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Comportamento e saúde: doenças e desafios

Comportement et Santé: Maladies et Défis

Behavior and Health: Disease and Challenges

Resumos

A área comportamento e saúde se desenvolveu como de pesquisa e aplicação, sendo conceituada e nomeada de formas diversas. Nota-se que, atualmente, há quase um consenso de que esta área deve enfocar prevenção, tratamento e ser multidisciplinar. Continua, no entanto, em desenvolvimento o favorecer pesquisas em modelos parcimoniosos testados que permitam estabelecer os mecanismos e a avaliação de intervenções eficazes.

Comportamento; Saúde; Psicologia da saúde; Conceitos; Avaliação


Le secteur comportement et santé s’est développé comme de recherche et d’application, étant conceptualisé et désigné de diverses manières. On note qu’actuellement un consensus existe dans la pratique pour que ce secteur comprenne la prévention, le traitement, et soit multidisciplinaire. Toutefois on poursuit le développement des recherches favorisant des modèles minutieusement testés qui permettent établir les mécanismes et l’évaluation d’interventions efficaces.

Comportement; Santé; Psychologie de la santé; Concepts; Évaluation


The area of behavior and health has been developed in terms of research and application, and its terminology and concepts depend upon theoretical references. It seems that nowadays there is a consensus that the area must involve prevention, treatment and multidisciplinary work, organized according to parsimonious and experimental standards which continue to be developed, in order to define the mechanisms involved and appropriate interventions.

Behavior; Health; Health psychology; Concepts; Evaluation


COMPORTAMENTO E SAÚDE: DOENÇAS E DESAFIOS

Rachel Rodrigues Kerbauy1 1 Endereço para correspondência: Rua Feliciano Maia, 189 - CEP: 04503-070, São Paulo, SP. Endereço eletrônico: rkerbauy.usp.br

Instituto de Psicologia - USP

A área comportamento e saúde se desenvolveu como de pesquisa e aplicação, sendo conceituada e nomeada de formas diversas. Nota-se que, atualmente, há quase um consenso de que esta área deve enfocar prevenção, tratamento e ser multidisciplinar. Continua, no entanto, em desenvolvimento o favorecer pesquisas em modelos parcimoniosos testados que permitam estabelecer os mecanismos e a avaliação de intervenções eficazes.

Descritores: Comportamento. Saúde. Psicologia da saúde. Conceitos. Avaliação.

Comportamento e saúde talvez seja a área que mais se desenvolveu nos últimos vinte anos. Como área nova, está centrada nos problemas recorrentes da Psicologia e buscando soluções teóricas ou técnicas para problemas de saúde.

Atualmente, na Psicologia, assistimos a fundação de sociedades que aglutinam psicólogos interessados em pesquisa e profissão. O interesse nessas associações é pela área de especialização, metodologia e interpretação teórica dos dados. Considero que a separação entre ciência e profissão, que às vezes parece ser objeto de discussões entre facções, seria prejudicial à Psicologia. Seria traição à herança das associações que, em sua maioria, foram fundadas para desenvolver a Psicologia como ciência e discutir os problemas principais da área. Também impediria ou dificultaria a possibilidade da Psicologia ter representatividade e conseguir fazer contribuições reconhecidas pela sociedade e políticas científicas.

Em 1990, um grupo de psicólogos representativos de 69 sociedades psicológicas americanas comportamentais e cognitivas, reuniu-se e publicou um documento, em 1992, que estabelecia as prioridades para a psicologia e ciências relacionadas. Foram seis os objetivos destacados: produtividade no local de trabalho, escolaridade e competência em leitura compreensiva, a sociedade idosa, o abuso do álcool e drogas, saúde e violência.

Esses problemas e seu enfrentamento e solução pela Psicologia estão irrevogavelmente ligados a questões éticas e morais, e especialmente, a como a Psicologia é definida, e em decorrência, quais seriam seus métodos e as questões formuladas.

Examinando a história curta da Psicologia, verificamos que a discussão da possibilidade de uma ciência da mente e como estabelecer suas operações e seu conteúdo, determinou os tipos de investigação e respostas e gerou polêmicas. Watson (1913), exagerando talvez, determinou o abandono da mente e a ênfase no estudo do comportamento e deu origem ao behaviorismo que influenciou a psicologia americana e mundial. Originaram-se desse conceito básico, divergências, questões e métodos propostos pelos neo-behavioristas cujas idéias imperaram até os anos oitenta. Hoje, observa-se como sempre na História, uma reação, e o estudo da mente retornando com a psicologia cognitiva, independente de grupos behavioristas continuarem seu trabalho, como o caso do behaviorismo radical, demonstrando como estudar a consciência e a cognição através da fundamentação de suas afirmações em pesquisas controladas.

Outra questão recorrente na Psicologia é onde se localiza a mente. Hoje, o possível local considerado é o cérebro e florescem as neurociências com psicólogos, neurólogos e psicobiólogos investigando problemas correlatos. Claro que com 100 bilhões de células nervosas e as suas inúmeras conecções, as relações entre cérebro e comportamento ou consciência estão ainda em fase inicial de explicação.

Esses problemas, bem como a eterna questão filosófica e psicológica da relação mente – corpo, e qual o modelo dessa relação, correm em paralelo. É também recorrente a questão sobre a natureza (genética) e o ambiente, embora nem sempre discutidas com essas denominações. Quanto os estudos sobre o DNA e os projetos de decodificação genética esclarecerão os problemas, ainda está em aberto.

Essas questões, que têm merecido estudo detalhado dos psicólogos e estudantes de psicologia, são relevantes para compreender cada momento do debate e soluções ou falhas que existiram em diversas épocas e no enfoque dos problemas tratados. Os erros e acertos nem sempre são evidentes, estão permeados pelo Zeitgeist, ou espírito do tempo, como denominou Boring (1957). De fato, compartilhamos crenças e afirmações de um momento específico, de um período de tempo. Para entender esse fato, Hothersall (1995) ilustra com a pesquisa de Pierre-Paul Broca, que estudou a localização da fala no cérebro humano, existindo a área de Broca, onde demonstrou a lesão responsável pela afasia. Seus estudos ainda hoje são relevantes. Suas pesquisas mudaram o debate sobre localizações cerebrais. Foram apresentados, no século XIX, 3000 estudos sobre afasia e seu nome é reverenciado com a área de Broca. No entanto, esse pesquisador estava convencido de que a mulher é um produto inferior da evolução e seu cérebro menos desenvolvido que o dos homens. Afirmava que essa diferença se acentuava a cada geração. Sabemos hoje que essa conclusão é errada e baseada em controle experimental insuficiente, mas harmonizou-se com as crenças do período, meados do século XIX.

A questão da denominação e conteúdo da área

Essa introdução pareceu necessária para analisarmos o que ocorre na Psicologia em relação à saúde. Podemos dividir a área psicologia e saúde, baseando no conjunto de pesquisas com doenças e seu tratamento ou enfocando a prevenção, estilo de vida, adesão a tratamento, colocando mais ênfase no processo de aprender os comportamentos necessários, analisando-se as condições existentes. Kerbauy (1999) afirma que, para estudar saúde e doença, é necessário detalhar o processo para avaliar os resultados: "como processo é necessário especificar as variáveis biológicas do organismo e como estas são afetadas pelas contingências ambientais" (p. 20).

Na realidade os livros publicados em diversas partes do mundo (Burish & Bradley, 1993; Holroyd & Creer, 1986; Matarazzo, Weiss, Herd, Miller, & Weiss, 1982; Ogden, 1996), além da definição da área de pesquisa e profissão, procuraram determinar variáveis relevantes para explicar os tratamentos de saúde e sua manutenção.

No caso da Psicologia da Saúde, até a denominação é ainda problemática e baseada em referenciais teóricos e discussão de como se denominar uma área que aplica os princípios de psicologia a problemas de saúde e doença: medicina psicossomática, medicina comportamental, psicologia da saúde, psicologia hospitalar.

Continuamos a ter teorias (resquício da filosofia?) vinculados a interesses ou Zeitgeist do momento. Há 250 teorias em psicologia e várias outras teorias alternativas, tão em moda atualmente, que trazem problemas que dados experimentais já resolveram ou que escapam à área da ciência e seriam para outro tipo de indagação e investigação.

Mesmo sem considerar a experimentação em laboratório, os achados de Darwin demonstravam que, além da introspecção, era possível empregar outras técnicas de coleta de dados, especialmente a observação. Através dos anos e pesquisando problemas diversos, psicólogos inovaram as maneiras de coletar dados e a definição clara de problemas e áreas de estudo.

Neste contexto, antigo e novo, o que acontece com a Psicologia e a Saúde e quais influências a marcaram, seria a pergunta. Mesmo separando a pesquisa da aplicação, nota-se que objetivos, maneiras de trabalhar, formação profissional, definição de problemas e da área, necessitam ser especificados, com urgência.

Psicologia da Saúde é definida por Matarazzo (1980) como:

Um conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais da disciplina da Psicologia para promoção e manutenção da saúde, a prevenção e tratamento de doenças, a identificação da etiologia e diagnóstico dos correlatos de saúde, doença e funções relacionadas, e a análise e aprimoramento do sistema e regulamentação da saúde. (p. 815)

Dessa forma a área se distingue da Psicologia Clínica por compreender o comportamento no contexto da saúde e doença. Embora possa ser importante distinguir saúde mental e física, a psicologia da saúde focaliza principalmente os aspectos físicos da saúde e doença e os modelos empregados em saúde mental nem sempre são os mais indicados. Para difundir os conhecimentos da área foi criado o Journal of Health Psychologycujas publicações são predominantemente de psicólogos.

Historicamente, a psicologia da saúde começou com um grupo de trabalho em 1970, na American Psychological Association (APA), e tornou-se uma divisão em 1979. Também em 1978 foi definido pelos participantes da Yale Conference, o campo de Medicina Comportamental que procurava integrar as ciências comportamentais e biomédicas. Houve a seguir, no mesmo ano, uma redefinição pela Academy of Behavioral Medicine Research, com ênfase na integração das ciências médicas e comportamentais. A definição é de Schwartz e Weiss (1978),

Medicina Comportamental é um campo interdisciplinar preocupado com o desenvolvimento e integração dos conhecimentos e técnicas das ciências comportamentais e biomédicas, relevantes para a compreensão da saúde e doença e a aplicação desse conhecimento e dessas técnicas para a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. (p. 250)

Uma revista também surgiu, o Journal of Behavioral Medicine, que tem a interdisciplinaridade como característica.

O importante nas definições é conceituar mais que uma simples disciplina. É ser uma concepção que procura salientar o processo de organização e contribuição de vários profissionais com o objetivo de esclarecer problemas comuns de saúde e doença, propondo intervenções adequadas.

Neste trabalho não pretendemos enumerar problemas decorrentes das diferenças entre as disciplinas que pesquisam e atuam na área da saúde com a terminologia, o conhecimento, difícil de ser totalmente dominado e os problemas de comunicação existentes. Todos eles podem ter soluções com formação profissional entendida como definição dos objetivos da atuação, limitações, conhecimento das técnicas empregadas, avaliação dos resultados, estudo constante e aprendizagem de como observar o trabalho avaliando o efeito que produz.

Apesar da denominação Psicologia da Saúde ser a mais empregada atualmente, há de se considerar que a denominação Medicina Psicossomática foi o primeiro desafio ao modelo médico. Decorria da análise da relação doença física e mente feita por Freud e pela Psicanálise e sugere que as doenças são causadas por fatores psicológicos. Também é denominada de Psicologia Médica, e nesse caso procura englobar a análise da interação médico-paciente e as condições biopsicossociais. Esse conceito parece mais recente e provavelmente sofreu o impacto das definições dos autores citados anteriormente e especialmente da literatura na área. Publicou-se também uma revista antiga, a Psychosomatic Medicine.

Embora a psicossomática tenha se desenvolvido na Europa e com a Psicanálise, é o referencial psicodinâmico o empregado por profissionais em diversos países, como Jeammet, Reynand, e Consoli (1982).

No entanto ao pensar em saúde o importante parece ser a pergunta: quais as intervenções que salvam vidas? Quais as intervenções que têm impacto na saúde?

Essas perguntas parecem conduzir à prevenção e adesão a tratamento. No caso da prevenção, medidas simples como atendimento materno-infantil, atendimento ambulatorial, nutrição, água e esgoto, atendimento de moléstias infecciosas e especialmente sua prevenção pode ser a quase solução.

Ao colocarmos a ênfase em prevenção e adesão a tratamento e em medidas simples, apontadas pelas pesquisas epidemiológicas e pelos estudos econômicos que demonstram a relação, não se descaracteriza o tratamento do Psicólogo.

Ramos Cerqueira (1997) uma das pioneiras de trabalho em Psicologia Médica afirma:

Salientamos ainda que se é necessária a imersão no contexto das instituições de saúde para compreender o seu funcionamento, sua influência sobre o processo saúde-doença, sobre a relação médico e paciente, se é necessária a compreensão do modelo biológico para se atuar junto ao doente, para se prevenir doenças, é um desafio no momento atual o desenvolvimento de modelos de atuação e pesquisa que privilegiem a consideração do fenômeno psicológico em sua totalidade. (p. 532)

Marteau e Johnston (1987) advertem para o risco de se negligenciar modelos psicológicos, privilegiando o modelo médico, na compreensão do campo da saúde e doença.

É importante lembrar o risco de, atuando sob a perspectiva do modelo médico, tentar adequar o paciente às exigências da instituição, assumir o modelo cartesiano, do dualismo mente-corpo, e assim enfraquecer, mais que contribuir para essa nova área da Psicologia. (p. 538)

Há temas, no entanto, recorrentes em vários autores. Davidson e Davidson (1980) salientam que um movimento se iniciou por trabalhos com a teoria de análise do comportamento e deslocou-se mais para o emprego da aprendizagem social de Bandura (1977). Como conseqüência, houve mudanças no planejamento de programas de estilo de vida e na importância da automanipulação (atualmente denominada auto-gerenciamento) e de habilidade de manter um comportamento quando iniciado. Prochaska, Narcross, e Diclemente (1994) demonstram estágios de mudança identificados em pesquisa e propõem um modelo transteórico para compreender os diversos estágios. Portanto, explicar a mudança e demonstrar que podemos exercer algum controle no decorrer de vida é peça chave para construir novos estilos de vida que a saúde ou a doença exigem e consequentemente os programas de prevenção, tratamento e manutenção.

É fato que a medicina avança com velocidade, especialmente as pesquisas epidemiológicas, podendo predizer com segurança quais coisas facilitarão um estilo de vida saudável e como resultado a saúde, desde que as pessoas sejam informadas das possibilidades existentes e executem os comportamentos necessários.

No entanto, para que essa informação resulte em ações eficazes, a terapia comportamental e cognitiva vem construindo técnicas práticas e eficazes, e demonstrando como estes estilos de vida saudáveis podem ser construídos. Possivelmente, a preocupação em produzir teorias do porque ou como as pessoas mudam ou desempenham padrões destrutivos têm mantido as pesquisas e a recorrente busca de descrever tipos de personalidade que seriam condições facilitadoras para a ocorrência de certas doenças.

Novamente nos colocamos diante das reais descobertas da psicologia como ciência, e dos modelos explicativos para a psicologia da saúde mas lamentavelmente, também do emprego de técnicas e explicações sem fundamentação teórica ou experimental suficiente, baseando-se em pressupostos de outras áreas de conhecimento.

Enfoques para explicar a saúde e doença

Sem pretender esgotar as maneiras de explicar a doença ou a saúde, convém retomar explicações utilizadas na literatura devido à conseqüência na atuação profissional e pesquisa, e também porque o leigo as emprega para explicar seus comportamentos.

Entre esses modelos, um dos mais conhecidos é o do stress, que não é considerado como um fator desencadeante de estados emocionais e fisiológicos, mas uma descrição da transação do indivíduo com o meio que, ao proceder à avaliação da situação, a percebe como ameaçadora ao seu bem estar. Da maneira como o stress às vezes é descrito parece ser a própria psicologia e não somente um dos fatores que poderiam predizer comportamentos saudáveis desde que bem definidos e com intervenções eficazes.

Considero que o fato mais importante que ocorreu nos últimos anos não é específico da psicologia da saúde, é o conceito de fator de risco para a saúde e qualidade de vida. Retirou o indivíduo de uma situação passiva diante de bactérias, poluição, degenerência celular e o colocou como responsável pela saúde. Olhar o próprio corpo e onde ele está me parece descrever essa interação do homem com o meio e torná-lo responsável pela interação com o ambiente. De certa forma, obriga a repensar o problema de porque pessoas praticam comportamentos inadequados para a saúde e talvez aponte para a insensibilidade ao risco ou otimismo exagerado.

Entre os modelos que influíram na área de comportamento e saúde destacaremos o modelo psicossomático, o biopsicossocial e o epidemiológico. Originaram-se de concepções teóricas diversas e consequentemente atuam diferentemente e mantém o isolamento entre si. Aventarei as ações ou interpretações controversas e que estão talvez se permeando pelas condições de saúde e doença atual e pela necessidade e conscientização da importância da prevenção.

O modelo psicossomático

Talvez seja o modelo mais antigo, desde os anos cinqüenta, e que se caracteriza por considerar doenças como resultantes de conflitos emocionais específicos, não resolvidos pelo paciente e que aparecem como uma condição física identificada. Não importa no caso, o desconhecimento pelo paciente desses conflitos.

É uma concepção mentalista que procura explicar as doenças por fatores psicológicos. É uma ênfase na relação mente-corpo, baseada em orientação psicodinâmica, especialmente na psicanálise e suas várias correntes. Como essa forma de pensamento psicanalítica dominou nos cursos de psicologia, inúmeros psicólogos trabalham com essas concepções. São interpretações baseadas em teoria. Interpretam desde o aparecimento da doença até sua manutenção e os fatores psicológicos são considerados como conseqüência e também causa.

O modelo psicossomático existe paralelamente aos outros enfoques e aqui no Brasil parece que tem sido substituído ou utilizado em conjunto com outros modelos, especialmente técnicas comportamentais e cognitivas, mesmo sem uma análise cuidadosa ou treinamento específico. É freqüente ouvir-se frases como: "Sou ... (nomeação de linhateórica ou autor psicodinâmico), mas aqui no hospital trabalho com comportamental porque é o que é possível". Sem comentários ...

O modelo biopsicossocial, a meu ver, inclui inúmeras teorias, tendo perdido a conotação de social e incluindo as teorias cognitivas e as comportamentais. Examina os fatores comportamentais preditivos da doença ou saúde e examina como as pessoas se comprometem. Se inicialmente a teoria era de Bandura (1977) analisando as expectativas, os incentivos e as cognições sociais, hoje, incorpora um conjunto de técnicas e abordagens teóricas. Os livros de texto sobre Psicologia da Saúde, já citados, demonstram essa variedade, junto talvez da exigência de resultados nos programas de intervenção com implicações claras na formação profissional.

Um dos pontos importantes das implicações dos modelos são os estudos sobre representações sociais que apresentam problemas na aplicação, se, além das representações, não se especificar os comportamentos a serem treinados.

De qualquer forma a ênfase em identificar variáveis, e especialmente as culturais e sociais que influem nos programas de intervenção, é uma evolução nos modelos de psicologia da saúde tendo implicações diretas na adesão a tratamento.

Dentro desses enfoques, é necessário ressaltar a abordagem educacional resultante dos estudos de aprendizagem e a conseqüente ênfase na escolha pessoal de participar dos programas. Geralmente os objetivos dos programas são os de ensinar às pessoas o que é medicina preventiva e como é necessário um treino específico de procedimentos, de observação pessoal, identificação de fatores de risco e redução deles através de mudanças de comportamento conseguidas após tomada de decisão e escolhas específicas para a doença ou saúde.

As intervenções de autocontrole ou auto-gerenciamento implicam em registro de situações e comportamentos, estabelecer objetivos após o autoconhecimento e a informação sobre o problema (doença, comportamento saudável, etc), planejamento e identificação de estímulos controladores e comportamentos alternativos, escolha de técnicas para serem utilizadas em momentos específicos (desejo de ser permissivo no caso de alimentação, fumo, etc), discussão sobre as ameaças de interrupção do programa e a recaída e como enfrentar esses períodos através de planejamentos de alternativas.

Os estudos de Marlatt e Gordon (1985/1988) sobre prevenção da recaída publicados em artigos e livros são clássicos, especialmente em droga-adição. No Brasil temos identificado regras pessoais que dificultariam a prevenção e manutenção. Entre essas regras que interferem na adesão especialmente quanto a medicamentos indispensáveis para controle da doença, temos como exemplo as seguintes: "Você tem que dar um descanso para seu corpo de tanto remédio", "Tomar remédio muito tempo faz mal", "Se você toma muito remédio quando precisar mesmo ele não dá resultado", "Eu acho que o remédio não está adiantando nada".

Para alterar essas regras, prejudiciais especialmente em caso de hipertensão e diabetes, é necessária uma intervenção, muitas vezes a nível familiar para bons resultados de manutenção. O mesmo problema existe na prevenção. São regras perpetuadas por gerações e insensíveis a novos conceitos, tais como: "Aqui no Brasil se come o que se pode ....", "Comida sem gordura parece lavagem", "O regime não pode ser para a família, as meninas precisam comer melhor", "Meu avô comeu carne de porco, fumou, bebeu e viveu até 85 anos", "Sem açúcar eu fico muito fraca", "Eu não agüento viver sem fumar".

Discussão com exemplos e análise dos comportamentos envolvidos e das conseqüências demandam semanas ou meses.

Os manuais de informação e sugestões para tratamento: algumas considerações

Há vantagens claras em escrever manuais ou fazer programas de vídeo para serem utilizados por pessoas portadoras de doenças. Economiza tempo dos profissionais de saúde e garante informações corretas. No entanto, podem também favorecer uma análise estrutural do problema em detrimento de uma análise funcional e seleção dos comportamentos-alvo para serem tratados, no caso daquele doente específico.

Muitas vezes, para adesão a tratamento, o psicólogo precisa tomar decisões idiográficas com seqüências de tratamento especiais. No atendimento profissional, não se trata de um protocolo de pesquisa que necessita ser padronizado. Como salienta Sielegman (1995), no caso de psicoterapia, a falta de observar diferenças individuais nas intervenções pode ser responsável por resultados desencorajadores baseados em resultados de tratamentos que demonstram mudanças entre grupos mas não diferenças entre tipos de tratamento. É o mesmo caso em psicologia da saúde agravado ainda pelo fato de que a população de hospitais e ambulatórios muitas vezes lê mas sem leitura compreensiva.

Como vimos pelas regras pessoais de adesão a tratamento ou prevenção expostas acima, muitas delas exigem a implementação de técnicas de intervenção para aquela pessoa ou família. Explicações prontas ou importadas muitas vezes estão distantes das pessoas e não têm respaldo em teorias e estudos que justifiquem aquela intervenção como psicológica.

É também necessário considerar que muitas intervenções com material escrito são realizadas em grupo. Embora se espere que o grupo auxilie no processo de adesão a tratamento, é necessário destacar a necessidade de verificar se isto realmente ocorre. Ou, se o resultado pouco satisfatório é explicado com frases como "Está desmotivado", "Muito doente", para participar.

Um cuidado especial precisa ser tomado com a descrição do material, bem redigido e em linguagem simples. Também as descrições precisam ser encaminhadas para as habilidades, instaladas passo a passo e continuamente orientadas para a tarefa esperada. Às vezes, a não aceitação do diagnóstico inicial e os problemas com sintomas ou mudanças no estilo de vida dificultam a compreensão do material distribuído. Isto demonstra novamente a necessidade de atendimento com análises funcionais cuidadosas que podem demonstrar a necessidade de menos informação e mais discussão sobre a esperança de cura e ações alternativas possíveis naquele momento.

Por exemplo, poderia ser solicitado falar sobre sentimentos quando a pessoa encontra-se em uma das fases iniciais dos cinco estágios descritos por Klüber-Ross (1969). Quando há negação da doença, ou raiva, nem sempre esses sentimentos são relatados. Realmente nessas fases, as mudanças e perspectivas podem parecer sombrias. É só depois na fase de negociação ou finalmente de aceitação que novas possibilidades de atuação são possíveis. Provavelmente teremos que trabalhar identificando objetivos anteriormente atingidos e como fazia.

Contingências novas estão existindo e, portanto, ocasião para novas emoções e ações. Cada novo padrão de comportamento dará dicas ao psicólogo de quais emoções e reforçadores estão atuando.

Em Psicologia da Saúde continua válida a estratégia de análise funcional do comportamento para especificar as ocasiões, o comportamento a ser desenvolvido ou mantido e quais conseqüências sociais ou pessoais estão realmente existindo.

Avaliação do trabalho na área da psicologia da saúde

É um desafio avaliar a eficácia dos procedimentos empregados nos tratamentos de doenças que são consideradas como condição para depressão e ansiedade e mudanças na qualidade de vida, devido aos problemas metodológicos e éticos. Esses problemas existem em quase todas as doenças. Entre eles, destacaria: 1) as intervenções que empregam psicoterapia e aconselhamento são geralmente vagas, sem clareza sobre os critérios de avaliação; 2) medidas utilizadas como perda de peso, fadiga, perda de sono, depressão, são facilmente confundidas: são decorrentes da doença ou do estado psicológico? Afinal, não existem muitos Goldiamond (1973) que, pelo registro acurado durante sua hospitalização com fratura na coluna, pôde destrinchar o que sentia e esclarecer o efeito da medicação; 3) os grupos de controle, difíceis eticamente, pois deixar alguém sem medicação ou com placebo em certos casos implica em riscos. No entanto, há estudos respeitados como o de Spiegel (1991) realizado na Universidade de Stanford que dividiu 86 mulheres com câncer de mama metástico em dois grupos. O grupo experimental, de apoio psicológico aprendeu a examinar seu medo de morte e organizar sua vida. Este grupo viveu 18 meses mais e com menos dor. A metodologia é adequada pois os dois grupos tinham câncer e o grupo de controle continuava com o tratamento habitual nesses casos; 4) os estudos avaliam também, geralmente, o ambiente doméstico, as relações familiares, o ajustamento no trabalho, as orientações médicas e a adesão como fator de qualidade de vida e longevidade. A idade dos pacientes, no caso de sobrevida é fator preponderante, especialmente quando os doentes são considerados passivos ou desamparados sem grupos de sustentação. A idade, a cultura na qual a pessoa vive, as condições de cuidar e a concepção de família, e a disponibilidade econômica e pessoal do cuidador são difíceis de medir e qualificar.

Os cuidadores de pacientes com doenças degenerativas como Alzheimer, por exemplo, têm obtido atenção especial e procura de alternativas para trabalhar com eles, pois apresentam depressão, insônia e doenças físicas, segundo Rabins, Mace, e Lucas (1982).

Os programas apresentados em pesquisas incluem intervenções psicoeducacionais, psicoterapêuticas e de auto-gerenciamento ou automanipulação. Incluem conhecimento sobre a doença e sua evolução, treino em relaxamento, grupos de apoio e intervenções cognitivas e comportamentais com técnicas descritas e freqüentemente pesquisadas. No entanto, os resultados são contraditórios pois não se mantêm e nem sempre atingem significância clínica.

McCurry e Schmidt (1994) apresentam diferenças comportamentais e cognitivas entre resignação, tolerância e aceitação, colocando aceitação como um processo de interação em que é possível avaliar o contexto e as escolhas e conseqüências. As pesquisas precisariam esclarecer esses conceitos e distinguir entre aceitação e esquiva e o impacto na vida diária salientando algumas variáveis com a observação dos eventos externos, causas e progressão de doenças e expectativas para o futuro, podendo também identificar os antecedentes associados a problemas específicos do paciente. Os eventos internos que podem ser relatados, especialmente os pensamentos e emoções, relacionados com o passado e presente, podem facilitar um melhor nível de relacionamento com o paciente verificando que muitas reações são aceitáveis e normais.

Esses problemas são tratados em estudos, mas a meu ver faltaria estabelecer a ligação entre pesquisa aplicada e básica, como o artigo de Mijares e Araújo Silva (1999) sobre a lei da igualação e suas implicações e o de Ramos Cerqueira (2000) sobre a discussão de conceitos e das pesquisas que a embasam. Muitas vezes se presumiu que a aplicação de princípios básicos a uma série de problemas clínicos tornaria mais compreensível e poderosas as intervenções, fato que pode acontecer ou não.

Considero que se conhece pouco sobre as emoções eliciadas, os reforçadores, as funções da linguagem e os estímulos complexos. Entrar no organismo para explicar comportamento pode não ser a melhor alternativa. Estudos demonstram em fato e há polemicas. Um estudo elegante com 11 pacientes com síndrome de dor crônica, voluntários, com dor persistente em torno de 6 meses demonstrada por queixas, expressões faciais, movimentos ou posturas corporais, sem apresentarem invalidez física que impedisse a emissão de comportamentos saudáveis. Residiam com um co-participante. Ambos foram treinados a registrar a ocorrência de comportamentos específicos durante períodos de intervenção ou proximidade física, em sua rotina diária, pois o estudo era o mais possível em situação natural. Os registros não poderiam ser mostrados a ninguém antes do final das duas semanas do estudo. O registro abrangia comportamentos saudáveis de exercícios a afirmações positivas sem referência à dor e reforçadores variados de atenção a não reforçamento em resposta à dor ou comportamentos saudáveis. Como o estudo baseou-se na explicação pela hipérbole de Herrestein, verificaram que este explicava 86% da variância dos comportamentos de dor, e 76% da variância dos comportamentos saudáveis. Em ambos os casos, a freqüência de respostas estava relacionada à freqüência de reforços fornecidos por uma pessoa significativa do ambiente do doente. Os resultados mostram também que os comportamentos de dor eram mais freqüentes que os saudáveis a despeito da freqüência de reforçamento para respostas alternativas à dor, ou seja, reforçar respostas alternativas à dor não implica que comportamentos saudáveis sejam reforçados pois podem não estar incluídos nas categorias estudadas. No entanto, é incoerente com outras pesquisas sobre dor ao demonstrar que os sujeitos emitem menos comportamentos de dor quando se dedicam a comportamentos saudáveis.

Estudos como esse de observação e descrição de comportamentos são cruciais na área, para garantir resultados. Este é outro tópico fundamental: quais medidas transformarão pesquisas em dados que permitam sair de trivialidades e garantir progressos continuados.

Para encerrar, gostaria de salientar a necessidade do psicólogo ter um repertório verbal mínimo que permita cooperar com outros profissionais e pesquisadores e descrever fenômenos importantes da área, de forma a manter a psicologia como ciência e rejeitar intervenções questionáveis sem descrição detalhada e demonstração de um comprometimento autêntico com a Psicologia e suas descobertas e indagações.

Kerbauy, R. R. (2002). Behavior and Health: Disease and Challenges. Psicologia USP, 13 (1), 11-28.

Abstract: The area of behavior and health has been developed in terms of research and application, and its terminology and concepts depend upon theoretical references. It seems that nowadays there is a consensus that the area must involve prevention, treatment and multidisciplinary work, organized according to parsimonious and experimental standards which continue to be developed, in order to define the mechanisms involved and appropriate interventions.

Index terms: Behavior. Health. Health psychology. Concepts. Evaluation.

Kerbauy, R. R. (2002). Comportement et Santé: Maladies et Défis. Psicologia USP, 13 (1), 11-28.

Resume: Le secteur comportement et santé s’est développé comme de recherche et d’application, étant conceptualisé et désigné de diverses manières. On note qu’actuellement un consensus existe dans la pratique pour que ce secteur comprenne la prévention, le traitement, et soit multidisciplinaire. Toutefois on poursuit le développement des recherches favorisant des modèles minutieusement testés qui permettent établir les mécanismes et l’évaluation d’interventions efficaces.

Mots clés: Comportement. Santé. Psychologie de la santé. Concepts. Évaluation.

Recebido em 17.12.2001

Aceito em 5.02.2002

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2002
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Aceito
      05 Fev 2002
    • Recebido
      17 Dez 2001
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