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Discurso psicológico e população LGBTI: endereçamentos de uma ação clínica e política

Psychological discourse and the LGBTQ+ population: directions of a clinical and political action

Le discours psychologique et la population LGBTQ+ : orientations d’une action clinique et politique

El discurso psicológico y la población LGBTI: un camino hacia una acción clínica y política

Resumo

A clínica psicológica, acompanhando entrelaces e experiências diversas no campo da saúde e da educação, é entendida como espaço de recolhimento de questões que tematizam a existência humana. Por meio de leitura bibliográfica, pretendemos dialogar com fenômenos humanos que, sob o caos cotidiano, reverberam compreensões para a clínica psicológica como campo político de ação. Partimos de apontamentos de Hannah Arendt para abordar uma possível ação clínica que faz interface com a política. Buscamos evidenciar as identidades de gênero e orientações sexuais como constructos que permeiam e são permeados por forças que ora direcionam, ora excluem, dadas as confusões em torno do poder e da violência que desde tenra história revelam a sua não-conformidade com a ciência psicológica. Questionamos o lugar do fazer e do saber da psicologia, salientando que sua atitude deveria caminhar numa direção ética e dialogar com uma ação clínica e política.

Palavras-chave:
ação clínica; ação política; população LGBTI; ciência psicológica

Abstract

The psychological clinic, involving different experiences and interrelations between health and education, is mainly understood as a space of recollection of questions that characterize human existence. By means of a bibliographical reading, this study investigates human phenomena that, understood under the everyday chaos, echoes understandings for the psychological clinic as a political arena. Based on Hannah Arendt, the text begins by discussing a possible clinical action interfacing with politics. It highlights gender identities and sexual orientations as constructs that permeate and are permeated by forces that sometimes direct and sometimes exclude, given the confusions regarding power and violence that from antiquity reveals their non-conformity with psychological science. It calls into question the place of psychology, as knowledge and praxis, pointing out that the psychologist’s attitude should move towards ethics and dialogue with a clinical and political action.

Keywords:
clinical action; political action; LGBTQ population; psychological science

Résumé

La clinique psychologique, impliquants différents expériences et entrelacements entre la santé et l’éducation, est largement comprise comme un espace de recueillement des questions qui caractérisent l’existence humaine. Par le biais d’une lecture bibliographique, cette étude examine des phénomènes humains qui, compris dans le chaos quotidien, font échos à la compréhension de la clinique psychologique en tant que champ politique d’action. En se basant sur Hannah Arendt, le texte commence par discuter d’une possible action clinique en interface avec la politique. Il souligne les identités de genre et les orientations sexuelles comme des constructions qui imprègnent et sont imprégnées par des forces qui parfois dirigent et parfois excluent, étant donné la confusion concernant le pouvoir et la violence qui, depuis l’antiquité, révèlent leur non-conformité avec la science psychologique. Il remet en question la place de la psychologie, en tant que savoir et praxis, en soulignant que l’attitude du psychologue devrait s’orienter vers une éthique et le dialogue avec une action clinique et politique.

Mots-clés:
action clinique; action politique; population LGBTI; science psychologique

Resumen

La clínica psicológica al seguir entrelaces y experiencias diversas, sobre todo, en el campo de la salud y la educación se entiende como un espacio de recogida de cuestiones que tematizan la existencia humana. Por medio de una lectura bibliográfica, pretendemos dialogar con fenómenos humanos que, al caos cotidiano, reflejan conocimientos para la clínica psicológica como un campo político de acción. Partimos de apuntes de Hannah Arendt para tematizar una posible acción clínica que hace interfaz con la política. Buscamos evidenciar las identidades de género y orientaciones sexuales como constructos que permean y están impregnados por fuerzas que ora dirigen, ora excluyen, dadas las confusiones en torno al poder y la violencia, que desde tiempos remotos revela la no conformidad de tales existencias con la ciencia psicológica. Cuestionamos el lugar del hacer y del saber de la psicología, demarcando que una actitud del psicólogo debería caminar hacia la ética y dialogar con una acción clínica y política.

Palabras clave:
acción clínica; acción política; populación LGBTI; ciencia psicológica

Nunca se ouviu falar tanto em gênero e sexualidade como nos últimos anos. Os estudos científicos (da saúde, da educação e os estudos sociais) articulam saberes a práticas diárias que tentam considerar o gênero e a sexualidade como forças de poder que dialogam com estratégias e recursos de que nem mesmo as ciências conseguem dar conta. Diversas perspectivas teóricas entram em debate para tentar elucidar e analisar como essas existências aparecem malogradas no decorrer da história (Bento, 2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.; Leite Jr., 2011Leite, J., Jr. (2011). Nossos corpos também mudam: A invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, SP: Annablume .; Miskolci, 2013Miskolci, R. (2013). Teoria queer: Um aprendizado pelas diferenças (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica .; Pelúcio, 2009Pelúcio, L. (2009). Abjeção e desejo: Uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. São Paulo, SP: Annablume .). Apesar de tais considerações, a pertinência de esclarecer as demandas que se configuram como emergentes e urgentes aparece como problemática no campo da psicologia.

Desde que esta disciplina se inaugurou como ciência, não conseguiu identificar o cerne de seu objeto de estudo, por vezes nebuloso, a partir de suas diversas correntes teóricas e escolas filosóficas, tal como aponta Figueiredo (2014Figueiredo, L. C. M. (2014). Matrizes do pensamento psicológico (20a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.). Essa delegação de saberes reverbera na psicologia em uma consequente confabulação em torno de suas compreensões de humanidade e de mundo, refletindo no modo como as práticas psicológicas são endereçadas a clientelas, grupos e instituições, como aponta Martín-Baró (1991/2013Martín-Baró, I. (2013). O método em psicologia política (F. Lacerda, trad.). Psicologia Política, 13(28), 575-592. (Trabalho original publicado em 1991)).

No que diz respeito a essas práticas, parece que a psicologia tematiza e incorpora estudos de outras áreas do conhecimento para emprestar-se e empreitar-se na compreensão de nuances que fogem do que notoriamente se constituiu como normativo em nosso modelo ocidental de ciência. Assim como as noções de saúde e doença, direitos e deveres, vida e morte, normal e patológico, os estudos que buscaram propor um novo olhar para gênero e sexualidade resultaram na apropriação de contextos que demonstraram que a concepção de binarismo imposta pelo modelo patriarcal vigente não mais fazia sentido (Bento, 2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.).

Com as acepções sobre o homem e a mulher, especialmente quando esta se torna o cerne de questões reflexivas com o movimento feminista, as construções de sentido que perfazem práticas privativas passam a ser reconfiguradas no espaço público. Nesse cenário, as existências lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e de pessoas intersexo (LGBTI e outras atestações de identidades sexuais e de gênero) aparecem como geradoras de discursos e de saberes que permitem a edificação de posições sobre a vigilância e a punição da sexualidade. No entanto, tais existências são transpassadas pela manutenção de um arquétipo vivo nos espaços públicos e privados, que muitas vezes desqualifica suas experiências, e tem como produto “o controle, a defesa, a dominação e a manutenção de um ego modelo” (Silva & Ortolano, 2015Silva, A. S., & Ortolano, F. (2015). Narrativas psicopolíticas da homofobia. Trivium - Estudos interdisciplinares, 7(1), 1-18. doi: 10.18370/2176-4891.2015v1p1
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, p. 15).

Esse retorno da sexualidade ao espaço privado evidencia o caráter violento subjugado pela notória concretização da exclusão e apagamento de existências que fugiriam da normatividade de desejo e identidade, tal qual a historicização desses corpos revela. Buscamos, assim, evidenciar esse contexto no qual a psicologia se debruçou sobre a escrutinação de verdades postas e impostas na tentativa de olhar para o fenômeno que advém das existências LGBTI.

Assim, chegamos à violência. O caráter da violência será aqui abordado como “a presença da ferocidade nas relações com o outro enquanto outro ou por ser um outro” (Chaui, 2018Chaui, M. (2018). Sobre a violência. Belo Horizonte, MG: Autêntica ., p. 36), permeadas pelo caráter privativo da negação de direitos, contrapondo-se à noção de respeito às existências que fogem da diagramação biológica e social causal, como as que dialogam com as identidades de gênero e com as orientações sexuais.

Olharemos para estes fenômenos da violência simbólica (Borrillo, 2010Borrillo, D. (2010). Homofobia: História e crítica de um preconceito. Belo Horizonte, MG: Autêntica.; Silva & Ortolano, 2015Silva, A. S., & Ortolano, F. (2015). Narrativas psicopolíticas da homofobia. Trivium - Estudos interdisciplinares, 7(1), 1-18. doi: 10.18370/2176-4891.2015v1p1
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; Sobral, Silva & Fernandes, 2019Sobral, H. S., Silva, M. L. V., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: O que a psicologia brasileira tem a dizer? CES Psicologia, 12(3), 20-34. doi: 10.21615/cesp.12.3.2
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; von Smigay, 2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.) que repercutem na trajetória vivida de LGBTIs a partir de uma compreensão de Hannah Arendt (1906-1975). Evidenciamos que tal reflexão não inaugura uma clínica psicológica, mas abre possibilidades de compreender uma clínica amparada pelo caráter político (Aragusuku & Lee, 2015Aragusuku, H. A., & Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de Psicologia. Gestão & políticas Públicas, 5(1), 131-154. doi: 10.11606/issn.2237-1095.v5p131-154
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; Martín-Baró, 1986Martín-Baró, I. (1986). Hacia una psicología de la liberación. São Salvador, SV: UCA., 1991/2013Martín-Baró, I. (2013). O método em psicologia política (F. Lacerda, trad.). Psicologia Política, 13(28), 575-592. (Trabalho original publicado em 1991); Toledo & Pinafi, 2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
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) que ressoa numa ação - a qual sinaliza uma aproximação com a intervenção psicológica, sempre destinada a recolher nesse outro a sua presença enquanto outro por ser outro no mesmo mundo que habitamos e co-construímos.

Assim, pretendemos discutir o caráter obtuso que retira da psicologia o encontro com a ação política e deposita-lhe amarras científicas fincadas em leituras prévias sobre a aquisição de um sexo, instaurando fronteiras sexuais fundadas pelo prisma das hierarquias que situam as diversas formas de experiências dissidentes (Borrillo, 2010Borrillo, D. (2010). Homofobia: História e crítica de um preconceito. Belo Horizonte, MG: Autêntica.). Concebendo esta ciência como importante no que diz respeito à compreensão destes corpos-existências violentados pela impossibilidade de ser quem são, consideramos que a prática psicológica deve estar amparada e apropriada para requerer seu próprio estatuto de produtora e geradora de discursos.

Identidade de gênero e orientação sexual como tematização: pelos caminhos das diferenças

Chamaremos de gênero aquilo que aparece como um importante marcador social da diferença, que se apresenta enquanto uma categoria de análise implicada com a raça, a classe social, a regionalidade, a estética, a política, a cultura e o corpo (Bento, 2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.; Louro, 2015Louro, G. L. (2015). O corpo educado: Pedagogias da sexualidade (3a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica .), sendo, como proposto por Chohfi, Melo e Souza (2021Chohfi, L. M. S., Melo, J. B., & Souza, P. A. (2021). Da violência epistemológica a epistemologias próprias: Experiências de narrativas com mulheres cis periféricas, mulheres trans e travestis. Saúde Debate, 45(spe 1), 27-38. doi: 10.1590/0103-11042021E102
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) “mantenedor de estratégias de sobrevivência e fortalecimento coletivo” (p. 28). Mulher cis ou trans, homem cis ou trans, travesti, agênero e gênero fluído são, portanto, exemplos de gêneros; já a orientação sexual pressupõe a veiculação do desejo, afeto e relações de poder, subsidiada pela direção para onde tais relações se destinam e particularizada pela experiência singular do exercício da sexualidade (Louro, 2015Louro, G. L. (2015). O corpo educado: Pedagogias da sexualidade (3a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica .). Gay, lésbica, bissexual, heterossexual e pansexual são, portanto, exemplos de orientações sexuais.

Usualmente o termo “diversidade” é empregado em discussões em torno das identidades de gênero e das orientações sexuais. No entanto, tematizaremos o termo “diferença” por concordarmos com Miskolci (2013Miskolci, R. (2013). Teoria queer: Um aprendizado pelas diferenças (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica .) quando fala que diversidade não tem o mesmo sentido que diferença. Para o autor, a diversidade representaria o diverso, o variado, o múltiplo, enquanto a diferença dialoga com a falta de igualdade ou de semelhança entre algo, fazendo uma distinção, separando.

Em diferença, estamos falando de questões relacionadas às desigualdades sociais, como as variações de poder entre orientações sexuais ou identidades de gênero, por exemplo; quando falamos em diversidade, estamos situando características vividas no cotidiano, frutos da dinâmica de sua relação com a diferença. É na diferença, portanto, que se marca, se aponta como este sujeito, e não outro.

Seguindo essa linha compreensiva, entendemos que a diferença demarcaria a condição de não-semelhança entre aquilo que foi entendido como natural, normal, regra e, portanto, presumiria a singularidade de existências LGBTI. Concebê-las a partir da noção de diversidade indicaria que a multiplicidade e variação entre sexo biológico, corpo e desejo, por exemplo, seriam amplamente entendidas como possibilidades naturais da condição humana. A alteridade seria a qualidade básica que daria conta dessa pluralidade. Ela se revela via acordos políticos e de poder, e é, nos campos da sexualidade, no seu exercício e no desejo, condição fundamental para assumir tais atributos como elementos da experiência humana (von Smigay, 2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.).

Esse lugar do diferente demarca a natural evidência do caráter violento que repercute na trajetória de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres trans, homens trans, pessoas intersexo , pessoas não-binárias e demais atestações de gênero e orientações sexuais que não seguem o padrão preestabelecido pela condição heterossexual cisnormativa. Para Bento (2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.), “construir conceitos referenciados na binaridade e universalidade produz uma violência epistemológica sutil, porque contribui para reproduzir invisibilidades” (p. 48). O lugar discursivo a que estes corpos-existências foram fincados e (des)naturalizados indica, por si só, a danosa relação de apagamento e anulação, desencadeando diversas práticas, saberes, estratégias e instrumentos que repercutem no viver cotidiano.

A violência de gênero, por exemplo, é um fenômeno social que está associada a outros problemas sociais e estruturais de difícil compreensão, especificamente porque depende de diversos fatores que se inter-relacionam/interseccionam (von Smigay, 2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.). Diante disso, podemos elencar que os olhares acerca da temática de gênero e sexualidade necessitam de aprofundamento (Borrillo, 2010Borrillo, D. (2010). Homofobia: História e crítica de um preconceito. Belo Horizonte, MG: Autêntica.), especialmente a partir dos contextos locais, tais como outras formas de opressão/exclusão. Daí, torna-se necessária a revisitação de nosso fazer-saber psicológico, justificada pela importância de se criar epistemologias próprias para dar conta do sujeito investigado pela psicologia (Martín-Baró, 1986Martín-Baró, I. (1986). Hacia una psicología de la liberación. São Salvador, SV: UCA.).

De fato, a ciência psicológica, embebecida e estabelecida por padrões de observação e mensuração de objetos que vêm desde o ponto de partida de sua condição científica, condiciona suas análises na tentativa de apontar e encaminhar questões sobre e para as vidas dos sujeitos. Esta atitude pré-reflexiva dialoga não somente com as ciências naturais, nas quais a psicologia busca raízes para incorporar em suas práticas privativas (como os testes psicológicos, por exemplo), como também aponta para a confabulação criada em torno do estatuto de verdade e legibilidade advindo de sua assepsia, produzindo, como aponta Figueiredo (2014Figueiredo, L. C. M. (2014). Matrizes do pensamento psicológico (20a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.),

o incremento do domínio técnico sobre a natureza, pressupondo a fiscalização, o autocontrole e a autocorreção do sujeito, que dão origem às preocupações epistemológicas e, principalmente, metodológicas, características da nossa época, e, numa decorrência, a um projeto de psicologia como ciência natural do subjetivo. (p. 19)

O estatuto da verdade, para as ciências humanas, presumiria a configuração da vigilância estabelecida em torno de métodos próprios que estabeleceriam ideais sobre o humano moderno, com um recorte da sua construção subjetiva. Essa pressuposição, a nosso ver, não consegue acompanhar o novo arranjo social com o qual lidamos no mundo contemporâneo, inclusive porque esse caráter subjetivo deflagra não somente as técnicas e métodos dispostos em decorrência da crítica ao modelo de projeto moderno, mas porque, e profundamente de natureza solitária, não acompanha esses mesmos sujeitos que presumiria como objetos de sua empreitada científica. Para Martín-Baró (1986Martín-Baró, I. (1986). Hacia una psicología de la liberación. São Salvador, SV: UCA., 1991/2013Martín-Baró, I. (2013). O método em psicologia política (F. Lacerda, trad.). Psicologia Política, 13(28), 575-592. (Trabalho original publicado em 1991)), torna-se importante sair do lugar psicológico centrado na lógica de modelos teórico-explicativos e experimentais advindos de ideais eurocêntricos e norte-americanos, ensejando um compromisso social com a comunidade brasileira e latina.

É nesse sentido que a sexualidade se torna uma das empreitadas modernas, passando a ser produzida em meio à coletividade, esta atravessada pelos ideais, preceitos e moral social e fundamentada por diversos aspectos da vida humana, diante do mundo, mas vivida na intimidade, dada a singularidade destes elementos (Toledo & Pinafi, 2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
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).

Foucault (2017Foucault, M. (2017). História da sexualidade 1: A vontade de saber. (5a ed., M. T. C. Albuquerque & J. A. G. Albuquerque, trads.). Rio de Janeiro, RJ: Paz & Terra.) dirá que a sexualidade aparece como uma luta de poder à medida que sustenta a lógica dos escrutínios do lar, e é ameaçada pela analogia entre público-privado. Em sua análise, as verdades já postas sobre o atributo sexual passam a ser conduzidas pelo Estado como uma forma de vigilância instaurada sobre e para os corpos, indiciando regimes que regulamentam estratégias de sobrevivência legitimadas pela bioética do poder. Nesta direção, há um retorno do corpo ao esconderijo, tornando o lar o ponto central para o condicionamento de uma sexualidade sadia. A figura do pai entra em voga como uma ameaça ao desenvolvimento de questões que fugiriam do padrão estabelecido para a família, focalizando não só o ato sexual como um atributo do matrimônio, mas como o percalço da analogia reprodutiva.

Com o passar do tempo, a ordem discursiva em torno dos genitais e dos prazeres da carne são tematizados, enveredando pelo prisma da culpa cristã, tal como apontam Silva e Ortolano (2015Silva, A. S., & Ortolano, F. (2015). Narrativas psicopolíticas da homofobia. Trivium - Estudos interdisciplinares, 7(1), 1-18. doi: 10.18370/2176-4891.2015v1p1
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), ao circunscreverem este fenômeno como oriundo da relação de dominação-exploração enraizada nas sociedades. Revelados na interpretação de “doenças e males sexuais” como causa da atividade sexual não-tradicional, fincam-se na ordem reprodutiva entre macho-fêmea, homem-mulher, sustentando a lógica da “perpetração dos subterrâneos, da negação da memória, da história e da palavra às minorias sexuais” (Silva & Ortolano, 2015Silva, A. S., & Ortolano, F. (2015). Narrativas psicopolíticas da homofobia. Trivium - Estudos interdisciplinares, 7(1), 1-18. doi: 10.18370/2176-4891.2015v1p1
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, p. 4). Assim, a homossexualidade - e não só ela, mas tudo que envolve o campo da sexualidade “fora” do padrão - passa a ser palco não só de vigilância, mas de punição.

Com o surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), no século XX, a ciência incita diversas questões, mesmo que ainda amparada por um discurso que não se atenta à experiência e à singularidade das existências humanas. Há nessas práticas sexuais uma lacuna que modifica o contato e o conhecimento de práticas não-saudáveis e, por isso, a ciência passa a caracterizar e fomentar uma ordem discursiva que reflete em práticas de saúde que descaracterizam seu sujeito, implicando nesse discurso uma esquiva no que diz respeito às orientações sexuais não normativas (Bento, 2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.; Leite Jr., 2011Leite, J., Jr. (2011). Nossos corpos também mudam: A invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, SP: Annablume .; Pelúcio, 2009Pelúcio, L. (2009). Abjeção e desejo: Uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. São Paulo, SP: Annablume .).

Sucessivamente, essas práticas perfazem considerações que por vezes não dialogam com a necessidade de sua população, tal como vemos hoje nos serviços públicos de saúde. Os estudos em ciências humanas e sociais recentes apontam e demarcam a fragilidade na forma como a saúde lida com elementos que constituem a esfera do gênero e da sexualidade (Bento, 2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.; Pelúcio, 2009Pelúcio, L. (2009). Abjeção e desejo: Uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. São Paulo, SP: Annablume .), enfocando demarcações que a sintetizariam como um campo problemático do diferente - reverberando, nesses grupos vulneráveis, a marginalização estabelecida pela consideração dos manuais de saúde.

No que diz respeito à ciência psicológica - tendo a instrumentalização científica como estatuto - houve a interpretação, em suas práticas cotidianas, dessas existências a partir das categorizações pré-existentes estabelecidas pelo poder médico-científico, em especial a partir do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), para entender e interpelar as orientações sexuais e as identidades de gênero. Assim, os atributos socioculturais, que transitam e perpassam a sexualidade e o gênero, passam a ser, muitas vezes, desconsiderados pelo crivo psicológico graças ao empréstimo que essa ciência faz de outras ciências.

Para Aragusuku e Lee (2015Aragusuku, H. A., & Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de Psicologia. Gestão & políticas Públicas, 5(1), 131-154. doi: 10.11606/issn.2237-1095.v5p131-154
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), no entanto, a psicologia teve um importante e potente lugar nas discussões sociais e políticas que passaram a constituir as lutas nacionais, o que é também verificado nos avanços do próprio Conselho Federal de Psicologia (CFP), em suas discussões e participações na esfera pública. Porém, ainda segundo os autores, os primeiros trabalhos em psicologia que tinham a sexualidade como tema surgem, no Brasil, a partir da década de 1920, enfocados em pautas eugenistas e higienistas para a população, visando o controle de doenças e suas consequentes ressonâncias no projeto de nação (Leite Jr., 2011Leite, J., Jr. (2011). Nossos corpos também mudam: A invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, SP: Annablume .; Silva & Ortolano, 2015Silva, A. S., & Ortolano, F. (2015). Narrativas psicopolíticas da homofobia. Trivium - Estudos interdisciplinares, 7(1), 1-18. doi: 10.18370/2176-4891.2015v1p1
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; Toledo & Pinafi, 2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
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).

Tais premissas estão situadas nos avanços e retrocessos da psicologia em sua empreitada com a comunidade LGBTI brasileira, especialmente porque a formação do discurso psicológico necessita de um método para abordagens, e sua compreensão precisa ser definida a partir do encontro com a situação-problema e não o contrário, permitindo a superação da dualidade sujeito-objeto (Martín-Baró, 1991/2013Martín-Baró, I. (2013). O método em psicologia política (F. Lacerda, trad.). Psicologia Política, 13(28), 575-592. (Trabalho original publicado em 1991)) e desvencilhando de práticas criadas em instâncias conservadoras de poder (Sobral et al., 2019Sobral, H. S., Silva, M. L. V., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: O que a psicologia brasileira tem a dizer? CES Psicologia, 12(3), 20-34. doi: 10.21615/cesp.12.3.2
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).

Como afirma Figueiredo (2014Figueiredo, L. C. M. (2014). Matrizes do pensamento psicológico (20a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.):

O conhecimento científico seria então não apenas conhecimento de um objeto que se transforma efetuado por um sujeito também em transformação, mas, fundamentalmente, um conhecimento das formas históricas das relações práticas que a humanidade instaura com a matéria, criando e recriando assim as ordens naturais. (pp. 216-217)

Nesse sentido, é necessário questionarmos o lugar da psicologia e de sua clínica ao produzir estes discursos, não só porque representaria uma força elementar no que tange ao psicologismo do que é subjetivo do humano (gênero e sexualidade, nesse caso), mas porque estes mesmos discursos reverberam e cotejam em práticas diversas. Ao atentarmos às práticas cotidianas, é possível estabelecermos o diálogo com as existências LGBTI, possibilitando a reflexão de uma ação clínica que faça sentido e que se relacione com a experiência vivida.

Identidades de gênero e orientações sexuais: perseguindo caminhos da violência

Como falado anteriormente, tomaremos por violência a presença de atitudes e ações concretizadas em retiro de direitos (sejam eles de ordem psicológica, física, simbólica ou concreta) que se apresentam nas relações humanas, no caso em questão, em relações que têm o público LGBTI como foco.

No decorrer dos processos que evidenciam a privação de direitos de pessoas LGBTI, encontramos o termo “homofobia” como a atitude de violência destinada a esta população. Para Silva e Ortelano (2015Silva, A. S., & Ortolano, F. (2015). Narrativas psicopolíticas da homofobia. Trivium - Estudos interdisciplinares, 7(1), 1-18. doi: 10.18370/2176-4891.2015v1p1
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), a homofobia é uma “injúria de base psicopolítica” (p. 1) que se relaciona com o sistema cisheteronormativo e eurocêntrico, no qual se opera a violência circunscrita na intolerância ao diferente, especialmente no seu desejo e exercício da sexualidade, como também corroboram Miskolci (2013Miskolci, R. (2013). Teoria queer: Um aprendizado pelas diferenças (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica .), Sobral et al. (2019Sobral, H. S., Silva, M. L. V., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: O que a psicologia brasileira tem a dizer? CES Psicologia, 12(3), 20-34. doi: 10.21615/cesp.12.3.2
https://doi.org/10.21615/cesp.12.3.2...
), Toledo e Pinafi (2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
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), von Smigay (2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.) e Welzer-Lang (2001Welzer-Lang, D. (2001). A construção do masculino: Dominação das mulheres e homofobia. Estudos Feministas, 9(2), 460-482. doi: 10.1590/S0104-026X2001000200008
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).

Notoriamente, o termo foi sofrendo alterações, pois o sentido que desprendia era resultado da violência contra homens cis gays, sem levar em consideração as singularidades existentes entre as demais identidades e orientações sexuais. Ainda que o termo represente a violência destinada às diferenças de experiências sexuais, no Brasil, o movimento social organizado solicita a inversão da lógica patriarcal para pensar as especificidades decorrentes das violências simbólicas destinadas às identidades de gênero e de sexualidade, como apontam Fonseca (2015Fonseca, W. (2015). LGBTIfobia: Casos de violência por discriminação de gêneros, identidades e orientações sexuais na grande São Paulo. São Bernardo do Campo, SP: Lamparina Luminosa.), Peres, Soares e Dias (2018Peres, M. C. C., Soares, S. F., & Dias, M. C. (2018). Dossiê sobre lesbocídio no Brasil: De 2014 até 2017. Rio de Janeiro, RJ: Livros Ilimitados.) e Torres e Pedroso (2020Torres, M. A., & Pedroso, A. (2020). O reconhecimento de existências lésbicas e a lesbofobia no ensino superior. Linhas críticas, 26, 1-18. doi: 10.26512/lc.v26.2020.32636
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).

Assim, hoje os termos “lesbofobia”, “bifobia” e “transfobia”, por exemplo, que foram incorporados como discussão, são utilizados devido às especificidades em torno da violência sofrida por esses segmentos da comunidade LGBTI, visto que “as identidades emergem no interior do jogo de modalidades de poder e são o produto da marcação da diferença e da exclusão” (Toledo & Pinafi, 2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
https://doi.org/10.1590/S0103-5665201200...
, p. 144). Isso sustenta a importância da visibilidade dos termos enquanto demarcadores de experiências dos respectivos segmentos sociais com a violência - importante premissa para a psicologia, tendo em vista a necessária aproximação com seu público atendido, como promulga Martín-Baró (1986Martín-Baró, I. (1986). Hacia una psicología de la liberación. São Salvador, SV: UCA., 1991/2013Martín-Baró, I. (2013). O método em psicologia política (F. Lacerda, trad.). Psicologia Política, 13(28), 575-592. (Trabalho original publicado em 1991)) em suas análises sobre a psicologia política.

Ao que se sabe, o Brasil é o país que mais mata LGBTI no mundo. Segundo a ONG Transgender Europe (TGEU, 2017Transgender Europe. (2017, 30 de março). Trans day of visibility 2017 press release: 2,343 trans people reported murdered in the last 9 years. Berlim, DE: TGEU. Recuperado de https://bit.ly/3cjOUET
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), de janeiro a setembro de 2017, 271 pessoas trans foram assassinadas no mundo, em decorrência de crimes de ódio, resultados da transfobia. Destas 271 pessoas, 125 foram mortas no Brasil. Alarmante por si só, os dados capturam a violência quando ela se torna escancarada pelo crime de assassinato, pondo em questão, ao mesmo tempo, os demais tipos de violência sofridas por essa população, como as violências simbólicas - foco de nossa analítica aqui discutida.

A motivação de tais crimes aparece representada pela naturalização do preconceito e da discriminação sexual e de gênero, ancoradas por confabulações existentes a partir das relações sociais e culturais. Um exemplo disso, em escala nacional, é o “kit-gay” e a “ideologia de gênero”, ambos produtos do rechaço de ideais conservadores que assumem posições políticas importantes no Estado, via perspectiva de dominação sustentada por pautas do movimento conservador de direita, de um lado, e, de outro, pelos cânones da igreja católica - com a suspensão de materiais do projeto Escola Sem Homofobia, por exemplo, que, desde 2011, no governo Dilma Rousseff, empreende intensas discussões sobre o campo da saúde sexual e reprodutiva.

Especificamente pensando nas infâncias e juventudes discutidas no cenário político-partidário em nosso país, fica evidente que, para além de confabulações, existe um despreparo de instituições e políticas que incorporam o sentido de existências em suas práticas e ações, revelando o descuido com o compromisso ético e político na promoção da justiça e dos direitos humanos (Aragusuku & Lee, 2015Aragusuku, H. A., & Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de Psicologia. Gestão & políticas Públicas, 5(1), 131-154. doi: 10.11606/issn.2237-1095.v5p131-154
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).

O limite traçado entre o que se constitui como homem/mulher, masculino/feminino e macho/fêmea, reverbera, nestas práticas, ações e atitudes, na privação e afastamento das experiências sexuais e de gênero, bem como revelam no corpo a carga negativa dessas mesmas experiências. Singularmente, cada sujeito não hegemônico passa a criar processos de subjetivação que fogem da estrutura estereotipada do que se espera para um corpo, para o desejo, para o gênero (Toledo & Pinafi, 2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
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; von Smigay, 2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.). Assim, é como se o corpo representasse o depositário que circunda masculino/feminino, para daí traçar o limite do que seria ser homem e ser mulher.

Diversos são os meios violentos pelos quais atitudes diárias representam a questão: a negação de um nome civil /social a pessoas trans; a concepção de homem e masculinidade voltada a gays; a parafernália existente sobre as identidades lésbicas; o imaginário social sobre pessoas bissexuais; a negação de trabalho a travestis e transexuais; bem como a negação/desrespeito ao gêneroneutro/não-binárie, entre outros direitos. Tais atitudes representam tipos (re)velados e perversos de violência.

Este mesmo imaginário social que embebece práticas e discursos nas ciências humanas e sociais é reflexo do que se constituiu como delegações formalizadas pelo binarismo homem-mulher, marcando pela atestação genital binária e gonodal as identidades e orientações sexuais e conduzindo, atualmente, a questões centralizadoras de debates (Bento, 2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.).

Segundo Leite Jr. (2011Leite, J., Jr. (2011). Nossos corpos também mudam: A invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, SP: Annablume .),

Até o século XVIII não havia a preocupação em focar exclusivamente a questão nos genitais de uma pessoa para saber se ela era homem ou mulher . . . . Possuir um pênis ou uma vagina era uma das características, mas não a privilegiada, que formava um todo Homem/masculino ou Mulher/feminino, pois mesmo esta diferenciação entre sexo e gênero ainda não fazia parte do universo conceitual do período e tanto o sexo quanto o gênero formavam uma única expressão do ser. (p. 57)

Assim, compreendemos que a partir desta conjunção diagramada pelas ciências, toda a caracterização da existência de uma sexualidade humana seria evidenciada, entendida e vivenciada a partir de suas composições corporais, as quais demarcariam o caráter do limite entre homem/mulher, instaurando a lógica do sexismo, “legitimando a violência contra mulheres e todos aqueles que, em determinadas circunstâncias, são reconhecidos como tendo uma posição feminilizada” (von Smigay, 2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46., p. 35).

Por esse mesmo caminho, o caráter da violência entra em cena por se revelar enquanto atitude que compara a “verdade” sobre os sexos e as identidades, firmando a necessidade de caracterização específica entre a normalidade e o patológico. Esses intercruzamentos revelam uma penumbra em torno de tais existências, hierarquizando-as a partir das construções científicas sobre os corpos sociais (Beluche, 2008Beluche, R. (2008). O corte da sexualidade: O ponto de viragem da psiquiatria brasileira no século XIX. São Paulo, SP: Annablume.; Borrillo, 2010Borrillo, D. (2010). Homofobia: História e crítica de um preconceito. Belo Horizonte, MG: Autêntica.; von Smigay, 2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.), revelados pelo prisma do imaginário social e não a partir da própria experiência do outro. Tais práticas privativas denotariam a violência simbólica (Aragusuku & Lee, 2015Aragusuku, H. A., & Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de Psicologia. Gestão & políticas Públicas, 5(1), 131-154. doi: 10.11606/issn.2237-1095.v5p131-154
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; Sobral et al., 2019Sobral, H. S., Silva, M. L. V., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: O que a psicologia brasileira tem a dizer? CES Psicologia, 12(3), 20-34. doi: 10.21615/cesp.12.3.2
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).

Para Chaui (2018Chaui, M. (2018). Sobre a violência. Belo Horizonte, MG: Autêntica .),

violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda ideia que reduz um sujeito à condição de coisa, que viole interior e exteriormente o ser de alguém. (p. 41)

É a partir das implicações que as pessoas, coletivamente, perfazem o que foi produzido em estruturas e funções sobre o humano. A constituição da violência contra minorias está relacionada com as condições de desigualdade estabelecidas pela diferença - sobretudo de poder -vividas por pessoas e grupos e, por isso, não atinge da mesma maneira a todas as pessoas, tal como aponta von Smigay (2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.), especialmente em sociedades colonizadas nas quais o machismo e o patriarcado operam como plano de fundo.

A compreensão do lugar reservado socialmente às ciências, nesse sentido, constitui-se como uma “violência epistemológica sutil” (Bento, 2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba., p. 48), pois à medida que direciona práticas coercitivas e vigilantes, reproduz invisibilidade e exclusão. Esta “sutileza” da violência aparece em práticas profissionais diariamente, seja pela medicina, pela educação ou pela própria psicologia - especialmente quando se exime de atendimentos a pessoas LGBTI com o pretexto de “não saber lidar com esta população”.

Compreendemos isso, amparados a Butler (2017Butler, J. (2017). Relatar a si mesmo: Crítica da violência ética. (R. Bettoni, trad.). Belo Horizonte, MG: Autêntica .), ao tratar o caráter do éthos coletivo. A autora sinaliza que a violência é instrumentalizada e aparece associada a uma fachada de coletividade, testemunhada pela historicização dos sujeitos como uma forma de tornar presente, pública e afirmativa essa mesma atitude. Assim, esse éthos pressupõe o reconhecimento de quais vidas são dignas de serem vividas, enquanto direciona modos e condições normativas para autenticá-las. Nessa direção, nem toda existência poderia ser reconhecida como vida, tornando-a marginal, como reflexos do submundo (Butler, 2016Butler, J. (2016). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto? (2a ed., S. T. N. Lamarão & A. M. Cunha, trads.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira .). Tal violência ameaça a liberdade, construindo um cárcere privado do sujeito nele mesmo e encapsulando sua própria existência, anulando-a.

Dialogando com essas concepções, a violência aparece não só como um fenômeno concreto nas diversas práticas profissionais, mas também gera discursos que fundamentam ações, minimizando estratégias em políticas públicas. Nesse sentido, o caráter ético da psicologia estaria na tematização e reflexão de sua ação, enraizada aos confins científicos, podendo reverberar novos endereçamentos que se intercruzam com as diversas existências do espaço político em comum. Sob essa perspectiva, pensamos que a psicologia, enquanto ciência e profissão, desempenha fundamental importância na reflexão e construção de uma ação que aconteça alinhada a essa perspectiva ética, a qual, ao mesmo tempo que pensa sua práxis, também reivindica e testemunha a coexistência do outro-no-mundo.

Essa possibilidade abre espaço para pensarmos a intranquilidade cotidiana que alimenta o caos contemporâneo, fazendo-se necessário rever nossa prática monopolizadora, primazia de uma psicologia construída aos moldes do psicologismo estabelecido por técnicas e teorias. Repensar a prática vai de encontro com nossa formação cartesiana e elitista, que subjuga, determina e aponta para algumas nuances entendidas como fundamentais para a prática psicológica e seu processo de destinação. Esse projeto formativo não se sustenta nele mesmo e nem nas próprias práticas, quando essas vão ao encontro da realidade vivida pelas minorias, em especial as brasileiras.

Assim, evidenciamos que as práticas psicológicas, as quais caminham na tentativa de fundamentar as existências LGBTI em torno de suas categorizações para apropriação de uma verdadeira existência-homem e uma verdadeira existência-mulher, perseguem a concretização de discursos e ações vazias e invasivas que dizimam diariamente lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres e homens trans, pessoas intersexo e não-bináries.

Para Carvalho e Melo (2019Carvalho, B. R. B., & Melo, J. B. (2019). A psicologia como produtora de subjetividades: Reflexões sobre a ação clínica face ao atendimento à população LGBTI. In P. C. García & E. Inácio (Orgs), Intersexualidades: Discursos interseccionais, saberes e sentidos do corpo (pp. 53-66). Uberlândia, MG: O sexo da palavra.), “este olhar da psicologia . . . pode revelar-se como lugar coercitivo de vigilância, justamente pelo caráter tecnológico centralizado em razão da especificidade científica desta disciplina” (p. 60). Com isso, inserem-se normas coercitivas que deixam de visar o sujeito a ser compreendido e priorizam o controle e a confissão, como armadilhas do saber psicológico instruído por instituições e pela academia, criando um sujeito-objeto condicionado ao desejo e sexualidade num corpo pré-generificado.

Esses discursos, quando tematizam e categorizam as existências associadas a um corpo físico-material, buscando “a verdade sobre o gênero” e a “verdade do sexo”, incitam violações de direitos, gerando consequências para a população de travestis e pessoas trans, por exemplo - entre elas o suicídio, que socialmente ganha este nome, mas que surge e urge como uma tentativa de apagar o assassinato social que tais práticas testemunham e autenticam, como já sinalizam Toledo e Pinafi (2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
https://doi.org/10.1590/S0103-5665201200...
), Silva e Ortolano (2015Silva, A. S., & Ortolano, F. (2015). Narrativas psicopolíticas da homofobia. Trivium - Estudos interdisciplinares, 7(1), 1-18. doi: 10.18370/2176-4891.2015v1p1
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) e Sobral et al. (2019Sobral, H. S., Silva, M. L. V., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: O que a psicologia brasileira tem a dizer? CES Psicologia, 12(3), 20-34. doi: 10.21615/cesp.12.3.2
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), ao compreenderem o suicídio como uma denúncia às violências sofridas. Nessa mesma direção, conforme Bento (2017Bento, B. (2017). Transviad@s: Gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador, BA: Edufba.) evidencia, a naturalização que gera a desvalorização das existências LGBTI demarca sua anulação violenta, mostrando a necessidade de uma luta constante para afirmar atributos humanos para esta “vida marginalizada”. Para Leite Jr. (2011Leite, J., Jr. (2011). Nossos corpos também mudam: A invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, SP: Annablume .),

[essa] busca pela verdade última, encontrada seja na biologia ou na psique, independentemente de qual verdade for, é a busca pelo exercício do poder legítimo, ou seja, o mais aceito e menos questionado por se originar convencionalmente de um discurso “legítimo” sobre uma verdade considerada “legítima”. A noção de verdade dos discursos sobre o sexo e gênero é tautológica; ela cria a si mesma como um saber que justifica seu poder. (p. 178)

É nesse sentido que compreendemos que a constante busca pela identificação da veracidade de identidades rebuscadas e associadas a construções de corpos, por parte das psicologias que avaliam a partir da escrutinação das experiências vividas, estaria associada não só à vigilância social coercitiva ou à violenta marginalização de existências periféricas; elas também se justificam pela confissão da sexualidade para corpos que carregam em si mesmos a condição de negação revelada pela higiene social - e, por que não, psicológica.

Ação clínica em psicologia: pelos caminhos da política em Hannah Arendt

As considerações discutidas no tópico anterior perfazem uma construção sobre o sentido advindo da prática psicológica, abrindo espaço para discutirmos a ação clínica do/a psicólogo/a. Nesse sentido, importa ressaltar o que compreendemos por ação clínica.

Para Barreto (2013Barreto, C. L. B. T. (2013). Reflexões para pensar a ação clínica a partir do pensamento de Heidegger: Da ontologia fundamental à questão da técnica. In C. L. B. T. Barreto, H. T. P. Morato, & M. T. Caldas (Orgs.), Prática psicológica na perspectiva fenomenológica (pp. 27-50). Curitiba, PR: Juruá.), “a ação clínica desloca-se do âmbito das teorias e técnicas psicológicas para aquelas da existência” (p. 39) e é considerada como a atitude e disponibilidade de um olhar atento e compreensivo sobre os fenômenos que surgem no cotidiano de sua prática. Ou seja, a ação do/a psicólogo/a se revela como o modo de estar afinado/a, em direção ao diálogo fundamental sobre a compreensão da existência-no-mundo-com-outros.

Assim, é neste caminho que consideramos que, no que tange à clínica relacionada à comunidade LGBTI, não seria necessária uma prática instituída e especializada, mas uma abertura disponível que vai ao encontro de demandas urgentes e emergentes que estariam relacionadas às existências e ao mundo, como apontam Carvalho e Melo (2019Carvalho, B. R. B., & Melo, J. B. (2019). A psicologia como produtora de subjetividades: Reflexões sobre a ação clínica face ao atendimento à população LGBTI. In P. C. García & E. Inácio (Orgs), Intersexualidades: Discursos interseccionais, saberes e sentidos do corpo (pp. 53-66). Uberlândia, MG: O sexo da palavra.) e Toledo e Pinafi (2012Toledo, G., & Pinafi, T. L. (2012). A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica, 24(1), 137-163. doi: 10.1590/S0103-56652012000100010
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). Dessa forma, a ação clínica se aproxima do sentido de política se passamos a entendê-la como um espaço de compartilhamento de questões humanas.

Tomamos como referencial a pensadora Hannah Arendt (1906-1975) por acreditarmos que a clínica psicológica é o espaço de encontro entre o mundo vivido cotidianamente e a ação que dele decorre. Como falado anteriormente, a ciência cria arcabouços que, de modo diretivo, empreendem direções também no campo da psicologia. Essa “situação criada pelas ciências tem grande importância política. Sempre que a relevância do discurso está em jogo, as questões tornam-se políticas por definição, pois é o discurso que faz do homem um ser político” (Arendt, 2018aArendt, H. (2018a). A condição humana (13a ed. rev., R. Raposo, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 4).

Destarte, passamos a compreender a ação clínica do/a psicólogo/a como política à medida que encontramos o percalço dessa ação como fundamentado nas relações plurais, possibilitando abertura para tematizar e compreender o mundo a partir de sua constituição revelada pelas estratégias de vida. Isso permite entender que é a partir do caráter da pluralidade que a vida se torna elemento a ser tematizado pela significação no mundo.

Essa pluralidade só é possível, segundo Arendt (2018aArendt, H. (2018a). A condição humana (13a ed. rev., R. Raposo, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.), per-seguindo uma ação, entendida como constituinte da condição humana de existir. Juntamente com a ação, outras duas atividades humanas aparecem como fundamentais para a condição humana: o trabalho e a obra. Assim,

o trabalho é a atividade que corresponde ao processo biológico do ser humano. . . . A condição humana do trabalho é a própria vida.

A obra é a atividade correspondente a não-naturalidade da existência humana. . . . A condição humana da obra é a mundanidade.

A ação, única atividade que ocorre diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde a condição humana da pluralidade, ao fato de que os homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. (Arendt, 2018aArendt, H. (2018a). A condição humana (13a ed. rev., R. Raposo, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 9)

Perseguindo essa ideia, é no caráter da ação que consideramos que a pluralidade humana se revela, ou seja, é a partir das relações entre mundo-humano-outros que é possível compreender o mundo, o humano e os outros. É na experiência que se intercruza que é possível dialogar e testemunhar os modos de vida constituintes da tessitura mundana.

Assim, conseguimos evidenciar que a natureza violenta que surge quando da negligência situada em práticas que reverberam privação da liberdade em “ser quem se é” pressuporia um modo apolítico, fora da política, que aos olhos arendtianos, é característico da vida privada do lar em família, tal como tematizavam os gregos em suas distinções entre o público e o privado.

Consonante a isso, entendemos que uma prática psicológica que se preze a, eticamente, lidar com pessoas, grupos e/ou instituições deve, necessariamente, recolher demandas a partir do cotidiano. Assumir esse lugar é o que possibilita compreender a ação clínica como o território de produção de discursos que surgem das relações de troca, permitindo horizontes compreensivos que a tematizam, associada à política, mudando contextos e criando condições favoráveis à libertação das opressões vividas e do comprometimento ético das práticas políticas na psicologia (Martín-Baró, 1986Martín-Baró, I. (1986). Hacia una psicología de la liberación. São Salvador, SV: UCA.).

Para Arendt (2009Arendt, H. (2009). A promessa da política (2a ed., P. Jorgensen Jr., trad.). Rio de Janeiro, RJ: Difel.), “política diz respeito a coexistência de associação de homens [e mulheres] diferentes” (p. 145). Destarte, o diálogo com a determinação de diferença discutida anteriormente liga-se ao que empreendemos como espaço de recolhimento da possibilidade de mostração e ação da pluralidade humana. Tais evidências ressoam na clínica psicológica por viabilizarem a compreensão de que quem faz a clínica não é o/a psicólogo/a, mas os fenômenos que emergem de sua relação com o mundo cotidiano experienciado pelo seu cliente, possibilitando intervenções, autenticando experiências e testemunhando uma ação clínica - incitada ao chamamento da política.

É nesse sentido que entendemos que toda ação clínica do/a psicólogo/a deve também ser política, pois à medida que construímos espaços para tematizar o vivido, também se revela um espaço para cuidar desse vivido. Tais considerações, oriundas de um sentido de clínica desvinculada ao enraizamento de um lugar físico e objetal, permite considerar que a existência de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, mulheres trans, homens trans, pessoas intersexo e outras atestações de gênero e orientações sexuais aproximam-se da noção de liberdade (Arendt, 2008Arendt, H. (2008). Homens em tempos sombrios (D. Bottmann, trad.). São Paulo, SP: Companhia das Letras., 2009Arendt, H. (2009). A promessa da política (2a ed., P. Jorgensen Jr., trad.). Rio de Janeiro, RJ: Difel.), fundamento essencialmente político e pressuposto da condição humana de existir na pluralidade. Essa tessitura também dialoga com Butler (2016Butler, J. (2016). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto? (2a ed., S. T. N. Lamarão & A. M. Cunha, trads.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira .), quando evidencia a fronteira que intercruza as diferentes existências no mundo, indicando a necessária sobrevivência da espécie humana a partir do jogo de relações que se constitui pelo estatuto da própria vida.

Indo por esse caminho, a ação clínica imbricada com a política dialoga com o caráter da novidade, relação acontecimental que concretiza a possibilidade de trocas de experiência e compartilhamento de histórias. Nesse sentido, a ação do/a psicólogo/a é aqui entendida como um novo início que possibilita o encontro com a novidade, com a criação do presente, dando possíveis endereçamentos a uma destinação futura (Arendt, 2008Arendt, H. (2008). Homens em tempos sombrios (D. Bottmann, trad.). São Paulo, SP: Companhia das Letras., 2009Arendt, H. (2009). A promessa da política (2a ed., P. Jorgensen Jr., trad.). Rio de Janeiro, RJ: Difel.).

Por esse percurso, compreendemos que a estranheza gerada em torno dessa ação transpõe o incômodo com as práticas coercitivas que a natureza científica promulga, alinhavando os pressupostos de avaliação e mensuração de padrões comportamentais para atestação de existências. Alia-se a isso também a abertura de possibilidades para conceber a psicologia como uma empreitada reflexiva que recolhe narrativas, sustentando tensões no amparo à diferença e diversidade.

As tensões geradas em torno da clínica, enquanto atitude que destina uma ação política, referenciam a crise de produção de sentido (Francisco, 2012Francisco, A. L. (2012). Psicologia clínica: Prática em construção e desafios para a formação. Curitiba, PR: CRV.) que a psicologia encontra em seu fazer interventivo. Desalinhavar o nó existente entre concepções naturalistas que presumiriam as existências LGBTI associadas a um aparato biológico causal dá indícios para questionar e assumir outras possíveis dimensões na clínica contemporânea.

Isso nos possibilita sair do lugar de poder concebido pelo crivo científico, assumindo um horizonte que permite esclarecer nossa prática, nossa clientela e a demanda advinda dessa relação (Carvalho & Melo, 2019Carvalho, B. R. B., & Melo, J. B. (2019). A psicologia como produtora de subjetividades: Reflexões sobre a ação clínica face ao atendimento à população LGBTI. In P. C. García & E. Inácio (Orgs), Intersexualidades: Discursos interseccionais, saberes e sentidos do corpo (pp. 53-66). Uberlândia, MG: O sexo da palavra.). Assim, a via política da clínica destinaria uma “ação em conjunto, do ‘compartilhamento de palavras e atos’. A ação . . . é a única atividade que constitui [o mundo].” (Arendt, 2018aArendt, H. (2018a). A condição humana (13a ed. rev., R. Raposo, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 245), testemunhando (entre)linhas que fogem do saber previamente instituído pelos discursos teóricos e instrumentos práticos.

Nessa direção, pensamos que amparados à noção de clínica enquanto uma atitude entremeada a uma ação política, possibilitamos o endereçamento de práticas que saem dos confins confessionais do consultório para uma abordagem construída em meio ao viver cotidiano. Entrementes, como aborda Santos (2017Santos, S. E. B. (2017). “Olha!… Arru(a)ção!?…” Ação clínica no viver cotidiano: Conversação com a fenomenologia existencial (Tese de doutorado, Universidade Católica de Pernambuco, Recife). Recuperado de https://bit.ly/3u4K6Jo
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),

a ação clínica no viver cotidiano se mostra nos diversos modos de ser psicólogo, e comporta diversas modalidades de prática psicológica a partir das demandas que surgem ao caminhar com-outros, do que vai acontecendo no caminho - escutar o que se sucede como sendo digno de ser pensado. (p. 198)

Isso justificaria a intercorrência de uma ação profundamente amparada na acontescência das experiências vividas no cotidiano. Desse modo, pensamos que é possível traduzir uma clínica que atue na tentativa de construir um mundo corresponsabilizado pela pluralidade que nele habita e realiza ação.

Assim, consideramos que pensar as questões que envolvem a nossa recusa e negligência profissional em torno da população LGBTI proporcionaria construir um sentido possível acerca da violência, permitindo sua ressignificação e ampliando para outras esferas do cuidado, como a saúde sexual e reprodutiva, por exemplo. Abre-se, com isso, a possibilidade de instigar não somente a reformulação dos serviços ofertados, mas também de profissionais que se tornam aliados aos direitos LGBTI (Aragusuku & Lee, 2015Aragusuku, H. A., & Lee, H. O. (2015). A psicologia brasileira e as políticas LGBT no Conselho Federal de Psicologia. Gestão & políticas Públicas, 5(1), 131-154. doi: 10.11606/issn.2237-1095.v5p131-154
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; Carvalho & Melo, 2019Carvalho, B. R. B., & Melo, J. B. (2019). A psicologia como produtora de subjetividades: Reflexões sobre a ação clínica face ao atendimento à população LGBTI. In P. C. García & E. Inácio (Orgs), Intersexualidades: Discursos interseccionais, saberes e sentidos do corpo (pp. 53-66). Uberlândia, MG: O sexo da palavra.; Sobral et al., 2019Sobral, H. S., Silva, M. L. V., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: O que a psicologia brasileira tem a dizer? CES Psicologia, 12(3), 20-34. doi: 10.21615/cesp.12.3.2
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; von Smigay, 2002von Smigay, K. E. (2002). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: Desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46.). Compreendida como um elemento que surge entre relações, por vezes, essa possibilidade também poderia ser compreendida como poder. No entanto, Arendt (2008Arendt, H. (2008). Homens em tempos sombrios (D. Bottmann, trad.). São Paulo, SP: Companhia das Letras., 2018bArendt, H. (2018b). Sobre a violência (9a ed., A. M. Duarte, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.) compreende que poder e violência se distinguem não só pelo seu sentido, mas porque implicam relações totalmente inversas. Isso acontece porque a terminologia que temos não é capaz de distinguir algumas palavras, alocando-as com o mesmo sentido, como acontece entre os impasses em torno dos termos diferença e diversidade, conforme propõe Miskolci (2013Miskolci, R. (2013). Teoria queer: Um aprendizado pelas diferenças (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica .).

Segundo Arendt (2018bArendt, H. (2018b). Sobre a violência (9a ed., A. M. Duarte, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 58), “uma das mais óbvias distinções entre poder e violência é que o poder sempre depende de números, enquanto a violência, até certo ponto, pode operar sem eles, porque se assenta em implementos”. Apesar de o poder ser associado à violência, como um pré-requisito, em alguns casos, o entendimento desses dois campos de forças representa a justificação de algumas estratégias no cenário público. Daí decorre a confusão centralizada na tentativa de ganhar poder a partir do fechamento, da vigilância, da confissão e da exclusão de certos grupos. À medida que entendemos a crítica aos discursos psicológicos como poder, não estaríamos, pois, confundindo com discursos violentos?

Seguimos adiante com Arendt (2018bArendt, H. (2018b). Sobre a violência (9a ed., A. M. Duarte, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 73-74): “Poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência aparece onde o poder está em risco . . . falar de um poder não violento é de fato redundante”. Consideramos que pensar a ação clínica política articulada a essa confusão entre práticas que trazem uma dimensão de poder é possibilitar a apropriação não só de um saber, mas de um fazer que acontece eticamente, ou seja, dialoga com o pensamento arendtiano de que a existência do poder incapacitaria a violência.

Portanto, acreditar na psicologia como uma ciência e profissão que se recusa ao atendimento de existências marginais ou que veraciza discursos patologizantes em busca de um “poder sobre o outro” seria, nessa medida, seguir o percalço da ação violenta. Assim, pensamos que nosso fazer ético e político caminha na busca pelo direito de ser quem se é, consolidando um espaço possível para a pluralidade ser publicizada e assumida em torno das diferenças.

No mundo inóspito e estranho, ou melhor, no país caótico e nebuloso como o Brasil, a psicologia, considerando as existências de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, mulheres trans, homens trans, pessoas intersexo, pessoas não-binárias e demais atestações de gêneros e orientações sexuais como possíveis e potentes, legitimaria sua condição ética, clínica e política junto a essa população.

Considerações finais

No contexto de marginalização de existências brasileiras, encontramos a população LGBTI como uma das que mais clama direitos que lhes foram negados. Em detrimento de uma luta constante entre ideais fincados numa cultura machista, patriarcal e LGBTIfóbica, faz-se necessário dialogar com estratégias e políticas públicas que enveredem pelo descortinamento das identidades de gênero e orientações sexuais como fenômenos da existência humana, conferindo-lhes as noções de diferença encontradas em sua relação com outros marcadores sociais.

Entretanto, ao esbarrar nesses ideais, especialmente quando vivemos numa cultura ocidental permeada pelo pensamento científico mensurador, as ciências encontram um grande desafio. Tematizar gênero e sexualidade - em especial no Brasil - tornou-se um território de lutas de poderes, ou melhor, de ações que desencadeiam relações violentas.

Nessa direção, compreendemos que a clínica psicológica ainda assume uma dívida em torno de sua interpretação sobre os fenômenos da sexualidade humana, refletindo em sua prática um aprisionamento normativo como consequência de uma leitura fincada na biologia e na patologização de existências, sustentando práticas e discursos que não concebem as noções de diferença em torno de gênero, sexualidade e o exercício desta. Tal consideração é representada pelo arsenal de técnicas e instrumentos que perfazem esta ciência, dando a ela o caráter de condução e veracização de corpos subdivididos em manuais diagnósticos para construírem-se existências outras (amarrotadas e enclausuradas em mensurações).

Evidenciamos que as discussões aqui tematizadas não findam a procura constante em considerar a psicologia como uma ciência e profissão que se aproxima de questões do viver cotidiano; no entanto, agem na tentativa de considerá-la centralizadora e geradora de discursos que também marginalizam existências - seja por meio de técnicas fincadas em manuais relacionados à medicina e à biologia, seja por práticas privativas que se assemelham ao retorno de uma clínica confessional (Foucault, 2017Foucault, M. (2017). História da sexualidade 1: A vontade de saber. (5a ed., M. T. C. Albuquerque & J. A. G. Albuquerque, trads.). Rio de Janeiro, RJ: Paz & Terra.).

O objetivo de nossa discussão não é apontar uma clínica para pessoas LGBTI, mas compreender a clínica a partir de uma ação política construída aos passos de quem demanda por cuidado, sustentando a crise do viver cotidiano, diante das diferenças. Nesse sentido é que encontramos em Hannah Arendt uma possibilidade de articulação para a psicologia, visto que seu pensamento parece contribuir para a reflexão de nosso fazer ético-político. Mais que um diálogo com a clínica psicológica, Hannah Arendt convida-nos a testemunhar a condição humana perante a comunhão, ou seja, ao compartilhamento possível pela experiência da pluralidade.

Compreendemos, a partir das questões levantadas em torno das análises construídas no projeto científico moderno sobre as existências LGBTI, que a ciência psicológica deve estar relacionada - antes de alinhavar-se e esconder-se em teorias psicológicas - à experiência vivida no cotidiano de sua mundanidade.

Concordamos com Arendt (2009Arendt, H. (2009). A promessa da política (2a ed., P. Jorgensen Jr., trad.). Rio de Janeiro, RJ: Difel.) quando ela relaciona a psicologia moderna à possibilidade de um espaço de construção de pôr em diante e adiante as questões que envolvem a preocupação e o desejo de mudança, evidenciados pela presentificação do futuro. Essa psicologia, alinhavada às condições de existências minoritárias, só seria possível a partir de seu compromisso social com a clientela que lhe diz respeito, ou seja, todos os humanos que nesse mundo habitam. Assim, pela via do mundo humano é que, talvez, passemos a tematizar as existências LGBTI não mais como “apenas diversa e distinta”, mas vistas pelo prisma do respeito à diferença em meio ao mundo coabitado.

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  • Este artigo é fruto da tese de doutorado do primeiro autor, que recebeu apoio/financiamento da CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2019
  • Revisado
    11 Out 2021
  • Aceito
    11 Abr 2022
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