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Carolina Martuscelli Bori e a Psicologia na USP

CAROLINA MARTUSCELLI BORI E A PSICOLOGIA NA USP

Walter Hugo de Andrade Cunha 1 1 Texto editado por Ana M. A. Carvalho a partir de depoimento, em gravação, prestado pelo autor a Sara T. Perez Morais.

Instituto de Psicologia - USP

Meu primeiro contato com Carolina foi como aluno do primeiro ano do Curso de Filosofia, em 1953. Tínhamos nesse ano uma matéria que se chamava simplesmente" Psicologia", dada por quatro professores: a Professora Annita Cabral2 2 Annita de Castilho e Marcondes Cabral , o Professor Dante Moreira Leite, a Professora Carolina Martuscelli e a "Talita" - Maria da Penha Pompeu de Toledo." Talita" dava Psicanálise, a Professora Annita dava Psicologia Social, o Professor Dante dava Psicologia Diferencial e a Professora Carolina dava Psicologia Experimental.

Que fez Carolina nessa disciplina? Ela nos fez replicar, como alunos, alguns experimentos, algumas demonstrações de Psicologia Experimental, muitas delas ligadas à Psicologia de Kurt Lewin. Carolina tinha, em 1953, defendido uma tese com influência teórica de Kurt Lewin, tese essa que versava sobre o chamado "efeito Zeigarnik" (Martuscelli, 1959). Zeigarnik era uma discípula de Kurt Lewin que procurou demonstrar muitas das implicações da teoria desse autor. Uma dessas implicações era a de que uma tarefa que não tivesse sido completada ficava, no sistema motivacional do sujeito, como que carregada de tensão, fazendo com que, na primeira oportunidade que houvesse, o sujeito procurasse aliviar a tensão. Assim, por exemplo, na hora em que a pessoa fosse lembrar uma lista de tarefas que tivesse realizado, lembraria mais aquelas que não tivesse completado, porque estariam sob tensão. Zeigarnik fazia experimentos em que dava uma série de tarefas para as pessoas cumprirem, por exemplo: riscarem, num texto, uma determinada letra, em um tempo limitado, ou acharem caminhos em labirintos impressos em papel, ou resolverem certos problemas aritméticos. Algumas dessas tarefas permitia-se que o sujeito terminasse; outras, não; e depois se verificava se a lembrança das tarefas era diferente conforme tivessem sido terminadas ou não. Zeigarnik demonstrava que a lembrança das tarefas interrompidas era maior do que a das tarefas terminadas. Foi essa investigação que Carolina retomou como tema da sua tese.

A impressão que essa experiência me causou foi muito favorável, porque foi responsável por eu ter visto, talvez pela primeira vez, que a Psicologia podia ser uma ciência empírica, que poderia ter um caráter de demonstração, de estudo experimental. Essa constatação foi, até certo ponto, responsável pelo meu interesse pela Psicologia.

Carolina era uma pessoa contida, muito preocupada com a exatidão do que falava. Não tinha uma fluência verbal muito grande, talvez por causa dessa preocupação em ser exata e falar as coisas corretamente. Transmitia por isso uma impressão de seriedade, de preocupação com a precisão e a solidez do que afirmava. Por isso, e também por sua aparência clara, meio rosadinha, eu achava na época que ela deveria ter algum parentesco alemão. Só depois vim a saber que na verdade era descendente de italianos.

Depois disso, Carolina saiu da Cadeira e foi lecionar em Rio Claro, onde ficou durante alguns anos. Mas fui reencontrá-la trabalhando no CREPE - Centro Regional de Estudos e Pesquisas Educacionais, que originalmente era no centro, perto da Maria Antonia, e depois foi para o prédio da Pedagogia na Cidade Universitária - onde se estudavam comunidades sob a coordenação do Doutor Fernando de Azevedo, responsável pelo Centro. Fui procurar Carolina porque ela estava sendo cientificamente reconhecida, segundo o depoimento de várias pessoas: por exemplo, de Renato Jardim Moreira, primo de Dante Moreira Leite, então meu colega na Cadeira de Psicologia (nesse momento eu já era Instrutor Voluntário da cadeira); ouvi de Aziz Simão, ouvi do próprio Fernando de Azevedo, que Carolina estava adquirindo fama de grande pesquisadora, talvez a melhor pesquisadora, então, em Psicologia Social no Brasil. Ela tinha feito um trabalho em Minas Gerais, em Malacacheta, estudando uma comunidade de lavradores, e já tinha alguns trabalhos publicados. Fui procurá-la justamente por causa dessa fama, para que me orientasse em uma pesquisa que comecei a fazer na CMTC, sobre a validade das provas que ali se empregavam para a seleção de motorista profissional. Eu queria informações sobre estatística, os testes que deveria fazer, a maneira como deveria conduzir o estudo. Mais uma vez, Carolina foi bastante influente na minha formação. Eu encontrava nela seriedade, boa vontade e disposição para me informar e me emprestar livros (o primeiro livro de Estatística que tive em mãos, o de Guilford, foi ela que me indicou).

Mais tarde resolvi fazer um trabalho sobre o Teste de Karen MacHover, o Teste do Desenho da Figura Humana. Eu tinha introduzido esse Teste na CMTC como uma forma de conhecer um pouco sobre a personalidade dos candidatos a vários cargos. A certa altura, o departamento da CMTC onde eu trabalhava pediu-me que fizesse uma pesquisa sobre a validade dessa prova para a seleção profissional. Conversando com Carolina, soube que ela tinha experiência com o Teste de MacHover, que tinha aplicado em Malacacheta, na população referida mais atrás. Realmente, verifiquei que ela dominava bem o teste e a utilizei como juiz, impressionando-me com seu desempenho: eu lhe dava pares de desenhos de um de três grupos de sujeitos (candidatos a motoristas e a cobradores da CMTC, internos de uma instituição psiquiátrica com nível de instrução semelhante a estes, e pessoas de nível sócio-econômico alto) e ela deveria me dizer a que grupo a pessoa pertencia e qual desenho apresentava maiores problemas clínicos: setenta por cento de acertos, nos dois ítens, o mesmo nível de êxito que consegui com os traços dos testes, selecionados estatisticamente. Nessa ocasião, ela também me emprestou uma série de livros de Psicopatologia, Psicologia Anormal e da Personalidade, que me foram muito úteis mais tarde, quando lecionei Psicologia da Personalidade.

Esse foi o meu contato com Carolina no tempo de aluno. Depois soube que ela foi para Brasília, com o Professor Keller e Rodolpho Azzi, Mário Guidi e João Cláudio Todorov (estes dois últimos alunos do curso de Psicologia naquele tempo), para estabelecer um curso de Psicologia. Carolina, Rodolpho e todos os outros estavam muito entusiasmados, porque a Universidade de Brasília era uma concepção diferente de Universidade, aquela de Darcy Ribeiro. Cheguei a ser convidado por Rodolpho para ir com ele e estive tentado a ir. Mas essa experiência não deu certo: em cerca de dois anos, houve a intervenção militar, os professores pediram demissão, Carolina ficou sem emprego. A Doutora Annita a convidou para voltar à cadeira. Acho que o que influiu na decisão da Professora Annita, além das necessidades da cadeira, foi uma solidariedade que ela devia à Professora Carolina. Por volta de 1964 ou 1965, a Doutora Annita teve uma dificuldade de renovação de contrato pois, sendo interina, devia fazer o concurso de Livre-Docência para assegurar a Chefia e a indicação para a Cadeira de Psicologia. Concursos eram sujeitos a muitos conflitos de poder na Universidade, e por isso a Doutora Annita relutava em fazer o dela, porque achava que os poderosos da Universidade, principalmente aqueles que tinham mais poder na Psicologia, aproveitariam a oportunidade para "colher sua cabeça em uma bandeja", para usar a sua expressão. Não era só paranóia, como descobri mais tarde. Quando foi à congregação o processo em que a Professora Annita propôs o curso de Psicologia, a Professora Noemy da Silveira Rudolfer, catedrática vinda da Escola Normal Caetano de Campos e que, por lei, tornara-se dona da Cátedra de Psicologia Educacional, foi contra a criação do curso, alegando que a Professora Annita deveria cuidar, primeiro, da sua formação, fazer o concurso de Cátedra. Havia portanto muita pressão para que a Dra. Annita prestasse o concurso, quando possivelmente seria excluída da Universidade. Como forma de apoio à Dra Annita, providenciei um abaixo-assinado em sua defesa, de pessoas que tinham sido alunos da Professora Annita e que estavam ocupando lugar no ensino da Psicologia, especialmente em universidades e faculdades. Entre outros, Rodolpho Azzi e Carolina, que conheciam a luta da Dra. Annita para a criação do curso e a regulamentação da profissão (tendo inclusive proposto, como primeiro passo, a criação da Associação Brasileira de Psicólogos), deram seu apoio nesse momento crítico, ganhando a gratidão da Dra. Annita.

Por outro lado, havia as necessidades do novo curso, muitas novas disciplinas, parte prática, necessidades que a Dra. Annita - chefe de uma cadeira que até então lecionava umas poucas matérias no curso de Filosofia - não podia atender sem auxílio. Havia também uma pressão nacional para a criação de cursos de pós-graduação, e a Dra. Annita planejava criar o primeiro curso de pós-graduação em Psicologia no país, para o qual contava, como orientadores, com Carolina, já doutora, e comigo (que defenderia a tese em breve), além dela própria. A Dra. Annita encarregou então a mim e a Carolina de pensar na parte de Psicologia Experimental de um curso de pós-graduação em Psicologia Social e Experimental (incluindo, de minha parte, Comportamento Animal).

Foi nessa ocasião que a Dra. Annita contratou Carolina e Rodolpho. A tarefa de Carolina era a de organizar, juntamente comigo, o curso de pós-graduação na área de Experimental, reunindo os demais professores, fazendo os programas, pensando em alternativas, laboratórios, na parte prática, ao mesmo tempo em que tentávamos implementar o curso de Psicologia.

Aí surgiram novas crises, devidas em parte à dificuldade de recontratação da Professora Annita. Em um dia de que ainda me lembro, vinte e três de março de sessenta e oito, entramos em um ano crítico. Nesse dia, tivemos uma reunião sobre o aproveitamento de verbas de excedentes que a faculdade acabara de criar, abrindo possibilidade de contratação de novos docentes. Doutora Annita anunciou que havia a intenção de se abrir concurso para preencher a vaga que ela ocupava, e que seu objetivo era conseguir uma recontratação, ficar mais uns três ou quatro anos e se afastar por aposentadoria, e que não iria concorrer ao concurso. Propôs a divisão da Cadeira em duas, Psicologia Social e Psicologia Experimental e Comparada e pediu que nos encarregássemos da organização da parte que nos caberia nessa Cadeira dividida, entregando-nos toda a autoridade para isso. Fui encarregado de fazer a proposta de desmembramento da Cadeira com suas disciplinas, para que ela assinasse e encaminhasse. Posteriormente, eu e Carolina fomos nos entender com o Diretor, Prof. Eurípedes Simões de Paula, e com o Prof. Rui Coelho de Andrada Galvão, membro da Congregação, mas responsável também pelo Conselho Técnico Administrativo. Em reuniões posteriores, tratamos de ampliação de espaços, recursos de laboratório, contratação de monitores e instrutores (entre os quais Iara Iavelberg). O que estou salientando é que o uso dessa verba de excedentes criava uma série de problemas de crescimento, mais espaço, novas disciplinas, novos serviços, laboratórios etc. Em grande parte a crise da Psicologia foi uma crise de crescimento, decorrente das necessidades do curso, da aceitação de maior número de alunos.

Foi em 31 de maio de 1968 que dois alunos do curso de Psicologia, que ocupavam lugar no Centrinho, Jerry Stamirovski e Mary Jane Paris, procuraram-me para dizer, para minha surpresa, que os alunos estavam representando, perante a Congregação da Faculdade de Filosofia, uma oposição à recontratação da Dona Annita. Havia problemas de relacionamento, e os alunos acreditavam que Dona Annita estava contratando novos docentes apenas para poder se manter no cargo, e que sua interinidade estava prejudicando a resolução dos problemas do curso de Psicologia. A crise se instalou quando os alunos ocuparam o prédio onde funcionava o departamento (o B-10) em julho, e impediram a entrada da Dona Annita, afirmando que os alunos não voltariam às aulas se ela fosse reconduzida.

Qual foi a atuação da Carolina em todos esses episódios? Estávamos acompanhando o movimento dos alunos da Psicologia quando começou também o movimento geral da Universidade para a Reforma, ou seja, a extinção das Cátedras e transformação das Cadeiras em Departamentos. Foram criadas, até por iniciativa da Congregação da Faculdade, comissões paritárias. Havia uma comissão paritária geral da Faculdade de Filosofia, igual número de alunos e igual número de professores, para estudar a Reforma da Universidade. Havia comissões paritárias setoriais, uma para cada curso. Eu e Carolina fomos designados para essa comissão paritária setorial. Participamos de discussões sobre como deveria ser reestruturado o curso de Psicologia. O Professor Arrigo fazia questão de discutir como deveriam ser reestruturadas as matérias, porque os alunos se queixavam nessa ocasião de que havia professores que não tinham competência, falta de parte prática, horários vagos e, principalmente, duplicidade ou repetição de conteúdos de matérias. Achavam que isso poderia ser resolvido se houvesse um Departamento de Psicologia só, de acordo com o movimento dos alunos em toda Universidade. Como as comissões paritárias estavam decidindo departamentalizar a Universidade, uma das soluções possíveis era criar esse Departamento. Para resolver o problema surgido, para que os alunos voltassem às aulas e desocupassem o pavilhão, foi solicitado a Dona Annita, através de um abaixo-assinado pelos professores, que ela concordasse com a transformação da Cadeira em um Departamento, do qual ela seria um membro como os demais, o que significava abdicar de seus poderes de catedrática. Tive muitas dúvidas de consciência em relação a isso, porque meu cargo era de confiança, mas já tinha abraçado a causa: a melhor coisa para a Universidade era que ela se departamentalizasse. Era um pensamento praticamente geral entre os professores que a Cátedra era um sistema muito ruim, que o assistente tinha que "bajular" o catedrático, tinha que tolerar os seus erros, não poderia ser contra. A piada corrente era que o catedrático não podia pegar um resfriado, porque quem espirrava era o assistente. Achávamos que realmente, para o Ensino, para a Pesquisa, seria muito melhor criar um Departamento em que as coisas pudessem ser decididas conjuntamente, em que haveria mais interesse e cooperação de todos. Dona Annita já havia falado mesmo em separar a Cadeira em duas partes, e estávamos muito interessados em que nossa parte se transformasse em um Departamento.

Na verdade esse movimento foi deslanchado pelos alunos de toda Universidade, e os de Psicologia em particular, para forçar transformações no curso. Os alunos se queixavam de falta de serviços para a sua profissionalização, da duplicação de matérias, da falta de informação em certas áreas, de despreparo de professores, desencontros de horários, etc. Os alunos da Psicologia se aproveitaram do processo de recontratação de Dona Annita como catedrática interina para forçar essa Reforma, ocupando o pavilhão e impedindo a entrada dela. Talvez por isso o Departamento de Psicologia Social e Experimental tenha sido pioneiro na transformação da Universidade.

Não tenho certeza, mas talvez tenha sido a Carolina quem teve a idéia de levar o abaixo-assinado a D. Annita e dizer a ela: "Dona Annita, é a única solução que encontramos para que os alunos desocupem o pavilhão e voltem às aulas. Ao mesmo tempo nós achamos que isso vai no sentido que a senhora está falando, de divisão da Cadeira, nós vamos pedir que pelo menos essa parte da Cadeira se transforme em Departamento".

A resposta da Congregação e do CTA - Conselho Técnico Administrativo - foi de que a Cadeira poderia ser transformada em Departamento e que este deveria ser um gérmen de um futuro Departamento único, ao qual se agregariam os demais setores e Cadeiras existentes (a Cadeira de Psicologia Educacional e o Serviço de Psicologia Clínica, ligado à Cadeira de Psicologia, que tinha um curso de especialização em Psicologia Clínica, organizado pelo Professor Durval Bellegarde Marcondes e com um corpo docente notável, como Aníbal da Silveira, Judith Andreucci e outros).

Quando a Cadeira foi transformada em Departamento, foi feita uma eleição com participação dos alunos como um terço dos membros votantes do Departamento. Nessa eleição, foi eleita a Professora Carolina como primeira Diretora do Departamento de Psicologia Social e Experimental e eu fui eleito Vice-Diretor. Penso que os alunos confiavam na Carolina e viam nela uma líder, uma pessoa que poderia representar esses novos ares de mudança, inclusive porque ela tinha feito parte de uma Universidade revolucionária, a Universidade de Brasília, orientada pela concepção de Darcy Ribeiro de uma universidade reformada, com um curso básico para todos os cursos e depois com matérias diferenciadas. Carolina acreditava em ensino programado, individualizado e estava tomando iniciativas nesse setor, refletindo o prestígio do Prof. Keller, uma pessoa muito estimada pelos alunos. O principal, penso, é que ela não se furtou a assumir aquela liderança que estavam colocando em suas mãos. Realmente advogou a defesa da transformação da Universidade, no sentido de ser mais democrática, organizada em departamentos. Sua atitude provocou ciúmes, alguns achando que ela estava querendo empolgar o poder, sendo feitas acusações de que ela e Rodolpho estavam manipulando os alunos; chegou a ser criada uma comissão de inquérito, que penso que não deu em nada. Mas eu não vi isso na ação de Carolina. Vi que ela estava, realmente, querendo uma Universidade modificada, departamentalizada, democrática, com uma estrutura diferente.

Quando veio o AI-5, em 1968, água na fervura do movimento universitário, os estudantes se retraíram. A Reforma Universitária tomou um outro rumo, começou a ser feita não mais a partir de consulta às bases, como estava sendo feita no movimento de 1968, mas a partir do próprio Conselho Universitário. Determinou-se que deveria haver uma certa massa crítica, no sentido de um certo número de professores já com um determinado grau de titulação para que se pudesse criar um departamento ou uma unidade, faculdade ou instituto. Foi se tornando claro, pelo que se falava sobre as condições que deveriam ser preenchidas para se criarem os novos institutos, faculdades, departamentos, que a Psicologia não teria massa crítica, tinha muito poucos professores, tinha poucos recursos; deveria ser localizada em algum instituto, em alguma faculdade maior que fosse criada. Novos conflitos de poder e de opinião. Eu pensava que a Psicologia deveria ser colocada nas Ciências Biológicas, porque achava que as Ciências Biológicas tinham mais condições de fazer pesquisa, de ter mais recursos. Carolina também tinha essa preocupação com pesquisa, mas defendia que a Psicologia fosse colocada nas Ciências Humanas, se não pudesse ser um instituto separado. O Professor Arrigo defendia um instituto separado mas, na impossibilidade deste por falta de massa crítica, dizia-se que manobrava para que a Psicologia fosse para a Faculdade de Educação, o que não sei se era verdade.

Criado o Instituto, o nosso Departamento foi dividido em dois, provavelmente como parte da estratégia de reduzir o poder, já que nenhum dos dois poderia ser instalado por falta de docentes titulados. Eu estava interinamente na chefia e deveria fazer chegar às mãos do Prof. Arrigo, Diretor Pró-tempore do futuro Instituto de Psicologia, o nome dos professores que integrariam os departamentos em que o nosso departamento havia sido dividido. Notando, porém, que uma professora catedrática que viria da Escola de Educação Física, a Profa. Maria José Mondego Moraes Barros, lecionava disciplinas que integravam ambos os departamentos, convenci a maioria de meus colegas a convidá-la para uma visita ao B-10. Nessa visita, perguntaríamos em qual departamento ela preferiria ser localizada, mas apontando-lhe que, em nossa opinião, ela integraria os dois que, com seu título, ajudaria a instalar - o que seria melhor para o instituto do que instalar um só - e que, em seguida, se licenciaria de um deles, exercendo sua opção. Feita a visita, e exposta essa opinião, a professora ficou de consultar autoridades superiores e comunicar sua decisão. Ao voltar, disse-nos que concluíra que era seu direito e dever ser incluída em ambos os departamentos, e pediu, na condição de pessoa com o maior título, para ser a portadora das listas para o Diretor Pró-tempore. Este, frustrando parcialmente nossos desígnios, destacou a Profa. Maria José Moraes Barros para o Departamento de Psicologia Experimental, deixando sob tutela o Departamento de Psicologia Social e do Trabalho.

Acabamos, pois, instalando o Departamento de Psicologia Experimental, e esperávamos que Carolina participasse, como representante dos doutores, do Conselho chefiado pela Profa. Moraes Barros. Carolina se recusou, por não concordar com essa nossa tática, adotada enquanto ela estava de férias. Achava que era preferível sermos tutelados a trazer uma pessoa de fora para a chefia. Talvez ela tivesse razão, não sei.

O fato é que daí para frente a atuação da Carolina foi sempre mais ligada à pós-graduação. Como o nosso Departamento perdeu a luta pelo domínio da Congregação, por falta de titulados, e com isso passamos a ter poucos recursos e possibilidades dentro do Instituto, nossa alternativa foi nos voltarmos para fora para termos peso no ensino. Acho que tanto Carolina como eu vimos que a saída para o Departamento era fortalecer o curso de pós-graduação, onde estaríamos menos atados ao curso de Psicologia e à estrutura existente. Acho que Carolina teve um papel extraordinário nisso: devido à sua história, por já ter estado em outros locais, pelo fato de atuar também junto à SBPC, era mais conhecida no meio acadêmico e atuou como um elemento de polarização para os outros estados do país, para os outros cursos de Psicologia. Não fosse a Carolina, teríamos tido mais dificuldade de consolidar nosso curso de pós-graduação, que se fortaleceu inicialmente pela demanda de alunos de outros estados, em grande parte devido à influência da Carolina. Devemos a ela também, além da iniciativa quanto a solicitar auxílios em instituições federais, uma preocupação constante que houve no regimento de pós-graduação com a formação experimental e de pesquisa, a preocupação de que o aluno devesse ter obrigatoriamente disciplinas que fossem de laboratório e que envolvessem a pesquisa científica. Eu a secundei nisso.

O papel de Carolina na pós-graduação foi devido, em grande parte, ao fato de ter sido designada para presidir a primeira Comissão de Pós-Graduação provisória no Instituto, que deveria constituir o primeiro regulamento do curso de pós-graduação. Em seguida, depois de feito esse regimento, ela chefiou a Comissão de Pós-Graduação durante vários anos seguidos, dando uma continuidade a esse programa. E foi devido também ao fato dela ter trabalhado até com sacrifício pessoal, tanto na Comissão de Pós-Graduação e em outras instâncias da Universidade e da comunidade científica, como no próprio curso de pós-graduação, no qual chegou a ter mais de vinte orientandos simultaneamente, abdicando de pesquisa e de carreira pessoais.

Deve-se lembrar aqui que, antes da reforma, o Departamento inteiro fez muita pressão sobre ela para que fizesse a Livre-Docência em um prazo muito rápido, para que tivéssemos um livre-docente. Sob enorme tensão psicológica - pois à pressão do Departamento contrapunham-se outros interesses contrários - ela fez uma tese sobre a qual me coube opinar e com a qual pude colaborar com sugestões. Submetida a tese, a Comissão Examinadora solicitou que fosse retirada sob pena de ser reprovada, claramente uma forma de evitar que ela conseguisse o título, já que certamente era melhor do que muitas outras teses aprovadas, segundo minha experiência.

Cumpre destacar o sacrifício pessoal de Carolina como Presidente da CPG (Comissão de Pós-Graduação de Psicologia), por muitos anos: na elaboração do primeiro Regulamento de pós-graduação do Instituto, e depois no trabalho do dia-a-dia dessa Instituição. Ela se destacou pela busca de informações, pelas propostas, pelo esforço para manter, sobretudo, exigências que garantissem a formação científica sólida dos alunos, uma formação para investigação. Por todas essas razões, por seu espírito de luta, sua energia, sua lealdade à causa da formação científica sólida, ela foi a "Dama de Ferro do Instituto de Psicologia". É uma mulher de uma energia inquebrantável, que não se deixa abater por derrotas. Sempre teve suas próprias idéias e foi capaz de perseguir os seus ideais, apesar dos revezes.

  • MARTUSCELLI, C. Os experimentos de interrupçăo de tarefa e a Teoria de Motivaçăo de Kurt Lewin. Boletim da Faculdade de Filosofia, Cięncias e Letras da Universidade de Săo Paulo, n.174, p.1-160, 1959. Série Psicologia, n.5.
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    Texto editado por Ana M. A. Carvalho a partir de depoimento, em gravação, prestado pelo autor a Sara T. Perez Morais.
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    Annita de Castilho e Marcondes Cabral
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Nov 1998
    • Data do Fascículo
      1998
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