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Da racionalidade axiomática à racionalidade ecológica: elementos para a construção de uma agenda de pesquisa em simulação computacional econômica

From axiomatic rationality to ecological rationality: Elements for building a research agenda in economic simulation

Resumo

Este artigo discute o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa em simulação computacional econômica para a noção de racionalidade ecológica. Parte-se das críticas à racionalidade axiomática em economia, discutindo-se a sua ineficácia para o tratamento de processos de decisão real. Mostra-se que a crítica à racionalidade axiomática feita por Herbert Simon e à sua noção de Racionalidade Processual permitiu o desenvolvimento de um programa de pesquisa que incorpora sistematicamente o tratamento de heurísticas e pode integrar de maneira consistente a observação do comportamento real dos agentes. Esse programa de pesquisa foi desenvolvido por Gerd Gigerenzer, juntamente com a noção de Racionalidade Ecológica. Propõe-se então, neste artigo, o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa em simulação econômica computacional para a obtenção de um conjunto de resultados empíricos que possa apoiar o avanço da teoria.

Palavras-chave:
racionalidade; racionalidade ecológica; simulação econômica

Abstract

This paper discusses the development of a research agenda in economic computer simulation for the notion of ecological rationality. It starts with the criticism of axiomatic rationality in economics, discussing its ineffectiveness for the treatment of real decision processes. It is shown that the criticism of axiomatic rationality made by Herbert Simon and his notion of Procedural Rationality allowed the development of a research program that systematically incorporates the treatment of heuristics and can consistently integrate the observation of the real behavior of agents. This research program was developed by Gerd Gigerenzer, along with the notion of Ecological Rationality. Therefore, this work proposes the development of a research agenda in computational economic simulation to obtain a set of empirical results that can support the advancement of the theory.

Keywords:
rationality; ecological rationality; economic simulation

1 Introdução

Há uma anedota sobre um economista, um físico e um químico que é antiga e popular entre economistas e resume como nós, economistas, transformamos crenças sobre como o mundo funciona em critérios ontológicos que definem a nossa ação:

Um físico, um químico e um economista estão presos em uma ilha sem nada para comer. Uma lata de sopa chega à praia. O físico diz: “Vamos quebrar a lata com uma pedra.” O químico diz: “Vamos acender uma fogueira e aquecer a lata primeiro.” O economista diz: “Vamos supor que temos um abridor de latas.”

O economista fictício adota uma abordagem distante do observável produzindo uma solução ancorada em uma suposição que na vida prática e numa perspectiva empiricamente fundada seria absurda. O suposto abridor de latas pode ser visto como uma analogia sobre o papel da crença na existência de um elemento da realidade que não é observado ou não existe ali naquele contexto. A decisão, nesse caso, seria baseada em um instrumento inexistente e representa a noção, fundamental para todo um conjunto bastante significativo de economistas, de que a decisão econômica pode ser baseada em uma solução ótima que pressupõe a existência de condições prévias não observadas. A decisão sobre a ação deriva diretamente da suposição de uma determinada situação idealizada, e não das condições concretas que determinam as possibilidades de agir.

A crença dos economistas na eficácia irracional da matemática (Wigner, 1960WIGNER, E. P. The Unreasonable effectiveness of mathematics in the natural sciences. Comminications on Pure and Applied Mathematics, v. 13, p. 001-014, 1960.) produziu uma tradição teórica que se ancora em uma noção axiomática de racionalidade que não parece ser consistente com a evidência empírica coletada por psicólogos e pelos próprios economistas durante toda a segunda metade do século XX. A noção de racionalidade desenvolvida pelos economistas neoclássicos é fortemente condicionada por essa perspectiva platônica do mundo. Se as verdades matemáticas são a verdade última, uma formulação matemática axiomática (isto é, dedutiva) de como a decisão econômica acontece é o melhor caminho possível para encontrar a resposta sobre como funciona o comportamento econômico.

Assume-se neste trabalho que a crítica mais sólida e fundada à noção de racionalidade axiomática foi a feita por Herbert Simon (1955SIMON, H. A. A behavorial model of rational choice. The Quarterly Journal of Economics, v. 69, n. 1, p. 99-118, 1955.). Em seu artigo, Simon argumenta que as restrições de capacidade de processamento de informação dos agentes não permitem considerar todo o conjunto de alternativas que interferem ou são afetadas por uma decisão, mesmo bastante simples. A racionalidade de um agente real é processual, limitada pela sua capacidade de computar toda informação relevante para tomar a decisão ótima. A noção de racionalidade limitada construída por Simon evoluiu para uma visão sobre racionalidade pensada em uma perspectiva mais empiricamente consistente. O desenvolvimento da ideia de racionalidade limitada produziu uma visão sobre o processo de decisão econômica a partir da observação, resumida por Gigerenzer et al. (1999GIGERENZER, G.; TODD, P. M.; THE ABC RESEARCH GROUP. Simple heuristics that make us smart. New York, USA: Oxford University Press, 1999.) na noção de racionalidade ecológica que é, essencialmente, a racionalidade limitada posta como o resultado de um processo evolutivo, num ambiente complexo com conhecimento incompleto e incerteza fundamental. A sugestão central desse texto é que o uso da noção de “racionalidade ecológica” combinado com uma abordagem que considere pesquisa empírica e simulação baseada em agentes pode informar a construção teórica de uma nova visão sobre o processo de decisão racional dos agentes, baseado mais solidamente em evidências.

As contribuições deste trabalho para o debate referido anteriormente são: primeiro, faz-se a apresentação de algumas das críticas à racionalidade axiomática discutindo a sua ineficácia para o tratamento de problemas de decisão real com um conjunto grande e complexo de alternativas. Organiza-se um conjunto de argumentos que mostram que a otimização, mesmo parcial, é inviável em qualquer ambiente de decisão minimamente plausível, visto que, a) a mudança produzida pela decisão de gasto de um agente localizado no tempo e no espaço é interativa e produz alteração não trivial no seu entorno, gerando ambiguidade e não ergodicidade e tornando a otimização inviável; b) mesmo em problemas ergódicos o tamanho do conjunto de busca em processos de tomada de decisão minimamente plausíveis torna a diferenciação de alternativas impossível para qualquer agente realístico;

Em segundo lugar, mostra-se que a crítica de Herbert Simon à racionalidade axiomática aponta um caminho de solução para uma noção plausível e empiricamente tratável de racionalidade. Essa noção, chamada de racionalidade processual por Simon (1976) e de racionalidade ecológica por Gerd Gigerenzer (2019GIGERENZER, G. Axiomatic rationality and ecological rationality. Synthese, v. 198, n. 4, p. 3.547-3.564, July, 2019.), abre a possibilidade de um novo programa de pesquisa para a racionalidade na teoria econômica, que abandona a noção axiomática de racionalidade e propõe, em seu lugar, o estudo empírico e a modelagem do comportamento concreto de decisão dos agentes sem necessidade de supor a racionalidade axiomática. A partir desse programa de pesquisa, apresenta-se uma agenda de pesquisa para o desenvolvimento de modelos computacionais de racionalidade ecológica.

2 Tempo e incerteza

A formulação da teoria neoclássica (de inspiração Walrasiana) do processo de decisão dos agentes considera cada um deles um indivíduo completamente desconectado do mundo. Esses agentes econômicos tomam decisões simultâneas de maneira totalmente autárquica e esperam que o resultado de suas decisões produza o consenso de preços ótimos para todos. O problema da distribuição, nessa fábula, é resolvido por um Deus ex machina, o Leiloeiro Walrasiano. Para Possas (1987POSSAS, M. L. A dinâmica da economia capitalista: uma abordagem teórica. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 22), a consequência da autonomia dos agentes não é a solução ótima, visto que essa autonomia não é autarquia, mas sim ausência de coordenação. Essas decisões não coordenadas impactam umas às outras por que há um dispositivo essencial a influenciá-las, o tempo.

A existência do tempo como um elemento relevante nas decisões econômicas, na forma que é considerado pela perspectiva Keynesiana, rompe a formulação apriorística e irrealista do dispositivo Walrasiano do equilíbrio geral. O tempo econômico (Possas, 1987POSSAS, M. L. A dinâmica da economia capitalista: uma abordagem teórica. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 25-26) não é só um dispositivo que ordena passado, presente e futuro, mas é o elemento essencial para a explicação do aspecto histórico das decisões econômicas. Primeiramente, os acontecimentos passados impactam as decisões no presente; há uma estrutura e uma trajetória no passado que não podem ser ignoradas ou alteradas; a partir do passado é que vêm as relações sociais e econômicas, os contratos, o comportamento observado dos agentes, as trajetórias das variáveis relevantes; esse passado, imutável, é a origem do ponto no tempo onde a decisão econômica é tomada. O segundo elemento são as expectativas, que são a conexão entre a decisão do agente e o futuro; há um conjunto de futuros possíveis esperados pelo agente; desses futuros há que se antecipar ou escolher os mais possíveis e tomar a decisão coerente com essa expectativa. Por fim, a própria decisão, quando realizada, transforma o mundo; uma decisão de gasto mesmo sendo uma decisão normal (Shackle, 1955SHACKLE, G. L. S. Uncertainty in economics and other reflections. Cambridge: Cambridge University Press, 1955.) modifica, no mínimo, os fluxos de caixa dos agentes, produzindo uma mudança que, assim como o passado, é irreversível; a seta do tempo tem apenas um sentido.

Toda a decisão de um agente econômico é, de alguma forma, localizada no tempo, no espaço, nas circunstâncias específicas onde esse agente está preso. Essas são dadas pelos elementos estruturais e causais (Possas, 1987POSSAS, M. L. A dinâmica da economia capitalista: uma abordagem teórica. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 26) que formam a base das relações que restringem o espaço de atuação do agente. Os agentes estão premidos pelas circunstâncias legadas pelo passado, não há a possibilidade de ação feita fora das condições concretas da sua existência (Marx, 1852MARX, K. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Marxists Internet Archice, 1852. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1852/brumario/index.htm>. Acesso em: 22 maio 2022.
https://www.marxists.org/portugues/marx/...
). Essa restrição, que baseia e limita parcialmente as possibilidades, não é algo que impeça a ação do agente; de fato, é apenas a base histórica, concreta, onde a ação ocorre; a história é feita a partir do concreto, a partir das condições específicas que geraram o presente; o passado é dado, o presente, porém, é o espaço da ação.

A ação é feita no presente; é o imediato transformando o concreto; é o fazer sob as circunstâncias. A ação produz mudança do entorno do agente; uma mudança que pode ser pequena se pensamos num agente tomando uma decisão, porém, mesmo reduzindo o agente à autarquia da decisão solipsista, não há como negar que qualquer ação produz mudança no entorno do agente.

Essa transformação do entorno não é trivial. Não acontece como uma resposta previsível de um ambiente simplesmente reativo, ela acontece no contexto da decisão razoavelmente informada de outros agentes. O individualismo metodológico parece ser uma impossibilidade lógica. Se a decisão de um agente, mesmo ínfima, afeta a decisão de outros agentes, qualquer solução autárquica para o processo de tomada de decisão desses agentes deixa de ser relevante. Quer dizer, o resultado da decisão de um agente específico modifica seu entorno, seja, no caso mais simples, a reação de outros agentes à sua decisão, seja numa perspectiva mais complexa, na mudança estrutural que eventualmente essa ação pode produzir. A decisão autônoma do agente (mas presa às circunstâncias históricas) está restrita a um contexto específico que é determinado pelo seu entorno, e, portanto, ele precisa considerá-lo.

O passado importa, mas a maior parte das decisões econômicas é tomada não só com a experiência do passado, mas também com alguma expectativa sobre o futuro. Sejam elas decisões de produção (no curto prazo) ou decisões de investimento (no longo prazo). Muitas decisões de gasto são efetivadas antes da realização da produção gerada pelo processo produtivo; decisões de investimento estão baseadas na expectativa de rentabilidade daquele capital adquirido em um conjunto de períodos no futuro bem maior que um. Isso significa que os agentes, por mais informação que tenham, não têm garantia de que as expectativas que formaram se concretizarão. Além do mais, quando se pensa nas possibilidades de ocorrência de um determinado conjunto de eventos, não há necessariamente apenas uma trajetória possível para o futuro, mas um conjunto de trajetórias mais ou menos possíveis. Essa árvore de possibilidades leva a expectativa a uma ponderação entre um conjunto de futuros possíveis, mais ou menos prováveis. Para Keynes, a expectativa precisaria considerar não só o prognóstico mais provável, mas também o grau de confiança desse prognóstico (Keynes, 1996, p. 160).

No caso específico da formulação das expectativas, Keynes faz referência ao Tratado Sobre Probabilidade (Keynes, 1921KEYNES, J. M. A Treatise on Probability. London: MacMIllan & Co, 1921., cap. VI), deixando claro que pondera as possibilidades como conjuntos alternativos que podem ter maior ou menor confiança. A construção de Keynes sobre as probabilidades, nesse caso, é de uma crença mais ou menos informada na chance de ocorrência de um evento. Não é inteiramente subjetiva, é uma avaliação do quanto uma nova evidência tem relevância na alteração de determinado prognóstico. A pergunta que obviamente se deve fazer é “por que esses pesos não podem ser então reduzidos a probabilidades Bayesianas?” Não há aí uma confusão? Se o conjunto de evidências existentes é melhorado com o aumento do conhecimento do agente sobre o ambiente (e o mundo é um lugar finito), a revisão das probabilidades (subjetivas) a partir do aumento de informação não seria suficiente para reduzir a expectativa à estimativa de probabilidades subjetivas?

Há dois caminhos que não são mutuamente excludentes para responder às inquietações ditas anteriormente; o primeiro é uma avaliação da proposta de Keynes no Tratado sobre Probabilidade e na Teoria Geral, de em que medida esse grau de confiança do estado da expectativa corresponde ao peso de um determinado conjunto de evidências sobre a chance de ocorrência de um evento qualquer. Essa expectativa não seria redutível a uma probabilidade, visto que eventos concorrentes (duas ou mais trajetórias possíveis do mundo) teriam maior ou menor confiança. Isso ocorreria dado o conjunto de elementos (evidências) ao alcance da percepção e/ou da capacidade de processamento do agente. Essas evidências permitiriam comparar a similaridade da situação observada com as expectativas das trajetórias possíveis do mundo e decidir qual delas tem maior similaridade ao conjunto de evidências coletado. Esse grau de similaridade seria o elemento para determinar a decisão do agente sobre qual expectativa é mais plausível.

Como se pode inferir não há nenhuma restrição para que a atribuição de graus de similaridade entre os conjuntos de expectativas e o conjunto de evidências some valores iguais, maiores ou menores que um. O agente resolveria a ambiguidade (Dequech, 2000DEQUECH, D. Fundamental uncertainty and ambiguity. Eastern Economic Journal, v. 26, n. 1, p. 41-60, 2000.) inerente à incompletude do conhecimento do mundo (ou suas percepções e crenças específicas sobre como o mundo funciona), estabelecendo algum critério não probabilístico de decisão. As situações (ou os intervalos onde estamos estabelecendo o espaço de existência da expectativa) poderiam perfeitamente sobrepor-se, não sendo, portanto, possível estabelecer um limite superior para a “probabilidade” em 1.

Esse caminho formal não presume nenhuma condição específica sobre como o mundo muda; os agentes formam suas expectativas de acordo com uma combinação de percepções (ou classificações sobre os estados do mundo possíveis) e o grau de confiança que eles têm nessas percepções. Um aspecto importante dessa perspectiva é que não há necessidade de supor nada sobre como o mundo muda para aceitar essa maneira de formular as expectativas. A forma como a percepção dos agentes é estabelecida não precisa aceitar os axiomas da probabilidade para ser consistente, só é necessário que ela seja consistente com as observações de como as pessoas (ou organizações) decidem e se comportam.

O segundo caminho é a abordagem proposta em Davidson (1991DAVIDSON, P. Is Probability Theory relevant for Uncertainty? A Post-Keynesian Perspective. Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 1, p. 129-143, 1991.; 1996). Nesse caso, a redução da expectativa a probabilidades é impossível devido à não ergodicidade dos sistemas econômicos, que produziria uma incerteza fundamental. Isso se deve ao fato de que, para estabelecer um conjunto consistente de probabilidades, é necessário supor que as possibilidades de ocorrência de um determinado conjunto de eventos são finitas e imutáveis, isto é, é necessário aceitar a ergodicidade do conjunto de possibilidades.

Davidson (1996DAVIDSON, P. Reality and economic theory. Journal of Post Keynesian Economics, v. 18, n. 4, p. 479-508, July, 1996.) argumenta que a redução das expectativas a probabilidades é simplesmente impossível, visto que o mundo (ou o sistema econômico relevante para a decisão) é não ergódico. Esse autor lembra que a não estacionariedade é condição suficiente para a não ergodicidade, assim, para a maioria dos problemas econômicos relevantes, não há possibilidade de estabelecer-se uma antecipação (expectativa) consistentemente baseada em uma abordagem probabilística. Haveria então uma incerteza fundamental, na visão de Davidson, não redutível a um cálculo probabilístico, portanto não seria possível (ou consistente) modelar os agentes como otimizadores bayesianos (Sargent, 1993SARGENT, T. J. Bounded rationality in macroeconomics. Oxford: Oxford University Press, 1993., p. 2-3).

Se aceitamos a ambiguidade e a não ergodicidade do contexto onde os agentes, situados no tempo e no espaço, tomam suas decisões, não parece fazer sentido que os agentes ponderem, de maneira completa, toda informação disponível na medida de sua capacidade de processamento dessa informação para tomar uma decisão ótima, mesmo que essa decisão corresponda apenas a um ótimo local. O problema ontológico associado à natureza não ergódica e ambígua do contexto dos agentes torna essencialmente inconsistente a modelagem dos processos de decisão a partir da ponderação de toda a informação disponível, nos limites da capacidade de processamento dos agentes, utilizando as ferramentas de otimização matemática. A otimização matemática, mesmo que restrita, para encontrar um ótimo local, não tem condições resolver as ambiguidades e incerteza nas quais os agentes estão imersos. A escolha da otimização matemática como linguagem e método para modelar a decisão dos agentes implica estabelecer condições específicas que permitam a sua solução dentro do conjunto de restrições que a própria ferramenta impõe. Pode-se dizer então que a ferramenta1 1 Isto é, a otimização matemática, da maneira que é utilizada pela teoria neoclássica. impõe certa concepção de agente e do processo de decisão que não parecem consistentes com o ambiente onde a decisão ocorre. A própria racionalidade do agente, nessa abordagem, precisa ser consistente com o conjunto de axiomas que permitem a decisão otimizadora. Examinemos um pouco mais essa concepção axiomática de racionalidade e seus problemas.

3 Racionalidade axiomática

Partiremos aqui de uma formulação canônica de escolha racional compatível com boa parte da literatura econômica para depois apreciá-la criticamente. Nessa formulação, agentes escolhem, dentre um conjunto finito de alternativas plausíveis, aquela que lhes é mais satisfatória em termos de retornos esperados, dada uma ordem de preferências qualquer. Essa formulação é ancorada na crença de que a solução formal de um modelo matemático, construído a partir de um conjunto de axiomas simples sobre o comportamento dos indivíduos, corresponderia a uma descrição eficaz da decisão econômica e permitiria uma formulação teoricamente precisa do processo de formação de equilíbrio de preços.

O agente Walrasiano é um tipo que toma a decisão ótima pela crença de que o mercado resolve, para si, o valor dos preços e quantidades de equilíbrio. A rigor, um agente num mercado Walrasiano não precisa ser reflexivo, considerar o curso de ação de outros agentes, só precisa tomar a decisão que maximiza sua função utilidade. Além do mais, esse agente solipsista não considera que o processo de troca é interativo. A ideia de interação estratégica entre os agentes foi formulada a partir da construção formal da teoria dos jogos.

Os jogos de Von Neumann e Morgenstern (1944) supõem inicialmente agentes perfeitamente racionais, com conhecimento completo do mundo, com uma árvore de decisão pequena e finita e um conjunto de payoffs que gera uma soma zero. Um agente da teoria dos jogos toma a sua decisão considerando as possíveis ações do seu oponente. A otimização dessa decisão só pode ser alcançada com conhecimento completo do mundo e com capacidade de processar toda a informação relevante. Um agente como o pensado por Nash (1950, 1951,, 1953, 1997) é essencialmente o mesmo dos agentes de von Neumann e Morgenstern, a diferença é que, agora, o espaço de retorno da decisão é contínuo, permitindo soluções para jogos de soma não zero.

A extensão da definição de um jogo para situações onde há informação incompleta (Harsanyi, 1967HARSANYI, J. C. Games with incomplete information played by “Bayesian” players I: The basic model. Management Science, v. 14, p. 159-182, 1967., 1968) permitiu a representação de agentes que resolviam o problema estratégico do jogo com um subconjunto do conjunto completo de possibilidades, tirando os jogos do beco informacional do conhecimento completo do mundo. A literatura macroeconômica formulará as expectativas racionais derivadas (ou inspiradas) dessas soluções. Essa formulação, no entanto, não resolve o problema fundamental da mudança produzida pela interação dos agentes e supõe que estes possam ordenar todas as alternativas possíveis, independentemente do tamanho do conjunto de busca.

É necessário, então, qualificar melhor os itálicos postos na frase inicial desta seção. Eles destacam os elementos da escolha dos agentes e têm uma carga específica de significados que necessitam uma apreciação que nos permita vê-los à luz da crítica de Simon.

O primeiro elemento é o agente. Agentes, na formulação mais usual da economia, são indivíduos ou organizações que são responsáveis pela decisão econômica. Esse agente não está, porém, tomando uma decisão isolada ou sem qualquer consequência; o gasto é uma troca realizada pelo agente, ela é o fato econômico que está no cerne da vida social; é nela que a produção se realiza. Essa troca é uma interação entre dois agentes (duas pessoas, duas organizações, uma organização e uma pessoa) onde há um gasto de recurso e a entrega de uma mercadoria (um bem ou serviço) em retorno a esse dispêndio. Essa troca também existe num tempo e num lugar dados e não é atemporal nem “a-local”, ela existe numa sociedade com condições materiais específicas.

O segundo elemento da definição a discutir é o conjunto de alternativas. O conjunto finito de alternativas de um agente é algo que parece óbvio, mas se torna muito mais relevante e complicado quando olhado mais de perto. O fato de o conjunto ser finito diz pouco sobre ele. Finito pode ser três alternativas ou pode ser 10120 possibilidades de escolha. Mesmo em situações onde os agentes têm conhecimento completo do mundo, como num jogo de xadrez, o conjunto total de possibilidades para um jogo de duração média (40 jogadas) é de 10120, o que com um computador calculando um movimento por microssegundo tomaria 1090 anos para que se movesse a primeira peça (Shannon, 1950SHANNON, C. E. XXII. Programming a computer for playing chess. The London, Edinburgh, and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science, v. 41, n. 314, p. 256-275, 1950.). Um jogo de xadrez, que é um jogo de soma zero, com um conjunto finito de alternativas e conhecimento completo do mundo, é, porém, indecidível para um agente que faça uma busca completa na árvore de possibilidades. Não há, para um agente racional nesse jogo, a alternativa de considerar exaustivamente (se pensarmos em um jogador real, seja humano ou um computador atualmente) todas as consequências de uma jogada específica no meio do jogo.

A plausibilidade das alternativas é uma forma de reduzir o tamanho do conjunto de possibilidades. Essa plausibilidade, porém, depende criticamente do conjunto de preferências e da capacidade de estabelecer um conjunto possibilidades que separe o “plausível” do “implausível”. Na ausência da clara diferenciação entre as alternativas, a ordenação do conjunto de possibilidades torna-se uma tarefa impossível de realizar num tempo razoável.

Essa dificuldade de diferenciar entre alternativas plausíveis, a partir de uma busca completa do conjunto de possibilidades leva a consequências na própria definição de escolha. Os problemas de decisão que são em geral modelados pela teoria neoclássica consideram o tamanho conjunto de alternativas irrelevante (como se a capacidade de processamento dos agentes fosse infinita), mas, quando tratam de exemplos concretos dos processos de decisão, os restringem a um conjunto de duas ou mais (mas não muito mais) alternativas. Essa escolha está condicionada pela possibilidade de o agente diferenciar entre uma alternativa e outra. Essa diferenciação depende, porém, das consequências esperadas pelo agente e disparadas pela ação imediata. Na presença de incerteza ou de indecidibilidade no conjunto de possibilidades não há como garantir entre as alternativas qual seja a mais plausível, sendo assim, a escolha dos agentes deve ocorrer de uma maneira que não corresponda à atribuição de um valor a cada uma das trajetórias encontradas no conjunto completo de possibilidades.

Ou seja, embora as formulações matematicamente elegantes da teoria da escolha permitam o estabelecimento de modelos formais para os processos de tomada de decisão dos agentes, a abordagem baseada na formalização matemática do processo não parece ser suficiente para explicar o comportamento dos agentes num ambiente de decisão real. Vê-se que, até agora, não se precisou recorrer à afirmação de que o comportamento dos agentes é irracional . A indecidibilidade associada à impossibilidade de os agentes anteciparem todas as consequências futuras de suas ações, e, consequentemente, ponderarem os ganhos, já é uma restrição suficiente para impedir soluções formais baseadas em modelos de otimização. Isto é, não é necessário propor a existência de ilusões cognitivas como os famosos experimentos de Tversky e Kahnemann (1974TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, v. 183, p. 1.124-1.131, 1974.; Kahneman; Tversky, 1979) afirmam. O próprio ambiente de decisão onde os agentes estão imersos, já é condição suficiente para garantir a impossibilidade de avaliar a otimalidade de uma escolha.

Para Lavoie (2014LAVOIE, M. Post-Keynesian economics: New foundations. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2014., p. 85-87), a ideia de Tversky e Kahnemann na formulação dos seus experimentos era que os comportamentos dos agentes eram inconsistentes com a definição teórica de um comportamento racional dado pela teoria neoclássica, o que a evidência coletada por eles demonstrou. Os agentes, então, por conta de limitações cognitivas estariam propensos a erros sistemáticos de avaliação, tornando suas decisões irracionais em relação ao previsto por uma formulação baseada na teoria neoclássica da utilidade esperada. Tem-se, aqui, a mesma armadilha apontada no parágrafo anterior; a irracionalidade2 2 Ou, mais precisamente, a ocorrência de erros sistemáticos de avaliação. observada nos experimentos é concluída em oposição ao que seria o comportamento racional previsto na teoria da utilidade esperada. Essa teoria seria, então, a representação do comportamento racional ótimo.

O erro na visão da economia comportamental, na perspectiva apontada neste trabalho, está em considerar a teoria neoclássica da decisão a base para a formulação do que seria um comportamento racional. Age-se como se os agentes decidissem de maneira a atender os pressupostos da teoria da utilidade esperada, e não assumindo que o processo de decisão de agentes reais existe a partir de uma trajetória evolucionária específica.

Resumindo aqui o argumento, fica claro que, mesmo num mundo ergódico, se o tamanho do conjunto de busca for muito grande e o valor da decisão de um agente depender de suas consequências, o problema de decisão se torna intratável, isto é, não há como o agente estabelecer certeza de uma clara diferenciação entre as alternativas. A ideia de que os agentes fazem algum tipo de otimização, compatível com os modelos formais, a partir de um conjunto de preferências é criticamente dependente da ponderação dos resultados possíveis. A redução do conjunto de busca feita a partir de alguma estratégia de otimização parcial, separando o que é plausível ou implausível (ou relevante/irrelevante) não é trivial, visto que depende da condição estabelecida anteriormente. A otimização parcial do conjunto de busca parece ser basicamente incompatível com a estabilidade observada nas diversas decisões tomadas pelos agentes, estas podem, inclusive, ser inconsistentes com a otimização formal proposta pelo cânone da teoria, o que faria com que o comportamento dos agentes fosse considerado irracional. Otimização (mesmo parcial), na presença das incertezas e indecidibilidades apontadas aqui, se torna inviável ou inconsistente com a ação dos agentes num contexto de interação dinâmica.

A solução para esse problema não parece estar em um relaxamento dos axiomas sobre o comportamento racional dos agentes, o que, levado ao extremo, inviabiliza a própria construção da teoria neoclássica sobre comportamento otimizador. O caminho mais viável para ter-se uma descrição do comportamento dos agentes efetuando decisões econômicas parece estar muito mais na compreensão dos processos reais de tomada de decisão, a partir de uma definição que supere as amarras formais de uma visão excessivamente restrita do significado de decisão racional.

4 Racionalidade processual e racionalidade ecológica

O crítico mais relevante à visão Walrasiana de racionalidade foi Herbert Simon. A noção de Racionalidade Limitada (Simon, 1955SIMON, H. A. A behavorial model of rational choice. The Quarterly Journal of Economics, v. 69, n. 1, p. 99-118, 1955.) provocou muitas das revisões feitas pela teoria econômica neoclássica, no sentido de adaptar essa noção às objeções precisas e teoricamente sólidas feitas por Simon aos pressupostos conhecimento completo do mundo e capacidade de processamento infinita que ele chamou de Racionalidade Substantiva (Simon, 1976).

Muito da reação à crítica de Simon pelos teóricos da economia neoclássica foi no sentido (como discutimos na seção anterior) de propor a ideia de otimização restrita como solução para o problema das limitações cognitivas do agente. Os decisores, em face de limitações produzidas pelo tamanho do conjunto de busca ou pela sua capacidade de processamento, acessariam apenas um subconjunto dessas alternativas, revisando esse conjunto, seus retornos (ou suas probabilidades) a partir do novo conhecimento do mundo resultante do processo de interação. Viu-se aqui que o problema de atribuir retornos a um determinado subconjunto da árvore de possibilidades não é trivial, e que essa solução só funciona se o subconjunto de possibilidades selecionado pelo agente é bastante pequeno.

Além disso, a visão de Simon sobre o contexto do processo de decisão para o nosso agente realístico é muito distante do formulado pela teoria neoclássica. A rigor, esse agente concreto, num contexto de decisão real, está imerso em um ambiente complexo que muda continuamente (Simon, 1978). No artigo “Rationality as process and as product of thought” ele é bem explícito em relação ao ambiente do qual o agente se insere e suas relações com a racionalidade. Em um ambiente complexo, em constante transformação não há como se estabelecer qual é o ótimo, e o processo de decisão precisa estar adaptado a esse ambiente.

Simon propunha o seu conceito de racionalidade não só como uma constatação das limitações cognitivas do agente, mas também como uma consequência de aspectos relacionados ao ambiente onde o decisor está inserido que tornam a solução formal, por meio de otimização (mesmo restrita, ou de probabilidades Bayesianas) inconsistente com o seu processo real de escolha. Quando a economia comportamental observa os “erros sistemáticos” de decisões de sujeitos reais escolhendo loterias de maneira diferente da previsão de teoria da utilidade esperada, não são os agentes reais que estão tomando uma decisão errada é obviamente a teoria neoclássica que é inconsistente com o processo real de tomada de decisão.

Esses agentes reais vivem situados num ambiente em constante mudança (não ergódico). Não há também nenhuma garantia de que o ambiente esteja caminhando ou próximo de uma situação de equilíbrio, então, o processo de tomada de decisão precisa ser consistente com esse contexto.

Para Simon a racionalidade dos agentes não é a consequência de uma formulação matemática, mas o resultado de um processo evolutivo que produziu, a partir da interação dos agentes, uma configuração específica para os processos de escolha. Essa racionalidade situada no ambiente complexo e mutável resolve os problemas de decisão a partir de elementos que não são o cálculo de probabilidades. As soluções do agente para os problemas de decisão baseiam-se em convenções e regras estabelecidas e no grau de reconhecimento que os agentes têm do contexto.

A crítica feita por Simon à noção de “racionalidade substantiva”, levou ao desenvolvimento do conceito de “racionalidade processual”3 3 O termo utilizado por Simon é Procedural Rationality. Neste artigo escolheu-se utilizar o termo racionalidade processual como a tradução para procedural rationality. . Simon (1976. p. 67) assume que um comportamento é “processualmente racional” se ele é “o resultado de uma deliberação apropriada”, a racionalidade é “processual” porque depende do processo que a gerou. Traduzindo a aparente circularidade da afirmação, não há como separar o contexto do processo de tomada de decisão de suas consequências e de sua temporalidade e efetividade. Uma decisão processualmente racional está restrita às condições do seu entorno. São agentes concretos tomando decisões com capacidade computacional limitada e informação eventualmente incompleta que precisam de estratégias efetivas para sua ação. A fonte para a produção de uma teoria eficaz do comportamento racional dos agentes econômicos seria o estudo dos processos cognitivos reais em contextos específicos em um “nível micro” em processos econômicos concretos (Simon, 1986, p. S223). Essa forma específica da racionalidade humana é chamada por Berg e Gigerenzer (2010GIGERENZER, G. Rationality for mortals: How people cope with uncertainty. Oxford: Oxford University Press, 2010.) de Racionalidade Ambientalmente-Consistente (Lavoie, 2014LAVOIE, M. Post-Keynesian economics: New foundations. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2014.) ou Racionalidade Ecológica (Gigerenzer, 2019; Luan et al. 2019).

A perspectiva da Racionalidade Ecológica proposta por Gigerenzer (2019GIGERENZER, G. Axiomatic rationality and ecological rationality. Synthese, v. 198, n. 4, p. 3.547-3.564, July, 2019.) é de que a racionalidade evoluiu para que indivíduos funcionem com eficácia em um ambiente de forte incerteza e intratabilidade.4 4 Isto é, indecidibilidade. Os modelos da racionalidade axiomática, como propostos por Von Neumann e Morgenstern (1944) e Savage (1972SAVAGE, L. The foundations of statistics. 2. ed. New York: Dover Publications, 1972.; 1967) que vão fundamentar toda a tradição da teoria neoclássica posterior são aplicáveis apenas a contextos pequenos e muito específicos, e não a um mundo aberto e grande5 5 Os autores compreendem as noções de mundo aberto e grande como um ambiente de decisão onde as ações dos agentes modificam o seu entorno (portanto, o conjunto de possibilidades não é estático) e onde o conjunto de possibilidades é grande o suficiente para impossibilitar o tratamento exaustivo de todas as consequências de suas ações. no qual esta racionalidade axiomática não funciona. É muito claro que Savage estava ciente do limite imposto pela abordagem axiomática, na presença de problemas computacionalmente intratáveis, como planejar um piquenique ou jogar xadrez (Gigerenzer, 2019; Savage, 1972). Porém, a solução proposta de ir tomando cada decisão escolhendo um ótimo local, a partir da descoberta do que está imediatamente à frente,6 6 A famosa ideia de “olhar antes de pular”. não parece ser consistente com o comportamento observado no processo de decisão que indivíduos reais executam.

Todo o corpo de evidências descoberto pela economia comportamental, e por todo o trabalho desenvolvido a partir do estudo pioneiro de Tversky e Kanneman, mostra que os chamados vieses cognitivos são comuns e podem, inclusive, ser identificados, o que muitos estudos dessa tradição teórica da economia comportamental e experimental fizeram. O problema aqui, porém, como já discutido anteriormente, está em considerar a visão da teoria da escolha a partir da utilidade esperada como a correta. Um caminho muito mais plausível parece ser aceitar que o comportamento real de decisão dos agentes é sensível ao contexto e restrito pelas capacidades de processamento, de acesso à informação e pela não ergodicidade de um mundo em evolução. As heurísticas, em vez de produzir vieses cognitivos, seriam uma forma encontrada pelos agentes econômicos de decidir em um ambiente complexo e não ergódico que permitiria a menor instabilidade e a maior proporção de acertos na decisão num sentido evolucionário. No contexto de tomar decisão nesse ambiente complexo e mutável, menos informação e deliberação, decidida de forma mais rápida a partir de regras e heurísticas parece ser mais eficaz em termos de resultados para o agente. A solução satisfatória (Simon, 1976SIMON, H. A. From substantive to procedural rationality. In: Kastelein, T. J.; KUIPERS, S. K.; NIJENHUIS, W. A.; WAGENAAR, G. R. (eds.). 25 years of economic theory. Leiden, Springer, 1976. p. 65-86.; 1979) rapidamente encontrada com um conjunto de busca mínimo é o objetivo do agente, e não uma decisão ótima, mesmo que localmente situada em um mundo pequeno à la Savage.

5 Uma agenda de pesquisa para modelos computacionais em racionalidade ecológica

O ponto de partida ontológico para o desenvolvimento deste programa de pesquisa é a constatação, a partir da crítica de Simon e das evidências empíricas, de que a racionalidade substantiva não é suficiente para explicar ou prever o comportamento econômico (Simon, 1986). A ideia de uma teoria de decisão baseada em uma noção axiomática da racionalidade é simplesmente inconsistente em um contexto minimamente realístico de tomada de decisão. O abandono da racionalidade substantiva como base para uma teoria da decisão empiricamente fundada não é só desejável, mas necessário para permitir o avanço de uma teoria empiricamente fundada da decisão econômica.

A ideia de racionalidade ecológica parece ser um caminho importante aberto a partir do programa de pesquisa de Simon da racionalidade processual. Uma das propostas construídas a partir do trabalho de Gigerenzer, Todd e The ABC Research Group (1999GIGERENZER, G.; TODD, P. M.; THE ABC RESEARCH GROUP. Simple heuristics that make us smart. New York, USA: Oxford University Press, 1999.) é de um conjunto de heurísticas rápidas e frugais. A evidência empírica (DeMiguel; Garlappi; Uppal, 2007; Hafenbrädl et al., 2016HAFENBRÄDL, S. et al. Applied decision making with Fast-and-Frugal heuristics. Journal of Applied Research in Memory and Cognition, v. 5, n. 2, p. 215-231, June, 2016.; Luan et al., 2019; Şimşek, 2013ŞIMŞEK, Ö. Linear decision rule as aspiration for simple decision heuristics. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON NEURAL INFORMATION PROCESSING SYSTEMS-26th, Proceedings... v. 2. Curran Associates Inc., 2013.) parece demonstrar que uma visão de uma abordagem a partir dessas heurísticas é mais plausível e mais consistente com um nível melhor de acertos em problemas concretos do que a decisão baseada em evidência extensiva e completa e estatística bayesiana.

O avanço para a utilização das heurísticas rápidas e frugais como base para o desenvolvimento de modelos de decisão econômica plausíveis pode ser, então, pensado a partir de dois programas de pesquisa relacionados. (a) Um, mais desenvolvido até agora, é a identificação das principais heurísticas observáveis a partir do comportamento real dos agentes, o que tem sido objeto de estudo do programa de pesquisa da economia comportamental, da economia experimental e da psicologia. (b) Outra abordagem, porém, pode ser a construção de experimentos computacionais que testem a eficácia dessa abordagem em modelos de dinâmica agregada construídos a partir do comportamento de decisão observado dos agentes e validados com evidência baseada em dados observados. Vamos discutir aqui mais especificamente o desenvolvimento de abordagens computacionais para a racionalidade ecológica.

Gigerenzer e seus colaboradores têm trabalhado na construção tanto formal quanto empírica de um corpo teórico e metodológico para o desenvolvimento de uma teoria da racionalidade ecológica. Os principais textos com o desenvolvimento dessa visão sobre racionalidade são Gigerenzer (2019), Gigerenzer e Gassmaier (2011) e Gigerenzer, Todd e The ABC Research Group (1999). Especialmente no trabalho de 2011 sobre heurísticas e tomada de decisão (Gigerenzer; Gassmaier, 2011), há o detalhamento dos principais resultados, metodologias e principais heurísticas identificadas, bem como explicitação das principais questões abertas no tema. Gigerenzer (2019) apresenta a formalização de alguns elementos da teoria da racionalidade ecológica, propondo um arcabouço para o seu desenvolvimento. Um aspecto importante que, nos últimos anos, ampliou a possibilidade do desenvolvimento dessa agenda foi o enorme crescimento da capacidade de processamento e armazenamento dos computadores, que expandiam a possibilidade de se explorar cenários de política econômica, por exemplo, especialmente com o uso de simulação baseada em agentes (Dosi; Roventini, 2019DOSI, G.; ROVENTINI, A. More is different ... and complex! the case for agent-based macroeconomics. Journal of Evolutionary Economics, v. 29, n. 1, p. 1-37, 2019.; Fagiolo; Roventini, 2017FAGIOLO, G.; ROVENTINI, A. Macroeconomic policy in DSGE and Agent-Based models redux: New developments and challenges ahead. Journal of Artificial Societies and Social Simulation, v. 20, n. 1, p. 1, 2017.; Farmer; Foley, 2009FARMER, J. D.; FOLEY, D. The economy needs agent-based modelling. Nature, v. 460, n. 7.256, p. 685-686, Aug. 2009.).

Um aspecto, porém parece ainda faltar no debate: as concepções de racionalidade que baseiam o comportamento dos agentes. Em geral, nesses trabalhos, os agentes são modelados como autômatos finitos, isto é, seguem um determinado programa específico (um conjunto de regras) que eles executam, a partir do conjunto de dados que lhes é apresentado. Não há, em geral, mesmo nos trabalhos com modelos baseados em agentes de concepção não aderente à nova síntese neoclássica, uma maior consideração sobre o processo de tomada de decisão dos agentes. Esse é um espaço ainda pouco desenvolvido no novo campo de modelagem baseada em agentes. O desafio aqui parece ser a construção de uma nova abordagem de modelagem para o comportamento de decisão dos agentes econômicos que incorpore em modelos agregativos (e teste na simulação) de maneira sistemática as evidências de observação coletadas pelos programas de pesquisa da economia comportamental e pela abordagem da racionalidade ecológica.

Há então a necessidade de se organizar melhor uma agenda de pesquisa que possa incorporar agentes, com processos de tomada decisão mais realísticos e testáveis de acordo com uma abordagem coerente, o comportamento observado dos agentes. Gigerenzer et al. (1999GIGERENZER, G.; TODD, P. M.; THE ABC RESEARCH GROUP. Simple heuristics that make us smart. New York, USA: Oxford University Press, 1999.) propõem um programa de pesquisa para a racionalidade ecológica com a seguinte agenda: (a) desenvolver modelos computacionais de heurísticas simples; (b) analisar estruturas ambientais de bom desempenho; (c) testar a performance de heurísticas em ambiente real; (d) determinar as ocasiões do uso das heurísticas.

A tarefa de identificação das heurísticas e do seu uso (item d) tem uma forte dependência em observação que pode incorporar muito do aprendizado da economia comportamental e da economia experimental. Se esses métodos de teste de heurísticas abandonarem a racionalidade axiomática como modelo idealizado, todo o conjunto de observações já produzido pode trazer a informação e categorização sobre quais tipos de heurísticas existem e quais são utilizadas por pessoas e organizações em ambientes reais (ou controlados, em experimentos de laboratório) de decisão (Gigerenzer et al., 1999GIGERENZER, G.; TODD, P. M.; THE ABC RESEARCH GROUP. Simple heuristics that make us smart. New York, USA: Oxford University Press, 1999.). Isto é, seria possível aproveitar uma boa parte do conjunto de heurísticas já identificado pelos programas de pesquisa das economias experimental e comportamental, organizando-as sob nova ótica.

Um aspecto importante desse programa de pesquisa é que uma parte significativa da implementação e teste das heurísticas utiliza simulação computacional como a ferramenta para a implementação dos modelos (itens a, b e c). A ideia de utilizar simulação computacional parece ser uma consequência necessária do fato de que uma agenda de pesquisa baseada na racionalidade ecológica não teria, inicialmente, muita chance de produzir uma abordagem matemática (ou lógica formal) para explicitar os modelos de decisão dos agentes. Um conjunto de regras específicas e ambientalmente evoluídas, como parece ser a descrição feita para o comportamento de agentes com racionalidade ecológica, elude significativamente uma descrição matemática dos processos de decisão, já que não tem o conforto da visão generalista da racionalidade axiomática.

A simulação computacional poderia ser um caminho que permitiria que heurísticas identificadas fossem testadas em implementações computacionais em ambientes controlados, ou mesmo a partir da checagem dos resultados dos modelos simulados com aqueles observados em domínios específicos de aplicação. Com essa abordagem seria possível, por exemplo, experimentar, em modelos de simulação ou em testes contra o mundo observado,7 7 Como o trabalho de DeMiguel et al. (2007) sobre a escolha de portfólios de ações em bolsas. o desempenho dessas heurísticas, checando experimentalmente os resultados e ampliando a base de evidência para identificar os padrões encontrados nas heurísticas.

Outra possibilidade seria pensar “experimentos computacionais” que permitissem o teste dessas heurísticas, avaliando seu desempenho através de comparação, como nos famosos experimentos de Axelrod (1980AXELROD, R. Effective choice in the prisoner’s dilemma. Journal of Conflict Resolution, v. 24, n. 1, p. 3-25, 1980.; 1984), o que poderia, por exemplo, ser feito testando as heurísticas umas contra as outras em modelos de decisão utilizando abordagens baseadas em teoria dos jogos.

O que estaria ainda por definir, nesse caso, seria quais são os problemas de decisão mais adequados para o teste de heurísticas e para quais classes de problemas os resultados poderiam ser estendidos em domínios de aplicação concretos. Aqui, talvez, fosse possível aproveitar, ao menos parcialmente, o corpo de resultados sobre o uso de heurísticas da pesquisa operacional, principalmente aqueles problemas de decisão associados a problemas não polinomiais (completos ou difíceis), que são provavelmente os de mais difícil (talvez impossível) tratamento formal.8 8 Assumindo-se que p ≠ np.

Em terceiro lugar também seria possível experimentar a própria evolução de heurísticas, utilizando mecanismos de aprendizado de máquina que permitissem sua construção. Há um conjunto muito grande de possibilidades de todo um corpo de aplicações e experimentos que podem utilizar as ferramentas e algoritmos desenvolvidos pela Inteligência Artificial para descobrir o que pode funcionar em ambientes específicos. Um desenvolvimento importante nos últimos anos tem sido a utilização de redes neurais artificiais (ANN) para treinar máquinas que se movam efetivamente num ambiente real (Pierson; Gashler, 2017PIERSON, H. A. e GASHLER, M. S. Deep learning in robotics: a review of recent research. Advanced Robotics, v. 31, n. 16, p. 821-835, 2017.; Jin et al., 2018).

Outros algoritmos podem ser tentados e, eventualmente, ter maior capacidade de representar explicitamente as heurísticas e, portanto, serem utilizados para uma categorização mais específica do resultado gerado. Um candidato interessante para isso são os sistemas classificadores (LCS) (Goldberg, 1989GOLDBERG, D. E. Genetic Algorithms in search optimization and machine learning. Reading, MA: Addison-Wesley, 1989.; Holland, 1995HOLLAND, J. Hidden order: How adaptation builds complexity. Reading: Addison-Wesley, 1995.; Birchenhall, 1995BIRCHENHALL, C. R. Genetic algorithms, classifier systems and genetic programming and their use in the models of adaptive behaviour and learning. The Economic Journal, v. 105, n, 430, p.788-795, 1995.; Aguilar-Rivera et al., 2015; Urbanowicz; Moore, 2009URBANOWICZ, R. J; MOORE, J. H. Learning classifier systems: A complete introduction, review, and roadmap. Journal of Artificial Evolution and Applications, v. 2009 p. 1-25. 2009.; Lanzi, 2008LANZI, P. L. Learning classifier systems: Then and now. Evolutionary Intelligence, v. 1, n. 1, p. 63-82, 2008.). A combinação de sistemas classificadores com algum tipo de processo de descoberta de regras de comportamento de agentes num ambiente complexo foi uma das principais coisas advogadas por Holland (1995; 1998; 1999). A ideia de agentes identificando situações do mundo (em termos de trajetórias observadas e não estados estáticos) e utilizando os classificadores para identificar regras de condição-ação foi formulada por Rivero et al. (1999RIVERO, S.; STORB, B. H.; WAZLAWICK, R. S. Economic theory, anticipatory systems and artificial adaptative agents. Brazilian Electronic Journal of Economics, v. 2, n. 2, 1999. Disponível em: <https://EconPapers.repec.org/RePEc:bej:issued:v:2:y:1999:i:2:rivero>.
https://EconPapers.repec.org/RePEc:bej:i...
). Porém, é necessário avançar na implementação experimental dessas ideias a partir de uma articulação com todo o corpo de literatura sobre descoberta de heurísticas, tanto na área de economia comportamental e experimental, como também nas áreas de inteligência artificial e otimização computacional.

Mais especificamente, se poderia avaliar o corpo de literatura científica e soluções técnicas que têm crescido nos últimos anos para a utilização de meta-heurísticas na solução de problemas concretos (Boussaïd et al., 2013BOUSSAÏD, I.; LEPAGNOT, J.; SIARRY, P. (2013). A survey on optimization metaheuristics. Information Sciences, n. 237, p. 82-117, 2013; Hussain et al., 2018HUSSAIN, K.; SALLEH, M. N. M.; CHENG, S.; SHI, Y. Metaheuristic research: A comprehensive survey. Artificial Intelligence Review, v. 52, n. 4, p. 2.191-2.233, 2018.; Dokerloglu et al., 2019). Essas abordagens sofrem críticas similares ao uso de heurísticas em economia (Sörensen, 2013) e talvez a melhor forma de responder a essas críticas seja construir modelos computacionais aplicados e testá-los em relação a problemas concretos de decisão, inclusive na modelagem de problemas de dinâmica econômica agregada. Nesse sentido, os conjuntos de soluções técnicas desenvolvidos dentro do contexto do campo da inteligência artificial (Low et al., 2019LOW, E. S.; ONG, P.; CHEAH, K. C. Solving the optimal path planning of a mobile robot using improved q-learning. Robotics and Autonomous Systems, n. 115, p. 143-161, 2019.; Lamini et al., 2018LAMINI, C., BENHLIMA, S.; ELBEKRI, A. Genetic algorithm based approach for autonomous mobile robot path planning. Procedia Computer Science, n. 127, p 180-189, 2018.; Nazahari et al., 2019; Purkayastha et al., 2020PURKAYASTHA, R.; CHAKRABORTY, T.; SAHA, A.; MUKHOPADHYAY, D. Study and analysis of various heuristic algorithms for solving travelling salesman problem: A survey. In: MANDAL, J. K.; MUKHOPADHYAY, S. (Ed.). GLOBAL AI CONGRESS, 2019, p. 61-70. Proceedings... Singapore, Springer Singapore, 2020.; Ser et al., 2019SER, J. D.; OSABA, E.; MOLINA, D.; YANG, X.-S.; SALCEDO-SANZ, S.; CAMACHO, D.; DAS, S.; SUGANTHAN, P. N.; COELLO, C. A. C.; HERRERA, F. Bio-inspired computation: Where we stand and what’s next. Swarm and Evolutionary Computation, n. 48. p. 220-250. 2019.; Calegari et al., 2020CALEGARI, R.; CIATTO, G.; DENTI, E.; OMICINI, A. Logic-based technologies for intelligent systems: State of the art and perspectives. Information, v. 11, n. 3, p. 167-196. 2020; Dokeroglu et al., 2019DOKEROGLU, T.; SEVINC, E.; KUCUKYILMAZ, T.; COSAR, A. A survey on new generation metaheuristic algorithms. Computers & Industrial Engineering, n. 137, p. 106.040, 2019.) podem ser uma inspiração e uma fonte de soluções práticas testáveis no contexto da modelagem econômica. Por fim, o teste dos modelos que utilizassem essas abordagens heurísticas poderia ser feito em problemas reais dentro do domínio de aplicação da área de economia. Há ainda muito trabalho a fazer nesse sentido, na organização de experimentos e observações que avaliem as decisões reais dos agentes, tanto de um ponto de partida que abandone a formulação axiomática neoclássica da racionalidade, quanto na experimentação com modelos para problemas reais que permitam avaliar a eficácia dessa abordagem na previsão de dinâmicas agregadas. A construção de uma agenda de pesquisa que trabalhe na modelagem computacional e previsão de modelos agregativos em economia é um esforço que tem se tornado mais e mais relevante nos últimos anos.

6 Considerações finais

O debate ontológico e epistêmico associado à questão da decisão racional de agentes econômicos em presença de incerteza, seja ela processual ou substantiva (Dosi; Egidi, 1991DOSI, G.; EGIDI, M. Substantive and procedural uncertainty: An exploration of economic behaviours in changing environments. Journal of Evolutionary Economics, v. 1, n. 2, p. 145-168, 1991.), parece ser condicionado pelas ferramentas construídas pelos economistas durante a história de desenvolvimento da disciplina. Essas ferramentas têm como foco fundamental a análise matemática.

A análise, tal como tem sido usada pela maioria dos economistas para modelar coisas como decisão econômica e dinâmicas agregadas, não considera os aspectos de computabilidade das funções que nossos sujeitos matemáticos econômicos resolvem. Esse sujeito neoclássico existe num mundo onde não há limites à capacidade computacional dos agentes e onde não são considerados os aspectos mais algorítmicos do seu processo de decisão econômica.

As limitações do tratamento da escolha dos agentes econômicos pela abordagem neoclássica são de duas ordens: primeiro, há ambiguidade, e não ergodicidade, no ambiente onde os agentes estão localizados; em segundo lugar, a modelagem do processo de escolha dos agentes, atribuindo plausibilidade e retornos esperados a um conjunto finito de alternativas, torna o problema intratável, quando o conjunto de alternativas é muito grande ou exige uma redução significativa do conjunto de alternativas. Essas duas limitações levam a abordagem neoclássica a formular soluções que são matematicamente consistentes, mas, claramente, absurdas em relação aos processos reais de tomada de decisão.

A crítica de Simon (1955SIMON, H. A. A behavorial model of rational choice. The Quarterly Journal of Economics, v. 69, n. 1, p. 99-118, 1955., 1978, 1986) e a sua noção de racionalidade limitada são o principal desafio a essa abordagem. Não é à toa que a teoria econômica neoclássica tentou, sem sucesso incorporar a noção de racionalidade limitada para descrever o processo de decisão dos agentes.

Neste trabalho se argumentou que, se uma teoria que se pretende científica não consegue explicar os processos observados adequadamente, ela precisa ser revista (ou abandonada se a razão da explicação for ontológica). No caso da teoria da decisão neoclássica isso parece ser o que o corpo de evidência empírica demonstrou. Os agentes reais decidem em um ambiente mutável, com capacidade finita (e pequena) de processamento, com informação incompleta e com uma árvore de possibilidades que torna impossível (no contexto da capacidade de processamento do agente) decidir qual é a alternativa mais plausível no seu problema, deixando o agente longe de qualquer escolha ótima, mesmo sendo essa escolha um ótimo local. Isso é tão claro que todo o conjunto de evidências compilado pela economia comportamental e experimental demonstra um conjunto cada vez maior de vieses cognitivos e heurísticas. A alternativa proposta por Simon, a racionalidade processual, gerou o desenvolvimento de um programa de pesquisa que avança para a construção de uma noção de decisão racional mais empiricamente fundada. Essa visão, chamada por Gigerenzer de racionalidade ecológica permite o desenvolvimento de um programa de pesquisa que aproxime a observação de processos de decisão real de uma teoria formal de decisão mais plausível.

Embora o debate teórico de economia tenha inspirado e guiado a construção deste trabalho, não foi seu objetivo fazer uma análise exaustiva da teoria da racionalidade ecológica. A contribuição que se propôs aqui é mais modesta: a proposta de uma agenda de pesquisa para a construção de instrumentos de investigação fortemente baseados no uso de computadores e sistemas de software e em modelos de simulação que permitam, a partir da experimentação computacional, apoiar o desenvolvimento de uma teoria da racionalidade ecológica.

Finalmente, a partir do programa de pesquisa de Gigerenzer et al. (1999GIGERENZER, G.; TODD, P. M.; THE ABC RESEARCH GROUP. Simple heuristics that make us smart. New York, USA: Oxford University Press, 1999.), propõe-se neste trabalho uma agenda mais específica para o estudo da racionalidade ecológica a partir da simulação computacional. Divide-se essa proposta de agenda em três caminhos complementares: a) testar as heurísticas identificadas com implementações computacionais contra problemas do mundo real (por exemplo, escolha de porfólios de ações); b) avaliar o desempenho competitivo de heurísticas em ambientes computacionalmente simulados (como nos modelos de dilema do prisioneiro iterado); c) por fim, utilizar algoritmos evolucionários (como redes neurais artificiais, algoritmos genéticos e sistemas classificadores) para encontrar heurísticas que funcionem e, eventualmente, possam ser comparadas com os resultados de observação.

Todo corpo de evidência empírica e o debate teórico desenvolvido a partir das noções de racionalidade limitada e racionalidade ecológica mostram que a racionalidade axiomática precisa ser substituída por uma noção muito mais empiricamente fundamentada do processo de decisão econômica. A superação da racionalidade axiomática permitiria explorar as possibilidades abertas pelo corpo de evidência construído sobre o comportamento real dos agentes. Isso passa por ampliar a investigação e descoberta sistemática das heurísticas e processos de decisão reais, assim como pela construção de instrumentos (modelos e software) que permitam avançar ainda mais na coleta de dados e construção de ferramentas (inclusive matemáticas), que possam substituir a noção neoclássica sobre racionalidade. Voltando à anedota do início do texto, o economista, mais velho e mais sábio, poderia perguntar: “Será que poderíamos construir um abridor de latas?

Agradecimentos

Os autores agradecem aos revisores as valiosas observações e sugestões.

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  • Códigos JEL:

    B41, C63.
  • JEL Codes:

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  • 1
    Isto é, a otimização matemática, da maneira que é utilizada pela teoria neoclássica.
  • 2
    Ou, mais precisamente, a ocorrência de erros sistemáticos de avaliação.
  • 3
    O termo utilizado por Simon é Procedural Rationality. Neste artigo escolheu-se utilizar o termo racionalidade processual como a tradução para procedural rationality.
  • 4
    Isto é, indecidibilidade.
  • 5
    Os autores compreendem as noções de mundo aberto e grande como um ambiente de decisão onde as ações dos agentes modificam o seu entorno (portanto, o conjunto de possibilidades não é estático) e onde o conjunto de possibilidades é grande o suficiente para impossibilitar o tratamento exaustivo de todas as consequências de suas ações.
  • 6
    A famosa ideia de “olhar antes de pular”.
  • 7
    Como o trabalho de DeMiguel et al. (2007) sobre a escolha de portfólios de ações em bolsas.
  • 8
    Assumindo-se que p ≠ np.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2022
  • Aceito
    23 Fev 2023
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