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Memória, desmentida e traumatismo social sob a ótica da Psicanálise das Configurações Vinculares

Memory, denial and social traumatism from a Psychoanalysis of Binding Configurations perspective

Memoria, desmentida y trauma social desde la perspectiva del Psicoanálisis de las Configuraciones Vinculares

Mémoire, négationnisme et traumatisme social dans la perspective de la Psychanalyse des Configurations de Liaison

Resumo

O discurso negacionista e a minimização dos efeitos nefastos da ditadura civil-militar por figuras do alto escalão do governo são exemplos emblemáticos da desmentida de histórias de sofrimento social. Este estudo teórico aborda os processos psicológicos de apagamento de memórias sociais traumáticas e seus efeitos na transmissão psíquica, da perspectiva da Psicanálise das Configurações Vinculares, à luz de Puget e Berenstein. Mobilizando os conceitos de memória social, desmentida, trauma e traumatismo social, argumentamos que a denegação de fatos traumáticos gera uma dupla violência: por um lado, produz lacunas na história e um não-trabalho vincular que favorece transmissões psíquicas transgeracionais e, por outro, atenta contra o pertencimento social e a constituição narcísica dos sujeitos. À vista disso, concluímos pela necessidade de criar um dispositivo de escuta dos traumatismos sociais na contramão da desmentida, garantindo o direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos do acesso do povo à própria história.

Palavras-chave:
desmentida; memória; traumatismo social; psicanálise; vínculos

Abstract

Denialist discourses and the downplayed harmful effects of the civil-military dictatorship by high-ranking Brazilian government officials are emblematic examples of negationist attitudes towards narratives of social suffering. This theoretical study addresses the psychological processes of erasing traumatic social memories and their effects on psychic transmission based on psychoanalysis of linking configurations according to Puget and Berenstein. By mobilizing the concepts of social memory, denial, trauma and social trauma, we argue that negating traumatic facts generates a double violence: on the one hand, it produces gaps in history and a non-work linking that favors transgenerational psychic transmissions; on the other, it attacks the individuals’ social belonging and narcissistic constitution. We thus conclude by pointing out the need to create a listening device for social trauma that opposes denial, ensuring the right guaranteed by the Universal Declaration of Human Rights of people’s access to their own history.

Keywords:
denial; memory; social traumatism; psychoanalysis; linking

Resumen

El discurso negacionista y la minimización de los efectos nocivos de la dictadura civil-militar por parte de altas figuras gubernamentales son ejemplos emblemáticos de la desmentida de las historias de sufrimiento social. Este estudio teórico aborda los procesos psicológicos de borrado de las memorias sociales traumáticas y sus efectos en la transmisión psíquica, desde la perspectiva del Psicoanálisis de las Configuraciones Vinculares, a la luz de Puget y Berenstein. Movilizando los conceptos de memoria social, desmentida, trauma y trauma social, argumentamos que la negación de los hechos traumáticos genera una doble violencia: por un lado, produce vacíos en la historia y un no-trabajo vinculante que favorece las transmisiones psíquicas transgeneracionales y, por otro lado, ataca la pertenencia social y la constitución narcisista de los sujetos. En vista de ello, concluimos con la necesidad de crear un dispositivo de escucha de los traumas sociales en la dirección opuesta a la negación, garantizando el derecho garantizado por la Declaración Universal de los Derechos Humanos del acceso de los pueblos a su propia historia.

Palabras clave:
desmentida; memoria; trauma social; psicoanálisis; vínculos

Résumé

Le discours négationniste et la minimisation des effets néfastes de la dictature civilo-militaire par des personnalités gouvernementales de haut rang sont des exemples emblématiques du déni des histoires de souffrance sociale. Cette étude théorique s’intéresse aux processus psychologiques d’effacement des souvenirs sociaux traumatisants et leurs effets sur la transmission psychique basée sur la perspective de la psychanalyse des liens proposée par Puget et Berenstein. En mobilisant les concepts de mémoire sociale, négationnisme, traumatisme et traumatisme social, nous soutenons que le déni des faits traumatiques engendre une double violence: d’une part, il produit des lacunes dans l’histoire et un non-travail contraignant qui favorise les transmissions psychiques transgénérationnelles ; d’autre part, il attaque l’appartenance sociale et la constitution narcissique des sujets. Nous concluons sur la nécessité de créer un dispositif d’écoute du traumatisme social opposé au négationnisme, en assurant le droit garanti par la Déclaration Universelle des Droits de l’Homme d’accès des peuples à leur propre histoire.

Mots clés:
négationnisme; mémoire; traumatisme social; psychanalyse; liens

Introdução

Este estudo é inspirado pela Psicanálise das Configurações Vinculares, uma vertente teórico-clínica que nos convida a olhar para a influência do mundo social na constituição subjetiva (Gomes & Levy, 2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. doi: 10.4013/ctc.2016.91.09
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; Gomes & Zanetti, 2009Gomes, I. C., & Zanetti, S. A. S. (2009). Transmissão psíquica transgeracional e construção de subjetividade: relato de uma psicoterapia psicanalítica vincular. Psicologia USP, 20(1), 93-108. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51772009000100006
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Jaroslavsky, 2019Jaroslavsky, E. A. (2019). El modelo vincular franco-argentino contemporáneo. Psicoanálisis & Intersubjetividad, 9(1), 1-18. Recuperado de https://www.intersubjetividad.com.ar/el-modelo-vincular-franco-argentino-contemporaneo/
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; Henriques & Gomes, 2005Henriques, M. I. G., & Gomes, I. C. (2005). Mito familiar e transmissão psíquica: uma reflexão temática de forma lúdica. Psychê, 9(16), 183-196. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382005000200012
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). O mundo social ocupa um espaço próprio no corpo teórico da clínica vincular, no sentido de que tem suas próprias características, seus códigos e regras de funcionamento; portanto, não pode ser pensado meramente como um dos derivados da constituição da subjetividade singular (Puget, 2015Puget, J. (2015). Conceptos de Freud en la metapsicologia de hoy. Psicoanálisis, 37(2), 239-273. Recuperado de https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-content/uploads/2018/03/Puget-Nemirovsky.pdf
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), pois se trata de uma subjetividade social (Puget, 2004Puget, J. (2004). Penser la subjectivité sociale. Psychothérapies, 24, 183-188. Doi: 10.3917/psys.044.0183
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).

O vínculo é definido “como uma estrutura inconsciente que une dois ou mais sujeitos e que é determinada com base na relação de presença” (Berenstein, 2001Berenstein, I. (2001). The link and the other. International Journal of Psychoanalysis, 82, 141-149. doi: 10.1516/0020757011600533
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, p. 143). O inconsciente, pensado a partir da chave vincular, pode ser entendido como uma estrutura em rede que se constitui de forma subjacente aos vínculos que o indivíduo estabelece nos vários contextos e circuitos relacionais com os quais interage em sua trajetória desenvolvimental: família, casal, grupos, instituições e comunidade (Berenstein & Puget, 2008Berenstein, I., & Puget, J. (2008). Psychanalyse du lein: dans différents dispositifs thérapeutiques (G. Richard, trad.). Paris: Érès.). A teoria das configurações vinculares amplia a compreensão do mundo psíquico, integrando as dimensões intrassubjetiva, intersubjetiva (as redes vinculares familiares e sociais) e transubjetiva (campo da transmissão psíquica cultural, segundo Kaës, 2005Kaës, R. (2005). Os espaços psíquicos comuns e partilhados: transmissão e negatividade (M. I. A. Fernandes, trad.). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

No nível transubjetivo dos vínculos estão alocadas as expressões da linguagem, os códigos comuns, os dialetos e heranças familiares, bem como as inflexões enunciativas presentes nas diversas e múltiplas maneiras de se contar a história de um país. Esses elementos de ação comunicativa têm uma dimensão política, na medida em que possibilitam criar, fixar e perpetuar lugares e relações sociais de poder, subordinação e violência, uma vez que definem posições de identidade (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias de plantação: episódios de racismo no cotidiano (J. Oliveira, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Cobogó.), bem como de pertencimento social (Puget, 2000aPuget, J. (2000a). Disso não se fala... transmissão e memória. In O. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 73-88). São Paulo, SP: Escuta.). Esses elementos da realidade compartilhada são lastreados em mecanismos de memória e esquecimento da história narrada que se apresentam em estado de tensão permanente, produzindo e/ou apagando códigos, linguagens, hábitos e visões de mundo. Em outras palavras, a maneira como o patrimônio coletivo criado por determinada cultura ou território realiza ou não a inscrição da memória interfere na maneira como será composto o enquadre cultural, bem como os hábitos e as linguagens compartilhadas (Jaroslavsky, 2019Jaroslavsky, E. A. (2019). El modelo vincular franco-argentino contemporáneo. Psicoanálisis & Intersubjetividad, 9(1), 1-18. Recuperado de https://www.intersubjetividad.com.ar/el-modelo-vincular-franco-argentino-contemporaneo/
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).

Da mesma maneira que envolvem uma dimensão política, reflexões sobre a forma como se organizam essas dinâmicas de linguagem de memória e esquecimento também estão entrelaçadas às questões de saúde mental e bem-estar psicológico, já que apontam lugares ou não lugares de pertencimento social e, consequentemente, favorecem alguns processos de subjetivação e obstruem outros. A partir disso, entendemos que a linguagem do apagamento da história é uma forma de violência simbólica. Em concordância com Schwarcz (2015Schwarcz, L. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), sustentamos que a lógica da linguagem da violência traz consigo uma determinação cultural específica, resistindo e ocupando um espaço considerável na trama vincular da história, modelando a realidade brasileira desde os períodos mais remotos da formação do Brasil, da colônia ao império e do império à república.

Viver para lembrar, lembrar para contar, contar para viver

Um dos exemplos mais emblemáticos e recentes da lógica do apagamento e da denegação sistemática da história de determinados grupos ou acontecimentos em nosso país são os depoimentos produzidos pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (Secretaria Especial dos Direitos Humanos [SEDH], 2007Secretaria Especial dos Direitos Humanos. (2007). Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pr000034.pdf
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). Em 1995, o governo brasileiro promulgou a Lei nº 9.140Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995. (1995). Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências. Brasília, 1995. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9140compilada.htm
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, que instituiu a reparação moral às vítimas da ditadura civil-militar no país, por meio de indenização às famílias que tiveram seus integrantes “desaparecidos” ou assassinados. Essa lei criou a Comissão Nacional da Verdade. Em um cenário ordenado pela restauração do Estado de Direito, um trabalho de reparação coletiva foi colocado em marcha. Sob inspiração do imperativo ético de fazer justiça e respeitar a dor das famílias enlutadas, indenizações foram pagas e atestados de óbito foram expedidos. Porém, o maior valor simbólico foi o fato de que o Estado brasileiro finalmente reconhecia publicamente a existência de uma política de extermínio maciço e sistemático de militantes de esquerda nas duas décadas de governo ditatorial.

Outro desdobramento importante foi que o trabalho de lançar luz sobre as sombras da ditadura possibilitou documentar que os atos de violência se prolongaram e perduraram para além do fim do período de exceção, culminando com a dilapidação dos arquivos e a destruição parcial da memória dos anos de chumbo. A Comissão da Verdade descobriu que, anteriormente à abertura ao conhecimento público dos documentos que evidenciavam as atrocidades cometidas pela ditadura civil-militar (1964-1986), houve a eliminação proposital de páginas e sequências de registros oficiais daquele período de trevas, a fim de evitar que as atrocidades perpetradas pelo arbítrio viessem à tona e seus autores fossem eventualmente julgados e devidamente punidos pelos crimes contra a humanidade que praticaram.

A reparação do Estado às vítimas da ditadura no Brasil enfrentou e ainda enfrenta enormes resistências por parte dos grupos comprometidos em manter apagada a memória do período de obscurantismo. São grupos extremistas e pessoas saudosas do tempo em que podiam derramar livremente seu ódio contra pessoas presas ilegalmente e mantidas indefesas e submissas sob a tutela do Estado. Esses remanescentes da ditadura acusavam o movimento de busca de justiça de ser revanchista, lembrando que a lei da anistia promulgada em 1979 concedeu amplo perdão “aos dois lados”. Na verdade, aqueles que participaram diretamente de atos de sequestro, tortura e extermínio de opositores do regime militar sempre tiveram medo de serem denunciados por seus crimes infames cometidos à margem do Estado de Direito e sob o manto do aparelho de Estado.

De acordo com Seixas (2015Seixas, J. A. (2015). Brasil, país do futuro: políticas do esquecimento e imagens identitárias da denegação. Impulso, 25(64), 161-178. doi: 10.15600/2236-9767/impulso.v25n64p161-178
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), as políticas do esquecimento, implementadas pelo uso instrumental da linguagem característica dos regimes de exceção e do exercício metódico da adulteração dos registros dos acontecimentos ignominiosos do passado, têm um curso de longa tradição no país.

O mecanismo programático de obliteração da memória coletiva coloca os atos humanos em funcionamento em uma versão conveniente ao poder discricionário dos grupos que tomaram de assalto o poder de Estado durante a ditadura (Seixas, 2015Seixas, J. A. (2015). Brasil, país do futuro: políticas do esquecimento e imagens identitárias da denegação. Impulso, 25(64), 161-178. doi: 10.15600/2236-9767/impulso.v25n64p161-178
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), com vistas a criar e legitimar sentidos que servem aos interesses da elite dominante e dos estratos sociais e corporativos. Esse mecanismo participa de relações de poder, tal como a memória e, da mesma forma, gera efeitos políticos e psíquicos. Nessa perspectiva, além da negação do sofrimento social, Fernandes (2010Fernandes, J. R. O. (2010). O direito à memória: análise dos princípios constitucionais da política de patrimônio cultural no Brasil (1988-2010). Rio de Janeiro, RJ: Fundação Casa de Rui Barbosa. Recuperado de http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/palestras/Politicas_Culturais/II_Seminario_Internacional/FCRB_JoseRicardoFernandes_O_direito_a_memoria.pdf
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) aponta que foi sob a tutela da máquina tecnoburocrática estatal que se construíram as determinações do que deveria ou não ser lembrado ou esquecido, de acordo com as conveniências dos que se julgavam donos do poder, criando uma memória nacional oficial excludente.

Foi somente a partir da redemocratização, coroada pela promulgação da Constituição Federal de 1998, que o poder público iniciou ações para garantir o respeito aos direitos culturais dos brasileiros. Segundo o art. 215 da Constituição, “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988). Brasília, DF: Presidência da República. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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). Os direitos culturais, segundo Fernandes (2010Fernandes, J. R. O. (2010). O direito à memória: análise dos princípios constitucionais da política de patrimônio cultural no Brasil (1988-2010). Rio de Janeiro, RJ: Fundação Casa de Rui Barbosa. Recuperado de http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/palestras/Politicas_Culturais/II_Seminario_Internacional/FCRB_JoseRicardoFernandes_O_direito_a_memoria.pdf
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), contemplam desde o direito à produção e o acesso à cultura até o direito à memória histórica, ou seja, ao acervo de bens materiais e imateriais que representam o passado de um povo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em seu art. XXII, assegura a todo ser humano o direito à segurança social e à realização de esforço nacional e internacional para garantir os direitos econômicos, sociais e culturais. Além disso, de acordo com o art. XXVII desse documento, “Todo ser humano tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade e de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios” (United Nations [UN], 1948United Nations. (1948). Universal Declaration of Human Rights. Paris: Author. Recuperado de https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights
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).

Em vista disso, este estudo parte do pressuposto de que é direito inalienável do cidadão ter acesso à sua memória cultural material e imaterial e que o apagamento da história nacional, mesmo que parcialmente é, além de inconstitucional, uma violação aos direitos fundamentais da pessoa humana. O Brasil é reconhecido como um país que maltrata, mutila e desfigura sua memória. Exemplos desse desprezo pela história são o incêndio que em 2018 consumiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e os vários incêndios que atingiram a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, sem contar a adulteração da história nos livros didáticos e a omissão do genocídio do povo negro e dos povos indígenas.

Graças a estratégias racistas, tais como o branqueamento, diversos personagens negros históricos foram embranquecidos em nome da aceitação branca. A política do branqueamento praticada no Brasil foi um projeto de nação defendido no século XIX e que avançou pelo século XX. Políticas de Estado de incentivo à imigração de italianos, espanhóis e alemães foram intensificadas com vistas à eugenização social e à higienização moral e cultural da sociedade brasileira. Desse modo, o racismo estrutural (Almeida, 2020Almeida, S. (2020). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Jandaíra.) permeou a construção de políticas públicas do Estado imperial republicano (Schwarcz, 2015Schwarcz, L. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), em um persistente e silencioso trabalho de eliminação da população negra dos espaços de poder, utilizando, para tanto, diversos métodos de exclusão social: segregação territorial, genocídio, epistemicídio, fome, desassistência, apagamento da ancestralidade, espoliação e desapropriação cultural (Gonçalves Filho, 2017Gonçalves Filho, J. M. (2017). A dominação racista: o passado e o presente. In N. M. Kon, M. L. Silva, & C. C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise (pp. 35-43). São Paulo, SP: Perspectiva.; Santos & Santos, 2021Santos, C. L. B., & Santos, M. A. (2021). Campainhas, letreiros, luz de polícia: sobre ser negro, gay e filho de família inter-racial. Psicologia & Sociedade, 33, e246174. doi: 10.1590/1807-0310/2022v34246174
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; Veríssimo, 2017Veríssimo, T. C. (2017). O racismo nosso de cada dia e a incidência da recusa no laço social. In: N. M. Kon, M. L. Silva, & C. C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise (pp. 233-249). São Paulo, SP: Perspectiva.).

A despeito da banalização do negacionismo, que nada mais é do que o legado remanescente da tradição autoritária do Estado brasileiro (Maia & Santos, 2022Maia, B. B., & Santos, M. A. (2022). Crueldade: a máscara do tirano. Revista Brasileira de Psicanálise, 56(1), 117-132.), e da recorrência cíclica da rasura nos registros oficiais do país, ainda persistem enormes lacunas de conhecimento sobre as ressonâncias psíquicas da denegação da história coletiva. Destarte, entendemos que o silenciamento sobre períodos sombrios da história de um povo pode alimentar fissuras que contribuem para a perpetuação do efeito traumatogênico dos acontecimentos não simbolizados, que, assim, se configurariam como um traumatismo social. Considerando o exposto, este estudo aborda os processos psicológicos de apagamento de memórias sociais traumáticas e seus possíveis efeitos na transmissão psíquica, na perspectiva da Psicanálise das Configurações Vinculares.

Delineamento teórico-metodológico

Esta pesquisa é fruto de um estudo teórico-conceitual que analisa os processos de apagamento de memórias coletivas e suas repercussões na transmissão psíquica na cadeia geracional. A leitura do material foi realizada por meio da metodologia psicanalítica, e a análise foi inspirada no arcabouço conceitual da Psicanálise das Configurações Vinculares, com amparo das contribuições dos autores argentinos Janine Puget e Isidoro Berenstein. A escolha desses teóricos justifica-se pela ênfase que ambos colocam na influência do mundo social para a constituição subjetiva (Jaroslavsky, 2019Jaroslavsky, E. A. (2019). El modelo vincular franco-argentino contemporáneo. Psicoanálisis & Intersubjetividad, 9(1), 1-18. Recuperado de https://www.intersubjetividad.com.ar/el-modelo-vincular-franco-argentino-contemporaneo/
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).

A psicanálise contemporânea vem abrindo cada vez mais espaço para o reconhecimento da relevância do processo vincular, ainda que isso não seja exatamente uma novidade, uma vez que o sentimento universal relacionado à necessidade básica de reconhecimento do ser humano comparece na literatura psicanalítica desde os seus primórdios (Santos et al., 2017Santos, M. A., Ciani, T. A., Pillon, S. C., Vedana, K. G. G., Miasso, A. I., Souza, J., ... Oliveira-Cardoso, É. A. (2017). Clínica das configurações vinculares: do estabelecimento do vínculo terapêutico às transformações possíveis. Vínculo, 14(2), 45-57. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v14n2/v14n2a07.pdf
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). A Psicanálise das Configurações Vinculares é uma corrente do pensamento psicanalítico criada a partir dos anos 1950 para abarcar os múltiplos vínculos estabelecidos pelo sujeito e suas estruturas inconscientes (Santos, Okamoto, Emídio, & Maia, 2020Santos, M. A., Okamoto, M. Y., Emídio, T. S., & Maia, B. B. (2020). As tramas do trabalho vincular: contribuições psicanalíticas para pensar os impasses e ideais contemporâneos. Revista Brasileira de Psicanálise, 54(4), 117-132. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbp/v54n4/v54n4a09.pdf
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). Trata-se de uma contribuição franco-argentina à psicanálise clássica, que parte do pressuposto de que as relações vinculares são os elementos fundamentais para a constituição subjetiva do sujeito do inconsciente (Kaës, 2005Kaës, R. (2005). Os espaços psíquicos comuns e partilhados: transmissão e negatividade (M. I. A. Fernandes, trad.). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.; Moguillansky & Nussbaum, 2011Moguillansky, R., & Nussbaum, S. L. (2011). Psicanálise vincular: teoria e clínica (Vol. 1: Fundamentos teóricos e abordagem clínica do casal e da família, S. M. Dolinsky, & M. D. Claudino, trads.). São Paulo, SP: Zagodoni.). Esse referencial teórico, em especial no que concerne à obra dos teóricos argentinos, entende o aparelho psíquico a partir de três organizadores psíquicos: (1) o intrassubjetivo, ou seja, aquela esfera de organização que diz respeito ao psiquismo individual e seus objetos internos; (2) o intersubjetivo, que diz respeito ao conector, ao espaço vincular que se constitui entre dois sujeitos a partir da presença do outro; e, por fim, (3) o transubjetivo, que contempla as representações do mundo social no qual nos inserimos (Berenstein & Puget, 2008Berenstein, I., & Puget, J. (2008). Psychanalyse du lein: dans différents dispositifs thérapeutiques (G. Richard, trad.). Paris: Érès.).

Nesta investigação, destacamos as contribuições desses autores no estudo da influência dos traumatismos sociais e os efeitos de sua desmentida sobre a transmissão psíquica. Essa influência se dá por meio de processos psíquicos inconscientes que constituem a subjetividade a partir da linguagem, da função simbólica e das dimensões imaginárias que regulam os vínculos familiares (Rehbein & Chatelard, 2013Rehbein, M. P., & Chatelard, D. S. (2013). Transgeracionalidade psíquica: uma revisão de literatura. Fractal, 25(3), 563-583. doi: 10.1590/S1984-02922013000300010
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). O que se transmite são laços, representantes da memória de um afeto, sobretudo configurações de objetos psíquicos, representações e fantasias que, apesar de inconscientes, mantêm-se vivas (Kaës, 2001Kaës, R. (2001). Transmissão da vida psíquica entre gerações (C. Berliner, trad.). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). Assim, a ênfase é posta na identificação dos afetos, fantasias, mitos, modalidades defensivas, entre outras operações psíquicas (Carel, 1998Carel, A. (1998). A posteridade da geração. In A. Eiguer, A transmissão do psiquismo entre gerações: enfoque em terapia familiar psicanalítica (pp. 85-128). São Paulo, SP: Unimarco.; Gutierrez & Pontes, 2011Gutierrez, D. M. D., & Pontes, K. D. S. (2011). Vínculos mãe-filho: reflexões históricas e conceituais à luz da psicanálise e da transmissão psíquica entre gerações. Revista do NUFEN, 3(2), 3-24. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912011000200002&lng=pt&nrm=iso
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).

Kaës (2011Kaës, R. (2011). Um singular plural: a psicanálise à prova do grupo (L. P. Rouanet, trad.). São Paulo, SP: Loyola.) destaca que o sujeito, ao chegar ao mundo, é inscrito em um grupo primário de pertencimento que investe narcisicamente no novo membro. Em contrapartida, o novo sujeito deve cumprir a promessa de dar continuidade ao conjunto. Essa aliança inconsciente estruturante, conceituada por Aulagnier (1979Aulagnier, P. (1979). A violência da interpretação: do pictograma ao enunciado (M. C. Pellegrino, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Imago.) como contrato narcísico, atribui um lugar e uma função determinados pelo grupo a cada um, transmitindo ideias e valores, responsáveis pela manutenção e pela conservação do grupo. Retomando a obra de Freud (1914/2010Freud, S. (2010). Introdução ao narcisismo. In Obras completas de Sigmund Freud, vol. 12: Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916) (P. C. de Souza, trad., pp. 13-51). São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914)), Kaës (2001Kaës, R. (2001). Transmissão da vida psíquica entre gerações (C. Berliner, trad.). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.) aponta que o sujeito é considerado o portador de uma herança, ou seja, trata-se de um sujeito beneficiário e herdeiro, ligado à cadeia geracional, e, como tal, constitui-se como um elo no tecido intersubjetivo e, embora seja um fim para si mesmo, tal condição só pode ser alcançada após ocupar o lugar de se constituir como membro dessa cadeia.

Por esse motivo, a transmissão geracional é um processo essencial na subjetivação do sujeito singular, que será sempre precedido pelo grupo. Por outro lado, podemos pensar em processos nos quais o sujeito não pode tornar próprios os significados herdados por causa de obstáculos na transmissão, que podem estar relacionados, por exemplo, a traumatismos sociais e traumas narcísico-identitários que não puderam ser nomeados e simbolizados (Scorsolini-Comin & Santos, 2016Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2016). Construir, organizar, transformar: considerações teóricas sobre a transmissão psíquica entre gerações. Psicologia Clínica, 28(1), 141-159. Recuperado em de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pc/v28n1/a08.pdf
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).

Traumatismo social sob a ótica das configurações vinculares

Ao longo de sua prolífica produção teórica, J. Puget e I. Berenstein defenderam com veemência que diversos conceitos cristalizados na psicanálise clássica se mostram insuficientes, em especial no que diz respeito à compreensão da importância do contexto social e dos vínculos para a constituição subjetiva dos indivíduos. Em um estudo de 2008, Puget critica a tendência de “olhar para o lado” e não levar em conta sinais evidentes dessa insuficiência teórica, quando o propósito é tentar entender a constituição do sentimento de pertencimento social e dos traumatismos sociais baseando-se nos primeiros modelos de constituição do aparato psíquico. A autora adverte que essa insistência dogmática pode “custar caro” aos psicanalistas.

Para Puget (2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
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, 2015Puget, J. (2015). Conceptos de Freud en la metapsicologia de hoy. Psicoanálisis, 37(2), 239-273. Recuperado de https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-content/uploads/2018/03/Puget-Nemirovsky.pdf
https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-c...
, 2018Puget, J. (2018). Habitar espacios en el hoy o en un para siempre. Psicoanálisis, 11(1), 19-39. Recuperado de https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-content/uploads/2018/12/5.-PUGET.pdf
https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-c...
), a inscrição dinâmica dos vínculos e dos traumatismos sociais na teorização da psicanálise é um desafio epistemológico, principalmente porque é necessário superar teorias que consideram sobremaneira o intrapsíquico e passar a dar ênfase ao fato de que a realidade psíquica é construída na presença do outro. Assim, há uma realidade compartilhada que só se constitui a partir da presença de dois ou mais sujeitos.

Além disso, Puget (2012Puget, J. (2012). Efectos de la presencia, efectos de la ausência: diversas maneras de pensarlo. Psicoanálisis, 34(2), 385-399. Recuperado de https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-content/uploads/2018/04/Puget.pdf
https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-c...
) destaca que viver implica o sentimento de pertencer a um contexto mais amplo, que produz efeitos intra, inter e transubjetivos, e impõe condições especiais. Para a autora, existem duas vertentes para a constituição do pertencimento: a primeira diz respeito ao tomar parte do conjunto, ou seja, sentir-se parte de um conjunto social mais amplo, e a segunda faz referência ao apoderar-se, relacionado à ideia de posse, de territorialidade, de uma nacionalidade, por exemplo. Ambas as atitudes, tomar parte e apoderar-se, são modalidades simbólicas que, de modo geral, se articulam na construção da subjetividade. Para não perder sua força estruturante, essas modalidades precisam se renovar permanentemente por meio de práticas sociais que transformam as inscrições inconscientes em memórias ativas (Puget, 2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
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). Nesse movimento, o corpo social se constitui simultaneamente ao sujeito, e em conjunto com ele delimita espaços, fronteiras, contornos, códigos de conduta e formas de estar no mundo que, segundo a autora, não podem ser negligenciados (Puget, 2002bPuget, J. (2002b). O corpo denuncia e encobre. Psicanálise - Revista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre, 4(2), 397-411. Doi: 10.60106/rsbppa.v4i2.94
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).

Puget (2017Puget, J. (2017). Violencias ayer y hoy. Psicoanálisis, 39(1), 89-100. Recuperado de https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-content/uploads/2017/08/DossierPuget.pdf
https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-c...
) aponta, ainda, a relevância dos fenômenos da ordem do impensado e do traumático, colocando em evidência a necessidade de reconhecimento de eventos tão ruidosos quanto os grandes traumas sociais. Pensemos, a propósito, nas guerras e massacres sangrentos, nas grandes sagas dos fluxos migratórios, nos deslocamentos de hordas de expatriados e refugiados, nos movimentos diaspóricos, no terror de Estado implantado por regimes autoritários e governos autocráticos e fundamentalistas, na devastação provocada por cataclismos e desastres ambientais, nas pandemias sem precedentes como a de COVID-19, no acirramento dos ódios e das diversas intolerâncias. O esgarçamento do tecido social e o colapso das redes de apoio social que se seguem a esses macroeventos têm um poder de potencializar catástrofes emocionais por anos a fio. Foi necessária a ampliação do campo teórico da psicanálise para que pudéssemos levar em consideração que as subjetividades adquirem características específicas quando passam por situações traumáticas ou de extrema violência, culminando em modificações na qualidade da escuta da memória singular e social.

As memórias sociais registram, retêm e reproduzem feitos, sagas e acontecimentos passados relacionados ou não à história singular do sujeito. Nesse sentido, o conteúdo rememorado exige ações específicas da comunidade, tais como momentos de celebração ou consternação, ritos de comemoração ou luto, festas públicas, inauguração de museus e monumentos, entre outros marcos simbólicos, sobre os quais se organizarão diferentes modalidades de memória. Assim, realiza-se um registro seletivo, parcial, de determinada realidade e dos eventos em torno dos quais o coletivo (conjunto) se organizou, incluindo, por serem conteúdos fragmentados e fracionados, modalidades de esquecimento.

Gomel (1997Gomel, S. K. (1997). Transmisión generacional, familia y subjetividad. Buenos Aires: Lugar.) corrobora essa ideia de que o processo de historicização supõe escolhas. Ou seja, quando uma família ou uma sociedade contam sua própria história, as pessoas estão realizando algum tipo de eleição, seleção, inserção e cancelamento, inclusão e exclusão de determinados conteúdos. Essas escolhas inconscientes influenciam a transmissão psíquica, já que a vida mental das gerações anteriores constitui a bagagem potencial das posteriores. Esse legado pode vir carregado de traumas e/ou memórias impensáveis ou irrepresentáveis (Gomel, 1996Gomel, S. K. (1996). La transmisión en el contexto del psicoanálisis vincular. Revista de la Asociación Argentina de Psicología y Psicoterapia de Grupo, 19(1), 63-76. Recuperado de https://aappg.org/revista-aappg-1996/
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).

As memórias sociais diferem das individuais porque se impõem para além da vontade do sujeito. Isso porque, enquanto “a memória singular é autoengendrada, a memória vincular só se ativa na presença de outro ou outros” (Puget, 2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
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, p. 470). Além disso, as memórias sociais (nível intersubjetivo da configuração vincular) diferem das primeiras porque são compartilhadas entre grupos heterogêneos (Berenstein & Puget, 2008Berenstein, I., & Puget, J. (2008). Psychanalyse du lein: dans différents dispositifs thérapeutiques (G. Richard, trad.). Paris: Érès.). Porém, de maneira análoga ao que acontece com a memória social, a singular pode vir acompanhada de traumatismos, o que pode deslanchar um movimento transformador e integrativo se as fraturas dessa memória forem capazes de mobilizar a capacidade reparatória.

O conceito de trauma, para Freud (1920/2010Freud, S. (2010). Além do princípio do prazer. In Obras completas de Sigmund Freud, vol 14: História de uma neurose infantil (“O Homem dos Lobos”), Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920) (P. C. de Souza, trad., pp. 161-239). São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1920)), remete a eventos violentos ou de grande intensidade disruptiva, que provocam a ruptura da organização psíquica. O sujeito é abalroado por uma experiência traumática quando se vê confrontado por forças que superam sua capacidade de organizar uma barreira eficiente e protetora suficiente para não desmoronar seu ego. Assim, dada a intensidade com que são vividos, os estímulos podem exceder a capacidade psíquica de lidar com esses eventos, rompendo com o escudo protetor do psiquismo, o que desperta angústia, sintomas e sonhos de repetição. De acordo com Laplanche e Pontalis (1998Laplanche, J., & Pontalis, J. (1998). Vocabulário de psicanálise (P. Tamen, trad.). São Paulo, SP: Companhia das Letras.), o trauma caracteriza-se como um excesso, resto inassimilável, quantum de energia que não pode ser metabolizada pelo aparelho psíquico, uma vez que extrapola a tolerância do sujeito, seja por sua intensidade, seja por sua imprevisibilidade.

Um traumatismo é considerado social quando afeta um conjunto de indivíduos e introduz, de forma imperativa, uma interrupção abrupta nas modalidades de intercâmbio associadas ao sentimento de pertencimento. O traumatismo social propõe modalidades subjetivas que só têm sentido graças à virulência da história traumática. Logo, o impacto traumatogênico escancara a fragilidade estrutural do psiquismo e exige como resposta novas práticas sobre as quais o conjunto se fixa ou se desorganiza. Puget (2005Puget, J. (2005). El trauma, los traumas y las temporalidades. Psicoanálisis ApdeBA, 28(112), 293-310. Recuperado de https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-content/uploads/2018/08/Puget.pdf
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) chamou de “estado de ameaça” a instalação de uma série de experiências permanentes, extremamente dolorosas e desorganizadoras, como consequência direta do terror de Estado. Essa desorganização do conjunto, por sua vez, sugere que a posição subjetiva de pertencimento pode ser efêmera e quebradiça, já que as práticas sociais e narrativas anteriormente vigentes passam a não ter mais sentido ou a não dar abertura ao novo, ao incerto e ao imponderável. Isso, consequentemente, debilita a possibilidade vinculante e revoga a suposta e ilusória estabilidade proporcionada pelo senso de pertencimento (Puget, 2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
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).

A capacidade de vinculação só pode se recuperar quando é possível criar novas maneiras de pensar, nomear e fazer, na esteira de um trabalho de simbolização a partir do processamento criativo do conteúdo traumático (Puget, 2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
http://www.apdeba.org/wp-content/uploads...
). Assim, a história, tanto social quanto pessoal, pode se recriar a partir da elaboração do efeito traumático, em um movimento de retroatividade (après coup) mobilizado por um trabalho de simbolização, ao passo que uma memória social traumática não simbolizada se fixa de maneira estereotipada e estanque (Puget, 2005Puget, J. (2005). El trauma, los traumas y las temporalidades. Psicoanálisis ApdeBA, 28(112), 293-310. Recuperado de https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-content/uploads/2018/08/Puget.pdf
https://www.psicoanalisisapdeba.org/wp-c...
), como uma máscara mortuária, congelando a ferida do trauma em vez de promover sua cicatrização. A ferida pode permanecer inativada por um tempo, assim como um vulcão que cessou sua atividade, até o dia em que desperta abruptamente e entra novamente em erupção, causando grandes estragos. Por esse motivo, o trauma não deve ser negligenciado ou deixado de lado. Não há esquecimento que perdure para sempre. A ferida precisa ser revitalizada e ter sua expressão descongelada; sua energia represada precisa encontrar canais apropriados de expressão, buscando novas possibilidades que propiciem uma real transformação.

É nesse sentido que Berenstein (2011Berenstein, I. (2011). Do ser ao fazer: curso sobre vincularidade (M. Seineman, trad.). São Paulo, SP: Via Lettera.) afirma que “nada tem origem além da origem”, ou seja, que as significações do que aconteceu anteriormente são sempre dadas a posteriori, organizando après coup uma série significativa, embora fiquemos com a falsa ideia de que essa ordenação estava preestabelecida. Portanto, a origem é uma marcação que se faz a posteriori, resultado de uma narrativa que não é necessariamente construída pelo próprio sujeito, mas que também pode vir do inconsciente de seus pais ou da comunidade à qual ele pertence.

Por quem os sinos dobram? Memória, resistência e a desmentida do trauma social

Quem é essa mulher Que canta sempre esse estribilho Só queria embalar meu filho Que mora na escuridão do mar Quem é essa mulher Que canta sempre esse lamento Só queria lembrar o tormento Que fez meu filho suspirar (Chico Buarque, “Angélica”)

Para compreender o processo de apagamento dos registros de determinados fatos sociais, sobretudo aquelas memórias dolorosas que remetem ao sofrimento de um povo historicamente espoliado de seus direitos à autodeterminação, apontamos, à guisa de ilustração, aquele que se refere à desmentida da ditadura civil-militar no Brasil. O regime que se seguiu ao sequestro e usurpação do poder político pelos militares no Brasil, a exemplo do que ocorreu com diversas ditaduras que se instalaram nos países da América do Sul nas décadas de 1960 e 1970, deixou um rastro sangrento de mortos insepultos, desaparecidos e exilados. O poder discricionário instalou a censura da imprensa e das artes, o que bloqueou os canais democráticos de expressão das dores, protestos e frustrações populares. A capacidade de organização e manifestação política foi duramente cerceada. A produção da vida social naqueles tempos sombrios, que iriam se prolongar por 21 anos desde o golpe civil-militar de 1964, apresenta como características centrais o não-dito (bloqueado), o interdito (proibido) e o desdito (desmentida), as quais, de acordo com as considerações teóricas apresentadas, produzem consequências nefastas.

Com o Poder Judiciário manietado, o stablishment que tomou de assalto o aparelho de Estado sentiu-se à vontade para exercer o monopólio institucional da violência. Uma violência específica se destacou nesse período de horror, tendo ainda uma prolongada sobrevida depois da redemocratização do país: a desmentida do traumático. Ou seja, do ponto de vista dos traumatismos sociais, trata-se da violência de não se poder ter a história contada de milhares de brasileiros perseguidos, torturados, desaparecidos e assassinados, cujos restos mortais (eufemisticamente chamados de “remanescentes humanos” pela linguagem forense) nunca foram localizados. Essa experiência inominável atinge tanto o tecido intra e interpsíquico das famílias envolvidas nesse processo perverso quanto a trama vincular do espaço social, justamente porque reflete uma alienação, sustentada no coletivo, dos sujeitos espoliados de sua própria história (Maia & Santos, 2022Maia, B. B., & Santos, M. A. (2022). Crueldade: a máscara do tirano. Revista Brasileira de Psicanálise, 56(1), 117-132.).

Não há violência mais hedionda do que o aviltamento da dignidade dos corpos desaparecidos, aos quais foram negadas as exéquias do sepultamento, um costume milenarmente considerado o último bastião de civilidade de um povo - basta pensar na tragédia de Antígona, impedida pelas leis da cidade a dar sepultura ao irmão morto em combate. Os corpos torturados na calada da noite nos porões da ditadura, os corpos esquálidos dos meninos executados nas periferias pelos esquadrões da morte, os corpos de maridos, esposas e filhos que jamais regressaram para suas casas, os corpos de militantes e intelectuais defensores da democracia ultrajada que resistiram ao arbítrio e pagaram com seu sangue, lágrimas e sanidade mental, formam um imenso painel humano cuja história foi silenciada, justamente porque foi impedida de ser relatada. A interceptação do trabalho salutar da memória impede que se complete o trabalho do luto. A dor de uma nação não pode ser convertida em narrativa, a memória desfigurada e não autorizada não permite que se possa erguer um acervo/documento/monumento coletivo do luto pelas perdas traumáticas. A ausência desse marco simbólico faz o trauma permanecer no estado bruto do irrepresentável. Todo o sofrimento social mobilizado é invalidado, desconsiderado ou desmentido sistematicamente, o que impossibilita que as pessoas possam aprender com a experiência.

Desse ponto de vista, conjecturamos que a ferida social que ainda não pôde ser cicatrizada mantém cristalizada uma experiência traumática aniquiladora que atenta contra a própria integridade narcísica e seu pertencimento na extensão não apenas singular, mas social. Como vimos, acontecimentos traumáticos nos quais se produz um ataque ao narcisismo levam a um transbordamento da capacidade psíquica de elaborar situações de crise e sofrimento, impondo-se o traumático pela falta de condições de representabilidade diante dos excessos aos quais os sujeitos foram submetidos (Correa, 2013Correa, O. B. R. (2013). Crises e travessias: na vida do casal e do grupo familiar. Petrópolis, RJ: KBR.). Na medida em que não há elaboração, a nação está fadada a repetir indefinidamente seus tropeços, o que explica por que a cada ciclo a maioria da população votante aposta suas fichas em um político que se apresenta como salvador da pátria.

Assim, entendemos que, além de prejudicar a constituição narcísica e o pertencimento parcial do conjunto social, o apagamento de parte da história de um povo deixa uma marca indelével da ordem de um não falado, que traz como consequência a impossibilidade de transformar a experiência de dor em palavras, perpetuando a falta de simbolizações sociais de eventos traumáticos que, se fossem integrados, poderiam resultar em possibilidades de sustentação representacional que propicia elaboração. Para Puget (2000aPuget, J. (2000a). Disso não se fala... transmissão e memória. In O. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 73-88). São Paulo, SP: Escuta.), isso deságua em uma linguagem que não seria capaz de concernir esses eventos, induzindo, assim, a uma repetição infinita que se transmite na forma de um não-trabalho compartilhado, caracterizando uma ameaça à integridade do espaço vincular.

Esse “não falado”, lacuna da história renegada, é uma forma de desmentir o traumatismo social. Corroborando essa tese, Veríssimo (2017Veríssimo, T. C. (2017). O racismo nosso de cada dia e a incidência da recusa no laço social. In: N. M. Kon, M. L. Silva, & C. C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise (pp. 233-249). São Paulo, SP: Perspectiva.) defende que essa falha no reconhecimento da violência aponta uma desmentida do trauma, que impede que ele seja inscrito simbolicamente. A elaboração não é possível principalmente quando os traumatismos são tratados, na memória social, pela lógica da desmentida, como ocorre em relação aos crimes infames de tortura, racismo, homotransfobia, intolerância religiosa, genocídio indígena e da juventude negra periférica no Brasil (Baptista-Silva, Hamann, & Pizzinato, 2017Baptista-Silva, G., Hamann, C., & Pizzinato, A. (2017). Casamento no cárcere: agenciamentos identitários e conjugais em uma galeria LGBT. Paidéia (Ribeirão Preto), 27, 376-385. doi: 10.1590/1982-432727s1201702
https://doi.org/10.1590/1982-432727s1201...
; Ferracioli et al., 2021Ferracioli, N. G. M., Oliveira, W. A., Oliveira-Cardoso, É. A., Corradi-Webster, C. M., Risk, E. N., & Santos, M. A. (2021). Comportamento suicida: o paradoxo vida e morte em meio à pandemia de COVID-19. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 12(2), 75-98. doi: 10.5433/2236-6407.2021v12n2p75
https://doi.org/10.5433/2236-6407.2021v1...
; Martínez-Guzman & Íñiguez-Rueda, 2017Martínez-Guzmán, A., & Íñiguez-Rueda, L. (2017). Prácticas discursivas y violencia simbólica hacia la comunidad LGBT en espacios universitarios. Paidéia (Ribeirão Preto), 27(Suppl. 1), 367-375. doi: 10.1590/1982-432727s1201701
https://doi.org/10.1590/1982-432727s1201...
; Oliveira et al., 2020Oliveira, W. A., Silva, J. L., Andrade, A. L. M., Micheli, D., Fernández, J. E. R., Dellazzana-Zanon, ... Santos, M. A. (2020). Adolescence in times of pandemic: Integrating consensus into a concept map. Estudos de Psicologia (Natal), 25(2), 133-143. doi: 10.22491/1678-4669.20200014
https://doi.org/10.22491/1678-4669.20200...
; Scorsolini-Comin, Rossato, & Santos, 2020Scorsolini-Comin, F., Rossato, L., & Santos, M. A. (2020). Saúde mental, experiência e cuidados: implicações da pandemia de COVID-19. Revista da SPAGESP, 21(2), 1-6. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702020000200001&lng=pt&tlng=pt
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). Essas experiências desumanizadoras ilustram diversas situações preocupantes que caracterizam o esgarçamento do tecido social (Santos, Oliveira, & Oliveira-Cardoso, 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, É. A. (2020). Inconfidências de abril: impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32, e020018. doi: 10.1590/1807-0310/2020v32240339
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
; Schwarcz, 2015Schwarcz, L. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo, SP: Companhia das Letras.; Veríssimo, 2017Veríssimo, T. C. (2017). O racismo nosso de cada dia e a incidência da recusa no laço social. In: N. M. Kon, M. L. Silva, & C. C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise (pp. 233-249). São Paulo, SP: Perspectiva.).

O desmentido diz respeito ao não reconhecimento, ou menosprezo, ou descrédito que tenta invalidar a violência infligida. Nesse sentido, não se legitima o sofrimento daqueles sujeitos que sofreram diretamente o ato de violência e, consequentemente, o que se desmente não são apenas os eventos traumáticos, mas, também, os próprios sujeitos e suas vivências (Gondar, 2012Gondar, J. (2012). Ferenczi como pensador político. Cadernos de Psicanálise, 34(27), 193-210. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-62952012000200011&script=sci_abstract
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid...
). Para Ferenczi (1931/1992Ferenczi, S. (1992). Análises de crianças com adultos. In Obras completas: Sándor Ferenczi 4 (pp. 69-83) (Á. Cabral, trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1931)), o desmentido está intimamente relacionado à vivência do traumático. No texto Confusão de línguas entre o adulto e a criança, Ferenczi (1933/1992Ferenczi, S. (1992). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. In Obras completas: Sándor Ferenczi 4 (pp. 97-106) (Á. Cabral, trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1933)) destaca o desamparo diante de experiências que geram confusão na criança e que são silenciadas, desmentidas, por suas figuras de apego. O desmentido, assim, seria uma experiência traumática de ruptura na relação de confiança estabelecida com essas figuras que invalidam a experiência emocional da criança, fazendo da confusão de línguas uma ponte para o traumático.

Gomel (2014Gomel, S. K. (2014). Transmisión entre generaciones: volviendo a pensar. Psicoanálisis de las Configuraciones Vinculares, 37(1/2), 105-125.) concorda com esse argumento ao afirmar que, quando a experiência do passado e a percepção de certos feitos são desmentidas pelos outros, sobretudo por pessoas significativas do universo vincular do sujeito, podem aparecer fenômenos de desrealização ou despersonalização. Ou seja, as pessoas que percebem os acontecimentos traumáticos de forma diferente daquela que é admitida pelas pessoas significativas do vínculo ou o contexto social de forma geral podem, inclusive, desqualificar a própria percepção dos eventos para conservar a permanência no vínculo, assumindo outra expressão da alienação.

Portanto, a memória social traumática se inscreve em um conjunto no qual há marcas que remetem a um “não falado” ou a um desmentido coletivo, alimentando uma tendência à repetição que induz a transmissão psíquica sem deformação. O que se transmite, nesse caso, é um não trabalho compartilhado, que, por sua vez, produz uma “não-história vincular” (Puget, 2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
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, p. 471). Assim, além de um não simbolizado, o que se transmite é uma lacuna na história social e vincular - algo que deveria ter sido organizado a seu tempo e que não foi -, o que traz consequências à tecedura desses vínculos.

De acordo com Puget (2000aPuget, J. (2000a). Disso não se fala... transmissão e memória. In O. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 73-88). São Paulo, SP: Escuta.), o papel da herança na transmissão pode ter caráter intergeracional, quando diz respeito a valores e investimentos narcisistas das gerações anteriores que se inscrevem na pré-história do sujeito, como o contrato narcísico anteriormente explicitado (Kaës, 2011Kaës, R. (2011). Um singular plural: a psicanálise à prova do grupo (L. P. Rouanet, trad.). São Paulo, SP: Loyola.). Pode, também, ter um caráter transgeracional, isto é, experiências falhas nas quais os conteúdos psíquicos não são simbolizados (Valdanha, Scorsolini-Comin, & Santos, 2013Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2013). Anorexia nervosa e transmissão psíquica transgeracional Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 16(1), 71-88. doi: 10.1590/S1415-47142013000100006
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). Isso acontece, em geral, quando há algum acontecimento que pode ser potencialmente traumático ou alienante para os descendentes se não houver elaboração (Puget, 2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
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).

Nesses processos, nos quais o sujeito não pode tornar próprios os significados herdados por causa dos obstáculos na transmissão, o que se transmite é um objeto sem representação verbal, ou seja, inominado (Granjon, 2000Granjon, E. (2000). A elaboração do tempo genealógico no espaço do tratamento da terapia familiar psicanalítica. In: O. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 17-44). Rio de Janeiro, RJ: Escuta.). Os laços, neste caso, organizam-se por meio da defesa ante um conteúdo traumático, em um pacto denegativo. Kaës (2011Kaës, R. (2011). Um singular plural: a psicanálise à prova do grupo (L. P. Rouanet, trad.). São Paulo, SP: Loyola.) destaca que o conjunto se reorganiza sobre sucessivos apagamentos, rejeições e recalcamentos, os quais têm dupla função: servem de organizador dos vínculos e, ao mesmo tempo, de defesa diante dos conteúdos traumáticos.

Assim, podemos compreender que o apagamento das violências sociais de nossa história gera uma dupla violência. Por um lado, sem a possibilidade de pensar esses acontecimentos - considerando que tornar pensável a experiência vivida é o primeiro passo para sua elaboração -, eles não encontrarão um espaço de continência e representação (Granjon, 2000Granjon, E. (2000). A elaboração do tempo genealógico no espaço do tratamento da terapia familiar psicanalítica. In: O. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 17-44). Rio de Janeiro, RJ: Escuta.), gerando lacunas de significação, ou não-ditos que alienam os sujeitos de sua própria história, configurando transmissões psíquicas transgeracionais, associadas a um não trabalho vincular. Por outro lado, uma memória social traumática denegada pelo conjunto, além de dificultar substancialmente a simbolização desses eventos, fragiliza o pertencimento social, bem como a constituição narcísica dos sujeitos (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias de plantação: episódios de racismo no cotidiano (J. Oliveira, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Cobogó.; Souza, 1983/2019Souza, N. S. (2019). Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. São Paulo, SP: LeBooks. (Trabalho original publicado em 1983)), gerando consequências deletérias no que diz respeito à contenção do sofrimento psíquico. Dessa forma, produz-se uma modalidade de violência específica, que constitui uma violação a um dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Para Ferenczi (1933/1922Ferenczi, S. (1992). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. In Obras completas: Sándor Ferenczi 4 (pp. 97-106) (Á. Cabral, trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1933)), o trabalho de construir algo criativo a partir do trauma do desmentido demandaria uma escuta curiosa, ou seja, que caminhasse na contramão do apagamento e do silenciamento. Ademais, isso exigiria reconhecer a violência sofrida como um traumatismo social. Corroborando essa ideia, Trachtenberg (2013Trachtenberg, A. R. C. (2013). Trauma, transgeracionalidade e intergeracionalidade: uma transformação possível. In A. C. R. Trachtenberg, C. C. Kopittke, D. T. Zimpek, V. D. M. C. Pereira, & V. M. H. P. Mello (Orgs.), Transgeracionalidade: de escravo à herdeiro: um destino entre as gerações (pp. 129-140). Porto Alegre, RS: Sulina.) propõe que a psicanálise deve defender o direito que cada ser humano tem de reconstruir os elementos de sua pré-história, que contêm partes importantes de sua identidade. Puget (2000bPuget, J. (2000b). Traumatismo social: memoria social y sentimiento de pertenencia, memoria social-memoria singular. Psicoanálisis APdeBA, 22(2), 455-483. Recuperado de http://www.apdeba.org/wp-content/uploads/022000puget.pdf
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) advoga, ainda, que a memória desses eventos confirma o pertencimento e reafirma a possibilidade de evocação, por meio de relatos, escritos e práticas, abrindo caminho para o trabalho de pensamento, que favorece a elaboração e a não-repetição alienante e aprisionante.

Ao (re)contar uma história traumática, validando os sofrimentos vivenciados e os traumatismos sociais envolvidos, abre-se a possibilidade de produzir um trabalho vincular a partir da memória. É permitir-se pôr o trauma a trabalho. Assim, o acontecimento traumático não desencadearia necessariamente um desequilíbrio, uma desestabilização da organização psíquica, mas poderia correr no sentido contrário, confirmando a necessidade de se adaptar permanentemente ao equilíbrio precário, dando origem a uma memória ativa a partir da qual novas produções simbólicas poderão surgir e, consequentemente, abrir caminho para novos desfechos e trabalhos de transformação (Puget, 2000aPuget, J. (2000a). Disso não se fala... transmissão e memória. In O. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 73-88). São Paulo, SP: Escuta.). Desse modo, “a temporalidade geracional se esboça na medida em que um material psíquico, ligado a uma história geracional, começa a ser ressignificado em um ‘après-coup’” (Correa, 2013Correa, O. B. R. (2013). Crises e travessias: na vida do casal e do grupo familiar. Petrópolis, RJ: KBR., p. 71).

Destacamos como possibilidade de elaboração dos traumatismos sociais a arte e a criação de novos códigos e vocabulários para dar conta desse desmentido. Kilomba (2020Kilomba, G. (2020). Earings, birds nad monsters. Godman Gallery. Recuperado de https://www.goodman-gallery.art/grada-kilomba
https://www.goodman-gallery.art/grada-ki...
), artista e psicanalista, em sua exposição virtual Heroines, birds and monsters, descontrói e reconta a história da tragédia grega Antígona, a partir de seu ponto de vista social e histórico enquanto mulher negra, lançando provocações sobre a necessidade de que saibamos enterrar nossos mortos e narrar nossa própria história. Esta pode não nos ter sido contada propriamente, “apesar de tudo, uma pessoa não pode escapar de sua própria história” (Kilomba, 2020Kilomba, G. (2020). Earings, birds nad monsters. Godman Gallery. Recuperado de https://www.goodman-gallery.art/grada-kilomba
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). Esta seria, portanto, uma forma de trabalho vincular, de construir novas memórias sociais que possibilitem dar cidadania psíquica aos eventos renegados e traumáticos (Santos, Okamoto et al., 2020Santos, M. A., Okamoto, M. Y., Emídio, T. S., & Maia, B. B. (2020). As tramas do trabalho vincular: contribuições psicanalíticas para pensar os impasses e ideais contemporâneos. Revista Brasileira de Psicanálise, 54(4), 117-132. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbp/v54n4/v54n4a09.pdf
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).

Considerações finais

O marco teórico da Psicanálise das Configurações Vinculares permite reescrever o modelo clássico do inconsciente freudiano, reunindo o enquadre individual ao enquadre de grupo e os elementos da cultura que atravessam a constituição do sujeito (Santos et al., 2017Santos, M. A., Ciani, T. A., Pillon, S. C., Vedana, K. G. G., Miasso, A. I., Souza, J., ... Oliveira-Cardoso, É. A. (2017). Clínica das configurações vinculares: do estabelecimento do vínculo terapêutico às transformações possíveis. Vínculo, 14(2), 45-57. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v14n2/v14n2a07.pdf
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). Esse arcabouço teórico representa um avanço na teoria psicanalítica ao possibilitar repensar a clínica, reposicionando o trabalho analítico em um eixo vincular.

Entendendo que a linguagem é uma via privilegiada da transmissão psíquica e da transformação do material bruto geracional, podemos inferir, a partir do exposto neste estudo, que, diante da violência e do traumatismo social, a possibilidade de elaboração fica prejudicada, tendo em vista que a transmissão psíquica, em especial a de eventos traumáticos, cria dificuldades nas modalidades de intercâmbio no estabelecimento e funcionamento do vínculo, ocasionando novos conjuntos baseados na memória ativa ou no esquecimento desses eventos não metaforizados. À medida que os fatos se inscrevem como memórias traumáticas, dada a tendência inercial da energia pulsional, podem se fixar, dificultando o estabelecimento de novos significados, ou seja, “a memória traumática, que é pura fixação da experiência, propõe ao conjunto uma diminuição da produção de novas significações e modalidades de intercâmbio e de expressão em que se filtra a repetição” (Puget, 2000aPuget, J. (2000a). Disso não se fala... transmissão e memória. In O. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional (pp. 73-88). São Paulo, SP: Escuta., p. 77). Quando não há elaboração dos traumatismos, favorece-se a transmissão psíquica transgeracional, na qual conteúdos tóxicos são transmitidos sem terem sido submetidos a um processo de transformação, o que não permite um trabalho vincular a partir da memória. Sem o trabalho da memória, os conteúdos não podem ser fixados ou inscritos psiquicamente. Sem inscrição psíquica, permanecem não nomeados, irrepresentáveis, como bólides que vagam sem destino pela vastidão do espaço sideral da mente. Sem direito à expressão simbólica, esses conteúdos ficam à deriva, orbitando o espaço psíquico.

Podemos entender, também, que a denegação de episódios da história vincular de contingentes populacionais, em especial as histórias carregadas de dor e traumatismos sociais, pode golpear as pessoas de forma ainda mais contundente no presente, uma vez que denegar o sofrimento e o traumatismo é, também, uma maneira de desvalorizar os componentes dessa história como sujeitos. Além disso, o apagamento de histórias de sofrimento, luta e resistência diante das adversidades, atenta contra a constituição narcísica da coletividade, cuja história passa a ser, a partir desse mecanismo supressor, desconsiderada e, por conseguinte, as bases do pertencimento social se tornam fragilizadas.

Diante do exposto, podemos concluir que é imperativo ético da psicanálise não desviar o olhar quando se trata de propor a escuta para os traumatismos sociais e sua desmentida, uma vez que tal estratégia defensiva configura impedimento à elaboração das feridas psíquicas. Ao fim e ao cabo, essa defesa se revela tão violenta como as forças traumáticas, além de atentatória aos direitos fundamentais da pessoa humana. É preciso defender a oferta de uma escuta interessada e atenta ao sofrimento social, indo na contramão do desmentido e possibilitando que as pessoas se tornem narradoras de suas próprias histórias ao abrir espaço e valorizar linguagens possíveis para nomear esses traumatismos, de forma a possibilitar uma memória ativa e um trabalho vincular reparatório que permita a travessia do traumático.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2023
  • Aceito
    28 Fev 2023
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