/stream/problemoftrust00wilsrich#page/n3/ mode/2up >. Acesso em: 15 dez. 2012.
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apudEtherington, 1984ETHERINGTON, Norman. Theories of Imperialism: war, conquest and capital. London & Camberra: Croom Helm; New Jersey: Barnes & Noble Books, 1984., p. 34, tradução nossa).

Para Etheringhton, a diferença entre a posição do jornal de finanças norte-americano e a de Wilshire era que, para o jornal, o imperialismo era apresentado como recomendação de política governamental, enquanto para Wilshire ele já era apresentado como um fato. Em comum, havia a preocupação econômica de se garantir o fornecimento de matérias-primas e a conquista de mercados consumidores para os produtos das fábricas metropolitanas, afinal, ambos eram de suma importância para a manutenção do ritmo de crescimento econômico das principais economias industriais.

Fato é que o tema não se restringia ao debate teórico. O imperialismo era um fenômeno real, haja vista o cenário de intensa e violenta partilha territorial do mundo entre alguns poucos países europeus, mais EUA e Japão, países que experimentavam o pleno desenvolvimento de sua produção de manufaturados. Manufatura talvez seja aqui apenas uma figura de linguagem, pois se tratava do momento em que a produção material em bases capitalistas apresentava ao mundo as poderosas associações capitalistas em torno dos trustes e cartéis, como as maiores e mais potentes criadoras e reprodutoras de mercadorias.

Comum no vocabulário político e jornalístico da época, para muitos o imperialismo denotava algo digno de orgulho. Nações que praticavam o imperialismo podiam, num só golpe, resolver graves tensões internas, como defendia Sir Cecil Rhodes, lorde inglês e ministro da Colônia do Cabo, na África do Sul , como ainda levar civilização, cultura e desenvolvimento às “raças” inferiores dos colonizados. Logo, a diplomacia ou as forças armadas deveriam atender a esse duplo propósito.

No presente trabalho, buscar-se-á resgatar as preocupações dos autores que interpretaram a expansão imperialista do capitalismo a partir de um prisma que explique a construção da estrutura polarizada e desigual da economia mundial. Para Lênin (1984, p. 2), por exemplo, o período que se estende de 1871 a 1914 foi de uma realidade dúplice do sistema capitalista. Enquanto significou, para “os mais adiantados países da Europa”, ou pelo menos para um décimo de sua população, paz, prosperidade e expansão “pacífica” (entre aspas também no original) por sobre os “imensos territórios e países ainda não arrastados para o torvelinho do capitalismo”, para os povos das colônias e países atrasados, bem como para os outros nove décimos da população dos próprios países mais avançados, o capitalismo era sinônimo de “opressão, torturas e horrores”.

A importância dessa observação reside no fato de que certa atenção passava a ser dispensada aos efeitos do imperialismo sobre as regiões subjugadas, ou seja, às condições de vida e à realidade das “colônias e países atrasados” (ibidem, p. 4). Apesar de ainda não significar o início de um tratamento sistemático da questão do desenvolvimento capitalista das regiões mais pobres do planeta, os malefícios que a onda de expansão imperialista provocava sobre essas áreas economicamente atrasadas, sob o ponto de vista do modo de vida predominante nas economias europeias, começavam a ser relevados e avaliados. Especialmente se considerarmos que, em seu conjunto, os autores marxistas que à época se debruçaram sobre o tema relacionavam o imperialismo com um determinado estágio do desenvolvimento do capitalismo, bem distinto, portanto, da visão de distúrbio, ou patologia, predominante em John Hobson, ou do caráter atávico presente no argumento de Joseph A. Schumpeter.

Se toda formação social histórica exige uma forma determinada de expansão e desenvolvimento, para os primeiros teóricos marxistas do imperialismo ver-se-á que a forma utilizada pelo capitalismo, em uma determinada fase de maturidade, não está muito longe da teorização de Marx acerca dos primeiros movimentos do colonialismo, a de transformar áreas não capitalistas em capitalistas, destruindo relações de produção que não as baseadas no trabalho assalariado e, dessa forma, forçando uma classe de operários a produzir valor muito além das suas necessidades vitais, afetando objetivamente a estrutura social vigente nessas regiões.

2.1 A herança de Marx: imperialismo, desenvolvimento e subdesenvolvimento

Enquanto Brown (1978BROWN, Michael Barratt. A economia política do imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978., p. 53) afirma que não há em Marx uma teoria específica sobre o imperialismo, Löwy (1998LÖWY, Michael. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado. Revista Outubro, São Paulo, n. 1, p. 73-80, 1998. Disponível em: <Disponível em: http://www.controversia.com.br/uploaded/pdf/13596lowy.pdf >. Acesso em: 02 jan. 2013.
http://www.controversia.com.br/uploaded/...
, p. 2) defende que, por ter escrito antes da era imperialista, Marx não podia dar conta de um problema que estava ligado diretamente à expansão mundial do capital. No entanto, o pensador alemão antecipou, pelo menos, dois argumentos que influenciariam toda uma vertente de pensadores. Primeiramente, e indissociável de seu método de análise, estava a ideia acerca do caráter contraditório, desigual e desequilibrado do processo de desenvolvimento da acumulação de capital. Em segundo lugar, a ideia de que a expansão do capital não obedece quaisquer limites ou obstáculos impostos por fronteiras geográficas ou políticas, pois “o próprio mecanismo do processo de produção capitalista elimina os empecilhos que ele temporariamente cria” (Marx, 1983, p. 192).

Para o propósito deste artigo, interessa destacar que Marx percebeu que a acumulação do capital e a forma como se fundamentava a proletarização da força de trabalho faziam do capitalismo um modo de produção mundial, adiantando-nos, pois, a vigência de uma divisão internacional do trabalho que conformava um núcleo de exploradores e uma grande massa de explorados. O ponto de partida do capitalismo se mostra, então, como sendo o mercado mundial, que se estabelece na generalização da mercadoria e na confrontação do capital-dinheiro com outras formas de produção que não apenas a baseada no trabalho assalariado. Assim, a ideia de que a lei do valor tende necessariamente a avançar sobre a mais vasta região do globo, criando mecanismos e construindo verdadeiras arenas para a valorização do capital em escala ampliada, ronda grande parte da obra de Marx. Vejamos alguns momentos em que, em nosso entendimento, Marx apresenta importantes aspectos que serviriam de base às posteriores análises sobre o imperialismo capitalista e seus efeitos sobre a economia mundial.

Quando trata da lei geral da acumulação capitalista, Marx (1983MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, tomo II. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os economistas)., p.187 et seq.) antecipa os processos de concentração e centralização dos meios de produção social como consequência da própria dinâmica da concorrência capitalista em seu processo de acumulação de capital e expansão mundial incessantes.

As leis dessa centralização dos capitais ou da atração de capital por capital não podem ser desenvolvidas aqui. Basta uma indicação sumária dos fatos. A luta da concorrência é conduzida por meio do barateamento das mercadorias. A barateza das mercadorias depende, ceteris paribus, da produtividade do trabalho, esta porém da escala da produção. Os capitais maiores derrotam portanto os menores. (...) A concorrência se desencadeia aí com fúria diretamente proporcional ao número e em proporção inversa à grandeza dos capitais rivais. Termina sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos capitais em parte se transferem para a mão do vencedor, em parte soçobram. (Marx, 1983MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, tomo II. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os economistas)., p.189,).

Portanto, com o desenvolvimento do capitalismo, das forças produtivas, do processo de acumulação e da concentração do capital, os capitais com maiores composições orgânicas e maiores produtividades do trabalho acabariam por derrotar os capitais mais frágeis, ampliando a centralização. Por outro lado, a centralização também “complementava a obra da acumulação, ao colocar os capitalistas industriais em condições de expandir as escalas de suas operações”. As sociedades por ações, segundo Marx, poderiam alcançar resultados maravilhosos “num piscar de olhos”, como o fizera com as ferrovias, as quais ainda nem existiriam se “o mundo ficasse esperando até que a acumulação de alguns capitais individuais alcançasse o tamanho requerido para a construção de uma estrada de ferro” (ibidem, 191). E para isso, afirma Marx, a centralização contava, adicionalmente, com o sistema de crédito, elemento imprescindível nas análises posteriores acerca do imperialismo.

À medida que se desenvolve a produção e a acumulação capitalista, na mesma medida desenvolvem-se a concorrência e o crédito, as duas mais poderosas alavancas da centralização. (Marx, 1983MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, tomo II. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os economistas)., p. 190).

Em outro momento de sua obra, Marx (1983MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, tomo II. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os economistas)., p. 295 et seq.) apresenta suas teorias da colonização como fenômeno imanente da expansão capitalista, levando a efeito uma divisão social do trabalho em escala mundial. Marx destaca ali a preocupação sobre a forma como o capital invadiria, se expandiria sobre as “colônias”, regiões as quais a lógica da acumulação burguesa ainda não havia completado seu domínio, e forjaria uma classe trabalhadora local subordinada aos interesses dos capitalistas das nações imperialistas. Usando da força e, quando necessário, da criação de leis específicas, os Estados capitalistas industrializados construiriam, fora de suas fronteiras geográficas, novas e promissoras arenas para a valorização do capital.

Destaque-se, também, o momento em que Marx aponta o comércio exterior e o aumento do capital por ações como causas contrariantes da lei da queda tendencial da taxa de lucro (Marx, 1984, p. 180-182). Afinal, se o comércio exterior esteve na gênese do modo de produção capitalista, sua ampliação torna-se condição de seu próprio progresso, dado que a necessidade de mercado sempre mais amplo é produto da acumulação.

Nesses termos, a expansão geográfica do capitalismo por meio do comércio exterior e do subsequente aumento do capital por ações atuaria como causa contrariante da lei tendencial da queda da taxa de lucro, pois “capitais investidos no comércio exterior podem proporcionar taxa de lucro mais elevada” (Marx, 1984MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro III, tomo I. São Paulo: Nova Cultural , 1984. (Os economistas), p.181), uma vez que, nas colônias, o capitalista do país adiantado concorre com mercadorias que lá são produzidas com menores facilidades, dado o menor desenvolvimento das técnicas produtivas, criando assim a possibilidade da venda acima do valor individual de sua mercadoria. Recebe, portanto, mais trabalho em troca de menos trabalho, argumento que será retomado em sua essência, por Nikolai Bukharin, como veremos mais adiante neste artigo.

A importância que Marx atribui ao progresso técnico para o rápido desenvolvimento das forças produtivas, argumento que daria lugar de destaque ao processo de substituição de força de trabalho humano por máquinas em sua obra, com destaque para O Capital e os Grundrisse, revela aspectos que serviriam de base para os teóricos que, posteriormente, acabariam por relevar a dicotomia indústria e agricultura como elemento chave para o entendimento da questão do desenvolvimento capitalista.

Para Marx (1983MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, tomo II. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os economistas)., p. 65), a maquinaria não apenas agrega trabalho não-pago como também condiciona o revolucionamento de outras esferas da indústria e “revoluciona [também] o próprio modo de trabalho”, uma vez que “com o progresso da mecanização e com a experiência acumulada de uma classe própria de operadores de máquinas, aumenta naturalmente a velocidade e, com isso, a intensidade do trabalho”. Nessa perspectiva, o avanço tecnológico torna-se parte integrante e necessária da dinâmica da produção capitalista, haja vista a importância decisiva do momento em que a “máquina conquista seu raio de ação” visando “os extraordinários lucros que ajuda a produzir” (Marx, 1983, p. 63).

Não obstante, a grande indústria atua, para Marx, como força expansionista imanente ao modo capitalista de produção, que necessita ampliar sua área de atuação por meio da produção de capital com a finalidade de produzir mais capital, conformando hegemonias ou centro de gravidade em torno do qual a economia mundial orbita (Marx; Engels, 1976). Destaque para a associação entre o desenvolvimento da grande indústria em um país e sua posição hegemônica no contexto do capitalismo mundial.

No Manifesto Comunista, Marx e Engels (1998MARX, K; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 1998.) já mostravam a patente necessidade do capital de ampliar-se por sobre a mais vasta área mundial possível, dada a necessidade crescente da burguesia de expandir-se sobre todo o globo terrestre, com o intuito de fazer novos contatos, de escoar seus produtos, de instalar suas bases industriais, de buscar matérias-primas, em suma de se livrar do isolamento e dos particularismos locais característicos da sociedade feudal que ela lutara para exterminar.

A partir daí, Marx avança da mercadoria à forma dinheiro, em especial, ao dinheiro mundial. A vocação do capital era transformar o mundo na mais vasta área para a sua valorização, ainda que continuassem a coexistir, simultaneamente, num ou noutro canto, ou amiúde em alguns setores produtivos, relações econômicas baseadas em tipos não capitalistas, ou pré-capitalistas. Essa expansão, em busca da apropriação de novos territórios econômicos é tratada com bastante especificidade quando Marx analisa os resultados da dominação britânica sobre as Índias. Para ele, a Inglaterra operava a aniquilação da velha sociedade asiática e a instalação dos fundamentos materiais da sociedade ocidental na Ásia. Acrescentava ainda que os britânicos eram os primeiros conquistadores superiores e consequentemente inacessíveis à civilização hindu, destruindo assim as comunidades nativas, extirpando-lhes a indústria e nivelando tudo o que era grande e superior naquela sociedade. Nesse sentido, alertava para o fato de que as Índias só recolheriam os frutos dos elementos semeados pela burguesia se uma revolução operária capitulasse o capitalismo na Inglaterra ou se os hindus se tornassem fortes o suficiente para rejeitarem o jugo inglês e assumirem os rumos de seu desenvolvimento (Marx; Engels, 1977, p. 286-297)MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos. São Paulo: Edições Sociais , 1977. v. 3..

Outros dois aspectos importantes, e que posteriormente constituiriam o núcleo das teses imperialistas, já estavam também presentes nas análises originais de Marx. O primeiro é a ideia de que, no capitalismo mundial, haverá sempre um centro econômico hegemônico, uma nação em torno da qual orbitariam diversas zonas de influência, argumento este tratado em um artigo apresentado na Gazeta Renana, em fevereiro de 1850, sob o sugestivo título de “Deslocamentos do centro de gravidade mundial”. O segundo é a concepção de que o desenvolvimento capitalista das nações atrasadas dependia do desenvolvimento da indústria nacional, haja vista a “enorme capacidade de expansão aos saltos do sistema fabril e sua dependência do mercado mundial” (Marx, 1983, p.64). Os países que não o fizessem permaneceriam dominados e subjugados pelo centro hegemônico.

A única probabilidade dos países civilizados da Europa não caírem, em relação ao EUA, na mesma dependência industrial, comercial e política em que se encontram a Itália, a Espanha e Portugal modernos é iniciarem uma revolução social que, enquanto ainda é tempo, adapte a economia à distribuição segundo as exigências da produção e das capacidades produtivas modernas, e permita o desenvolvimento de novas forças de produção que assegurem a superioridade da indústria europeia. (Marx; Engels, 1976MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos. São Paulo: Edições Sociais, 1976. v. 2., p. 137).

As relações capitalistas, que alcançavam sua forma mais desenvolvida na grande indústria, uma vez dominantes na economia mundial, acabavam por definir o lugar e a importância que uma forma social distinta teria para o todo. Para Marx (1983MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, tomo II. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os economistas)., p.63-64), o que estava a ocorrer naquele momento era a criação de “nova divisão internacional do trabalho adequada às principais sedes da indústria mecanizada, que transformavam parte do globo terrestre em campo de produção agrícola para o outro campo preferencialmente industrial”, este último, o centro do sistema. Aos países coloniais ou semicoloniais cabia cumprir funções específicas para os centros industriais dominantes, seja a de receptáculos dos excedentes de produtos e trabalhadores dos centros industriais, ou a de fornecedores de alimentos e matérias-primas necessários às metrópoles. Na opinião de Brown (1978BROWN, Michael Barratt. A economia política do imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978., p. 50), esta foi a mais clara referência feita por Marx ao processo recíproco, concomitante, de geração de desenvolvimento e subdesenvolvimento simultaneamente, pois essa divisão internacional do trabalho se efetivava via processos que se interconectavam.

Emerge, pois, de modo intuitivo, a partir de tais argumentos, a percepção acerca do processo de expansão imperialista. Por isso, entre os teóricos de influência marxista, o imperialismo será interpretado como uma força, ou tendência, própria e necessária da expansão da acumulação de capital em escala mundial. Influenciados por tal perspectiva, Kautsky e Bukharin desenvolveram importantes estudos que contribuíram para a construção de uma teoria marxista do imperialismo capitalista, em nosso entender, pioneira e decisiva para se compreender a polarização da economia mundial em centro e periferia.

3 Karl Kautsky e a dicotomia do desenvolvimento: indústria e agricultura

Desproporção entre os setores produtivos e crises recalcitrantes. Kautsky (1920KAUTSKY, Karl. Imperialism and war. International Socialist Review, nov., 1920. Disponível em: <Disponível em: http://www.marxists.org/archive/kautsky/1914/09/war.htm >. Acesso em: 3 ago.2012.
http://www.marxists.org/archive/kautsky/...
) considerava o desenvolvimento do capitalismo como que marcado pela desproporcionalidade. Por isso, tal como Hilferding, Kautsky defendia que a sociedade cuja estrutura material se assenta em bases capitalistas está sempre exposta a crises econômicas, crise cuja solução cria, de imediato, as pré-condições para a crise seguinte.

Tal desproporção pode ser explicada pelo avanço mais acelerado do setor industrial do que o observado no setor agrícola. Essa dicotomia entre industrial e agrícola marca o argumento do marxista checo que, após a morte de Engels, em 1895, passou a ser contado entre os mais influentes conhecedores da obra de Marx, ao qual foi pessoalmente apresentado em 1881, na Inglaterra. Amigo de Engels, Kautsky foi o fundador e primeiro editor do periódico Die Neue Ziet, na Alemanha, desde 1883, até setembro de 1917, quando então se desligou do Partido Social Democrata da Alemanha - SPD, para se juntar ao Partido Social Democrata Independente da Alemanha - USPD.

Tendo se filiado ao Partido Social Democrata da Áustria - SPÖ, quando ainda vivia em Viena, em 1875, Kautsky sentiu, na pele, todo o conflituoso debate teórico entre as alas que dividiam o partido no início do século XX. Mas, nem mesmo toda a ortodoxia marxista presente em seu pensamento, a sua dedicação à causa operária e a percepção sobre a inevitabilidade de superação da ordem capitalista rumo ao socialismo pela via revolucionária o impediram de realizar uma verdadeira guinada teórica e política a partir de finais da década de 1910, especificamente, a partir de seu texto O caminho do poder, de 1909.

Procurando “adequar os princípios gerais de sua estratégia” (Musse, 2005MUSSE, Ricardo. Kautsky e a revolução de 1905. Revista Crítica Marxista, UNICAMP, n. 21, p. 154-166, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/ critica21-A-musse.pdf >. Acesso em: 12 fev. 2013.
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, p. 163) Kautsky tomou uma posição centrista dentro do partido social-democrata e aderiu a uma visão evolucionária do socialismo, posicionando-se contrariamente às alas mais radicais dos sociais-democratas, entre as quais estava Rosa Luxemburgo. Anos mais tarde, chegou a criticar veementemente a opção política bolchevista na Revolução Russa (Kautsky, 1919)KAUTSKY, Karl. The dictatorship of the proletariat. National Labour Press, 1919. Disponível em: <Disponível em: http://www.marxists.org/archive/kautsky/1918/dictprole/index.htm >. Acesso em: 8 set. 2012.
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, o que lhe custou o título, em tom de crítica, de “revolucionário inimigo da revolução” (Lenin, 1977LENIN, Vladimir Ilitch. A revolução proletária e o renegado Kautsky. Obras escolhidas de V. I. Lenin. Editorial Avante, 1977, p. 1-75.).

Durante os anos de 1914 e 1915, período durante o qual Kautsky escreveu seus principais artigos acerca do imperialismo, como Ultraimperialismo, que veio à tona em setembro de 1914, o clima era de tensão, especialmente no que diz respeito às duras críticas endereçadas ao Partido Social-Democrata alemão pelos marxistas radicais. As principais questões pairavam em torno do colapso do capitalismo. Seria aquele momento de imperialismo explícito um prenúncio do fim da economia de mercado? Estaria batendo à porta o modo socialista de produção? A guerra indicava o fim do capitalismo ou apenas do imperialismo?

Kautsky, após a guinada revisionista em seu pensamento, estava plenamente convencido de que, se existia um nível historicamente necessário como condição para o socialismo, tal nível já havia sido alcançado. A construção de um modo de produção socialista poderia emergir das estruturas que o próprio desenvolvimento capitalista havia criado. A concentração do capital das empresas privadas, as cooperativas de produtores, as empresas comunais e estatais indicavam, para ele, que a estrada para esse novo modo de produção já estava sendo aplainada e que um regime socialdemocrata já poderia “naturalmente” instaurar a produção socialista. (Kautsky, 2009b, p. 483).

Além do colapso econômico, o capitalismo necessitava de um “colapso moral” (ibidem, p. 487) capaz de eliminar o imperialismo e retirar da instabilidade geral daquele momento, marcado por contradições, antagonismos e um sangrento conflito armado, uma oposição massiva capaz de debilitar a ordem existente. Esse era um dos lados, talvez o mais aparente, da questão. Por outro lado, existia a alternativa de que uma política internacional que emergisse do pós-guerra e inaugurasse, por meio do desarmamento e de uma paz duradoura, “uma nova era de esperança e expectativas no interior do capitalismo poderia adiar, por tempo indefinido, tanto o colapso econômico como o colapso moral desse sistema.

A essa política internacional, que substituiria o imperialismo e uniria as nações imperialistas mais poderosas, denominou de superimperialismo, ou ultraimperialismo. Algo como um cartel internacional formado por capitalistas industriais e financeiros dos países mais fortes e seus poderes de Estado. Uma “federação dos mais fortes que faria todos renunciarem às armas. Tal fase seria marcada pela reconquista de um capitalismo pacífico, uma vez eliminados os conflitos beligerantes causados pela corrida expansionista imperialista. Este, de acordo com Kautsky, apesar de tão ou mais perverso para a classe do proletariado do que o imperialismo vigente, poderia prolongar a sobrevida de um sistema que se imaginava moribundo.

Se, por um lado, Kautsky (2009KAUTSKY, Karl. Dois artigos para uma revisão (1915). In: TEIXEIRA, Aloísio (Org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época. Rio de Janeiro: Record , 2009b. p. 464-489.a) atribuía à fase imperialista a responsabilidade pelo acirramento dos antagonismos entre os Estados capitalistas, por outro, e a exemplo de Hilferding, ele também se referia à fase do capitalismo de livre comércio como sendo pacífica, a qual havia prevalecido aproximadamente até os anos de 1860/70, quando a Inglaterra era ainda a oficina mecânica do mundo e a configuração de uma divisão internacional do trabalho colocava grande parte das economias do planeta à disposição dos interesses da indústria inglesa hegemônica. E estava na industrialização a força do argumento do autor. Segundo Kustky (2012, p. 4), “para que o processo capitalista possa continuar, a acumulação deve ser constantemente reinvestida”.

Percebe-se em Kautsky, que suas ideias mais amplas, ou mais desenvolvidas, são apenas expansões de um mesmo argumento em escala mais restrita. Nesse sentido, o corte que separa as nações ricas, ou industriais, das pobres, ou agrárias, é o mesmo, porém em escala ampliada, que divide os setores industriais dos agrários dentro de um mesmo território nacional. Ou seja, para o autor austríaco, a industrialização representa o papel central do desenvolvimento econômico enquanto as zonas agrárias teriam uma importância dual para o setor industrial. Se, por um lado, são fornecedoras de alimentos e matérias-primas, representando a oferta para o setor industrial, por outro são também consumidoras dos produtos manufaturados.

Kautsky entendia que

As possibilidades de investimento na indústria são imensamente maiores do que na agricultura (...) em qualquer dos distritos considerados, as possibilidades de investir capital na agricultura são todas mais limitadas do que as possibilidades de investir na indústria. As causas desta diferença podem ser encontradas em várias considerações de ordem técnica e social. (Kautsky, 2012KAUTSKY, Karl. Imperialismo e a guerra. Marxist Internet Archive, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/kautsky/1914/09/11.htm >. Acesso em: 3 jan. 2013.
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, p. 3)

Assim, a indústria “recebe um forte impulso proveniente da passagem da produção simples para a produção capitalista” e do sistema salarial que lhe é subjacente, despertando um potencial superior ao da agricultura para dinamizar a economia. Como afirmado anteriormente, as causas são variadas,

A agricultura depende da produção e reprodução de organismos vivos. Este processo não pode ser arbitrariamente facilitado ou prorrogado através do aumento do número de trabalhadores dedicados a ele. Na indústria, ao contrário, pode se desenvolver indefinidamente enquanto a oferta de trabalho e matéria-prima existirem (...) A indústria é muito menos dependente da terra que a agricultura (...) Na indústria pode haver o aumento do número de firmas, do tamanho dessas firmas e do número de trabalhadores empregados, mesmo sem qualquer mudança nos métodos de produção (...) as melhorias técnicas afetam a agricultura e a indústria de maneira diferente, reduzindo em ambas o número de trabalhadores, mas enquanto na indústria a redução é relativa, na agricultura é absoluta (...) os produtos agrícolas são menos variados que os da indústria (...) as melhorias técnicas são mais frequentes na indústria do que na agricultura. (Kautsky, 2012KAUTSKY, Karl. Imperialismo e a guerra. Marxist Internet Archive, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/kautsky/1914/09/11.htm >. Acesso em: 3 jan. 2013.
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, p. 4-9).

Enfim, para Kautsky,

há na indústria capitalista um poderoso fator que dificilmente aparece na agricultura, mesmo quando ela é realizada sob forma capitalista. Este fator é a concorrência, a disputa de várias firmas no mercado. (Ibidem, p.10).

A competição levaria constantemente à necessidade de se melhorar as técnicas produtivas, o que significaria mais produção, mais trabalhadores na cidade, mais consumo. No entanto, o ritmo da acumulação de capital não se iguala entre a produção agrícola e a da indústria, e haveria sempre uma tendência de esvaziamento da população trabalhadora do campo.

Então o crescimento da indústria deve manter o ritmo com o da agricultura. O último é necessário fornecer quantidades de matérias-primas e alimentos para consumo, além de também consumir os produtos da indústria através do que recebem pelos produtos comprados da agricultura. Como isso é possível se a acumulação de capital avança muito mais rapidamente na indústria do que na agricultura? (Kautsky, 2012KAUTSKY, Karl. Imperialismo e a guerra. Marxist Internet Archive, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/kautsky/1914/09/11.htm >. Acesso em: 3 jan. 2013.
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, p. 11).

Diante do exposto, teríamos, constantemente, a violação da proporcionalidade intersetorial necessária ao desenvolvimento tranquilo e equilibrado do sistema, uma vez que o setor industrial cresce de forma mais rápida, produtiva e dinâmica do que o setor agrícola.

Temos visto que o avanço imperturbável do processo de produção pressupõe que os diferentes ramos estão na proporção correta. Mas também é evidente que, dentro do modo de produção capitalista, há uma constante movimentação para a violação desta proporção, visto que dentro da especificidade do modo de produção capitalista há a tendência de que o desenvolver da indústria seja muito maior do que o da agricultura. (Kautsky, 2004, p. 1, tradução nossa).

Logo, ou o setor agrícola não consegue consumir todos os bens produzidos pelo setor manufatureiro, caso em que há superprodução, ou o setor agrícola não consegue oferecer matéria-prima e alimentos na quantidade requerida pela indústria, caso em que se observa a escassez. No sistema capitalista, uma harmonia duradoura entre os setores produtivos, em que ambos produzissem em proporções exatas, seria impossível e inalcançável.

A capacidade de crescimento da indústria capitalista de expansão constante, aumenta a pressão para estender a zona industrial à zona agrícola, proporcionando para indústria, não só gêneros alimentícios e matérias-primas, mas também, consumidores. A importância da zona agrícola para a indústria é dupla e a desproporção entre elas pode também ser expressa de duas maneiras. Primeiro, o mercado dos produtos industriais nas zonas agrícolas não pode crescer tão rápido quanto à produção industrial, o que se caracteriza como uma superprodução. E em segundo, a agricultura não pode prever a quantidade de alimentos e matérias-primas necessárias para acompanhar o rápido crescimento da produção industrial (Kautsky, 2004, p. 1, tradução nossa)KAUTSKY, Karl. Ultra-imperialism. Social Democrat, n. XXVII, jul.-dec. 1914. Marxists Internet Archive, 2004. Disponível em: <Disponível em: http://marxists.org/archive/kautsky/1914/xx/finance.htm >. Acesso em: 05/12/2012.
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.

Para Kautsky, dado o maior ímpeto em direção à acumulação de capital, a indústria necessita se expandir rapidamente para que a sociedade não seja lançada na miséria, pois cabe a este setor garantir a geração de empregos que compensará o desemprego no setor agrícola, que está sempre dispensando mão de obra. Considerava, assim, que enquanto na indústria ocorria uma redução relativa de trabalhadores, na agricultura tal redução se dava em termos absolutos. Mesmo quando o campo mantivesse sua população de trabalhadores estacionária, caberia ao setor industrial, ou às cidades, a incumbência de arcar com o crescimento populacional em si, atraindo para a cidade as hordas de trabalhadores egressos do campo.

A relação entre as duas zonas muda constantemente em detrimento da indústria. O capital industrial aumenta constantemente e a agricultura fica cada vez mais atrasada. A população industrial cresce constantemente e exige quantidades crescentes de produtos agrícolas para consumo e matérias-primas. E durante este tempo, naturalmente, a população agrícola está crescendo relativamente, se não absolutamente, menos que a demanda por produtos industriais. (Kautsky, 2012KAUTSKY, Karl. Imperialismo e a guerra. Marxist Internet Archive, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/kautsky/1914/09/11.htm >. Acesso em: 3 jan. 2013.
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, p. 6).

Por esse motivo, a lei da população de Malthus, crescimento da produção de alimentos em proporções inferiores ao crescimento da população, deveria ser modificada e tratada, segundo Kautsky (2012KAUTSKY, Karl. Imperialismo e a guerra. Marxist Internet Archive, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/kautsky/1914/09/11.htm >. Acesso em: 3 jan. 2013.
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, p. 12), como “uma lei da acumulação capitalista e, como tal, menos terrível do que Malthus concebia”. Ao invés da concepção original do liberal inglês, o marxista austríaco propunha que a população industrial de uma região é que cresce como uma série geométrica, enquanto a população das zonas agrícolas permanece estacionária ou decresce. Como a população agrícola não é constantemente ampliada, isso compromete a acumulação na indústria, que não pode prosseguir aumentando livremente.

Para agravar ainda mais o quadro, a produtividade do trabalhador da indústria cresce muito mais rapidamente que a do trabalhador agrícola, o que provoca fortes oscilações nos preços relativos dos dois setores. Torna-se então essencial à continuidade do processo de acumulação capitalista que a indústria continue garantindo empregos a uma população crescente, o que só seria possível a partir do momento em que prossiga encontrando novos mercados agrícolas para além das fronteiras distritais, expandindo assim, extensivamente, tanto o consumo dos produtos industriais quanto a oferta de produtos primários, ambos garantidos pelas zonas rurais.

É nesse raciocínio que se enquadra a onda imperialista e, por extensão, a divisão do mundo entre áreas industriais e agrárias, ou, produtoras de bens de produção e de bens de consumo. Se a desproporção setorial é marca registrada da produção em bases capitalistas, as nações industrializadas precisariam expandir constantemente as áreas agrícolas com o intuito de garantirem certa compensação contra a perda da proporcionalidade produtiva e populacional setoriais. A sobrevivência do capitalismo estaria condicionada à expansão extensiva e crescente do capital por sobre novas zonas agrárias.

Cabia ao grupo formado pelos países industrializados a origem dessa força expansionista em direção aos países essencialmente agrícolas, força tipicamente centrífuga. E uma das formas de manifestação dessa tendência é o imperialismo, assim como outrora havia sido o liberalismo. Kautsky (2009KAUTSKY, Karl. Dois artigos para uma revisão (1915). In: TEIXEIRA, Aloísio (Org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época. Rio de Janeiro: Record , 2009b. p. 464-489.b, p. 471) preferia definir o imperialismo como um “tipo particular de política utilizado pelas frações capitalistas dominantes na fase do capitalismo avançado”, e não como a própria fase. Afirmava que sua definição aproximava-se mais da de Hilferding, pois acreditava que, para este, o imperialismo era também uma política específica de expansão do capital, a política utilizada pelo capital financeiro.

Subjugadas e dominadas pelos países capitalistas industrializados, as nações agrárias, que representavam a parcela subdesenvolvida do globo, deveriam desempenhar duas funções, a de servir como exportadoras de matérias-primas, alimentos e minério necessários à indústria estrangeira, e atender como importadoras dos bens de consumo industrializados e de capital, atuando como novos mercados para investimentos dos grandes capitalistas industriais e financeiros.

Dessa forma, o mundo capitalista conformava uma clara divisão. De um lado, os países capitalistas industrializados, que são as nações mais fortes. A estes cabem o domínio, subjugação e exploração das nações agrárias, locais para os quais o capital é exportado, criando mercados para os produtos industrializados, reprimindo as pré-condições necessárias ao desenvolvimento local de um setor industrial próprio, liberando mão de obra em quantidade suficiente para o capital forasteiro explorar como trabalho assalariado e garantindo a continuidade dos interesses dos capitalistas estrangeiros.

E essa conformação dos países calcada em relações de submissão e subjugação parece, em Kautsky (2009KAUTSKY, Karl. Dois artigos para uma revisão (1915). In: TEIXEIRA, Aloísio (Org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época. Rio de Janeiro: Record , 2009b. p. 464-489.a, p. 458), perene e de difícil transformação, haja vista ser de interesse dos países industrializados a manutenção do controle dessas zonas como áreas agrícolas, impedindo, com esse intuito, o desenvolvimento de uma indústria local nacional. Não obstante, permanecer como nação agrária significava abrir mão de toda e qualquer autonomia política e econômica. Era simplesmente existir em favor das nações industrializadas, uma vez que prosperidade e autonomia dependiam do desenvolvimento da industrialização.

Sair dessa armadilha significava, na opinião de Kautsky, desenvolver um setor industrial, tarefa das mais árduas e empreendida apenas por alguns poucos Estados que, podendo contar com o apoio da autoridade política local, lançaram mão de políticas protecionistas e outros esforços, buscando, assim, desenvolver seus parques industriais próprios. Em seguida, faziam o mesmo caminho dos demais, ou seja, partiam em busca de territórios ainda virgens, isto é, livres do controle de outro país capitalista. Conquistavam colônias, quando exerciam o controle direto do país, ou zonas de influência, quando tal controle se dava de forma indireta (ibidem, p. 460). Colonização e corrida armamentista eram, portanto, as verdadeiras “raízes do imperialismo”, em busca do mais vasto território econômico possível.

4 A função da periferia na totalidade de Bukharin

De acordo com Corrêa (2012CORRÊA, Hugo Figueira de Souza. Teorias do imperialismo no século XXI: (in)adequações do debate no marxismo. 2012. 236 f. Tese (Doutorado em Economia). Programa de pós-graduação em economia da Faculdade de Ciências Econômicas do Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012., p. 81), a linha principal da chamada teoria clássica do imperialismo, ou a mais importante corrente analítica desse fenômeno, é aquela “chefiada” por Bukharin e Lenin, haja vista terem desenvolvido sistematicamente a concepção de que o imperialismo era uma nova fase do capitalismo, marcada pelo fim da livre concorrência, pela era dos monopólios, dos bancos e do capital financeiro, noção esta lançada originalmente por Hilferding.

Bukharin (1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 7) escreveu sobre a economia mundial e o imperialismo no ano de 1915, num momento em que, segundo relata no prefácio de sua obra, “o socialismo [era] espezinhado pelo capital e pelos traidores socialistas”. Sua revolta pode ser explicada pelo fato de ter sido capturado e preso na Suécia enquanto os manuscritos de seu artigo eram enviados para a censura militar na Rússia. Quanto ao prólogo, redigido neste país em 1917, já sob “os ares vitoriosos da revolução socialista”, mostrava renovado ânimo do autor. Acreditava que a sociedade capitalista, vendo-se obrigada a produzir conforme as leis cegas do mercado, tende a se desenvolver de forma caótica, pois abre mão de sua capacidade de conduzir conscientemente o processo de produção material. Abstraía daí que a guerra torna-se apenas mais um método da concorrência capitalista mundial, assim como a divisão do mundo pela exploração do capital.

Economia mundial marcada pelo desenvolvimento desigual e desequilibrado das forças produtivas e, por extensão, das trocas e do mercado. Assim como Hilferding e Rosa Luxemburg, Bukharin via a estrutura mundial capitalista pautada numa anarquia profunda, haja vista o processo da vida econômica consistir em produzir mais-valia e reparti-la entre os diversos agrupamentos da burguesia, com base na reprodução sempre mais intensa das relações entre duas classes: proletariado mundial e burguesia mundial. Processo este amparado em leis econômicas que são leis anárquicas do mercado e da produção a ele submetidas, e cujos “interesses nacionais” são apenas interesses das classes dominantes. Por isso, a incapacidade dos organismos econômicos nacionais de exercerem qualquer influência geral reguladora (Bukharin, 1988, p. 25-26).

Seguindo a análise dialética de Bukharin, a concorrência é desestabilizadora, pois leva os capitalistas, cada um individualmente, a utilizarem técnicas produtivas das mais desenvolvidas, com o intuito de açambarcar mercados concorrentes e, dessa forma, produzirem numa escala crescente, mas sem a certeza de que conseguirão realizar a mais valia, por isso, anárquica, pois cercada de crises de superprodução, queda da taxa de lucro, falências e bancarrotas.

A economia mundial caracteriza-se por uma estrutura econômica profundamente anárquica. (...) Essa estrutura anárquica do capitalismo mundial revela-se, com máxima clareza, por meio de duas circunstâncias: as crises mundiais e as guerras. (Ibidem, p. 47).

Além disso, e a exemplo de Kautsky, defendia que essa anarquia causava uma desproporção crônica entre os diversos ramos da produção, o que levava, por exemplo, ao desenvolvimento da indústria em um nível muito superior ao da agricultura moderna. Resultado disso, as crises industriais mundiais e as guerras. Mas, ao contrário do teórico austríaco, Bukharin não acreditava que os monopólios capitalistas, os trustes e os cartéis poderiam por fim às crises a partir de uma internacionalização harmoniosa dos interesses capitalistas monopolistas.

Somente podem crer na possibilidade de uma fusão harmoniosa dos grupos capitalistas nacionais, numa “unidade superior” do capitalismo mundial, os que não percebem as contradições do desenvolvimento capitalista e tomam beatamente a internacionalização da vida econômica por uma Internationale der Tatsachen, ou, em outras palavras, a internacionalização anárquica por uma internacionalização organizada. Na realidade, tudo se passa com dificuldades infinitamente maiores do que o imaginam os otimistas oportunistas. (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 54).

Para o teórico bolchevique, a dimensão das crises mundiais extrapolava as soluções nacionais representadas por tais monopólios e a “estrutura anárquica da economia mundial persistiria sem modificações (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 48). Fiel à perspectiva de Marx, Bukharin faz distinção entre os processos de concentração e centralização de capital (ibidem, p. 109-110). Assim, a concentração, “crescimento do capital por meio da capitalização da mais-valia produzida por esse mesmo capital”, e a centralização, “reunião de diversos capitais em um só”, “agem simultaneamente um sobre o outro”, o que resulta no fato de que um potencializa, de forma dinâmica, o outro, e vice-versa. Assim, “uma forte concentração de capital acelera a absorção das empresas mais fracas”, aumentando a centralização e, simultaneamente, “a centralização desenvolve a acumulação do capital individual e agrava o processo de concentração”.

E o sistema capitalista, segundo Bukharin, dada a lógica da concorrência entre os capitais, tenderia a ampliar os processos de concentração e centralização à medida que avançasse o desenvolvimento das forças produtivas. Sobre o assunto, ele assim se manifesta,

O processo de organização dos monopólios capitalistas é a sequência lógica e histórica do processo de concentração e centralização. Assim como sobre os destroços do monopólio feudal nasceu a livre concorrência dos artesãos, que levaria ao monopólio da classe capitalista sobre os meios de produção, também no interior da classe dos capitalistas a livre concorrência cede lugar, cada vez mais, à limitação da concorrência e à formação de gigantescas economias que monopolizam a totalidade do mercado nacional (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 58-59).

E completa,

Na realidade, é certo grau de concentração no domínio da indústria que se configura, nesse quadro, como a condição sine qua non. Com efeito, quanto mais desenvolvidas as forças produtivas de um país tanto mais poderosos são os monopólios. Fica assim mais fácil compreender por que o movimento de “cartelização” tem à sua dianteira os dois países - Estados Unidos e Alemanha - que, com uma celeridade febril, ocuparam os primeiros lugares no mercado mundial. (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p.59).

O método de Bukharin separa a ótica individual, na qual atuam os capitais nacionais em diversos setores, da perspectiva da totalidade, ou da economia mundial como um todo. Se o monopólio é capaz de levar a uma certeza maior dos lucros realizados para os capitalistas individuais no nível setorial ou nacional da economia, uma vez que elimina grande parte da incerteza e da anarquia da produção individual de mercadorias, produção esta regida pelas leis do mercado, no âmbito da totalidade do sistema, da economia mundial, tais monopólios apenas transferem para o mercado mundial a rivalidade intercapitalista, pois os grandes capitais internacionais, diferentes grupamentos da burguesia mundial, sob a égide e o controle do “capital financeiro”, passam a concorrer entre si e acirram a luta imperialista pela conquista das regiões do globo em busca de mercados exclusivos, seja para mercadorias, matérias-primas ou capitais.

Nesse sentido, se na dimensão econômica nacional esboça-se um processo de organização da produção em torno dos “monopólios capitalistas, cartéis, sindicatos industriais, trustes, consórcios bancários”, no plano das relações econômicas mundiais, dado o avanço incessante das forças produtivas, semelhantes acordos entre os grupamentos das burguesias nacionais seriam imprescindíveis para manter uma supostamente almejada harmonia de interesses internacionais. Uma coalizão meramente utópica e teoricamente falsa e oportunista, pois, segundo Bukharin, no mercado mundial, as tensões causadas por interesses divergentes conduziriam os países a conflitos e “convulsões profundas em suas relações”.

Essa eliminação orgânica de concorrentes mais frágeis, no contexto das economias nacionais (ruína dos pequenos ofícios, desaparecimento das formas intermediárias, desenvolvimento da grande indústria etc.) cede lugar, em nossos dias, a um período crítico de luta violenta entre colossais adversários no mercado mundial (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 58).

Logo,

Laboram em erro os economistas burgueses [grupo no qual Bukharin já inclui Kaustsky], segundo os quais a supressão da livre concorrência e sua substituição pelos monopólios capitalistas podem pôr fim às crises industriais. Esquecem que a atividade econômica de cada país - a economia nacional - repousa hoje sobre a economia mundial (Bukharin, 1988, p. 47).

Portanto, para Bukharin, a centralização e a cartelização das economias nacionais não pode por fim às crises mundiais, pois o marxista russo não crê numa “comunidade internacional de interesses”, capaz de transferir, pacífica e tacitamente, para a arena mundial, as organizações cartelizadas das economias nacionais, tal com defendia Kautsky, mas, ao contrário, aponta para a elevação à máxima potência da concorrência entre os grandes capitais burgueses nacionais e entre os próprios estados nacionais, numa competição interimperialista.

Assim sendo, as crises tornar-se-iam recalcitrantes no capitalismo mundial, uma vez que a concorrência entre capitais financeiros de diferentes países industrializados trataria de transferir as tensões e os conflitos de interesses para o mercado mundial, dando origem a um tipo de concorrência entre nações industrialmente avançadas, o que, segundo o marxista russo, traria um forte potencial para desencadear guerras de amplitude mundial. Por isso o imperialismo, tratado por Bukharin como “reprodução ampliada da concorrência capitalista”, apresentava-se como um tipo sui generis de política, ou seja,

Não é possível contentar-nos com definições como política de “conquista”, política de “expansão”, política de “violência” e outras. É indispensável analisar a base sobre a qual se desenvolve essa política a cujo desenvolvimento ela está destinada. Definimos, antes, o imperialismo como a política do capital financeiro. Com isso, torna-se clara sua função. Essa política é o agente da estrutura financeira capitalista e subordina o mundo ao domínio do capital financeiro. (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 106, grifos no original).

4.1. Indústria, agricultura e a periferia em Bukharin

Para Bukharin, na economia mundial, uma das formas da economia social em geral, os países se posicionam conforme a dicotomia campo-cidade baseando-se em dois elementos: primeiro, as dádivas da natureza e, em segundo lugar, porém mais importante, “as condições sociais derivadas da diferença dos níveis de ‘cultura’ , de estrutura econômica, e do grau de desenvolvimento das forças produtivas” (ibidem, p. 18). Esse segundo elemento seria o responsável pelas desigualdades observadas no crescimento das forças produtivas, tendo as “condições naturais herdadas pelas regiões”, apenas importância relativa. Bukharin afirmava que as condições naturais só têm relevo quando “o nível de ‘cultura’ do indivíduo” (ibidem, p. 19, grifos no original) lhe permite aproveitar todas as potencialidades latentes, pois se as condições naturais podem ser consideradas constantes, como num determinado estoque, o nível de cultura é variável, o que permite a expansão, ou ampliação, dos proveitos derivados de uma determinada reserva natural.

Daí asseverar que, de acordo com a “capacidade cultural”, ou as “condições técnicas e econômicas” de explorar as potencialidades de um mesmo estoque natural, dadas pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas, e com base numa divisão geral do trabalho, os países serão contados entre os “industrializados mais desenvolvidos do mundo” ou entre “os países agrícolas”, logo, atrasados. Por fim, ele afirma que um determinado estoque natural, no caso de “ausentes as condições técnicas e econômicas para sua exploração”, permanecerá como um “capital morto”; ao mesmo tempo em que condições geográficas aparentemente impeditivas às relações entre os homens, tais como pântanos e montanhas por ele citados, “perdem seu sentido negativo mediante técnicas altamente desenvolvidas” (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 20).

Enquanto os países industriais, por ele chamados de cidade mundial, exportam produtos manufaturados e importam produtos agrícolas, os países agrários, ou campo mundial, fazem exatamente o oposto. Setorização das atividades produtivas resultante da divisão social do trabalho que, num contexto mundial, toma uma forma particular de existência, a divisão internacional do trabalho, capaz de conformar de um lado, um grupo de potências industrializadas e, de outro, numa referência até então inédita, uma “periferia de países atrasados” (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 67, grifo nosso).

Do mesmo modo que Kautsky chega a afirmar que o entendimento que se guarda acerca da relação cidade e campo dentro de um mesmo país vale igualmente para o cenário mundial. Daí os países industriais representarem a cidade, enquanto os países agrários, o campo.

Não sendo possível analisar o desenvolvimento econômico burguês pela ótica das nações isoladas, ou fechadas, toda tentativa de explicar aquele específico momento histórico deveria partir de um contexto de economia mundial, e não nacional. Portanto, Bukharin foi também um dos primeiros teóricos a propor a necessidade de uma análise da totalidade, da economia mundial como um todo e não apenas de cada uma de suas partes. Por isso, as lutas entre os Estados nacionais, e também os atritos imperialistas daí decorrentes, serem apenas uma ampliação, para a arena mundial, da luta entre grupos da mesma ordem da burguesia.

Mas, vejamos por que a relação de desigualdade entre as nações tenderia a se perpetuar, na visão de Bukharin. Dada a interdependência criada pelas trocas, num mercado mundial estabelecem-se preços mundiais. Como os países não trocam apenas produtos distintos, mas concorrem pela venda de produtos similares, os custos de produção tornam-se os sinalizadores da quantidade de trabalho que, no interior de cada país, é necessária para a produção de determinado quantum daquele produto. Mas, dado que os preços são mundiais, esses igualam as quantidades individuais de trabalho em uma quantidade social média de trabalho. Os países detentores das forças produtivas mais evoluídas, cujos capitais apresentam maiores composições orgânicas, serão aqueles que tratarão de baixar essa média, impingindo duras perdas aos países cujas técnicas de produção estejam num nível mais atrasado.

Em busca de regiões capazes de propiciar taxas maiores de lucro, o capital flui dos países mais desenvolvidos, que apresentam, portanto, menores taxas de lucro, para aqueles menos desenvolvidos, cujos setores produtivos apresentam relações mais intensivas em trabalho do que em capital, na tentativa de contrarrestar a queda tendencial da taxa de lucro. O capital passa então a ser exportado em sua forma capital-juro e capital-lucro, tomando o capital financeiro a sua forma mais “penetrante” e os trustes e cartéis como seus representantes. A internacionalização da economia torna-se, em essência, uma internacionalização de bancos. Buscando “lucro que transborde em quantidade suficiente”, ao capital financeiro interessa ocupar toda e qualquer região “vazia” do globo, seja ela tropical, polar ou temperada. A expressão “vazia” refere-se aos mercados ou economias ainda livres, ou “não açambarcados pelas grandes potências (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 58).

Por isso, a análise que Bukharin faz do imperialismo define a forma como o marxista russo entende a divisão do mundo entre países ricos e pobres, conquistadores e subjugados do capitalismo mundial. Dadas as necessidades de salvaguardar mercados para produtos, matérias-primas e investimentos de capital; buscar superlucros quando em intercâmbio com países menos avançados industrialmente; garantir monopólios e barreiras alfandegárias nos novos mercados conquistados; travar acirrada concorrência com outros países desenvolvidos pela supremacia sobre os países atrasados; em todos esses casos, as nações mais desenvolvidas apelam para a expansão econômica sem limites como forma de amenizar os antagonismos internacionais e reservar para si uma parcela das nações menos desenvolvidas.

No decorrer dos últimos anos, o capitalismo mundial, sistema de produção mundial, adquire, assim, o aspecto seguinte: alguns corpos econômicos organizados e coerentes (grandes potências civilizadas) e uma periferia de países retardatários (ainda sob regime agrário ou semi-agrário). (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 67, grifo nosso).

Imprescindível salientar que “corpos organizados e coerentes”, para o autor, referem-se às “peças” desse sistema econômico mundial que já se encontram sob uma organização cartelizada no âmbito nacional, cujas empresas combinadas, ou associadas, sob o domínio do capital financeiro, eliminam riscos e estabelecem interesses comuns entre elas e os bancos que as financiam.

A cartelização e a formação de empresas combinadas estabelecem uma comunidade de interesses entre os bancos que asseguram seu financiamento. Assim, as diferentes esferas do processo de concentração e de organização estimulam-se mutuamente e fazem surgir forte tendência à transformação de toda economia nacional numa gigantesca empresa combinada sob a égide dos magnatas da finança e do estado capitalista (...) (Bukharin, 1988BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1988., p. 66, grifos no original)

Note-se a coincidência entre “corpos econômicos organizados e coerentes” e “grandes potências civilizadas”. “Civilização” que, como vimos, refere-se ao nível do progresso técnico, presente nos países industrializados, aqueles cujas unidades produtivas já se organizaram sob o interesse de grandes consórcios bancários. Estes comporiam um dos lados da divisão da economia mundial. Do outro, estão os países retardatários, aqueles que ainda não alcançaram o nível de “civilização” adequada ao desenvolvimento industrial e que, consequentemente, vivem sob a égide de regimes agrários ou semi-agrários, em suma, a periferia do sistema de Bukharin.

Assim, importa-nos destacar três aspectos analíticos inovadores que surgem a partir da preocupação de Bukharin em investigar as consequências da dinâmica mundial capitalista e do imperialismo sobre as regiões atrasadas do globo. Tais aspectos se completam num esquema teórico explicativo. Primeiramente, a perspectiva da economia mundial como totalidade, ou a unidade de análise, abandonando, pois, a investigação das economias nacionais isoladamente, alegando para isso, que as consequências das ações nacionais devem ser avaliadas num contexto bem mais amplo, em meio à luta violenta travada pelos grupos econômicos e pelas nações no mercado mundial. O segundo elemento, a conformação de um sistema mundial que reservava lugar de existência a uma periferia do mundo, formada pelos países agrários ou semiagrários, retardatários na aplicação dos progressos técnicos em seus setores industriais. Tal periferia seria facilmente subjugada pelas “grandes potências civilizadas”, ávidas para dali extraírem taxas mais elevadas de mais-valia. Terceiro, extraído explicitamente de Marx, refere-se ao lucro suplementar auferido pelas grandes potências em suas relações econômicas com países que apresentam um nível inferior de evolução das técnicas produtivas, o que garantia aos primeiros a venda dos produtos de suas manufaturas, nos países atrasados, a um preço acima de seu valor, porém, abaixo do preço praticado nestes últimos.

Como os capitalistas, em face da concorrência mundial, procurariam mais-valia adicional e locais onde capitalizar tal excedente, visando garantir reprodução ampliada do capital, a periferia de Bukharin, dada a baixa composição orgânica do capital, teria a função de gerar lucros capazes de contrarrestar a lei da queda tendencial da taxa de lucro, uma vez que as condições particulares de produção e produtividade do trabalho, encerradas nas economias nacionais, não mais determinavam a taxa de lucro, mas sim, as condições gerais de produção e produtividade determinadas pelo mercado mundial.

5 Considerações finais

Entre os argumentos aqui analisados, notamos que vários elementos teóricos presentes entre os autores marxistas do imperialismo sobrevivem nas análises dos teóricos do desenvolvimento econômico que, posteriormente, a partir de meados do século XX, tratariam de sedimentar e formalizar uma concepção de subdesenvolvimento capitalista pautada na desigualdade das condições de vida das massas populares dos países centrais e periféricos. Ao considerarem a hipótese da expansão capitalista como geradora, simultaneamente, de riqueza e pobreza, de desenvolvimento e atraso, tornaram-se os precursores de uma interpretação da economia mundial na qual a preocupação com o lado pobre do sistema se fazia presente.

Nosso objetivo principal foi o de resgatar as contribuições de dois desses autores, Kautsky e Bukharin, que, como vimos, anteciparam vários aspectos e problemas relativos à forma como as regiões que ainda não haviam completado o processo de desenvolvimento de suas forças de acumulação estavam sendo inseridas no mercado mundial capitalista, principalmente no que diz respeito às consequências da especialização com base na divisão internacional do trabalho sobre os rumos do desenvolvimento econômico dessas regiões.

Sem pretender esgotar as possibilidades, destacamos algumas dessas preocupações: i) a percepção sobre a importância do progresso técnico para os níveis de produtividade e suas consequências sobre os níveis relativos de preços dos produtos industriais e agrícolas; ii) o destaque para existência de um fluxo de renda, especialmente sobre a forma de lucros, que transferia considerável parcela da mais-valia extraída dos trabalhadores da periferia para os capitalistas das economias centrais; iii) a constatação da falência da divisão internacional do trabalho e da especialização como promessas de desenvolvimento mundial equilibrado; iv) a abordagem teórica a partir da totalidade do sistema capitalista mundial, ou seja, a economia mundial enquanto unidade de análise; v) um certo imperativo tecnológico, o qual, associado à opção pelas dicotomias campo-cidade, agricultura-indústria, apresentava-se como explicação para os diferentes níveis de desenvolvimento dos países, haja vista a estreita relação dessas com os índices de produtividade do trabalho; vi) a percepção sobre a dificuldade de implantação de uma política industrializante por parte dos países periféricos, dados os interesses dissonantes e particularistas de grupos da burguesia central e mesmo periférica; vii) o alerta acerca da expansão massiva do capital industrial e financeiro sobre a mais vasta região do globo, a centralização de capital daí resultante, bem como da necessidade de se romper com o ciclo histórico de dominação econômica.

Logo, além de representarem uma forte contraposição às teorias liberais dominantes, os conceitos, impressões, bem como as formas de abordagem e de interpretação que compunham as teses do imperialismo influenciaram a esquerda radical e as correntes críticas de um modo geral. O tom de denúncia, apelo, crítica, e de necessidade de revisão teórica deixados como herança, abriu caminho para os estudiosos posteriores que se dedicaram a investigar os problemas inerentes ao subdesenvolvimento econômico e à estrutura polarizada do capitalismo mundial.

Referências

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  • 1
    Lenin (2011, p. 200) apresenta dados elucidativos, extraídos de A. Supan, Die territoriale Entwick1ung der europäischen KoIoníen, 1906, para mostrar o avanço das posses de colônias, excluídas aí as zonas de influência (ver Tabela A1, no Apêndice 1). Além disso, Hobson (2002) apresenta uma enorme gama de dados empíricos que comprovam a expansão territorial capitalista no final do século XIX. Pode-se observar que a área compreendida pelas potências e suas possessões cresceu assustadoramente entre 1884 e 1900 (ver Tabela A2, no Apêndice 2). No mesmo estudo, Hobson apresenta ainda a ampliação excepcional dos gastos militares realizados pelas grandes potências Europeias de 1870 a 1898, o que comprova a tendência imperialista. Incluindo Grã-Bretanha, França, Rússia, Alemanha, Áustria e Itália, os gastos com equipamentos militares salta, nesses dezoito anos, de 88,7 para 175 milhões de libras esterlinas (Hobson, 2002).
  • 2
    Em discurso proferido em 1895, esse nobre imperialista inglês e um dos ícones da guerra anglo-boer afirmou: “Ontem estive no East-End e assisti a uma assembleia de desempregados. Ao ouvir ali discursos exaltados, cuja nota dominante era: pão! pão! E ao refletir, de regresso a casa, sobre o que tinha ouvido, convenci-me, mais do que nunca, da importância do imperialismo. A ideia que acalento representa a solução do problema social. Para salvar os quarenta milhões de habitantes do Reino Unido e uma mortífera guerra civil, nós, os políticos coloniais, devemos apoderar-nos de novos territórios; para eles, enviaremos o excedente de população e neles encontraremos novos mercados para os produtos de nossas fábricas e das nossas minas. O império, sempre o tenho dito, é uma questão de estômago. Se quereis evitar a guerra civil, deveis tornar-vos imperialistas.” (Lenin, 2011, p. 204)LENIN, Vladimir Ilitch. O imperialismo, etapa superior do capitalismo. Série Navegando. Campinas: Unicamp, 2011..
  • 3
    Para John Hobson, o imperialismo era um problema do capitalismo causado pela extrema concentração da renda, que tornava ociosos grandes volumes de capital nas mãos de poucos capitalistas, gerando excesso de poupança, deficiência de demanda efetiva e necessidade política e econômica de buscar novos investimentos lucrativos no exterior. Cf. Hobson (2002; 2009)HOBSON, John Atkins. A principal raiz econômica do imperialismo. In: TEIXEIRA, Aloísio (Org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 417-437..
  • 4
    Para Joseph A. Schumpeter, o imperialismo era uma anomalia e deveria ser tratado como reminiscências de uma era passada, típica da era mercantilista e produto da sobrevivência de práticas e mentalidade herdadas das monarquias absolutistas do século XVIII. A orientação para a guerra, ao contrário da paz e da liberdade burguesas, é “elemento que provém de condições vivas, não do presente, mas do passado”, assim como as tendências imperialistas. Portanto, o imperialismo tinha um caráter atávico. Cf. Schumpeter (1961)SCHUMPETER, Joseph Alois. Imperialismo e classes sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1961..
  • 5
    A dialética do concreto, do real, e a análise histórica do progresso material das forças produtivas das sociedades humanas, ao abandonar a concepção idealista hegeliana da história, levam à percepção de que a dinâmica do desenvolvimento social é resultado das contradições e antagonismos existentes nas condições materiais que dominam no seio da própria unidade analisada. Assim, contradição entre interesse privado e coletivo resultante da própria forma de divisão do trabalho, entre produção social e acumulação privada, entre Capital e Trabalho, o antagonismo existente entre sociedade e Estado de classe são próprios de uma específica estrutura social que prevalece em um determinado tempo histórico do desenvolvimento da humanidade. Por isso, a categoria mais simples da análise já traz em si o germe da mais desenvolvida delas. Logo, o desenvolvimento desequilibrado, desigual, contraditório do capitalismo não é senão a forma de existir desse modo de produção. Sobre o método de Marx em sua crítica à economia Política, sugerimos: Marx (2007, Prefácio e Introdução)MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2007.; Marx e Engels (1998MARX, K; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 1998.; 2011MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo , 2011.); Engels (2007); e ainda, Kosik (1976)KOSIK, Karel. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e Terra, 1976. e Grespan (1998)GRESPAN, Jorge Luis da Silva. O negativo do capital. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1998..
  • 6
    Para Marx, a concentração de capital, idêntica à acumulação de capital, difere-se da centralização. A primeira significa o aumento do quantum de capital, via produção de valor e mais valia e sua transformação em novo capital, que acaba por colocar nas mãos dos capitalistas um volume maior de meios de produção sociais e assim, um maior controle do capital sobre o trabalho. A centralização, por sua vez, que segundo ele caminha junto com a concentração de capital, consiste na união, fusão de vários capitais em um só, ou mesmo na absorção de um pelo outro, sem, no entanto, significar aumento do volume de capital, pois o capital apenas muda de mãos. Para Marx, ambos são processos impossíveis de se conter no desenvolvimento histórico do modo capitalista de produção e se reproduzem de modo dinâmico (Marx, 1983, p.188 et seq.).
  • 7
    Nas Teorias da Mais-Valia, Marx se expressa claramente sobre o tema, sem deixar de pontuar que a exploração na produção pode ser obnubilada pelas trocas: “três dias de trabalho de um país podem ser trocados por um único dia de trabalho de outro... Nesse caso, o país rico explora o pobre, mesmo que este ganhe através da troca” (Marx, 1985, p. 478)MARX, Karl.Teorias da mais-valia. São Paulo: Difel, 1985. .
  • 8
    Naquele momento, observando toda a euforia causada pela corrida do ouro na Califórnia, e os rendimentos que aquelas mágicas minas de ouro prometiam, Marx antecipava que estava a ocorrer, nas Américas, o início de um processo de deslocamento do centro de gravidade da economia mundial um novo descobrimento, mais importante que o próprio descobrimento das Américas, e que, em breve, faria de Nova York e San Francisco o centro do mundo, assim como, outrora, haviam sido Inglaterra, Gênova e Veneza e, na era antiga, Alexandria (Marx; Engels, 1976).
  • 9
    Cf. Musse (2005, p. 160-162).
  • 10
    Em debate com Cunow, teórico marxista que criticava os quadros moderados da socialdemocracia alemã pela posição centrista adotada, entre os quais se encaixava Kautsky, este afirma que um mínimo requerido de condições objetivas para o advento do socialismo já havia sido alcançado. As condições subjetivas, a outra face da questão, constituíam o elemento mais difícil, pois tratava-se de desacreditar no modo capitalista de produção, mas desde que tal descrença partisse não das classes adversárias naturais do capitalismo, os assalariados, mas também daqueles que, não interessados na exploração capitalista, estejam sofrendo direta ou indiretamente com o desenvolvimento dessa forma de reprodução social, como os intelectuais, a pequena burguesia e mesmo os pequenos capitalistas, em suma, a classe média. (Kautsky, 2009b, p. 486-488)KAUTSKY, Karl. O imperialismo (1914). In: TEIXEIRA, Aloísio (Org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época. Rio de Janeiro: Record , 2009a. p. 443-463..
  • 11
    Vale destacar que o argumento em defesa do Superimiperialismo, de Kautsky, foi duramente criticado por Lenin, que o considerou um marxista renegado, ou um ex-marxista. Lenin, que antes era admirador do trabalho e das convicções de Kaustky, considerava que esta era uma postura pequeno-burguesa, era como defender uma teoria que pretendia abolir os antagonismos, as contradições imanentes do modo capitalista de produção, delegando todos os males comuns do capitalismo a outro elemento, o imperialismo. Segundo Lenin, a questão não girava em torno de saber se as elucubrações acerca do superimperialismo eram concebíveis ou não, pois, teoricamente, tudo é possível de ser imaginado, até mesmo uma fase de associação mundial entre os magnatas do capital. A crítica maior de Lenin residia no aspecto oportunista e idealista da proposta de Kautsky, que ignorava os mais graves problemas da atualidade para sonhar com um futuro sem problemas, em outras palavras, “uma alienação deliberada para sonhar” (Lenin, 1984)LENIN, Vladimir Ilitch. Prefácio. In: BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. São Paulo: Abril Cultural , 1984..
  • 12
    Para Hilferding (1985)HILFERDING, Rudolph. O Capital Financeiro. São Paulo: Abril, 1985., a política expansionista instrumentada pelo capital financeiro revoluciona a concepção de mundo da burguesia. Acredita que na era original do capitalismo, quando imperava a livre concorrência, havia um ideal humanitário, de paz e harmonia dos interesses capitalistas que habitava coração e mente dos defensores teóricos e práticos do capitalismo. Tal crença, brusca e definitivamente, é enterrada pela ambição imperialista do domínio do mundo, por meio da força do Estado, em favor do capital financeiro e suas grandes associações capitalistas. Ambição que se converte em necessidade econômica e que, ideologicamente, crê na dominação como realização das vantagens naturais peculiares, especialmente as características “raciais”. A submissão dos povos inferiores à nação hegemônica, reconhecida ante as demais. Logo, Hilferding afirma que o imperialista se desapega da crença de que todas as nações deveriam ter o direito maior de independência e autodeterminação na gestão política dos interesses sociais, crença essa que, segundo ele, compunha a ideologia dos primeiros defensores do liberalismo.
  • 13
    Kautsky (2004, p. 6) faz uma referência, com esses termos, à expressão usada por John Hobson em seu capítulo “As raízes do imperialismo”, da obra Imperialism: a study, já citada por nós.
  • 14
    Importante destacar que as expressões cultura e civilização, utilizadas alternativamente por Bukharin, referem-se explicita e unicamente à capacidade de utilização de tecnologias mais avançadas com o intuito de se produzir e extrair excedentes, pois, para ele, passar para a condição industrial era o mesmo que ascender na escala cultural. Portanto, não há qualquer intenção da parte de Bukharin de utilizar essas expressões num sentido étnico ou “racial”, argumento, diga-se de passagem, rechaçado pelo marxista russo. Para ele, é “absurda a ideia de que existam ‘raças inferiores’ por sua própria natureza” (Bukharin, 1990, p. 85)BUKHARIN, Nikolai. Equilíbrio e dinâmica do sistema social. In: GORENDER, Jacob (Org.).Bukharin - Economia. São Paulo: Ática, 1990, p. 82-93. (Os Economistas).. Como também não se pode levar à sério qualquer teoria que insista na tese de que os “povos coloniais ou ‘selvagens’ fazem o papel de adubo da história, servindo apenas para fertilizarem o solo para a população burguesa europeia”. O estudo da história, segundo ele, é “impensável se se tomar a ‘raça’ como ponto de partida” (ibidem, grifos no original), pois todo estudo dos fenômenos sociais deve necessariamente começar com a investigação sobre as “forças produtivas materiais e sociais, da técnica social, do sistema de instrumentos de trabalho”, e não sobre qualquer “teoria das raças”, a qual “tenta atribuir a causa do desenvolvimento diverso das sociedades à diferença de raças” (Bukharin, 1990, p. 84).
  • 15
    Vale ressaltar que das leituras dos teóricos contemporâneos até Nikolai Bukharin por nós realizadas, o marxista russo é o primeiro a utilizar a expressão periferia para se referir ao grupo de países atrasados ou, na sua concepção, aos países essencialmente agrícolas. A mesma expressão aparece nas versões inglesa, periphery, e alemã, peripherie, da obra do autor.

Apêndice 1

Tabela contendo dados apresentados por Lenin (2011, p. 200) com o intuito de mostrar o avanço das posses de colônias, excluídas aí as zonas de influência, em 1906.

Tabela A1:
Percentagem de território pertencente às potencias coloniais européias e aos EUA - Ano: 1906

Apêndice 2

Tabela resumo construída com base nos dados apresentados por Hobson (2002).

Tabela A2:
Aumento territorial e populacional das potências por anexação de colônias e dependências no período de 1884 a 1900

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2015
  • Aceito
    03 Fev 2016
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