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Multiplicadores fiscais no Brasil identificados com restrições de sinais e de zeros

Fiscal Multipliers in Brazil Identified with Sign and Zero Restrictions

Resumo

O objetivo deste trabalho é aferir a eficácia da política fiscal no Brasil, obtendo os impactos de suas inovações e calculando seus multiplicadores. Foi adotado um modelo de Vetor Autorregressivo Estrutural Bayesiano com uma identificação inovadora, proposta por Arias et al. (2018), ao qual, além de restrições de sinais, se impõem também restrições de zeros nas Funções Impulso Resposta (FIRs), de modo que é possível identificar choques em que as variáveis de interesse respondam de forma positiva, negativa ou nula. Tal inovação metodológica evita ambiguidades na identificação dos choques fiscais e possibilita verificar se seus impactos são significativamente afetados quando o orçamento do governo se mantém constante. Os resultados apontam que a identificação das inovações fiscais com restrições de sinais e de zeros só permite chegar a multiplicadores fiscais significativos no curto prazo e que somente com a adição de restrições de zeros sobre o PIB é possível chegar a valores dos multiplicadores consistentes com a literatura econômica. O estudo indica, também, uma contribuição significativa das restrições de zeros na identificação dos multiplicadores fiscais.

Palavras-chave:
Política fiscal; Modelo de Vetores Autorregressivos Estruturais (SVAR); restrições de sinais e de zeros; Função de Impulso Resposta (FIR)

Abstract

The aim of this article is to assess the effectiveness of fiscal policy in Brazil, estimating the impacts of its innovations and calculating its multipliers. A Bayesian Structural Vector Autoregression model with an innovative identification, proposed by Arias et al. (2018), which in addition to signal restrictions, zeros restrictions are also imposed in the Impulse Response Functions (IRF), so it is possible to identify shocks in which the variables of interest respond positively, negatively or null. Such methodological innovation avoids ambiguities in the identification of fiscal shocks and makes it possible to verify if their impacts are significantly affected when the government budget remains constant. The results indicate that the identification of fiscal innovations with sign and zero restrictions only identify short-run fiscal multipliers and only with the addition of zeros restrictions on GDP it is possible to get multiplier values ​​consistent with the economic literature. Indicating a significant contribution from zero restrictions in the identification of fiscal multipliers.

Keywords:
Fiscal Policy; Model of Autoregressive Structural Vectors (SVAR); Signal and Zero Constraints; Impulse Response Function (IRF)

1 Introdução

Na história econômica recente do Brasil, políticas anticíclicas foram utilizadas na tentativa de mitigar a contração do nível de atividade econômica provocada pela crise de 2008, sendo um de seus canais a redução do superávit orçamentário primário. Entretanto, mesmo após o ciclo de retração essas políticas foram mantidas, gerando descontrole orçamentário.

Segundo Perotti (2007PEROTTI, R. In search of the transmission mechanism of fiscal policy. NBER Working Paper, n. 13143, 2007.), ainda que a política fiscal seja um tema clássico na macroeconomia, a maior parte dos economistas discorda até mesmo de seus efeitos básicos. Por essa razão o impacto dos choques fiscais é um tópico de discussão recorrente na literatura econômica. A discordância se dá tanto do ponto de vista teórico como empírico.

Do ponto de vista teórico, há economistas que defendem uma política fiscal passiva, conduzida por regras bem definidas, dada a dificuldade de se prever seu impacto por conta da existência de um hiato temporal entre a implementação da política e seus efeitos. Já outros defendem a necessidade de uma política fiscal ativa e discricionária para prevenir desvios da economia ao longo da trajetória de crescimento equilibrado.

Pelo lado empírico, trabalhos como Ramey e Shapiro (1998RAMEY, V. A.; SHAPIRO, M. D. Costly capital reallocation and the effects of government spending. Carnegie Rochester Conference on Public Policy, p. 145-194, 1998.), Burnside et al. (2004BURNSIDE, C.; EICHENBAUM, M.; FISCHER, J. D. M. Fiscal shocks and their consequences. Journal of Economic Theory, New York, v. 115, p. 89-117, 2004.) e Cogan et al. (2009COGAN, J. F.; CWIK, T.; TAYLOR, J. B.; WIELAND, V. New Keynesian versus Old Keynesian government spending multipliers. NBER Working Paper, Cambridge, Massachusetts, n. 14.782, Mar. 2009.) são exemplos de pesquisas com metodologias distintas, mas que defendem a adoção de uma política fiscal passiva. Já trabalhos como os de Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. The Quarterly Journal of Economics, Cambridge, Massachusetts, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, Aug. 2002.), Fatás e Mihov (2001FATÁS, A.; MIHOV, I. The effects of fiscal policy on consumption and employment. CEPR Discussion Paper, n. 2.760, Apr. 2001.), Perrotti (2004) e Forni et al. (2009FORNI, L.; MONTEFORTE, L.; SESSA, L. The general equilibrium effects of fiscal policy. Estimates for the Euro Area. Journal of Public Economics, v. 26, n. 2, p. 231-252, 2009.), que também utilizam metodologias diferentes, defendem uma política fiscal mais ativa.

Os resultados empíricos para o Brasil não poderiam ser mais distintos. Enquanto Peres e Ellery Jr. (2009PERES, M. A. F.; ELLERY JUNIOR, R. G. Efeitos dinâmicos dos choques fiscais do governo central no PIB do Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 159-206, ago. 2009.), Carvalho et al. (2013CARVALHO, D. B.; DA SILVA, M. E. A.; SILVA, I. É. M. Efeito dos choques fiscais sobre o mercado brasileiro. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 67, n. 2, p. 177-200, abr. 2013.) encontram resultados condizentes com a teoria keynesiana, que postula uma política fiscal ativa, para Cavalcanti e Silva (2010SILVA, F. S.; PORTUGAL, M. S. O impacto de choques fiscais na economia brasileira: uma abordagem DSGE. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ECONOMETRIA, 32., 2010, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Econometria, 2010. Disponível em: <http://bit.ly/2t3pOD0>. Acesso em: 19 abr. 2020.
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), Silva e Portugal (2010) e Mendonça et al. (2009MENDONÇA, M. J. C.; MEDRANO, L. A.; SACHSIDA, A. Avaliando os efeitos da política fiscal no Brasil: resultados de um procedimento de identificação agnóstica. IPEA, 2009. (Texto para discussão, n. 1.377).) os resultados indicam que medidas fiscais ativas podem aumentar a incerteza enfrentada pelos agentes econômicos, produzindo flutuações cíclicas economicamente ineficientes.

Este trabalho tem por objetivo aferir a eficácia da política fiscal no Brasil, obtendo os impactos de suas inovações e calculando os multiplicadores fiscais. Para esse fim, foi adotado um modelo de Vetor Autorregressivo Estrutural Bayesiano (SBVAR) com uma identificação inovadora, proposta por Arias et al. (2018ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on Structural Vector Autoregressions identified with sign and zero Restrictions: Theory and Applications. Econometrica, v. 86, n. 2, p. 685-720, 2018. The Econometric Society. Disponível em: < https://doi.org/10.3982/ECTA14468>. Acesso em: 29 ago. 2020.
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), que adota a identificação do modelo estrutural não só por restrições de sinais nas Funções Impulso Resposta (FIRs), como também de zeros.

A possibilidade de se trabalhar com restrições de zeros nas FIRs além de permitir avaliar se as inovações fiscais apresentam divergências na resposta do Produto Interno Bruto (PIB), quando não afetam o equilíbrio do orçamento do governo, também reduz o problema de relações bicausais entre as variáveis de interesse. Isso por conta do fato de que as restrições de zeros são utilizadas para identificar choques em que as variáveis de interesse tenham impacto nulo, ou seja, igual a zero, ao choque que se busca identificar.

Além do mais, o algoritmo de Mountford e Uhlig (2008MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What are the effects of fiscal policy shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960-992, dez. 2008.), o mais utilizado em trabalhos empíricos com esse tipo de identificação, impõe restrições de sinais adicionais falsas e não explícitas, violando a agnosticidade do esquema de identificação utilizado. Em contrapartida, Arias et al. (2014ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on SVARs identified with sign and zero Restrictions: theory and applications. International Finance Discussion Papers, Washington, D.C., Apr. 2014.) demonstra que a metodologia aqui utilizada tem o mérito de ser verdadeiramente agnóstica.

Os resultados apontam que inovações fiscais, identificadas com a adição de restrições zero nas FIRs, são mais consistentes com a literatura econômica, apresentando multiplicadores de impacto sobre o PIB negativos e menores do que uma unidade para um aumento nas receitas governamentais, positivos e menores do que um para choques nos gastos do governo e também positivo, mas maior do que um no caso de inovações fiscais na Formação Bruta de Capital Fixo do Governo (FBCFG). Quando o orçamento é mantido equilibrado, não há grande diferença com relação às inovações ficais via gastos do governo, porém há um salto acentuado quando se trata da FBCFG, o que pode ter relação com uma falha na identificação, devido a características específicas desse tipo de inovação fiscal, conforme apontado pela literatura. Porém as FIRs e os multiplicadores fiscais não demonstraram ser estatisticamente significantes em médio e longo prazo.

Este trabalho está organizado da seguinte forma: além desta introdução, no segundo capítulo é feita uma revisão da literatura sobre os impactos da política fiscal; no terceiro capítulo são apresentados a metodologia, os dados e as hipóteses de identificação; no quarto capítulo são descritos os principais resultados; e, por fim, no quinto capítulo são apresentadas as principais conclusões.

2 Revisão de literatura

Há uma considerável gama de modelos e abordagens que são utilizados para estimar os efeitos das inovações fiscais sobre os ciclos econômicos. Dar-se-á, nesta seção, o devido destaque aos principais trabalhos empíricos sobre o tema.

Tanto nos trabalhos empíricos internacionais como nacionais, não existe um consenso acerca dos efeitos dos choques fiscais sobre a economia. Um objeto de destaque que explica os diferentes resultados consiste na identificação das inovações fiscais, ou seja, está no fato de diferenciar adequadamente o componente exógeno, associado a mudanças discricionárias na adoção da política fiscal; de seu componente endógeno, que tem relação com o ciclo econômico.

Um dos primeiros trabalhos a esse respeito é o de Ramey e Shapiro (1998RAMEY, V. A.; SHAPIRO, M. D. Costly capital reallocation and the effects of government spending. Carnegie Rochester Conference on Public Policy, p. 145-194, 1998.) e Burnside et al. (2004BURNSIDE, C.; EICHENBAUM, M.; FISCHER, J. D. M. Fiscal shocks and their consequences. Journal of Economic Theory, New York, v. 115, p. 89-117, 2004.) que se utilizaram de um modelo autorregressivo vetorial (VAR) em sua forma reduzida. O método escolhido é utilizado na análise de como expansões com despesas governamentais de caráter bélico realizadas pelo governo americano afetaram a economia. Com esse intuito, é criada uma variável dummy que busca mensurar tais despesas em períodos marcados por elevados esforços de guerra, incorporando-a a um modelo VAR. Os resultados mostram quedas no consumo e no salário real quando seguidos por um choque fiscal. Sendo que em Burnside et al. (2004) o consumo não apresenta variação significativa. Um argumento a favor dessa metodologia é a de que, por se tratar de variáveis dummies, que por definição são exógenas, não são necessárias hipóteses adicionais sobre a identificação do VAR.

A abordagem do modelo de Vetores Autorregressivos Estruturais (SVAR) é uma das abordagens que mais se desenvolveu nos últimos anos. Ela pode ser tanto baseada na identificação dos choques fiscais estruturais, que é feito a partir de informações sobre o modo como determinada política adotada tem seus resultados e outras características institucionais, como também pela imposição de sinais sobre a resposta de determinadas variáveis.

No primeiro método de identificação são destaques os trabalhos de Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. The Quarterly Journal of Economics, Cambridge, Massachusetts, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, Aug. 2002.), Fatás e Mihov (2001FATÁS, A.; MIHOV, I. The effects of fiscal policy on consumption and employment. CEPR Discussion Paper, n. 2.760, Apr. 2001.) e Perotti (2004), que apresentam resultados consistentes com a teoria novo-keynesiana, em que um aumento nos gastos do governo é seguido por uma elevação do consumo privado e do salário real. Para Perotti (2007), o problema com essa abordagem está na existência de certa defasagem entre o anúncio de um aumento nos gastos e a execução dessa política. Essa diferença temporal permite uma reação antecipada por parte do setor privado à implementação da inovação fiscal, o que resultaria em FIRs enviesadas.

O outro método de identificação mencionado, proposto por Mountford e Uhlig (2008MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What are the effects of fiscal policy shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960-992, dez. 2008.) e Uhlig (2005), identifica o modelo SVAR a partir de hipóteses sobre os sinais das respostas esperadas para choques fiscais. Mountford e Uhlig (2008), a partir de uma amostra contendo diversas variáveis trimestrais dos Estados Unidos, de 1955 a 2000, encontram que choques fiscais estimulam o produto, e déficits orçamentários provocados por corte nas taxas de impostos apresentam melhores resultados em tentar se obter um aumento no nível de atividade econômica.

A metodologia escolhida neste trabalho utiliza o avanço metodológico obtido por Arias et al. (2014ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on SVARs identified with sign and zero Restrictions: theory and applications. International Finance Discussion Papers, Washington, D.C., Apr. 2014.; 2018). Eles utilizam a mesma base de dados de Mountford e Uhlig (2008MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What are the effects of fiscal policy shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960-992, dez. 2008.) e encontram largos intervalos de confiança para as FIRs, que impossibilitam aferir os efeitos das inovações ficais na economia americana.

A divergência nos resultados obtidos pelas metodologias citadas se deve à limitação do algoritmo de Mountford e Uhlig (2008MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What are the effects of fiscal policy shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960-992, dez. 2008.) de escolher somente uma matriz ortogonal particular na tentativa de minimizar a função perda, através da maximização da resposta de determinada variável a um choque fiscal. Tal escolha enviesa a resposta das outras variáveis ao mesmo choque, impondo restrições de sinais adicionais nas variáveis que são similarmente irrestritas.

Também são destaques os trabalhos que pretendem analisar multiplicadores fiscais a partir da utilização de modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral (DSGE), calibrados ou estimados diretamente na forma estrutural tal como Cogan et al. (2009COGAN, J. F.; CWIK, T.; TAYLOR, J. B.; WIELAND, V. New Keynesian versus Old Keynesian government spending multipliers. NBER Working Paper, Cambridge, Massachusetts, n. 14.782, Mar. 2009.) e Forni et al. (2009FORNI, L.; MONTEFORTE, L.; SESSA, L. The general equilibrium effects of fiscal policy. Estimates for the Euro Area. Journal of Public Economics, v. 26, n. 2, p. 231-252, 2009.). O primeiro trabalho encontrou como resultado, que para os Estados Unidos seria de mais valia um anúncio por parte do governo federal de que haveria uma redução de sua participação na economia. A sinalização faria com que as famílias esperassem uma queda na carga tributária, uma medida mais estimulante do que um eventual aumento nos gastos. Já Forni et al. (2009) encontram evidências mais ligadas à teoria novo-keynesiana, com efeitos mais significativos sobre o nível de atividade quando também há reduções na arrecadação do governo.

A partir do que foi destacado sobre trabalhos empíricos internacionais, é possível notar que não existe um consenso sobre como as inovações fiscais afetam os ciclos econômicos, uma vez que os resultados variam em função da metodologia adotada, bem como das características dos modelos, do método de identificação e do período amostral utilizado.

Para pesquisas nacionais, os resultados não poderiam ser diferentes. Entre os trabalhos que se utilizam da metodologia SVAR são destaques Peres e Ellery Jr. (2009PERES, M. A. F.; ELLERY JUNIOR, R. G. Efeitos dinâmicos dos choques fiscais do governo central no PIB do Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 159-206, ago. 2009.), Cavalcanti e Silva (2010SILVA, F. S.; PORTUGAL, M. S. O impacto de choques fiscais na economia brasileira: uma abordagem DSGE. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ECONOMETRIA, 32., 2010, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Econometria, 2010. Disponível em: <http://bit.ly/2t3pOD0>. Acesso em: 19 abr. 2020.
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), Mendonça et al. (2009MENDONÇA, M. J. C.; MEDRANO, L. A.; SACHSIDA, A. Avaliando os efeitos da política fiscal no Brasil: resultados de um procedimento de identificação agnóstica. IPEA, 2009. (Texto para discussão, n. 1.377).) e Castelo-Branco et al. (2017). Já aqueles que tentaram responder à pergunta sobre uma ótica da estimação de modelos DSGE são destaques Silva e Portugal (2010), Mussolini e Teles (2012MUSSOLINI, C. C.; TELES, V. K. Ciclos reais e política fiscal no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 42, n. 1, p. 75-96, jan. 2012.), Carvalho et al. (2013CARVALHO, D. B.; DA SILVA, M. E. A.; SILVA, I. É. M. Efeito dos choques fiscais sobre o mercado brasileiro. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 67, n. 2, p. 177-200, abr. 2013.) e Cavalcanti e Vereda (2015).

Peres e Ellery Jr. (2009PERES, M. A. F.; ELLERY JUNIOR, R. G. Efeitos dinâmicos dos choques fiscais do governo central no PIB do Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 159-206, ago. 2009.), utilizando-se da metodologia SVAR de Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. The Quarterly Journal of Economics, Cambridge, Massachusetts, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, Aug. 2002.), obtiveram como resultado que a resposta do produto aos choques fiscais é pequena e tem característica tipicamente keynesiana para o período de 1994-2005. Os resultados apontam que uma elevação de gastos tem uma relação positiva com o nível de produto, e aumentos na carga tributária, relação negativa.

Cavalcanti e Silva (2010SILVA, F. S.; PORTUGAL, M. S. O impacto de choques fiscais na economia brasileira: uma abordagem DSGE. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ECONOMETRIA, 32., 2010, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Econometria, 2010. Disponível em: <http://bit.ly/2t3pOD0>. Acesso em: 19 abr. 2020.
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) avançaram na pesquisa ao levarem em consideração o papel da dívida pública, com base no trabalho de Favero e Giavazzi (2007FAVERO, C.; GIAVAZZI, F. Debt and the effects of fiscal policy. Federal Reserve of Boston Working Paper, n. 07-4, 2007.), em que os autores evidenciaram que a ausência da variável resulta numa provável superestimação do modelo. Desse modo, encontraram para o período de 1995-2008 resultados próximos a zero no nível de produto a um choque nos gastos e levemente positivo para o PIB no médio prazo para aumentos na receita. Para os autores, esse efeito se dá devido a uma possível preocupação com a solvência da dívida pública no período.

Em Mendonça et al. (2009MENDONÇA, M. J. C.; MEDRANO, L. A.; SACHSIDA, A. Avaliando os efeitos da política fiscal no Brasil: resultados de um procedimento de identificação agnóstica. IPEA, 2009. (Texto para discussão, n. 1.377).), os resultados foram semelhantes. Ao se utilizarem da metodologia proposta por Mountford e Uhlig (2008MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What are the effects of fiscal policy shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960-992, dez. 2008.), identificando o modelo SVAR através da imposição de restrições de sinais sobre as FIRs, encontraram resultados tipicamente não keynesianos, de modo que um aumento inesperado das despesas governamentais teria a possibilidade de acarretar uma retração da atividade econômica, enquanto um choque positivo na carga tributária líquida levaria a uma expansão do PIB em médio prazo.

Orair et al. (2016ORAIR, R. O.; SIQUEIRA, F. F.; GOBETTI, S. W. Política c Ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. XXI Prêmio Tesouro Nacional 2016, Brasília, 2016. Disponível em: <https://bit.ly/2PAP0Lh>. Acesso em: 04 jul. 2019.
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) realizam estimativas de multiplicadores dos diferentes tipos de gastos público através da utilização de um modelo não linear de vetor autorregressivo com transição gradual (STVAR), permitindo identificar como os multiplicadores fiscais variam ao longo do ciclo econômico. Os resultados apontam que em uma situação de forte depressão econômica o efeito de alguns tipos de gasto público, como investimentos e benefícios sociais, é expressivo e sensivelmente maior do que em tempos de estabilidade econômica. Por outro lado, os multiplicadores associados aos subsídios não são significativos ou persistentes em qualquer posição do ciclo.

Grudtner e Aragon (2017GRUDTNER, V.; ARAGON, E. K. Multiplicador dos gastos do governo em períodos de expansão e recessão: evidências empíricas para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 71, n. 3, p. 321-345, 2017. GN1 Genesis Network. http://dx.doi.org/10.5935/0034-7140.20170015.
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) também estimaram multiplicadores fiscais através de um modelo STVAR, mas os autores não encontraram evidências que indiquem distinção no comportamento dos multiplicadores em ciclos de recessão ou de expansão econômica.

Castelo-Branco et al. (2017) utilizaram a metodologia de Autorregressão Vetorial Estrutural com mudança de regime Markoviana (SVAR-MS). Os autores encontraram evidências de que choques no consumo do governo são pouco eficazes para afetar o PIB, enquanto o aumento da carga tributária tem um impacto negativo. Em contrapartida, os multiplicadores fiscais da FBCFG são eficazes com impacto permanente e de longo prazo no PIB. Os multiplicadores não apresentaram divergência a depender do regime em que se encontravam.

Os trabalhos que utilizaram modelos DSGE obtiveram, resumidamente, os seguintes resultados: Carvalho et al. (2013CARVALHO, D. B.; DA SILVA, M. E. A.; SILVA, I. É. M. Efeito dos choques fiscais sobre o mercado brasileiro. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 67, n. 2, p. 177-200, abr. 2013.) mostram que choques fiscais elevam tanto a taxa de emprego como o salário real; Silva e Portugal (2010SILVA, F. S.; PORTUGAL, M. S. O impacto de choques fiscais na economia brasileira: uma abordagem DSGE. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ECONOMETRIA, 32., 2010, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Econometria, 2010. Disponível em: <http://bit.ly/2t3pOD0>. Acesso em: 19 abr. 2020.
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) encontraram exatamente o oposto, queda do consumo como consequência de choques nos gastos do governo com uma redução do salário real; e para Mussolini e Teles (2012MUSSOLINI, C. C.; TELES, V. K. Ciclos reais e política fiscal no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 42, n. 1, p. 75-96, jan. 2012.) a variável Carga Tributária é a mais importante para explicar o nível do produto além da produtividade.

Vale destacar o trabalho de Cavalcanti e Vereda (2015CAVALCANTI, M. A. F. H.; VEREDA, L. Fiscal policy multipliers in a DSGE model for Brazil. Brazilian Review of Econometrics, v. 35, n. 2: Special Volume SAMBA, p. 197-233, 2015.), que investigam o impacto de diferentes tipos de despesas públicas sobre várias regras de política fiscal, algo que se assemelha ao objetivo deste trabalho. Os resultados apontam que os multiplicadores de transferências sociais possuem resposta positiva no curto prazo, mas negativa no médio prazo; com relação aos multiplicadores do investimento público, estes, sob regras orçamentárias primárias permanentemente equilibradas, podem exercer um efeito negativo sobre a economia no curto prazo; já os multiplicadores relativos a despesas governamentais sob orçamentos permanentemente equilibrados são negativos ou próximos de zero, ao passo que, sob regras de ajuste fiscal parcial, eles são inicialmente positivos, mas diminuem gradualmente ou ficam abaixo de zero.

3 Metodologia

Os modelos SVARs são amplamente utilizados para a análise de políticas e para obter fatos estilizados nos quais se baseiam a teoria econômica. Porém, antes de se realizar qualquer análise empírica através dessa metodologia particular, é necessário que o modelo seja corretamente identificado, já que, caso contrário, os resultados empíricos seriam enganosos.

Em Rubio-Ramírez et al. (2010), há o desenvolvimento de condições gerais para a identificação de algoritmos eficientes para estimação desses modelos, sobretudo, SVARs com restrições não lineares. Arias et al. (2018ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on Structural Vector Autoregressions identified with sign and zero Restrictions: Theory and Applications. Econometrica, v. 86, n. 2, p. 685-720, 2018. The Econometric Society. Disponível em: < https://doi.org/10.3982/ECTA14468>. Acesso em: 29 ago. 2020.
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) expandem o algoritmo proposto por Rubio-Ramírez et al. (2010) para permitir restrições de zeros.

Considere um VAR, em sua forma estrutural, como em Rubio-Ramírez et al. (2010):

y t ' A 0 = l = 1 p y t l ' A l + c + ε ' t p a r a 1 t T (1)

Onde yt é um vetor nx1 de variáveis endógenas; εt é um vetor nx1 de choques estruturais exógenos; Al é uma matriz nxn dos parâmetros para 1lp; A0é a matriz de relações contemporâneas, invertível; c é um vetor 1xn de parâmetros; p é a extensão das defasagens das variáveis; e T é o tamanho da amostra. O vetor εt, com distribuição condicional dependente das informações passadas e dos valores iniciais do vetor y, y0,...,y1p, é Gaussiano com média zero e matriz de covariância In, a matriz de identidade nxn. O modelo tem sua forma compacta dada por:

y t ' A 0 = x t ' A + + ε ' t p a r a 1 t T (2)

Sendo A'+=[A'1...A'pc'] e x't=[y't1...y'tp1] para 1tT. A dimensão de A+ é mxn,onde m=np+1. A representação da forma reduzida implícita pela equação (2) é dada por:

y t ' = x t ' B + u ' t p a r a 1 t T (3)

em queB=A+A01, u't=ε'tA10 e E[utu't]=Σ=(A0A'0)1.

A contribuição do trabalho de Arias et al. (2018ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on Structural Vector Autoregressions identified with sign and zero Restrictions: Theory and Applications. Econometrica, v. 86, n. 2, p. 685-720, 2018. The Econometric Society. Disponível em: < https://doi.org/10.3982/ECTA14468>. Acesso em: 29 ago. 2020.
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) está na criação de um algoritmo capaz de fazer extrações independentes de uma família de distribuições a posteriori, conjugadas aos parâmetros de um SVAR, quando a identificação do modelo é realizada via restrições de sinais e de zeros nas FIRs.

A dificuldade vem do fato de que as restrições de zeros impõem restrições não lineares nos parâmetros do VAR estrutural (A0,A+). Os autores substituem essas restrições por restrições lineares equivalentes em matrizes ortogonais Q, permitindo chegar a um algoritmo capaz de realizar extrações independentes de uma família de distribuições a posteriori conjugada.

Para determinado valor dos parâmetros na forma estrutural, combinações lineares entre (A0,A+) e Q permitem fazer extrações da família de distribuições a posteriori, visto que (A0,A+) e (A0Q,A+Q) são equivalentes observacionalmente. As restrições de zeros restringem a forma da matriz ortogonal Q, de forma que as restrições de zeros sobre as FIRs serão sempre satisfeitas.

Admitindo que g denota o mapping dos parâmetros estruturais para a forma reduzida dos parâmetros, dado por g(A0,A+)=(A+A10,(A0A'0)1), e h qualquer mapping continuamente diferenciável do conjunto de matrizes simétricas nxn positivas definida para o conjunto de matrizes nxn tal que h(X)'h(X)=X.1 1 No caso, h(X)poderia ser a decomposição Cholesky de X e, portanto, h(X)seria triangular superior com diagonal positiva. Através de h pode-se definir uma função h^ que transforme extrações dos parâmetros da forma reduzida combinados linearmente com extrações da matriz ortogonal Q em parâmetros estruturais dados por h^(B,Σ,Q)=(h(Σ)1Q,Bh(Σ)1Q).

Consoante Arias et al. (2018ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on Structural Vector Autoregressions identified with sign and zero Restrictions: Theory and Applications. Econometrica, v. 86, n. 2, p. 685-720, 2018. The Econometric Society. Disponível em: < https://doi.org/10.3982/ECTA14468>. Acesso em: 29 ago. 2020.
https://doi.org/10.3982/ECTA14468...
), embora a metodologia apresentada funcione com qualquer distribuição a priori, elas são mais eficientes quando pertencem a uma família de distribuições conjugadas. Nesse sentido, para as extrações dos parâmetros na forma reduzida é adotada a família de Distribuições Normal Inversa de Wishart.

Dessa forma, a distribuição a priori é caracterizada por quatro parâmetros: um escalar vn, uma matriz nxn simétrica e positiva definida Φ, uma matriz mxn Ψ e uma matriz mxm simétrica e positiva definida Ω. Sendo dada por:

N I W ( v , Φ , Ψ , Ω ) ( B , Σ ) | det ( Σ ) | v + n + 1 2 e 1 2 t r ( Φ Σ 1 ) | det ( Σ ) | m 2 e 1 2 v e c ( B Ψ ) ' ( Σ Ω ) 1 v e c ( B Ψ ) (4)

Portanto, é utilizado o seguinte algoritmo para realizar extrações independentes dos parâmetros estruturais condicionados às restrições de sinais e de zeros.2 2 Para maiores detalhes, ver Arias et al. (2018).

  1. Extrai-se (B,Σ) da distribuição a posteriori dos parâmetros na forma reduzida;

  2. Extrai-se uma matriz ortogonal Q tal que h^(B,Σ,Q)=(h(Σ)1Q,Bh(Σ)1Q) satisfaz às restrições de zeros;

  3. Mantém-se a extração se as restrições de sinais são satisfeitas para 1jn;

  4. Retorna-se ao passo 1 até que o número de extrações requeridas da distribuição a posteriori dos parâmetros estruturais, condicional às restrições de zeros e de sinais, seja obtido.

3.1 Dados

As séries utilizadas na composição do vetor yt são dadas pelo PIB, pelos gastos do governo, como também por sua arrecadação através de suas receitas e a FBCFG, todas essas no nível do governo geral; além da utilização de uma taxa de juros e de câmbio. As séries possuem periodicidade mensal, compreendendo o período de janeiro de 2003 a abril de 2016.

Para o PIB foi utilizada a série do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) dessazonalizada e disponibilizada pelo Banco Central do Brasil (BCB). Para a taxa de juros, optou-se por utilizar a taxa da média do período anualizada do Swap-DI pré-fixada (180 dias), disponibilizada pela B3. Já a taxa de câmbio é dada pela taxa em dólares americanos (R$/US$) comercial (compra) da média do período, disponibilizada pelo BCB.

As variáveis fiscais têm por fonte as séries construídas por Orair et al. (2016ORAIR, R. O.; SIQUEIRA, F. F.; GOBETTI, S. W. Política c Ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. XXI Prêmio Tesouro Nacional 2016, Brasília, 2016. Disponível em: <https://bit.ly/2PAP0Lh>. Acesso em: 04 jul. 2019.
https://bit.ly/2PAP0Lh...
). A variável Gastos é dada pela soma dos gastos com pessoal, benefícios sociais, subsídios e outras despesas, enquanto a FBCFG é o valor dos ativos fixos do governo. As variáveis fiscais foram acumuladas em 12 meses e apresentadas em pontos percentuais do PIB, série do PIB nominal mensal disponibilizada pelo BCB.

Para a estimação do modelo optou-se por utilizar o logaritmo natural das séries. Após a transformação em logaritmo natural, multiplicaram-se os valores por cem para se evitar problemas numéricos, a fim de se obter uma amostra maior dos parâmetros extraídos do modelo SBVAR, a partir do algoritmo mencionado anteriormente.

Foi criada ainda a série “Orçamento”, dada pelo logaritmo natural dos impostos menos os logaritmos naturais dos gastos do governo e da FBCFG, com o objetivo de se identificarem inovações fiscais em um contexto de orçamento equilibrado.

Com essa finalidade, optou-se por dois conjuntos diferentes de variáveis: O primeiro conjunto (Amostra I) contém as séries temporais do PIB, Receita, Gastos, FBCFG, Swap-DI e Câmbio; e o outro conjunto (Amostra II) é composto pelo PIB, Orçamento, Gastos, FBCFG, Swap-DI e Câmbio. Na Amostra II, optou-se pela retirada da variável Receita para que não houvesse problema de multicolinearidade.

As FIRs foram obtidas através de uma amostra com cinco mil extrações da distribuição a posteriori dos parâmetros do modelo SVAR, respeitando-se as restrições de sinais e de zeros impostas e exibidas, adotando-se um intervalo de confiança de 68%.

Vale destacar que ao se adotar um método de estimação bayesiano, a distribuição a posteriori dos parâmetros não é afetada de forma significativa pela possível existência de raízes unitárias, bem como são mitigados os problemas gerados por amostras pequenas, como demonstra Sims (1988SIMS, C.. Bayesian skepticism on unit root econometrics. Journal of Economic Dynamics and Control, v. 12, p. 463-474, June 1988.). Ademais, como exposto por Sims et al. (1990), os testes de cointegração e de raízes unitárias são de baixa potência, e a metodologia empregada não exibe problemas de inconsistência estatística na presença de raízes unitárias.

Foi realizado um teste, disponível no pacote estatístico Eviews 8, para avaliar o número de retardos (lags) a serem utilizados na especificação do modelo. Os resultados do teste encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1
Resultado do teste de seleção de defasagem do VAR

Optou-se por apresentar os resultados apenas para a Amostra I, uma vez que o teste apresentou os mesmos resultados para ambas as amostras, visto que se trata das mesmas variáveis, apesar da construção da variável Orçamento. O critério de Schwarz (SC) foi escolhido como ferramenta de decisão frente aos demais critérios, pois é o que mais penaliza o número de parâmetros utilizados, além de ser o mais utilizado na literatura e o de melhor interpretação bayesiana. Portanto, foram utilizadas duas defasagens em todas as estimativas dos modelos SBVARs.

Por fim, testou-se ainda a possibilidade de que o conjunto de séries temporais possua quebras estruturais em seu processo gerador. Foram estimados com o auxilio do software dynare um modelo BVAR sem mudança de regimes e três modelos MS-BVAR com a possibilidade de dois regimes distintos: o primeiro admitindo alterações entre regimes nas matrizes (A0,A+) e na matriz de covariância dos resíduos da forma estrutural; o segundo somente alterações nas matrizes (A0,A+); e o terceiro somente alterações na matriz de covariância dos resíduos. De acordo com Sims (2020SIMS, C. SVAR Identification through heteroskedasticity with misspecified regimes. jul. 2020. Disponível em: <https://bit.ly/3ef2s1N>. Acesso em: 19 abr. 2021
https://bit.ly/3ef2s1N...
), contanto que as matrizes (A0,A+) do modelo SVAR sejam constantes entre os regimes, a matriz B também será constante entre os regimes, e estimativas eficientes de B podem ser obtidas utilizando toda a amostra, mesmo quando há mudanças nos resíduos da forma estrutural entre os regimes.

Utilizando-se como parâmetro de avaliação a densidade marginal dos dados (MDDs) do modelo, o modelo BVAR sem alterações de regime se mostrou superior aos demais, com o logaritmo de sua MMD dado por -1.513; enquanto o modelo MS-BVAR que admitia somente alterações na matriz de covariância dos resíduos obteve um valor igual a -1.523, contra -1.548 do modelo com alterações em (A0,A+) e na matriz de covariância dos resíduos, e de -1.566 no modelo com alterações somente em (A0,A+).

3.2 Multiplicadores fiscais

No trabalho realizado, foram calculados três multiplicadores fiscais distintos, sendo eles dados por:

(i) Multiplicador de Impacto, que mensura a resposta da variável Yt no período t a partir de um choque na variável Xt no período t:

( Δ Y t Δ X t )

(ii) Multiplicador Cumulativo, que soma, a cada período, todas as respostas da variável Yt a um choque permanente na variável Xt, também somado a cada período.

( i = 1 n Δ Y t + i i = 1 n Δ X t + i )

(iii) Valor Presente do Multiplicador Cumulativo, que traz a valor presente o Multiplicador Fiscal Cumulativo através de uma taxa de juros.

( t = 0 T ( 1 + i ) t Δ Y t t = 0 T ( 1 + i ) t Δ X t )

3.3 Identificação dos choques

Na Tabela 2, são apresentadas as restrições de sinais e de zeros impostas para a identificação dos diversos choques de política fiscal.

Os multiplicadores fiscais e as FIRs são estimados através da imposição de restrições de sinais e de zeros em até três meses (passos) seguintes ao choque. São identificadas políticas fiscais expansionistas via inovações nos gastos do governo ou na FBCFG, e contracionistas via inovações na receita do governo, restringindo que as demais variáveis fiscais respondam a esse choque num primeiro momento. Essas inovações fiscais foram também identificadas com a adoção das restrições adicionais de resposta zero no PIB e no orçamento do governo no instante do choque.

As restrições de sinais impostas são as mesmas que se pode obter utilizando um modelo IS-LM dinâmico, estocástico de economia aberta. Porém, para as inovações fiscais com orçamento equilibrado, foi adotada ainda a hipótese de identificação sem restrições de sinais sobre o PIB e demais variáveis fiscais, para verificar a plausibilidade da identificação utilizada.

Através das restrições de zeros é possível identificar choques onde o orçamento é mantido constante, além de choques exógenos restritos, ou seja, choques em que somente as variáveis de interesse sofrem alterações durante horizontes específicos. Ao se valer dessa inovação metodológica há a vantagem de anular, no momento do choque, respostas a possíveis choques em outras variáveis que não sejam a de interesse.

Seria o caso, por exemplo, da identificação da resposta de um choque exógeno no gasto do governo, onde só são impostas restrições de sinais positivos sobre os gastos. A interpretação das FIRs a esse choque se torna difícil, uma vez que existe uma relação bicausal entre as variáveis Gastos e PIB. Uma restrição de sinal positivo nos gastos pode ter impactado positivamente o PIB, da mesma forma que um choque positivo de produtividade pode ter elevado o orçamento do governo, possibilitando aumento de seus gastos.

Tabela 2
Restrições de sinais e de zeros utilizadas para identificação de inovações fiscais

Como mencionado por Lima et al. (2011LIMA, E. C. R.; MAKA, A.; ALVES, P. Monetary policy and exchange rate shocks in Brazil: sign restrictions versus a new hybrid identification approach. Brazilian Review of Econometrics, v. 31, n. 1, p. 97-136, 8 July. 2011. Fundação Getulio Vargas. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.12660/bre.v31n12011.3410>. Acesso em: 29 ago. 2020.
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), a identificação de um modelo SVAR via restrições de sinais é atraente por várias razões: primeiro, enquanto as versões log-linearizadas dos modelos DSGE raramente entregam um conjunto de m(m1)/2 restrições (m = número de variáveis endógenas), as restrições de sinais estão disponíveis em grande número; segundo, as restrições de sinais fazem restrições explícitas que são frequentemente usadas implicitamente pelos pesquisadores ao identificarem SVARs; e terceiro, elas podem ser robustas no sentido em que são mantidas em vários modelos estruturais ou parametrizações do mesmo modelo.

No entanto, a identificação dos choques estruturais não é única. Existem múltiplas matrizes que permitem o mapeamento linear de choques estruturais ortogonais para resíduos do VAR na forma reduzida. Todas essas matrizes satisfazem às restrições de sinais e zeros e são compatíveis com a mesma matriz de covariância dos resíduos da forma reduzida do VAR. Em outras palavras, elas são observacionalmente equivalentes e igualmente consistentes com a teoria econômica empregada para se obter as restrições de sinais.

Faz-se necessário, portanto, seguir as recomendações de Paustian (2007PAUSTIAN, Matthias. Assessing sign restrictions. The B.E. Journal Of Macroeconomics, v. 7, n. 1, 7 jan. 2007. Walter de Gruyter GmbH. http://dx.doi.org/10.2202/1935-1690.1543.
http://dx.doi.org/10.2202/1935-1690.1543...
), que, ao avaliar o método de restrições de sinais com base em dois modelos DSGE, conclui que as restrições de sinais podem ser uma ferramenta útil para recuperar choques estruturais dos resíduos do VAR na forma reduzida. No entanto, duas condições devem ser atendidas para que o método recupere inequivocamente os sinais corretos das Funções Impulso Resposta: primeiro, um número suficientemente grande de restrições deve ser imposto, mais do que aquilo que é tipicamente empregado no trabalho aplicado; e em segundo lugar, a variância do choque que se deseja identificar deve ser suficientemente grande.

Arias et al. (2014ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on SVARs identified with sign and zero Restrictions: theory and applications. International Finance Discussion Papers, Washington, D.C., Apr. 2014.), Mountford e Uhlig (2008MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What are the effects of fiscal policy shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960-992, dez. 2008.) e Mendonça et al. (2009MENDONÇA, M. J. C.; MEDRANO, L. A.; SACHSIDA, A. Avaliando os efeitos da política fiscal no Brasil: resultados de um procedimento de identificação agnóstica. IPEA, 2009. (Texto para discussão, n. 1.377).), trabalham com restrições em somente um horizonte de tempo. Arias et al. (2014) não foram capazes de aferir qualquer resposta significativa das inovações ficais na economia americana. Resultado esse esperado, haja vista a necessidade de um número suficientemente grande de restrições para se recuperar os sinais corretos das respostas aos choques estruturais. Mountford e Uhlig (2008) e Mendonça et al. (2009) conseguem obter respostas significativas aos choques, mas a metodologia empregada em ambos os trabalhos adiciona restrições adicionais não explicitas, violando a agnosticidade do modelo.

Desse modo, optou-se por trabalhar com restrições de sinais em mais de um horizonte temporal, para que seja possível recuperar os sinais corretos das FIRs, conforme proposto na literatura, mas com restrições verdadeiramente agnósticas.

4 Resultados

4.1 As FIRs e os multiplicadores fiscais dos choques na receita do governo

As FIRs e os Multiplicadores Fiscais encontrados para os choques positivos na receita do governo identificados de acordo com a Tabela 2 são dados pelas figuras Figuras 1 e 2. As figuras apresentam as FIRs das variáveis nas duas primeiras linhas, seguidas ainda de uma terceira linha, onde se apresentam o Multiplicador Cumulativo do PIB e seu Valor Presente.

É possível observar que as FIRs satisfazem às restrições a elas impostas, ou seja, respostas com sinal positivo nos três primeiros horizontes de tempo para receita e câmbio; e resposta com sinal negativo para o PIB e a taxa de juros Swap-DI.

Cabe destacar a resposta das variáveis em médio e longo prazo. Percebe-se que com o um choque positivo da receita, apesar dos intervalos de confiança largos das FIRs, houve aumento dos gastos e redução da FBCFG num primeiro momento, mas que logo volta a um nível próximo a zero. Além disso, o impacto sobre a taxa de juros foi mais duradouro do que sobre o câmbio.

Mas o destaque maior aqui vai para a resposta do PIB e da receita. Num primeiro momento, com a redução do PIB provocada pela política contracionista, é possível dizer que essa queda afetou o nível de receita e, ao final do primeiro trimestre após o choque, a receita passa a ter maior probabilidade de queda. Pode-se dizer também que essa redução da receita acaba por impulsionar o PIB em médio prazo, principalmente quando se olha para as FIRs geradas com a adição de restrição de zero sobre a resposta do PIB no instante do choque.

Esse resultado se assemelha àqueles encontrados por Cavalcanti e Silva (2010SILVA, F. S.; PORTUGAL, M. S. O impacto de choques fiscais na economia brasileira: uma abordagem DSGE. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ECONOMETRIA, 32., 2010, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Econometria, 2010. Disponível em: <http://bit.ly/2t3pOD0>. Acesso em: 19 abr. 2020.
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). Apesar de não se trabalhar com a variável Dívida Bruta, a metodologia talvez seja capaz de captar um “relaxamento” da restrição fiscal, mencionada pelos autores, a partir da redução da razão dívida/PIB, possibilitando aumento das despesas governamentais, cujo efeito positivo sobre a demanda agregada acarretaria na possibilidade de uma compensação do impacto negativo do aumento de tributação sobre o nível de atividade.

Com relação aos multiplicadores fiscais, fica claro que só é estatisticamente significante alguma mudança no PIB no primeiro trimestre seguinte ao choque. As medianas dos multiplicadores ao longo de todos os horizontes de tempo são menores em módulo do que um, com exceção do Multiplicador de Impacto, ao qual não são impostas restrições de zeros sobre o PIB, como pode ser visto na Tabela 3.

Apesar de esse tipo de identificação não conseguir obter essa relação imediata, o valor do impacto inicial demonstrado no choque de receita com o PIB restrito corrobora muito mais com o que a literatura sobre multiplicadores fiscais tem apresentado, ou seja, um multiplicador abaixo de uma unidade e negativo. Portanto, as restrições de zeros parecem ter mitigado as relações dúbias de casualidade entre as variáveis estudadas, sendo o seu uso de suma importância para o cálculo de multiplicadores fiscais.

Figura 1
FIRs e multiplicadores do choque de receita do governo

Figura 2
FIRs e multiplicadores do choque de receita do governo com PIB restrito

Tabela 3
Multiplicadores fiscais dos choques na receita do governo

4.2 As FIRs e os multiplicadores fiscais dos choques nos gastos do governo

As FIRs e os multiplicadores fiscais encontrados para os choques nos gastos do governo identificados de acordo com a Tabela 2 são dados pelas figuras Figuras 3, 4, 5 e 6. As figuras apresentam as FIRs das variáveis nas duas primeiras linhas, seguidas ainda de uma terceira linha onde se apresenta o Multiplicador Cumulativo do PIB e seu Valor Presente.

Em todos os casos, obteve-se que choques de gastos são seguidos por aumento na receita, resultado que pode ser explicado pelo elevado nível de rigidez orçamentária brasileira. Segundo o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO), para o ano de 2016 (último ano compreendido na amostra utilizada), a participação das Despesas Obrigatórias da União na Receita Total Líquida foi de 88,1%.3 3 Disponível em: <https://bit.ly/3fIYbG2>. Acesso em: 31 mar. 2021. Somam-se a isso a resposta positiva do PIB ao choque nos gastos do governo e o aumento da arrecadação que pode estar sendo provocado pelo crescimento do PIB.

Como mencionando anteriormente, a relação de casualidade pode ser dúbia com poucas restrições de sinais, ou apenas com restrições de sinais sem incluir restrições de zeros. Se o gasto do governo e o PIB respondem de maneira positiva, instantaneamente, a determinada identificação de choque em que a resposta do PIB não é restrita, vale a pergunta: é um choque positivo no PIB com resposta positiva nos gastos do governo ou é um choque de gastos com resposta positiva do PIB. É muito provável que seja uma mistura de ambas as opções, dificultando a interpretação da identificação dessa FIR.

As restrições de zero também possibilitam aferir a resposta do PIB sem que as demais variáveis fiscais se alterassem no mês em que acontece o choque (Horizonte Zero), mostrando novamente a importância do avanço metodológico quando se planeja identificar inovações fiscais.

Mais uma vez, a taxa de juros pareceu ser mais sensível às inovações fiscais, com um efeito mais duradouro quando comparadas às do câmbio. Nota-se ainda uma inversão de sinal na resposta do Swap-DI no longo prazo, o nível de gastos também possui maior probabilidade de queda a longo prazo, principalmente no choque com resposta do PIB restrita em zero.

Não houve mudanças significativas entre as FIRs com ou sem a imposição de um orçamento do governo equilibrado. Após as restrições de zero, nos primeiros três meses, há probabilidade maior de queda da variável Orçamento, de modo que a elevação do PIB inicial não é suficiente para produzir uma variação positiva do orçamento do governo.

Figura 3
FIRs e multiplicadores do choque de gastos do governo

Figura 4
FIRs e multiplicadores do choque de gastos do governo com PIB restrito

Figura 5
FIRs e Multiplicadores do choque de gastos do governo com o orçamento equilibrado

Figura 6
FIRs e multiplicadores do choque de gastos do governo com PIB restrito e orçamento equilibrado

Figura 7
FIRs e multiplicadores do choque de gastos do governo com PIB agnóstico e orçamento equilibrado

Mais uma vez, os Multiplicadores Acumulados, e o seu Valor Presente, só apresentam valores estatisticamente significantes no curto prazo. Além do mais, num primeiro momento a resposta do PIB para os cinco tipos de identificação apresentou elevação, o que era esperado, dadas as restrições de sinais impostas, seguidas de uma probabilidade maior de queda, com volta no longo prazo a um nível igual a zero.

Portanto, como no caso dos resultados estimados para a variável Receita, só é possível comprovar-se estatisticamente alguma mudança no PIB no primeiro trimestre seguinte ao choque.

Novamente, o multiplicador sobre a restrição de zero, na resposta contemporânea do PIB, é mais condizente com os resultados encontrados na literatura, com um Multiplicador de Impacto positivo e menor do que uma unidade para um choque nos gastos. Cabe destacar que as medianas dos multiplicadores de médio e longo prazo foram ligeiramente maiores para aquelas identificações onde o orçamento opera em equilíbrio e com PIB restrito.

A identificação da inovação fiscal com orçamento equilibrado e resposta agnóstica do PIB, para testar a plausibilidade da identificação desse tipo de inovação fiscal com orçamento equilibrado, apresentou medianas inferiores àquelas com a imposição de sinais sobre o PIB e sem significância estatística, como esperado, já que não foram impostas restrições de sinais sobre o PIB. Tais resultados corroboram, em primeiro lugar, com os resultados obtidos por Paustian (2007PAUSTIAN, Matthias. Assessing sign restrictions. The B.E. Journal Of Macroeconomics, v. 7, n. 1, 7 jan. 2007. Walter de Gruyter GmbH. http://dx.doi.org/10.2202/1935-1690.1543.
http://dx.doi.org/10.2202/1935-1690.1543...
), que avalia que um número suficientemente grande de restrições de sinais deve ser imposto para se obter a identificação dos choques, e, em segundo lugar, as hipóteses de identificação adotadas, visto que as medianas dos multiplicadores apresentaram o mesmo sinal com ou sem restrições no PIB.

Tabela 4
Multiplicadores fiscais dos choques nos gastos do governo

4.3 As FIRs e os multiplicadores fiscais dos choques na FBCFG

As FIRs e os multiplicadores fiscais encontrados para os choques na FBCFG, identificados de acordo com a Tabela 2, são dados pelas Figuras 7, 8, 9 e 10. As figuras apresentam as FIRs das variáveis nas duas primeiras linhas, seguidas ainda de uma terceira linha onde se apresenta o Multiplicador Cumulativo do PIB e seu Valor Presente.

Os resultados parecem ser bastante semelhantes às FIRs encontradas para os choques nos gastos. Porém, cabe uma ressalva, um choque no nível de ativos fixos do governo causa redução no médio e longo prazo no nível de gastos do governo. Além do mais, as respostas do câmbio e da taxa de Swap-DI foram semelhantes àquelas encontradas para os gastos, contudo foram mais significantes.

Figura 8
FIRs e multiplicadores do choque de FBCFG

Figura 9
FIRs e multiplicadores do choque de FBCFG com PIB restrito

Figura 10
FIRs e multiplicadores do choque de FBCFG com o orçamento equilibrado

Figura 11
FIRs e multiplicadores do choque de FBCFG com PIB restrito e orçamento equilibrado

Figura 12
FIRs e multiplicadores do choque de FBCFG com PIB agnóstico e orçamento equilibrado

Também não houve mudanças significativas entre as FIRs com e sem orçamento equilibrado. Novamente, depois dos primeiros três meses com orçamento público em equilíbrio, há probabilidade maior de queda da variável Orçamento.

Com relação aos multiplicadores fiscais, só é possível apresentar resultados estatisticamente significantes no curto prazo. Os resultados no curto prazo são bem divergentes a depender da hipótese de identificação.

No caso de inovações fiscais sobre o investimento do governo, a literatura aponta para um multiplicador maior que um e positivo. A hipótese de identificação com PIB restrito se destaca novamente com um multiplicador acumulado, um passo à frente, igual a 0,97, contra um multiplicador de impacto de 13,55, sem restrições de zero sobre o PIB.

Comparando esses multiplicadores com o orçamento do governo equilibrado, há um salto para 7,27 quando o PIB é restrito, e para 79,18 quando não há nenhuma restrição de zero sobre o PIB. Esses valores, aquém dos esperados, colocam em dúvida se as hipóteses de identificação adotadas para esses choques, com o orçamento do governo equilibrado, são razoáveis, e se outras hipóteses deveriam ser adotadas.

O que é corroborado pela identificação com orçamento equilibrado e resposta agnóstica do PIB para testar a plausibilidade das restrições adotadas, que diferentemente do caso da inovação dos gastos, tiveram multiplicadores com sinais distintos. Vale lembrar aqui os resultados obtidos por Cavalcanti e Vereda (2015CAVALCANTI, M. A. F. H.; VEREDA, L. Fiscal policy multipliers in a DSGE model for Brazil. Brazilian Review of Econometrics, v. 35, n. 2: Special Volume SAMBA, p. 197-233, 2015.), artigo mencionado anteriormente, que apontam para multiplicadores do investimento público negativos no curto prazo, especialmente sob regras orçamentárias primárias permanentemente equilibradas.

Tabela 5
Multiplicadores fiscais dos choques na FBCFG

5 Considerações finais

Este trabalho teve por objetivo aferir a eficácia da política fiscal no Brasil, obtendo os impactos de inovações fiscais e calculando os multiplicadores fiscais. Para esse fim, foi adotado um modelo de SBVAR com uma identificação inovadora, proposta por Arias et al. (2018ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on Structural Vector Autoregressions identified with sign and zero Restrictions: Theory and Applications. Econometrica, v. 86, n. 2, p. 685-720, 2018. The Econometric Society. Disponível em: < https://doi.org/10.3982/ECTA14468>. Acesso em: 29 ago. 2020.
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) em outro contexto, que não só impõe restrições de sinais, mas também restrições de zeros nas FIRs.

As hipóteses de identificação adotadas parecem ter sido bem-sucedidas em mensurar choques de política fiscal - com exceção das inovações identificadas sem restrições de zero no PIB e de FBCFG estimadas com o orçamento equilibrado - e a imposição de restrições de zeros nas FIRs parece ter contribuído para tal identificação. Essa nova forma de identificar as inovações fiscais permite evitar ambiguidades de casualidades na identificação dos choques. Além do mais, as restrições de zeros ainda possibilitaram aferir como as variáveis reagem aos choques fiscais quando eles são neutros em relação ao equilíbrio orçamentário do governo.

A identificação com restrições contemporâneas de zero sobre o PIB apresentou resultados mais consistentes com a literatura econômica acerca do tema: multiplicadores de impacto sobre o PIB negativos e menores do que uma unidade para choques nas Receitas Governamentais, apresentando uma mediana no valor de -0.58 acumulados no horizonte de tempo de um mês; multiplicador positivo e menor do que um para choques nos gastos do governo, apresentando uma mediana no valor de 0.24 acumulado no horizonte de tempo de um mês. Com multiplicador positivo, porém maior do que um, no caso de inovações fiscais na FBCFG, apresentando uma mediana no valor de 0.97 acumulado no horizonte de tempo de um mês. Entretanto, grande parte das FIRs e dos multiplicadores fiscais não demonstraram ser estatisticamente significantes no médio e longo prazo, de modo que esses efeitos só são significativos no primeiro trimestre seguinte ao choque. Ou seja, parece ser necessário aumentar a quantidade de hipóteses de identificação para se obter o valor dos multiplicadores no médio e longo prazo. Por mais que sejam estatisticamente insignificantes, a mediana dos multiplicadores cumulativos de longo prazo, com um horizonte temporal de 48 meses, para a receita do governo, gastos governamentais e FBCFG tiveram, respectivamente, os valores 0.23, 0.13 e 1.16.

Os resultados obtidos para choques fiscais com orçamento do governo equilibrado mostram que os multiplicadores para gastos são ligeiramente maiores do que os obtidos sem impor que o orçamento seja mantido equilibrado.

No caso da FBCFG, a identificação com imposição de sinais sobre o PIB apresentou valores pouco prováveis, e a identificação, sem restrições de sinais no PIB, apresentou sinais opostos, mas sem significância estatística. A identificação com resposta agnóstica do PIB parece ser mais razoável, principalmente considerando os argumentos apresentados em Cavalcanti e Silva (2010SILVA, F. S.; PORTUGAL, M. S. O impacto de choques fiscais na economia brasileira: uma abordagem DSGE. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ECONOMETRIA, 32., 2010, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Econometria, 2010. Disponível em: <http://bit.ly/2t3pOD0>. Acesso em: 19 abr. 2020.
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), relativos à preocupação dos agentes com a solvência da dívida pública; e os resultados obtidos por Cavalcanti e Vereda (2015), que obtiveram uma resposta negativa no curto prazo do PIB a um choque da FBCFG, especialmente sob regras orçamentárias primárias permanentemente equilibradas.

Agradecimentos

Os autores agradecem as contribuições de Jonas Arias, Cláudio Hamilton Matos dos Santos e Rodrigo Octávio Orair, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que possibilitou a elaboração deste artigo por meio do financiamento da bolsa de mestrado do autor Thiago Felipe Ramos de Abreu.

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  • 1
    No caso, h(X)poderia ser a decomposição Cholesky de X e, portanto, h(X)seria triangular superior com diagonal positiva.
  • 2
    Para maiores detalhes, ver Arias et al. (2018ARIAS, J. E.; RUBIO-RAMÍREZ, J. F.; WAGGONER, D. F. Inference based on Structural Vector Autoregressions identified with sign and zero Restrictions: Theory and Applications. Econometrica, v. 86, n. 2, p. 685-720, 2018. The Econometric Society. Disponível em: < https://doi.org/10.3982/ECTA14468>. Acesso em: 29 ago. 2020.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2021
  • Aceito
    09 Dez 2021
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