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Diferenças salariais dos trabalhadores rurais e urbanos dos estados do Amazonas e Pará

Wage differences of rural and urban workers in the states of Amazonas and Pará

Resumo

Este artigo analisa as diferenças salariais entre trabalhadores rurais e urbanos do Amazonas e do Pará. Esta análise foi feita para os dois maiores estados da região Norte por possuírem características socioeconômicas e de mercado de trabalho distintas. Especificamente, verificou-se até que ponto o investimento em capital humano e os atributos não produtivos impactam as diferenças de rendimentos. Utilizou-se a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua para 2011, 2013 e 2015. Através das metodologias de pseudopainel com Efeitos Fixos e Oaxaca-Blinder verificou-se que os trabalhadores mais escolarizados e experientes obtêm maiores ganhos salariais. Os trabalhadores urbanos recebem maiores salários do que os trabalhadores rurais, bem como aqueles que residem no Pará. No estado do Amazonas, o que impactou a diferença salarial foram os atributos não produtivos explicados pela segmentação no mercado de trabalho, como a Administração Pública e Outras Atividades em comparação com o setor Agrícola.

Palavras-chave:
diferenças salariais; Oaxaca-Blinder; capital humano; Amazonas; Pará

Abstract

This paper analyses the salary differences between rural and urban workers in the states of Amazonas and Pará. This analysis was conducted for the two largest states in northern Brazil, as they have different socioeconomic and labor market characteristics. Specifically, we examine the extent to which investment in human capital and non-productive attributes affect income differences. We used the Continuous National Household Sample Survey for 2011, 2013, and 2015. We find that highly educated and experienced workers obtain higher wage increases through the fixed-effects pseudo-panel and Oaxaca-Blinder methodologies. Urban workers earn higher wages than rural workers, as well as those residing in the state of Pará. In the state of Amazonas, the wage difference is impacted by non-productive attributes explained by segmentation in the labor market, such as government administration and other activities in contrast to the agricultural sector.

Keywords:
Salary differences; Oaxaca-Blinder; human capital; Amazonas; Pará

1 Introdução

As diferenças salariais no mercado de trabalho são objeto de pesquisas empíricas e têm sido amplamente realizadas tanto em âmbito nacional quanto internacional, sobretudo com estudos que procuram explicar as causas das desigualdades salariais, empregando para isso as características produtivas como a escolaridade do trabalhador e aspectos não explicados, associados à discriminação e/ou a segmentação do mercado de trabalho.

Hoffmann (2007) apudRusso, Parré e Alves (2016RUSSO, L. X.; PARRÉ, J. L.; ALVES, A. F. Diferencial de rendimento entre trabalhadores rurais e urbanos: uma análise para o Brasil e regiões. Encontro Nacional de Economia, v. 44, 2016.), ao analisar a desigualdade de renda no Brasil, apontou uma paulatina redução dos diferenciais de rendimento entre os residentes nas zonas rural e urbana, especialmente após a década de 2000. Por meio da análise do diferencial de rendimentos entre trabalhadores rurais e urbanos, os autores concluíram que os trabalhadores rurais receberam remuneração inferior em relação aos trabalhadores urbanos, tanto no Brasil, como nas regiões brasileiras, exceto na região Centro-Oeste. Eles também observaram que aproximadamente metade do diferencial de salários era explicada pelos atributos individuais, especialmente a escolaridade.

Os efeitos da educação e da experiência dos trabalhadores sobre os ganhos salariais nas distintas classes de rendimento da região Norte foram analisados por Queiroz, Cassuce e Cirino (2016QUEIROZ, L. O.; CASSUCE, F. C. da C.; CIRINO, J. F. A relação entre renda e nível educacional e a experiência dos trabalhadores nos diferentes estratos de rendimentos no Norte do Brasil. Novos Cadernos NAEA, [S.l.], v. 19, n. 1, jun. 2016.), usando dados da PNAD 2013. Eles observaram que a experiência do trabalhador e a sua escolaridade apresentava uma relação positiva com o rendimento proveniente do trabalho, além de verificarem traços de discriminação por gênero e cor no mercado de trabalho da região Norte, o que, segundo eles, poderia ser o sinal da precarização do trabalho.

Ao se analisar o mercado de trabalho brasileiro, deve-se levar em consideração as especificidades de cada região e/ou estado. Os indivíduos que residem nos grandes centros urbanos geralmente apresentam rendimentos superiores àqueles que residem em centros urbanos menores ou na zona rural. Além disso, conhecer e entender os fatores responsáveis pela desigualdade existente na renda desses trabalhadores é importante para identificar a realidade em que esses indivíduos vivem. Portanto, estudos sobre o tema podem contribuir fornecendo subsídios que auxiliem a formulação de políticas públicas direcionadas a esses trabalhadores.

Apesar de inúmeros estudos empíricos sobre o assunto já terem sido realizados, tais estudos normalmente analisam de forma agregada o país ou uma grande região. Dessa forma, a relevância desta pesquisa está no fato de a discussão sobre as diferenças salariais ocorrer em relação a dois importantes estados da região Norte em termos de área territorial, de número de habitantes e de tamanho de suas economias: os estados do Amazonas e do Pará.

Amazonas e Pará, os maiores estados da Região Norte, possuem divergências socioeconômicas importantes. O desenvolvimento econômico que se procedeu nos dois estados, desde a década de 1960, provocou mudanças importantes na participação deles em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e ao mercado de trabalho.

O estado do Amazonas teve implantada a Zona Franca de Manaus, que, ao longo das últimas cinco décadas, vem progressivamente concentrando as principais atividades econômicas e a população na capital estadual. O estado do Pará, por outro lado, em razão da maior diversificação das atividades no meio rural com a implantação de complexos agropecuários e minero-metálicos, em diversas regiões do estado, teve reduzida a participação de sua capital estadual, Belém, tanto em termos econômicos quanto populacionais. De forma que, em 2015, o Estado do Pará contava com o 10º maior PIB entre os estados brasileiros, enquanto o Amazonas ficava na 14ª posição. Porém, quando se considera o PIB per capita se verifica uma inversão de posição desses estados. O Amazonas passa a ocupar a 11ª posição, enquanto o Pará fica na 21ª. Quanto à participação das capitais nos PIBs estaduais e no contingente populacional, observa-se forte discrepância. A participação de Manaus no PIB estadual era superior a 80% e aproximadamente 55% da população amazonense residia na capital. Por outro lado, em Belém, contribuía com apenas 19,5% do PIB do estado e somente 18% da população paraense residia na capital (IBGE, 2015).

Com relação ao mercado de trabalho, também é possível verificar diferenças. No Pará, em torno de ¼ da força de trabalho era rural, enquanto no Amazonas esse percentual era pouco superior a 15%. A distribuição dos trabalhadores por setor no Pará e no Amazonas é semelhante na indústria e na agricultura, no entanto no setor de serviços há maior participação no Pará (40%) do que no Amazonas (35%). Quanto à informalidade, no Pará, 65% da força de trabalho era informal, enquanto no Amazonas era de aproximadamente 60%. Além disso, o salário médio no Amazonas é 7,4% superior ao do Pará (IBGE, 2015).

Tais divergências precisam ser mais bem entendidas e transformadas em conhecimento voltado para o desenvolvimento desses estados. Assim, este artigo tem como objetivo analisar as diferenças salariais entre os trabalhadores rurais e urbanos dos estados do Amazonas e do Pará para os anos de 2011, 2013 e 2015. Para atingir esse objetivo, propõe-se: a) verificar até que ponto o investimento em capital humano é responsável pelas diferenças salariais; e b) identificar o quanto os atributos não produtivos impactam as diferenças de rendimentos.

2 Aspectos teóricos e empíricos sobre as diferenças salariais

Os diferenciais de salários se apresentam como objetos de análise de economistas de distintas abordagens teóricas, a exemplo dos neoclássicos e dos institucionalistas. Entre algumas teorias que tentam explicar as diferenças existentes entre os salários encontram-se as teorias do capital humano, da discriminação no mercado de trabalho e da segmentação.

Conforme a teoria tradicional (neoclássica), a empresa opera em um mercado competitivo em que, considerando-se o salário como dado, os trabalhadores seriam contratados até que a produtividade marginal do trabalho se igualasse ao custo do trabalho (salário), maximizando o lucro. As firmas não precisariam pagar salários distintos pelo fato de operarem com tecnologias diferentes. Assim, a produtividade marginal do trabalho seria idêntica para todas as firmas.

Do lado do trabalhador, a quantidade ótima de trabalho ofertada por ele dependeria do salário de mercado e das suas preferências de renda e de lazer. Esse trabalhador decidiria ofertar a quantidade de trabalho de acordo com a maximização da sua utilidade.

A produtividade do trabalhador resulta do investimento em capital humano, de habilidades inatas e da dedicação ao trabalho. A teoria do capital humano é a que associa a inversão em capital humano a um aumento da produtividade e, consequentemente, dos salários. Essa teoria parte do princípio de que, assim como ocorre no caso da empresa que investe em capital físico aguardando um retorno sobre ele, o indivíduo investe em educação e treinamento, com o propósito de melhorar a sua produtividade e, consequentemente, o seu salário.

O conceito de capital humano vem de um longo debate realizado pela teoria econômica, passando por Adam Smith, Alfred Marshall e Milton Friedman. Esses economistas, no entanto, não incluíram em suas análises as questões da produtividade resultante e assumiram como dada a força de trabalho, sem considerações sobre sua qualificação (Kon, 2016KON, A. A economia do trabalho: qualificação e segmentação no Brasil. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.).

As diferenças salariais e o conceito de capital humano foram estudados por Mincer (1958MINCER, J. Investment in human capital and personal income distribution. The Journal of Political Economy. The University of Chicago Press, v. 66, n. 4, p. 281-302, 1958.), Schultz (1961SCHULTZ, T.W. Investment in human capital. The American Economic Review, v. 51, n. 1, p. 1-17, Mar. 1961.) e Becker (1962BECKER, G.S. Investment in human capital: A theoretical analysis. The Journal of Political Economy, The University of Chicago Press. National Bureau of Economic Research, v. LXX, n. 5, part. 2, p. 9-49, 1962.). Mincer (1958) foi o precursor da teoria do capital humano e concentrou sua teoria nas variáveis escolaridade e experiência.

De acordo com Mincer (1958MINCER, J. Investment in human capital and personal income distribution. The Journal of Political Economy. The University of Chicago Press, v. 66, n. 4, p. 281-302, 1958.), a dispersão entre os rendimentos dos indivíduos estava relacionada ao montante de investimento efetuado em capital humano, que geraria impacto na produtividade. Caberia ao indivíduo a decisão de despender o seu tempo para se qualificar e aplicar no trabalho os novos conhecimentos ou se manter sem buscar qualificação.

Segundo Schultz (1961SCHULTZ, T.W. Investment in human capital. The American Economic Review, v. 51, n. 1, p. 1-17, Mar. 1961.), os recursos humanos apresentam dimensões quantitativas e qualitativas. O autor considera apenas os seguintes componentes de qualidade: habilidade, conhecimento e atributos que influenciam capacidades humanas específicas para realizar um trabalho produtivo. Uma vez que os gastos para aumentar tais capacidades se elevam, a produtividade do trabalhador também seria maior, produzindo uma taxa de retorno positiva.

Seguindo esse entendimento, Helal (2005HELAL, D. H. Flexibilização organizacional e empregabilidade individual: proposição de um modelo explicativo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, RJ, v. 3, n. 1, p. 1-15, 2005., p. 5) afirma que “[...] para os teóricos do capital humano, quanto maior o estoque de capital humano de um indivíduo, maior sua produtividade marginal, mais elevado será o seu valor econômico no mercado de trabalho [...]”. No entanto, a teoria do capital humano sofreu críticas por ser uma abordagem econômica neoclássica e, ao tratar do mercado de trabalho, ignorar aspectos sociais que por acaso estivessem relacionados ao emprego e à determinação dos salários. A partir do fim da década de 1960 e início dos anos de 1970, as críticas à teoria do capital humano se intensificam, e surge uma teoria alternativa (Lima, 1980LIMA, R. Mercado de trabalho: o capital humano e a teoria da segmentação. Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 217-272, abr. 1980.), a teoria da segmentação (mercado segmentado ou dual).

Entende-se por segmentação no mercado de trabalho a existência de mercados de trabalho separados ou distintos. De acordo com Fernandes (2002FERNANDES, R. Desigualdade salarial. In: CORSEUIL, C. H. Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, cap. 1, p.1-50, 2002.), os economistas têm segmentado o mercado de trabalho, geralmente, por áreas geográficas, qualificação dos trabalhadores, ramos industriais, entre outros. Nesse tipo de mercado, verifica-se a existência de mercados de trabalho separados ou distintos em que um desses segmentos, classificados como setor primário ou formal, se caracteriza por apresentar boas condições de trabalho pelo fato de proporcionar salários elevados, sistemas de promoção na carreira, disponibilizar capacitação da mão de obra pelo empregador, estabilidade, entre outros elementos. Enquanto o setor secundário ou informal oferta salários mais baixos, apresenta alta rotatividade e instabilidade (Fernandes, 2002).

Outro argumento teórico sobre a desigualdade salarial que pode ser mencionado é a teoria da discriminação no mercado de trabalho. Essa teoria pode ser entendida como nos casos em que os indivíduos igualmente produtivos são avaliados distintamente pelo mercado baseando-se no grupo ao qual pertencem. Como também, quando indivíduos são distinguidos pelo mercado apoiando-se em atributos não produtivos, como raça, sexo, entre outros (Fernandes, 2002FERNANDES, R. Desigualdade salarial. In: CORSEUIL, C. H. Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, cap. 1, p.1-50, 2002.; Carvalho et al., 2008CARVALHO, J. L. GWARTNEY, J. D.; STROUP, R. L.; SOBEL, R. S. Salários, produtividade e o mercado de trabalho. In: CARVALHO, J. L. GWARTNEY, J. D.; STROUP, R. L.; SOBEL, R. S. Fundamentos de economia: microeconomia. São Paulo: Cengage Learning, 2008. V. 2, parte v, cap. 25, p. 369-410.).

Coelho e Corseuil (2002COELHO, A. M.; CORSEUIL, C. H. Diferenciais salariais no Brasil: um breve panorama. In: CORSEUIL, C. H. (Ed.). Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2002. Cap. 3, p. 67-99.) apresentaram um resumo dos trabalhos existentes sobre o diferencial de salários desenvolvidos no país. Eles mencionaram as diferentes abordagens com relação ao uso da equação de salário e afirmaram que a maioria dos trabalhos buscou, principalmente, conseguir dados referentes aos determinantes do salário dos trabalhadores segundo suas características individuais (escolaridade, experiência, cor/raça). No Brasil, o trabalho considerado pioneiro sobre o tema foi o de Langoni em 1978 (Coelho; Corseuil, 2002).

Pesquisas empíricas sobre as diferenças salariais abordando os diversos setores econômicos e regiões do país geralmente destacam as mulheres, mesmo com maior escolaridade do que os homens, como tendo rendimentos menores devido à discriminação, aos atributos pessoais (produtivos ou não) como também pela categoria de emprego e pelas especificidades dos setores (efeito setor) (Pereira; Oliveira, 2016PEREIRA, R.M.; OLIVEIRA, C. A. de. Os diferenciais de salários por gênero no Rio Grande do Sul: uma aplicação do modelo de Heckman e da decomposição de Oaxaca-Blinder. Revista do Desenvolvimento Regional, v. 21, n. 1, p. 148-173, jan.-abr. 2016.; Margonato; Souza; Nascimento, 2014MARGONATO, R. de C. G.; SOUZA, S. de C. I. de; NASCIMENTO, S. P. do. Diferenciais de rendimentos do trabalho feminino no sul do Brasil: uma abordagem dual. Economia & Região, Londrina, PR, v. 4, n. 1, p. 90-107, jan.-jul. 2014.).

Gomes e Souza (2018GOMES, M. R.; SOUZA, S. DE C. I. DE. Assimetrias salariais de gênero e a abordagem regional no Brasil: uma análise segundo a admissão no emprego e setores de atividade. Revista de Economia Contemporânea, v. 22, n. 3, 2018.), ao analisarem empiricamente as assimetrias salariais por gênero nas regiões Sul e Nordeste, verificaram que nessa última região a discriminação salarial se comparada à região Sul era menor. Contudo, homens brancos apresentaram maiores retornos financeiros em comparação com as mulheres e os não brancos (pardos e negros), independentemente da região ou setor econômico.

Quanto às diferenças salariais nos setores econômicos, Pimenta, Cirino e Cassuce (2019PIMENTA, I. S.; CIRINO, J. F.; CASSUCE, F. C. da C. Diferencial de rendimentos por sexo nos grandes setores econômicos do Brasil. Revista da ABET, v. 18, n. 1, p. 62-81, jan.-jun. 2019.) analisaram os setores primário, secundário e terciário da economia brasileira em 2005 e 2015. Segundo os resultados encontrados, as mulheres obtiveram menores rendimentos nos três setores de atividade, causados, principalmente, pelo componente não explicado pelas características produtivas.

Catelan et al. (2023CATELAN, D. W.; FONSECA, M. R.; BACCHI, M. D.; ALVES, A. F. Diferenças salariais e discriminação por gênero e cor nos setores agrícola e não agrícola do Brasil nos anos de 2004, 2012, 2015 e 2019. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 6, n. 1, 26 p., 2023.), em pesquisa sobre as diferenças salariais no Brasil nos anos de 2004, 2012, 2015 e 2019, comprovaram a superioridade dos salários dos homens e dos brancos em relação aos das mulheres e aos não brancos, sendo essas desigualdades mais acentuadas no setor agrícola independentemente do ano considerado. Para eles, a explicação seria o fato de os indivíduos brancos apresentarem maior nível de escolaridade e maior representatividade em empregos com carteira de trabalho assinada.

Estudos sobre as diferenças salariais entre empregados públicos e privados também foram realizados. Vaz e Hoffmann (2007VAZ, D. V.; HOFFMANN, R. Remuneração nos serviços no Brasil: o contraste entre funcionários públicos e privados. Economia e Sociedade, v. 16, n. 2, p. 199-232, 2007.), ao analisarem o comportamento do hiato de rendimentos entre funcionários públicos e do setor privado com carteira assinada alocados no setor de serviços para os anos de 1992 a 2005, constataram a existência de um hiato salarial entre esses trabalhadores. Nesse período, os empregados do setor privado auferiram, em média, rendimento equivalente a 62,6% daquele recebido por funcionários públicos. Eles ganhariam menos por serem mais jovens e menos qualificados.

Com relação à região Norte, um estudo sobre a discriminação salarial por gênero e cor, considerando os anos de 2004 e 2013, indicou um hiato salarial entre brancos e não brancos devido às características produtivas dos trabalhadores, havendo redução nas diferenças salariais entre gênero. Em relação aos setores, no ano de 2013, os trabalhadores do setor agrícola apresentaram a menor remuneração (Fonseca et al., 2018FONSECA, M. R.; BACCHI, M. D.; CATELAN, D. W.; HAYASHI, P. A.; MAIA, K. Diferenças salariais e discriminação por gênero e cor na região Norte do Brasil. Revista de Políticas Públicas, [S.l.], v. 21, n. 2, p. 739-760, 2018.).

Assim, embora sejam inúmeras as pesquisas sobre as diferenças salariais, esse estudo busca contribuir com o debate, a partir da análise de regiões com especificidades próprias, mas que apresentam elevadas diferenças socioeconômicas em relação às grandes regiões brasileiras.

3 Procedimentos metodológicos

3.1 Modelo de dados em painel

O modelo de dados em painel é utilizado para uma análise econométrica quantitativa que trabalhe concomitantemente com dados de séries temporais e de cortes seccionais, permitindo analisar o efeito da variável não observada entre os diferentes indivíduos amostrais e durante certo período de tempo.

O modelo de dados em painel, devido ao processo de empilhamento (pooling) na utilização de dados temporais e seccionais, permite fazer estimativas mais confiáveis, exatas e eficientes quando comparado com modelos econométricos seccionais. Dessa forma, o emprego de dados em painel gera mensurações mais completas e efetivas. Outras vantagens do uso da metodologia de empilhamento de dados em painel podem ser citadas, como: i) Permitir a existência de heterogeneidade entre as variáveis; ii) Possibilitar maior flexibilização e mais fácil visualização dos dados; iii) Ser mais adequado para analisar mudanças; iv) Permitir mais fácil detecção e medição de certos efeitos ao longo de um período de tempo.

Dentro do modelo pode-se trabalhar com os modelos Pooled, de Efeitos Fixos e de Efeitos Aleatórios. O Pooled permite empilhar os dados sem declarar diferenças entre indivíduos e anos, ignorando a heterogeneidade nos dados utilizados, caso ela exista. No modelo de Efeitos Fixos, deve-se pressupor uma possível correlação entre um ou mais regressores e o intercepto particular de cada indivíduo. O modelo de Efeitos Aleatórios, por sua vez, baseia-se na suposição de que não haja correlação entre as variáveis explicativas e o intercepto aleatório de uma unidade (Wooldridge, 2017WOOLDRIDGE, J. M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2017.).

Como forma de verificar qual a modelagem mais adequada para o uso nos dados da pesquisa, faz-se uso dos testes de Chow, de Breush-Pagan e de Hausman. O teste de Chow verifica a estabilidade estrutural ou dos parâmetros do modelo de regressão, pois identifica se ocorreu uma mudança estrutural durante o período em que o modelo foi estimado. Através do teste de hipóteses será calculada a estatística F e comparada com o valor de F crítico e tem como hipótese nula (H0) de que o modelo Pooled (ausência de mudança estrutural) é mais adequado do que o modelo com Efeitos Fixos.

O teste de Breush-Pagan, por outro lado, verifica se há heterocedasticidade no modelo, pois se ela estiver presente pode ter por consequências a ineficiência dos estimadores e até a tendenciosidade da variância dos estimadores, que pode tornar os testes t e F ineficientes. Esse teste de hipóteses pressupõe em sua hipótese nula (H0) que o modelo Pooled (ausência de heterocedasticidade) é mais adequado do que o modelo de Efeitos Aleatórios.

E, por fim, o teste de Hausman ou teste de especificação de erro é utilizado para descobrir se há o problema da simultaneidade no modelo. Isso consiste em avaliar o quanto a variável explicada se relaciona simultaneamente com a variável explicativa fazendo com que as duas tenham uma correlação. Além disso, ainda pode ocorrer de o termo de erro se relacionar com a variável endógena (Gujarati; Porter, 2011GUJARATI, D. N.; PORTER, D. C. Econometria básica-5. Porto Alegre: Amgh, 2011.). O teste de Hausman testa a melhor adequação dos modelos de Efeitos Aleatórios (H0, sem simultaneidade) e Efeitos Fixos (H1).

3.2 Equação de determinação de salários

A forma funcional da regressão adotada neste estudo baseia-se na equação de salários proposta por Mincer (1974MINCER, J. The human capital earnings function. In: MINCER, J. Schooling, experience, and earnings. National Bureau of Economic Research, cap. 5, p. 83-96, 1974.), que considera a influência da acumulação de capital humano sobre os rendimentos do trabalho do indivíduo. O modelo salarial de Mincer é adotado em grande parte dos trabalhos empíricos para estimar os retornos da educação e da qualidade da educação.

Neste trabalho são incluídas na equação de Mincer outras variáveis explicativas ajustadas na forma funcional exponencial de base natural (1).

Y i t = e x i t β + ε i t (1)

Onde: o subscrito i representa o i-ésimo trabalhador e t o tempo (anos); sendo, Yit o salário real/hora do i-ésimo trabalhador no tempo t; xit o vetor de variáveis explicativas que afetam o salário real/hora e ε o termo de erro aleatório independente e identicamente distribuído (iid) e com distribuição normal.

A equação linearizada (2) apresenta a forma a seguir:

L n w i t = β i x í t ´ + ε i t , (2)

Sendo Lnwit o logaritmo natural do salário mensal habitual do trabalho principal por hora trabalhada, xít´ representa um vetor de atributos individuais do trabalhador e dos segmentos do mercado de trabalho (variáveis explicativas), β é a inclinação dos parâmetros e o intercepto, e εit, o termo de erro.

3.3 Decomposição de salários

Com o propósito de verificar as diferenças salariais, foi utilizada a decomposição Blinder (1973BLINDER, S. A. Wage discrimination: Reduced formed and structural estimates. The Journal of Human Resources, University of Wisconsin Press, v. 8, n. 4, p. 433-455, 1973.) Oaxaca (1973OAXACA, R. Male-Female wage differentials in urban labor markets. International Economic Review, v. 14, Issue 3, p. 693-709, Oct. 1973.), que divide o diferencial em duas partes: 1) a explicada por diferenças grupais considerando os atributos individuais de produtividade, como educação e experiência de trabalho; e 2) a residual, por não poder ser explicada por essas diferenças nos determinantes de salários, é usada como medida de discriminação, incluindo também os efeitos de diferenças de grupo nos preditores não observados (Jann, 2008JANN, B. The Blinder-Oaxaca decomposition for linear regression models. The Stata Journal. ETH Zurich Sociology. Working Paper, v. 8, n. 4, p.453-479, 2008.). Essa metodologia é empregada, geralmente, para analisar resultados do mercado de trabalho por grupos, tais como sexo, raça, entre outros, e decompor as diferenças médias nos salários registrados baseando-se em modelos de regressão de forma contrafactual (Jann, 2008).

O método de decomposição explica a lacuna nos meios de uma variável de resultado entre dois grupos. A diferença é decomposta naquela parte que se deve às diferenças grupais nas magnitudes dos determinantes do resultado em questão por um lado, e as diferenças grupais nos efeitos desses determinantes, por outro (O’Donnell et al., 2007). A utilização desse método permite verificar quanto das diferenças salariais entre os dois grupos de comparação pode ser explicado pelas características produtivas, denominado como efeito dotação; e quanto se explica pelas diferenças de retornos das características individuais, mas não produtivas, denominadas como efeito coeficientes.

Apesar de a metodologia desenvolvida por Oaxaca e Blinder ser pioneira e amplamente utilizada (Mariano et al., 2018MARIANO, F. Z.; COSTA, E. M.; GUIMARÃES, D. B.; SOUSA, D. T. D. Diferenciais de rendimentos entre raças e gêneros, nas regiões metropolitanas, por níveis ocupacionais: Uma análise através do pareamento de Ñopo. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 137-173, jan. 2018.; Da Silva; Mendes; Gonzaga, 2020), há diversos trabalhos sobre desigualdades salariais que utilizam outras metodologias. Carvalho, Neri e Silva (2006CARVALHO, A. P. de; NERI, M. C.; SILVA, D. B. Diferenciais de salários por raça e gênero: aplicação dos procedimentos de Oaxaca e Heckman em pesquisas amostrais complexas. Ensaios Econômicos. Fundação Getúlio Vargas: EPGE, n. 638, p.1-37, dez. 2006.) utilizaram o procedimento de Heckman para corrigir o viés de seleção das informações causado pela seletividade das informações dos indivíduos. Meireles (2014MEIRELES, D.C. Diferenciais de rendimentos por gênero: uma análise dos efeitos composição e estrutura salarial no Brasil (1976, 1987, 1996 e 2009). 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2014.) utilizou a decomposição do índice de Theil-T e do hiato de renda em que os resultados conseguem ir além da média salarial e permitem verificar como os efeitos composição e estrutura salarial afetam os rendimentos de homens e mulheres.

Mariano et al. (2018MARIANO, F. Z.; COSTA, E. M.; GUIMARÃES, D. B.; SOUSA, D. T. D. Diferenciais de rendimentos entre raças e gêneros, nas regiões metropolitanas, por níveis ocupacionais: Uma análise através do pareamento de Ñopo. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 137-173, jan. 2018.), por sua vez, utilizaram o método não paramétrico de Ñopo, que compara grupos dentro de um suporte comum. Os autores destacam que, em comparação ao método de Ñopo, o método de Oaxaca e Blinder superestima os efeitos da decomposição de rendimentos devido à análise de grupos sem características comparáveis.

Outras metodologias alternativas à de Oaxaca e Blinder também foram utilizadas para mensurar o diferencial salarial em diversos contextos, períodos e regiões como em Haussman e Golgher (2016), que utilizaram modelos hierárquicos baseados na abordagem Idade-Período-Coorte; Loureiro, Moreira e Nascimento Júnior (2016LOUREIRO, P. R. A.; MOREIRA, T. B. S; NASCIMENTO JÚNIOR, A. Discriminação racial no mercado de enfermagem no Brasil: evidências a partir da estimativa de dados em painel. Análise Econômica, [S.l.], v. 34, n. 66, p. 173-192, 2016.) com o procedimento de decomposição de Oaxaca-Ransom; Souza e Medeiros (2013SOUZA, P. H. G. F.; MEDEIROS, M. Diferencial salarial público-privado e desigualdade de renda per capita no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 43, n. 1, p.m5-28, jan.-mar. 2013.), que utilizaram simulações contrafactuais e uma decomposição de fatores do coeficiente de Gini; Reindel e Pereira (2014REINDEL, C. C.; PEREIRA, M. W. G. Diferencial entre níveis de rendimentos por gêneros na região centro-oeste Brasileira. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, Maringá, v. 36, n. 1, p. 27-34, jan.-jun. 2014.) utilizaram regressão quantílica para analisar o diferencial de rendimento, entre outros.

Cacciamali, Tatei e Rosalino (2009CACCIAMALI, M. C.; TATEI, F.; ROSALINO, J. W. Estreitamento dos diferenciais de salários e aumento do grau de discriminação: limitações da mensuração padrão? Planejamento e políticas públicas, [S.l.], n. 33, p. 195-222, jul.-dez. 2009.) destacam que a metodologia de Oaxaca-Blinder tem maior resistência ao fechamento do hiato salarial entre homens e mulheres e à estabilidade da diferença salarial entre o salário observado e aquele a ser pago quando não houver discriminação.

Porém, as variáveis selecionadas para a presente pesquisa vão além de apenas a distinção de sexo e raça, incorporando diversas características pessoais e regionais a fim de reduzir o viés de seleção e o possível hiato existente do diferencial salarial de grupos observados e não observados. Além do mais, a metodologia de Oaxaca-Blinder ainda tem a vantagem de estimar apenas um conjunto de equações para dois grupos em uma parte que é explicada por diferenças nas características observadas e uma parte atribuível a diferenças nas estimativas dos coeficientes (Sinning; Hahn; Bauer, 2008SINNING, M.; HAHN, M.; BAUER, T. K. The Blinder-Oaxaca decomposition for nonlinear regression models. The Stata Journal, n. 8, p. 480-492, 2008.).

Consideram-se na decomposição de Blinder (1973BLINDER, S. A. Wage discrimination: Reduced formed and structural estimates. The Journal of Human Resources, University of Wisconsin Press, v. 8, n. 4, p. 433-455, 1973.) Oaxaca (1973OAXACA, R. Male-Female wage differentials in urban labor markets. International Economic Review, v. 14, Issue 3, p. 693-709, Oct. 1973.) dois grupos (A e B), uma variável de resultados (Y) e um conjunto de preditores (Jann, 2008JANN, B. The Blinder-Oaxaca decomposition for linear regression models. The Stata Journal. ETH Zurich Sociology. Working Paper, v. 8, n. 4, p.453-479, 2008.).

Conforme Jann (2008JANN, B. The Blinder-Oaxaca decomposition for linear regression models. The Stata Journal. ETH Zurich Sociology. Working Paper, v. 8, n. 4, p.453-479, 2008.), a quantidade de diferença média de resultados é dada por:

R = E ( L n w A ) ( L n w B ) (3)

em que E(Y) denota o valor esperado da variável de resultado, explicado por diferenças de grupo nos preditores com base no modelo linear, conforme equação (4).

L n w l = X l ' β l + ε l , E ( ε l ) = 0, l { A , B } (4)

Neste estudo, A e B se referem aos grupos de trabalhadores do Amazonas, áreas urbana e rural, e do Pará, áreas urbana e rural.

Sendo X o vetor contendo preditores e uma constante, β contém os parâmetros de inclinação e o intercepto, e ε o erro, tem-se:

R = E ( L n w A ) E ( L n w B ) = E ( X A ) ' β A E ( X B ) ' β B (5)

Reorganizando a equação (5) tem-se:

R = [ E ( X A ) E ( X B ) ] ' β B + E ( X B ) ' ( β A β B ) + [ E ( X A ) E ( X B ) ] ' ( β A β B ) (6)

A diferença de resultado é, então, dividida em três partes, conforme a equação (7).

R = E + C + I (7)

Sendo E=[E(XA)E(XB)]'βB equivalente à parte do diferencial que é devida a diferenças de grupo nos preditores, denominada como efeito endownements (efeito dotação).

O componente C=E(XB)'(βAβB) mensura a contribuição das diferenças nos coeficientes (incluindo as diferenças no intercepto). O termo I=[E(XA)(XB)]'(βAβB) se refere à interação que contabiliza o fato de que diferenças em recursos e coeficientes existem simultaneamente entre os dois grupos.

A decomposição mostrada em (6) é formulada do ponto de vista do grupo B. Mas o diferencial pode também ser expresso do ponto de vista do grupo A, produzindo a decomposição,

R = [ E ( X A ) E ( X B ) ] ' β A + E ( X A ) ' ( β A β B ) + [ E ( X A ) E ( X B ) ] ' ( β A β B ) (8)

Seja β* um vetor de coeficiente não discriminatório, a diferença de resultado pode ser escrita como:

R = [ E ( X A ) E ( X B ) ] ´ β * + [ E ( X A ) ´ ( β A β * ) + E ( X B ) ´ ( β * β B ) ] (9)

Observa-se a composição dupla,

R = Q + U (10)

A parte do diferencial de resultados explicada pelas diferenças de grupo nos preditores é dada por:

Q = [ E ( X A ) E ( X B ) ] ´ β * (11)

Essa parte do diferencial representa a parte explicada pelas diferenças entre os grupos nos preditores, trata-se do efeito dotação. Ou seja, refere-se à parte da diferença na remuneração devido às características de cada grupo. Ilustra que o indivíduo é melhor remunerado conforme suas características produtivas, tais como escolaridade e experiência.

O segundo componente, referente à parte não explicada, é dado por:

U = [ E ( X A ) ´ ( β A β * ) + E ( X B ) ´ ( β * β B ) ] (12)

Essa parte representa a valorização diferente de um mesmo atributo, denominada na literatura como o termo de discriminação, que captura todos os efeitos potenciais de diferenças em variáveis não observadas.

3.4 Fonte e tratamento dos dados

A base de dados utilizada neste artigo foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente aos anos de 2011, 2013 e 2015, para os estados do Amazonas e do Pará. Portanto, trata-se de um pseudopainel, isso porque a PNAD-C, embora apresente informações anuais sobre as características demográficas e socioeconômicas da população, não considera o mesmo indivíduo ao longo do tempo. A opção pela PNAD-C como fonte de dados é justificada pela disponibilidade de dados mais recentes sobre as principais características do mercado de trabalho desagregado por unidades da federação, zonas de residência rural-urbana e mercado formal e informal, como também outras características da força de trabalho, como idade, sexo e nível de instrução, entre outras, necessárias a este estudo. A pesquisa é coletada trimestralmente nos domicílios que compõem a amostra, garantindo a representatividade dos resultados para os diversos níveis geográficos. Os resultados da pesquisa são divulgados por trimestre e por ano. Neste estudo são usados os dados anuais (IBGE, 2022).

A escolha do período 2011 a 2015 foi influenciada por aspectos sociopolíticos, uma vez que compreende a modificação na forma de intervenção do Estado brasileiro em relação ao período 2003-2010. A política econômica em seu aspecto mais amplo e, em especial, a política fiscal tiveram impacto direto sobre a infraestrutura produtiva e os gastos sociais (Gentil, 2017GENTIL, D. L. Ajuste fiscal, privatização e desmantelamento da proteção social no Brasil: a opção conservadora do governo Dilma Rousseff (2011-2015). Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 46, jan.-abr. 2017.). Tais mudanças refletiram sobre o comportamento do mercado de trabalho.

As variáveis utilizadas neste estudo estão apresentadas no Quadro 1. Como variável dependente foi considerado o rendimento mensal do trabalho principal dividido pelas horas trabalhadas (salário/hora). Empregou-se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), coletado da base de dados do IBGE, para deflacionar os rendimentos mensais dos trabalhadores e atualizá-los para valores de 2021 (ano base). A partir dessa variável deflacionada, calculou-se o logaritmo natural a fim de estimar a semielasticidade e estar em conformidade com a equação minceriana de rendimentos do trabalho do indivíduo. Além disso, foram incluídos apenas os indivíduos com idade entre 16 e 65 anos. A idade inicial escolhida refere-se à idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho brasileiro (exceto no caso do jovem aprendiz, que pode iniciar aos 14 anos).

Além disso, consideraram-se os trabalhos formal e informal. Foram considerados como trabalhadores informais: empregado sem carteira de trabalho assinada; trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada; conta própria; trabalhador na produção para o próprio consumo; trabalhador na construção para o próprio uso; e trabalhador não remunerado. Para a variável experiência foi considerada a hipótese da equação de Mincer em que o indivíduo começa a trabalhar depois de concluir os estudos. Nesse sentido, a variável idade foi utilizada apenas para o cálculo da experiência, não sendo incluída no modelo de regressão para evitar multicolinearidade. As demais variáveis utilizadas neste estudo estão descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Descrição das variáveis usadas nas equações salariais e decomposição de salários

4 Resultados e discussão

4.1 Características dos trabalhadores dos estados do Amazonas e do Pará

A Tabela 1 apresenta as características da população ocupada dos estados do Amazonas e do Pará para os anos 2011, 2013 e 2015. Constata-se que houve crescimento na média de idade dessa população ao longo do período analisado, atingindo, em 2015, 38 anos.

Com relação ao sexo, os homens são o grupo majoritário, com praticamente 2/3 do volume total de pessoas. Como afirmam Madalozzo, Martins e Shirarori (2010MADALOZZO, R.; MARTINS, S. R.; SHIRATORI, L. Participação no mercado de trabalho e no trabalho doméstico: homens e mulheres têm condições iguais? Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 547-566, 2010.), o perfil distinto entre homens e mulheres com relação à participação no mercado de trabalho tem relação direta com as atividades que as mulheres realizam no âmbito doméstico. Quanto à cor/raça, constata-se que os autodeclarados brancos representam, aproximadamente, 20% da população ocupada. No entanto, os percentuais vêm sendo reduzidos, paulatinamente, ao longo do período.

A média do número de moradores dos domicílios nos estados do Amazonas e do Pará apresentou redução entre os anos 2011 e 2015. No âmbito das mudanças demográficas ressaltam-se a redução do número de filhos por mulher e o consequente envelhecimento da população. Quanto aos aspectos sociais e culturais, destacam-se a redução no número de casamentos e o “aumento das separações e atraso das uniões, conjuntamente com o novo papel da mulher na família e no trabalho, as quais tiveram importantes implicações nas relações de gênero”, além dos novos arranjos familiares com mães solteiras e pessoas vivendo sozinhas, impactando no tamanho das famílias (Leone; Maia; Baltar, 2010LEONE, E. T.; MAIA, A. G.; BALTAR, P. E. Mudanças na composição das famílias e impactos sobre a redução da pobreza no Brasil. Economia e Sociedade, v. 19, n. 1, p. 59-77, abr. 2010., p. 60).

Com relação à educação, observou-se aumento contínuo na média de anos de estudo da população ocupada, em torno de 10% ao longo dos anos analisados. O nível médio da escolaridade ficou em 8,6 anos de estudo, correspondente a ter o ensino fundamental completo ou médio incompleto. Esse aumento é consistente com os ganhos que a população brasileira vem obtendo nas últimas décadas com relação à ampliação do nível educacional. Como afirmam Nonato et al. (2012NONATO, F. J. P.; PEREIRA, R. H. M.; NASCIMENTO, P. A. M. M.; ARAÚJO, T. C. O perfil da força de trabalho brasileira: trajetórias e perspectivas. Nota técnica, IPEA, n. 51, p. 30-41, 2012., p. 33), a expansão acentuada no acesso ao ensino fundamental a partir da década de 1990, a redução da evasão escolar e o aumento da cobertura da rede de ensino no país contribuíram fortemente para o maior fluxo de pessoas entre os níveis de ensino, especialmente fundamental e médio.

Tabela 1
Características das pessoas ocupadas nos estados do Amazonas e do Pará - 2011-2015

No que diz respeito à formalização do mercado de trabalho, constata-se que os trabalhadores informais atingem 2/3 do conjunto da mão de obra ocupada nos estados analisados. No entanto, ao longo do período estudado verificou-se oscilação nos níveis da participação dos trabalhadores formais e informais. A experiência média dos trabalhadores, por sua vez, foi atingindo níveis cada vez mais elevados ao longo do período 2011 a 2015. Assim, nesse último ano a população ocupada dos estados do Amazonas e do Pará alcançou 23,2 anos de tempo de serviço.

Quanto aos rendimentos, constata-se que no período 2011/2013 ocorreu crescimento no salário médio real da população ocupada da ordem de 32,7%, atingindo R$ 1.965,31 nesse último ano. Porém, no ano seguinte, ocorreu tendência contrária aos anos anteriores. A redução foi de 40,2% em relação a 2013, alcançando em 2015 a menor média salarial do período analisado, de R$ 1.174,66.

4.2 Testes estatísticos e resultado do modelo de dados em painel

A fim de testar a adequação de qual modelo deve ser utilizado (Pooled, Efeitos Fixos ou Efeitos Aleatórios), fez-se uso dos testes de Chow, Breush-Pagan e Hausman. Esse último compara os resultados entre os modelos de Efeitos Aleatórios e Efeitos Fixos. Como resultado do teste, o valor da estatística igual a 0,0000 mostra que se pode rejeitar H0 com 99% de confiança. Portanto, após utilizados os três testes, pôde-se certificar que o modelo que apresenta a melhor adequação é o modelo de dados em painel com Efeitos Fixos.

Foram testadas também a presença de multicolinearidade, heterocedasticidade e autocorrelação. O único problema encontrado foi a heterocedasticidade detectada pelos testes de White e de Wald para heterocedasticidade em painel de Efeitos Fixos. A fim de sanar esse problema, o modelo foi estimado com erros padrão robustos.

A qualidade de ajustamento do modelo de dados em painel com Efeitos Fixos com erros padrão robustos (R2) do modelo mostra que 28% das variáveis explicam bem as mudanças no salário mensal por hora. Individualmente, pode-se verificar que todos os estimadores apresentam bons valores para representarem os verdadeiros parâmetros populacionais.

A Tabela 2 apresenta os resultados dos coeficientes do modelo de dados em painel com Efeitos Fixos e suas significâncias estatísticas individuais (teste t e valor p). Em um modelo log-linear o coeficiente angular parcial de uma variável explicativa representa a semielasticidade. Nesse sentido, deve-se calcular o antilogaritmo dos coeficientes binários estimados. Além disso, as variáveis não binárias mensuram a variação relativa (percentual) na variável dependente para uma dada variação absoluta no valor da variável independente.

Tabela 2
Modelo de dados em painel com Efeitos Fixos e erros padrão robustos

Ao comparar o salário/hora mensal mediano recebido pelos homens com o das mulheres, pode-se perceber que elas recebem 23,2%1 1 Conforme Gujarati e Porter (2011), deve-se ter atenção ao interpretar os resultados de variáveis dummies em modelos de semielasticidades (log-lin). Para verificar a variação percentual dos salários/hora mensais do trabalho principal para cada variável dummy deve-se calcular o antilogaritmo do coeficiente binário, subtrair 1 e multiplicar por 100. Neste caso, tem-se a diferença salarial do atributo analisado. menos que os homens, ceteris paribus. Quando se comparam os rendimentos mensais medianos de cidadãos brancos e não brancos, pode-se perceber que aqueles recebem, aproximadamente, 12,5% a mais do que os cidadãos não brancos. Esses resultados estão em conformidade com Gomes e Souza (2018GOMES, M. R.; SOUZA, S. DE C. I. DE. Assimetrias salariais de gênero e a abordagem regional no Brasil: uma análise segundo a admissão no emprego e setores de atividade. Revista de Economia Contemporânea, v. 22, n. 3, 2018.), Fonseca et al. (2018FONSECA, M. R.; BACCHI, M. D.; CATELAN, D. W.; HAYASHI, P. A.; MAIA, K. Diferenças salariais e discriminação por gênero e cor na região Norte do Brasil. Revista de Políticas Públicas, [S.l.], v. 21, n. 2, p. 739-760, 2018.) e Pereira e Oliveira (2016PEREIRA, R.M.; OLIVEIRA, C. A. de. Os diferenciais de salários por gênero no Rio Grande do Sul: uma aplicação do modelo de Heckman e da decomposição de Oaxaca-Blinder. Revista do Desenvolvimento Regional, v. 21, n. 1, p. 148-173, jan.-abr. 2016.), em que eles demonstram que há diferenças salariais entre homens e mulheres e entre as raças.

Os resultados indicam também que o aumento de um ano a mais na escolaridade dos cidadãos tende a aumentar o salário/hora mensal, em média, de 7,9%. Portanto, indivíduos mais escolarizados tendem a ter maiores rendimentos mensais do trabalho principal. Com relação à experiência do trabalho, os resultados mostram que ao aumentar a experiência do indivíduo em um ano aumenta também o salário mensal em 2,9%, em média, mantendo as demais variáveis constantes. Esses resultados convergem com a teoria do capital humano e está de acordo com o esperado, conforme Mincer (1958MINCER, J. Investment in human capital and personal income distribution. The Journal of Political Economy. The University of Chicago Press, v. 66, n. 4, p. 281-302, 1958.; 1974), Schultz (1961SCHULTZ, T.W. Investment in human capital. The American Economic Review, v. 51, n. 1, p. 1-17, Mar. 1961.) e Becker (1962BECKER, G.S. Investment in human capital: A theoretical analysis. The Journal of Political Economy, The University of Chicago Press. National Bureau of Economic Research, v. LXX, n. 5, part. 2, p. 9-49, 1962.; 1994).

A variável número de moradores no domicílio apresenta uma relação negativa com o logaritmo do salário mensal do trabalho principal. Isso demonstra que quanto maior o tamanho da família menor tende a ser a renda do trabalhador, sendo, portanto, um possível indicativo de pobreza familiar. Nesse sentido, se o número de membros da família aumenta em mais um indivíduo, a renda por hora tende a ser menor em 1,1%, mantendo tudo o mais constante.

Pode-se comparar também as diferenças salariais entre um trabalhador que está registrado, ou seja, possui trabalho formal ou se trabalha informalmente. Percebe-se que, se o trabalho principal não for feito com carteira assinada, os rendimentos mensais medianos tenderão a ser 18,3% a menos do que se o trabalhador estiver atuando na formalidade. Portanto, o trabalho informal tende a ter menores rendimentos do que o trabalho formal. Como argumentado anteriormente, esse resultado mostra que os estados da região Norte são bastante heterogêneos, tendo em vista que esse percentual encontrado para o Amazonas e o Pará supera aquele encontrado por Nascimento et al. (2017) para o conjunto da região Norte.

Com relação à área de residência, se o trabalhador exerce sua atividade na zona rural possui rendimentos medianos de 7%, menores do que aqueles que exercem suas atividades laborais nas cidades, se tudo mais permanecer constante. Além disso, pode-se perceber também que os trabalhadores do estado do Amazonas têm rendimentos medianos menores do que aqueles que residem no estado do Pará, em 25%. Essa diferença pode ser explicada pela maior diversificação das atividades do estado do Pará como, por exemplo, a extração de minerais metálicos e não metálicos, complexos agropecuários e culturas alimentares. No Amazonas, por sua vez, a Zona Franca concentra suas atividades em Manaus principalmente nas indústrias de bens de informática, eletroeletrônicos, serviços industriais de utilidade pública, bebidas, indústrias de motocicletas, com pouca aderência ao meio rural e ao interior do Estado.

Quando se analisa o salário por setor de atividade nos dois estados, pode-se perceber que o setor agrícola do estado do Amazonas tem remuneração, comparado com os demais setores do mesmo estado, muito menor do que o setor agrícola do estado do Pará. Por exemplo, enquanto o setor industrial do Amazonas tem salários medianos de 35,6% maiores do que o setor agrícola, no Pará essa diferença é de 12,1%.

4.3 A decomposição das diferenças salariais no Amazonas e Pará

A decomposição salarial está dividida em três partes. A primeira apresenta o aumento médio dos salários dos trabalhadores da área rural se eles tivessem as mesmas características produtivas dos trabalhadores urbanos, como escolaridade e experiência. O segundo termo, no caso, o efeito coeficiente, quantifica a variação dos salários dos trabalhadores rurais conforme variáveis não explicadas. A terceira parte é o termo de interação que mede o efeito simultâneo das diferenças em dotações e coeficientes (Jann, 2008JANN, B. The Blinder-Oaxaca decomposition for linear regression models. The Stata Journal. ETH Zurich Sociology. Working Paper, v. 8, n. 4, p.453-479, 2008.).

Conforme observado, na Tabela 3, a média dos logaritmos salariais por hora (ln salário/hora) é de 1,53 para trabalhadores da zona urbana e de 1,09 para os trabalhadores da zona rural do Amazonas, resultando em uma diferença salarial de 0,44. O efeito dotação foi responsável por 22% da diferença salarial devido a atributos produtivos, como a escolaridade e a experiência dos trabalhadores. Enquanto 37,9% dos atributos não produtivos impactaram nas diferenças de rendimentos dos trabalhadores amazonenses. Esse resultado é explicado pela segmentação observada no mercado de trabalho amazonense.

No Pará, a diferença salarial dos trabalhadores das zonas urbana e rural é ligeiramente superior à do Amazonas, ficando em 0,45. No caso do Pará, 55,2% da diferença dos rendimentos se deve às características produtivas dos trabalhadores, enquanto 36,3% advêm de fatores não explicados por essas características. Esses resultados estão condizentes com as diferenças salariais encontradas entre os estados do Amazonas e do Pará e também pelo fato de apresentar maior distribuição e diversificação do estado do Pará em seu território.

No que se refere à contribuição individual das variáveis, na Tabela 4, é possível observar que a escolaridade não representou forte poder explicativo em relação às diferenças salariais dos trabalhadores das áreas urbana e rural dos estados do Amazonas e do Pará. Embora um ano a mais de estudo possa proporcionar salários maiores para os trabalhadores, verificando-se o mesmo em relação à experiência.

Tabela 3
Decomposição salarial dos trabalhadores das áreas urbana e rural dos estados do Amazonas e do Pará - 2011/ 2015

Dos coeficientes ilustrados na Tabela 4, apenas o ano de 2013 para a área urbana e os moradores da área rural, ambos do Amazonas, e os setores industrial e de serviços do Pará não apresentaram nível de significância de 1%. Tal como observado na literatura, os coeficientes das variáveis anos de estudo e experiência foram positivos, enquanto o coeficiente de experiência ao quadrado foi negativo, estando de acordo com os resultados da teoria do capital humano, segundo a qual o indivíduo ao investir em capital humano, por meio de mais anos de estudo, passa a ter maiores chances de obter ganhos salariais mais elevados no futuro. Pois, segundo os teóricos dessa corrente, a exemplo de Schultz, Becker e Mincer, as habilidades e o conhecimento dos trabalhadores podem ser aprimorados pela educação e, a partir dela, as pessoas podem se tornar mais produtivas e seus salários maiores.

Tabela 4
Contribuição das variáveis na decomposição salarial por áreas urbana e rural dos estados do Amazonas e do Pará - 2011-2015

A experiência ao quadrado apresenta sinal negativo em todos os modelos, indicando que com o tempo o salário aumenta a taxas decrescentes. Isso ocorre porque espera-se que quanto maior a experiência mais avançada seja a idade do trabalhador, o que pode influenciar negativamente o salário, uma vez que a produtividade desse trabalhador tende a reduzir conforme indicado pela teoria do capital humano (Mincer, 1958MINCER, J. Investment in human capital and personal income distribution. The Journal of Political Economy. The University of Chicago Press, v. 66, n. 4, p. 281-302, 1958., 1974; Schultz, 1961SCHULTZ, T.W. Investment in human capital. The American Economic Review, v. 51, n. 1, p. 1-17, Mar. 1961.; Becker, 1962BECKER, G.S. Investment in human capital: A theoretical analysis. The Journal of Political Economy, The University of Chicago Press. National Bureau of Economic Research, v. LXX, n. 5, part. 2, p. 9-49, 1962., 1994).

Considerando o que diz a literatura, pessoas que possuem mais educação têm maiores chances de receber salários mais elevados, assim como pessoas que ganham mais tendem a procurar por maior educação e, nesse caso, a variável escolaridade passa a ser afetada pela variável salário. Com relação a esse aspecto, vale lembrar que, embora se observe o problema da endogeneidade na variável escolaridade, pelo fato de não se ter encontrado nenhuma variável que funcione como uma boa proxy para ela, optou-se neste estudo por estimar as equações de salários com a observância de tal situação.

Para os grupos urbano e rural dos estados do Amazonas e do Pará, a variável sexo apresenta maior poder explicativo para a existência de diferenças salariais, principalmente na zona rural do Amazonas. Isso quer dizer que, embora as trabalhadoras apresentem a mesma produtividade dos homens, os rendimentos desses últimos superam os rendimentos das mulheres. Por sua vez, os rendimentos dos trabalhadores brancos das áreas urbanas do Amazonas e do Pará superam em 30% e 45%, respectivamente, os rendimentos dos não brancos. O resultado observado para os estados pesquisados está de acordo com o verificado em outras regiões e setores, conforme sinalizado nos trabalhos de Pereira e Oliveira (2016PEREIRA, R.M.; OLIVEIRA, C. A. de. Os diferenciais de salários por gênero no Rio Grande do Sul: uma aplicação do modelo de Heckman e da decomposição de Oaxaca-Blinder. Revista do Desenvolvimento Regional, v. 21, n. 1, p. 148-173, jan.-abr. 2016.), Margonato, Souza e Nascimento (2014MARGONATO, R. de C. G.; SOUZA, S. de C. I. de; NASCIMENTO, S. P. do. Diferenciais de rendimentos do trabalho feminino no sul do Brasil: uma abordagem dual. Economia & Região, Londrina, PR, v. 4, n. 1, p. 90-107, jan.-jul. 2014.), e Gomes e Souza (2018GOMES, M. R.; SOUZA, S. DE C. I. DE. Assimetrias salariais de gênero e a abordagem regional no Brasil: uma análise segundo a admissão no emprego e setores de atividade. Revista de Economia Contemporânea, v. 22, n. 3, 2018.).

Os trabalhadores das áreas urbana e rural do Amazonas e do Pará que atuam no setor informal apresentam baixos salários. Vale destacar o grande impacto da informalidade sobre os salários dos trabalhadores na área rural do Pará. Ao mesmo tempo essa variável tem grande participação na explicação das diferenças salariais dos grupos analisados nos dois estados. Isso se deve ao fato de o setor informal ofertar salários mais baixos, apresentar alta rotatividade e instabilidade (Fernandes, 2002FERNANDES, R. Desigualdade salarial. In: CORSEUIL, C. H. Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, cap. 1, p.1-50, 2002.).

Administração Pública e Outras Atividades, apresentaram grande impacto sobre as diferenças salariais dos trabalhadores nas áreas urbana e rural do Amazonas, quando comparado com o setor agrícola. No estado do Pará esse diferencial salarial é menor. De acordo com os resultados, os funcionários da Administração Pública apresentaram um grande diferencial de rendimentos, conforme verificado nos trabalhos de Fernandes (2002FERNANDES, R. Desigualdade salarial. In: CORSEUIL, C. H. Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, cap. 1, p.1-50, 2002.) e Vaz e Hoffmann (2007VAZ, D. V.; HOFFMANN, R. Remuneração nos serviços no Brasil: o contraste entre funcionários públicos e privados. Economia e Sociedade, v. 16, n. 2, p. 199-232, 2007.). Segundo Fernandes (2002), esse tipo de setor, como é o caso da Administração Pública, se caracteriza por apresentar boas condições de trabalho e proporcionar salários elevados.

5 Considerações finais

Este estudo se propôs a analisar as diferenças salariais entre os trabalhadores rurais e urbanos dos estados do Amazonas e do Pará entre os anos de 2011, 2013 e 2015, considerando os investimentos em capital humano e os atributos não produtivos. Para as estimativas foram empregadas a equação minceriana de determinação dos salários e a decomposição Oaxaca-Blinder para verificar as diferenças salariais.

Os salários médios dos trabalhadores da zona urbana apresentaram-se superiores aos da zona rural, isto ocorreu tanto para o estado do Amazonas quanto para o Pará. Além disso, os trabalhadores residentes no Pará obtiveram maiores salários quando comparados aos do Amazonas.

O procedimento de decomposição salarial mostra que as características produtivas (escolaridade e experiência) foram responsáveis por 21,3% e 55,5% das diferenças salariais dos trabalhadores do Amazonas e do Pará, respectivamente. Já, com relação aos atributos não produtivos, verificou-se a contribuição de 37,9% sobre as diferenças salariais observadas no Amazonas, valor superior ao do Pará. Isso pode ser explicado pela segmentação no mercado de trabalho, tendo em vista que os salários pagos na Administração Pública e em Outras Atividades são maiores do que no setor Agrícola. O investimento em capital humano e a experiência tiveram uma contribuição mais significativa nas diferenças salariais no Pará, além de apresentar maior distribuição e diversificação no território do Estado. Chama-se a atenção para as discrepâncias entre os dois estados, mostrando que essas regiões são heterogêneas em suas características socioeconômicas, produtivas e territoriais.

No caso da escolaridade, os resultados indicam que ela não teve forte poder explicativo para as diferenças salariais dos trabalhadores residentes, tanto na zona urbana quanto na zona rural dos dois estados analisados, pois sua contribuição foi inferior a 10%. Por outro lado, anos de estudo e experiência estão positivamente relacionados aos diferenciais salariais, corroborando os achados da teoria do capital humano.

Em relação à distribuição por sexo, constata-se que essa variável apresentou forte poder explicativo para a existência de diferenças salariais. Significa dizer que, mesmo que as mulheres apresentem a mesma produtividade dos homens, continua existindo no mercado de trabalho amazonense e paraense importantes diferenças salariais entre esses dois grupos de trabalhadores.

Como esperado, a questão da informalidade no mercado de trabalho também é outro ponto importante na determinação dos diferenciais salariais. Tanto na zona urbana quanto rural, os trabalhadores do setor informal recebem salários mais baixos do que os do formal. Esse fato está atrelado às características de alta rotatividade e maior instabilidade que aquele setor apresenta.

De acordo com os resultados, observou-se que há heterogeneidade no mercado de trabalho amazonense e paraense. No Pará, observaram-se menores discrepâncias salariais devido à maior diversificação e distribuição da matriz econômica. Diferentemente do Pará, os principais setores econômicos do Amazonas estão mais concentrados na capital. Dessa forma, sugere-se que as políticas públicas sejam repensadas a fim de levar maior desenvolvimento para o interior do Amazonas, trazendo diversificação mais ampla, como pode ser observado no Pará.

Agradecimentos

Agradecemos aos pareceristas da revista Nova Economia a contribuição com sugestões para o aperfeiçoamento deste artigo. Além disso, o presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - com código de financiamento 001.

Referências

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  • 1
    Conforme Gujarati e Porter (2011GUJARATI, D. N.; PORTER, D. C. Econometria básica-5. Porto Alegre: Amgh, 2011.), deve-se ter atenção ao interpretar os resultados de variáveis dummies em modelos de semielasticidades (log-lin). Para verificar a variação percentual dos salários/hora mensais do trabalho principal para cada variável dummy deve-se calcular o antilogaritmo do coeficiente binário, subtrair 1 e multiplicar por 100. Neste caso, tem-se a diferença salarial do atributo analisado.
  • Códigos JEL:

    C33, J31, J40.
  • JEL Codes:

    C33, J31, J40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2022
  • Aceito
    26 Jun 2023
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