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Taxas de juros negativas e inversão da curva a termo: uma interpretação à luz da Teoria da Preferência pela Liquidez

Negative interest rates and inverted yield curves: an interpretation based on Liquidity Preference Theory

Resumo

Comportamentos atípicos das taxas de juros têm sido frequentes nas economias desenvolvidas. Apesar de intuitivamente improváveis, títulos soberanos com taxas de juros negativas estão presentes em grande parte dos países europeus e a curva a termo dos títulos do Tesouro apresentou inversão durante meses nos Estados Unidos. O presente artigo apresenta a influência do emprego de instrumentos convencionais e não convencionais de política monetária pelos Bancos Centrais sobre os fenômenos anteriormente mencionados, e uma interpretação fundamentada na Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes. Tal interpretação explica, a partir do comportamento dos agentes, por que os programas de compras de ativos públicos e privados, o controle da curva a termo e o modelo de comunicação baseado na prescrição futura (forward guidance) dos Bancos Centrais podem influenciar os mercados financeiros, com efeitos relativamente persistentes. Essa situação vem permitindo a ocorrência de fenômenos não habituais relacionados às taxas de juros.

Palavras-chave:
Taxa de juros negativa; Curva a termo; Teoria Keynesiana; Preferência pela liquidez

Abstract

Unusual interest rate behavior has become increasingly frequent in developed economies. Even though intuitively unlikely, government bond yields in negative territory are found in most European countries, and inverted yield curves for Treasury bonds in the United States occurred during some months. This paper presents the influence of conventional and non-conventional monetary policy instruments over the previously mentioned phenomena, and an interpretation based on the Liquidity Preference Theory proposed by Keynes. This interpretation explains, based on agents’ behavior, why public and private asset purchase programs, yield curve control and communication based on forward guidance used by central banks could persist and influence financial markets. This situation has enabled the occurrence of atypical phenomena regarding interest rates.

Keywords:
Negative interest rates; Yield curve; Keynesian Theory; Liquidity Preference

Introdução

Comportamentos atípicos das taxas de juros têm sido frequentes nas economias desenvolvidas. Apesar de intuitivamente improváveis, títulos soberanos com taxas de juros negativas estão presentes em grande parte dos países europeus e a curva a termo dos títulos do Tesouro apresentou inversão durante meses nos Estados Unidos.

Em junho de 2014, a remuneração dos depósitos dos bancos comerciais europeus (sob jurisdição do European Central Bank - ECB) que excediam o compulsório mínimo exigido1 1 ECB interest rates - Deposit facility rate. entrou em terreno negativo. O Banco Central do Japão (Bank of Japan - BOJ) também adotou remuneração negativa para depósitos excedentes dos bancos comerciais no início de 2016. Mesmo papéis de longo prazo, como os títulos soberanos da dívida pública alemã com vencimento para dez anos, começaram a apresentar a partir de 2016 rendimento nominal negativo2 2 Entre 2016 e 2019 os títulos de dez anos da dívida pública alemã apresentaram variações nas suas taxas de remuneração, mantendo-se em território negativo em diversos momentos. Desde maio de 2019 tais títulos vêm apresentando constantemente remuneração negativa. .

A curva a termo dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos (U.S. Treasuries) apresentou em períodos de 2019 e 2020 o fenômeno denominado inversão, situação em que papéis com vencimento mais curto apresentam rendimentos nominais anuais superiores a títulos de vencimento mais longo. A inversão da curva de juros é um fenômeno atípico, visto que a situação natural é a ampliação do rendimento anual dos títulos na medida em que os vencimentos são mais longos.

Diante do contexto apresentado, o presente artigo tem o objetivo de analisar estes dois fenômenos relativamente recentes e incomuns relacionados às taxas de juros dos títulos da dívida pública: a existência de taxas de juros negativas e a inversão da curva a termo. Tal avaliação é feita considerando-se a influência do emprego de instrumentos convencionais e não convencionais de política monetária pelos Bancos Centrais. A partir do arcabouço teórico da Preferência pela Liquidez, desenvolvido por Keynes, explica-se por que tais intervenções das autoridades monetárias podem influenciar os mercados financeiros de forma persistente, com base no comportamento dos agentes.

Assim, após a presente introdução, a seção seguinte apresenta a teoria keynesiana da taxa de juros baseada na Preferência pela Liquidez. A contribuição de Keynes para o entendimento do processo de formação das taxas de juros em suas obras, com destaque para “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” (doravante TG), fornece a estrutura teórica para a compreensão da resposta dos agentes econômicos aos fenômenos recentes associados às taxas de juros. Na seção seguinte são apresentadas as avaliações, por parte de distintas correntes do pensamento econômico, dos mecanismos de transmissão e dos efeitos na economia das políticas monetárias não convencionais. Maior destaque é dado à linha de pensamento pós-keynesiana, que interpreta o fenômeno com base na Teoria da Preferência pela Liquidez.

Na terceira seção do artigo são apresentados os dados empíricos que demonstram o comportamento atípico das taxas de juros, e como tal comportamento pode ser interpretado à luz da teoria keynesiana da Preferência pela Liquidez. Os motivos de demanda por moeda estabelecidos por Keynes, precaução e principalmente especulação, explicam por que é possível que os agentes econômicos aceitem a compra de ativos com rentabilidade negativa, bem como a percepção de que títulos normalmente considerados mais seguros possam ser temporariamente avaliados como de maior risco. Tal situação, conforme estabelecido por Keynes, ocorre em um ambiente permeado pela incerteza, com divergência de opiniões em relação ao futuro das taxas de juros e com mercados secundários de títulos organizados. Finalmente, a quarta e última seção do texto apresenta as conclusões do trabalho.

1 Taxa de Juros na Teoria Keynesiana

No capítulo 13 do livro “A Treatise on Money - v. 1”, Keynes (1935KEYNES, J. M. A treatise on money. Volume I: The pure theory of money. London: MacMillan and Co. Limited , 1935.) apresenta uma discussão sobre a taxa de juros (Bank-rates), demonstrando o modus operandi das taxas de curto prazo e seu impacto sobre a poupança e o investimento. Keynes destaca inicialmente que a “doutrina tradicionalmente aceita” tratou de forma pouco sistemática a influência das taxas de juros sobre o sistema econômico, especialmente no que se refere aos trabalhos em língua inglesa. Nesse sentido, o autor cita o estudo de Wicksell (1936WICKSELL, K. Geldzins und Güterpreise. Interest and prices: a study of the causes regulating the value of money. London: MacMillan and Co., 1936.)3 3 O original em alemão foi publicado em 1898. , que em sua opinião havia recebido pouca atenção dos economistas de língua inglesa na época. Para Keynes, o trabalho de Wicksell era uma importante tentativa de apresentar um tratamento sistemático sobre a influência dos juros no sistema econômico.

Na seção seguinte Keynes apresenta o que denomina “The General Theory of Bank-rate”. O autor define “Bank-rate” como o complexo das taxas de juros efetivas em um determinado momento para o empréstimo de dinheiro no curto prazo. Por outro lado, Keynes define como “Bond-rate” o complexo das taxas de juros efetivas (yield curve) para o mercado de empréstimos considerando períodos mais longos. No presente artigo, nossa principal preocupação é com a denominada “Bond-rate”, que Keynes explora de maneira mais profunda na TG.

Na TG, Keynes (2013KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, Volume VII. Cambridge: Cambridge U. Press, 2013.) examina o conceito e o processo de formação das taxas de juros, com destaque para os capítulos 13, 15 e 17. No capítulo 13, Keynes argumenta que, em sua visão, a taxa de juros está intimamente ligada ao conceito de Preferência pela Liquidez. Para o autor, ao contrário do que prega a teoria “clássica”, a taxa de juros não é o “preço” que determina o equilíbrio entre a demanda por fundos emprestáveis e a oferta desses fundos provenientes da abstenção do consumo presente por parte dos agentes:

The rate of interest is not the ‘price’ which brings into equilibrium the demand for resources to invest with the readiness to abstain from present consumption. It is the ‘price’ which equilibrates the desire to hold wealth in the form of cash with the available quantity of cash (Keynes, 2013KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, Volume VII. Cambridge: Cambridge U. Press, 2013., p. 167).

De fato, observamos que para Keynes a taxa de juros é o “preço” que equilibra o desejo de manter a riqueza na forma monetária líquida com a quantidade de moeda disponível no sistema econômico. Oreiro (1999OREIRO, J. L. C. A importância da separação entre as decisões de consumo-poupança e de composição de portfólio para a determinação da taxa de juros: uma reavaliação da equivalência entre a teoria dos fundos de empréstimos e a Teoria da Preferência pela Liquidez. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 3, p. 387-408, 1999.) avalia a relevância do debate entre a Teoria dos Fundos de Empréstimos e a Teoria da Preferência pela Liquidez. Para o autor, de fato, a Teoria da Preferência pela Liquidez não seria equivalente à Teoria dos Fundos de Empréstimos. A diferença essencial entre essas teorias seria o mecanismo pelo qual os planos de poupança e investimento têm influência sobre a taxa de juros. Assim, na Teoria da Preferência pela Liquidez a “separação entre as decisões de consumo-poupança e composição de portfólio é essencial para a determinação da taxa de juros” (Oreiro, 1999OREIRO, J. L. C. A importância da separação entre as decisões de consumo-poupança e de composição de portfólio para a determinação da taxa de juros: uma reavaliação da equivalência entre a teoria dos fundos de empréstimos e a Teoria da Preferência pela Liquidez. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 3, p. 387-408, 1999., p. 407). Por outro lado, na Teoria dos Fundos de Empréstimos, “o mecanismo é direto, isto é, o preço das obrigações é diretamente influenciado pelas decisões de poupança e investimento” (Oreiro, 1999OREIRO, J. L. C. A importância da separação entre as decisões de consumo-poupança e de composição de portfólio para a determinação da taxa de juros: uma reavaliação da equivalência entre a teoria dos fundos de empréstimos e a Teoria da Preferência pela Liquidez. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 3, p. 387-408, 1999., p. 389).

Considerando o entendimento de que a taxa de juros é determinada a partir da influência da preferência pela liquidez, Keynes (2013KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, Volume VII. Cambridge: Cambridge U. Press, 2013., p. 168, grifo nosso) examina a razão da existência da preferência pela liquidez, onde curiosamente afirma que “a taxa de juros nunca é negativa”:

At this point, however, let us turn back and consider why such a thing as liquidity-preference exists. In this connection we can usefully employ the ancient distinction between the use of money for the transaction of current business and its use as a store of wealth. As regards the first of these two uses, it is obvious that up to a point it is worth while to sacrifice a certain amount of interest for the convenience of liquidity. But, given that the rate of interest is never negative, why should anyone prefer to hold his wealth in a form which yields little or no interest to holding it in a form which yields interest (assuming, of course, at this stage, that the risk of default is the same in respect of a bank balance as of a bond)?

Assim, para Keynes, a preferência pela liquidez existe não somente para aquela parcela de moeda que os agentes desejam reter para o motivo transação, mas também para a quantidade de moeda que os agentes desejam reter como estoque de riqueza (store of wealth). É justamente a preferência pela liquidez associada ao portfólio dos agentes, detalhada em seguida por Keynes, que nos apresenta um insight interessante sobre a possibilidade de os agentes econômicos desejarem adquirir títulos que pagam taxas de juros negativas, como apresentaremos na próxima seção.

Cabe ainda indagarmos aqui, por que Keynes afirma “dado que a taxa de juros nunca é negativa”? De fato, parece extremamente contraintuitivo imaginar que algum agente econômico racional iria se abster do consumo presente para receber no futuro um valor nominal inferior ao poupado. Mais do que isso, ainda que desejasse poupar, seria mais interessante manter tal poupança na forma líquida de moeda, a comprar um título que terá um valor nominal menor no vencimento. E aqui devemos destacar a palavra “nominal”, visto que em um contexto inflacionário, a perda real de poder de compra (ou de comando) será ainda maior. Portanto, não é de se admirar que Keynes tenha feito essa observação, pois até recentemente a situação de juros nominais4 4 A existência de juros reais negativos é um fenômeno consideravelmente mais intuitivo do ponto de vista econômico, visto que em um contexto inflacionário a perda real seria maior mantendo-se a riqueza na forma de moeda líquida do que mantendo a riqueza em títulos que paguem juros nominais inferiores à taxa de inflação. negativos parecia extremamente improvável, senão impossível. Essa é a questão em que nos aprofundamos na seção seguinte.

Para explicar por que os agentes podem desejar manter parte de sua riqueza na forma líquida como reserva de valor, Keynes recorre à importância da existência da incerteza no ambiente econômico. Keynes (1921KEYNES, J. M. A treatise on probability. London: MacMillan and Co. Limited, 1921.) destaca a diferença entre risco e incerteza, tema também explorado por Knight (1921KNIGHT, F. Risk, uncertainty and profit. London: Houghton Mifflin, 1921.), que aborda a distinção entre o risco calculável e a incerteza não mensurável. A explicação que relaciona a preferência pela liquidez ao desejo de manter moeda em forma líquida como estoque de riqueza depende fundamentalmente da existência de incerteza, que se revela empiricamente pela elevada incapacidade de os agentes preverem com exatidão quais serão os preços dos títulos em um momento determinado futuro, antes da sua data de vencimento5 5 Neste ponto estamos nos referindo a títulos que tem um valor de face definido, isto é, na data do vencimento o título paga ao seu detentor o valor de face. A taxa de juros recebida pelo detentor do título é calculada a partir da diferença entre o preço pago pelo investidor no momento em que adquire o título e o seu valor de face. Contudo, antes do vencimento, o preço do título pode sofrer consideráveis variações. . De fato, Keynes aborda essa questão no capítulo 13, explicando que existem duas razões que justificam a possível preferência dos agentes econômicos por manter moeda líquida em seus portfólios como estoque de riqueza ao invés de adquirir títulos que rendam juros. A primeira razão é a possibilidade de o agente precisar resgatar o título antes da data de vencimento (motivo precaução, necessidade de liquidez imediata). Nesse caso não se sabe qual será o preço exato do título no momento da venda, e o agente pode até mesmo incorrer em perdas, pois é possível que o preço do título esteja abaixo do preço pago inicialmente pelo investidor.

A segunda razão é a possibilidade de o agente especular e maximizar o seu ganho financeiro se aguardar para conseguir comprar o título no momento “ideal” (motivo especulação). Assim ele manteria sua riqueza em moeda até o momento que considera ótimo para trocar a sua liquidez por títulos que rendam juros. Keynes destaca que essa possibilidade está diretamente relacionada à existência de mercados secundários organizados para a negociação dos títulos que rendem juros. Evidentemente essa é a situação que se apresenta atualmente, dada a elevada sofisticação dos mercados financeiros.

A Figura 1 propõe um maior detalhamento das decisões de portfólio, a partir do momento que o agente decide a quantidade de moeda que demandará para o motivo transação e a quantidade de moeda que manterá em seu portfólio pelos motivos precaução e especulação. Dessa forma, após tomar a primeira decisão, em termos de preferência intertemporal (motivo transação), o agente precisa definir o que fará com a riqueza disponível. Aqui ele terá que optar em manter sua riqueza na forma líquida (moeda), ou em comprar ativos financeiros (com grau de liquidez inferior à moeda) que rendem juros ou outra possibilidade de remuneração. Keynes focou sua análise na decisão entre moeda e títulos de dívida pública que rendem juros na TG.

Em relação ao motivo precaução, Keynes destaca que o agente deseja manter parte de seu estoque de riqueza na forma de moeda, pois gastos imprevistos podem surgir, e caso ele precise converter os títulos em moeda rapidamente não se sabe previamente qual será o preço de mercado do título naquele exato instante em que a liquidez é demandada. Mais do que isso, Keynes argumenta que caso não exista um mercado secundário organizado para a venda rápida do título, o motivo precaução faria o agente demandar ainda mais moeda, pois o título teria baixa liquidez. Assim, o autor avalia o dilema da existência de mercados organizados para a negociação de títulos. A inexistência desses mercados organizados causaria uma elevação na demanda de moeda pelo motivo precaução. A existência de tais mercados permite a ampliação da flutuação da preferência pela liquidez, devido ao motivo especulação:

As when we were discussing the marginal efficiency of capital, the question of the desirability of having a highly organised market for dealing with debts presents us with a dilemma. For, in the absence of an organised market, liquidity-preference due to the precautionary-motive would be greatly increased; whereas the existence of an organised market gives an opportunity for wide fluctuations in liquidity-preference due to the speculative-motive (Keynes, 2013KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, Volume VII. Cambridge: Cambridge U. Press, 2013., p. 170, negrito nosso).

Assim, conforme estabelecido pela Figura 1, a existência de um mercado secundário organizado de títulos que rendem juros, que proporciona alta liquidez e facilidade para a transformação de títulos em moeda, possibilita que os agentes econômicos constantemente avaliem a composição de seus portfólios (ampliação da flutuação da preferência pela liquidez), dependendo de suas expectativas em relação ao futuro da taxa de juros.

Na Teoria Geral, Keynes também considera que a existência de opiniões diversas quanto ao futuro dos juros é um fator que influencia fortemente o impacto que variações na quantidade de moeda têm sobre as taxas de juros. Assim, se a opinião sobre o futuro dos juros for relativamente unânime, uma pequena mudança no patamar da taxa de juros pode levar a uma movimentação maciça em direção à moeda (ampliação da flutuação da preferência pela liquidez, em função do motivo precaução):

Nevertheless, circumstances can develop in which even a large increase in the quantity of money may exert a comparatively small influence on the rate of interest. For a large increase in the quantity of money may cause so much uncertainty about the future that liquidity-preferences due to the precautionary-motive may be strengthened; whilst opinion about the future of the rate of interest may be so unanimous that a small change in present rates may cause a mass movement into cash (Keynes, 2013KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, Volume VII. Cambridge: Cambridge U. Press, 2013., p. 172).

Vercelli (1999VERCELLI, A. Preferência pela liquidez e valor de opção. Economia e Sociedade, Campinas , v. 8, n. 1, dez. 1999. ) apresenta uma interpretação da Teoria da Preferência pela Liquidez, enfatizado os motivos “racionais” e “irracionais” (na concepção keynesiana) que justificam a demanda por liquidez por parte dos agentes econômicos. O quadro 1, extraído de Vercelli (1999VERCELLI, A. Preferência pela liquidez e valor de opção. Economia e Sociedade, Campinas , v. 8, n. 1, dez. 1999. ), discute as motivações da demanda por liquidez pelo motivo especulação, tanto de uma perspectiva negativa (isto é, uma não-decisão ou uma decisão de aguardar) como de uma perspectiva positiva (ou seja, de decisão ou de ação).

Para o autor, a escolha “negativa racional” de esperar estaria associada com a decisão elementar de carteira, pois ao escolher aguardar, o agente mantém sua liquidez para comprar títulos que rendem juros no momento que considera mais apropriado para a maximização do retorno. Por outro lado, a escolha “positiva racional” estaria associada à decisão consciente em ter um ativo com o maior prêmio de liquidez possível (apesar de não apresentar retorno), de modo a poder explorar o máximo de possibilidades que a liquidez proporciona ao agente. Do ponto de vista irracional, as decisões de manutenção de moeda na carteira de ativos estão ligadas à sedação (isto é, uma incapacidade de tomar decisão por questões emocionais) e pelo entesouramento, que se constitui na satisfação emocional de manter moeda na carteira de ativos, mesmo que esta não apresente qualquer rentabilidade.

Figura 1
Decisão de portfolio (motivos e fatores determinantes)

Quadro 1
Decisão de portfólio (escolha racional e irracional)

Assim, em relação ao motivo especulação, conforme avaliado por Vercelli, a decisão pode ser negativa (esperar, em função da incerteza) ou positiva (agir, selecionando o ativo com maior liquidez, a moeda).

Ao explicar o motivo especulação, Keynes admite que a taxa de juros significa, em sua análise, o complexo das várias taxas correntes para distintos períodos, ou seja, para títulos com diferentes maturidades. Em outras palavras Keynes está se referindo à curva a termo (yield curve), como sendo a representação da “taxa de juros” em um determinado momento.

Podemos interpretar a curva a termo, a partir de Keynes, como sendo o “consenso do mercado” determinado pela psicologia de massa naquele exato momento em relação às futuras taxas de juros. Por exemplo, quando um título pré-fixado com vencimento para 2 anos, com valor de face de 1.000 unidades monetárias (u.m.) é vendido correntemente por 800 u.m., entende-se que o consenso do mercado é que a taxa de juros para um título a vencer em 2 anos é de 11,8% ao ano (25% em dois anos). Suponhamos que, nesse mesmo momento, um título com valor de face de 1.000 u.m. com vencimento para 1 ano possa ser comprado por 894,45 u.m., proporcionando um rendimento de 11,8% ao ano (a.a.) para o título. Implicitamente, podemos entender que a psicologia de massa chegou ao consenso de que as taxas de juros permanecerão relativamente estáveis no período entre 1 e 2 anos a partir de hoje. Mais do que isso, o “consenso de mercado” estaria indicando que o prêmio de risco para um título de 2 anos está muito próximo do prêmio de risco para um título de 1 ano, evidenciando uma percepção de estabilidade da taxa de juros para esse período por parte dos participantes do mercado financeiro.

Considere agora que no dia seguinte o título com vencimento para 2 anos continua com o mesmo preço (800 u.m.), mas que o título com vencimento para 1 ano agora custa 909 u.m., proporcionando um rendimento de 10% a.a. Isso indicaria que o “consenso de mercado” atualmente entende que o risco para o título de 2 anos, comparativamente ao título de 1 ano, é maior, pois a taxa anualizada do título de 1 ano é de 10% a.a. e para o título de 2 anos é de 11,8% a.a. Há, ainda, uma importante dúvida teórica nessa análise: os títulos com vencimento para 1 ano ou para 2 anos podem ser considerados substitutos? Ou seja, o “consenso do mercado” considera apenas o prêmio de risco ou a maior liquidez dos títulos de 1 ano deve ser levada em conta?

Como as expectativas e percepções dos agentes são fruto da psicologia de massa e de um conjunto de previsões consideravelmente imperfeitas, envoltas em um ambiente permeado de incerteza, elas podem mudar rapidamente, alterando o formato da curva a termo. De fato, a contribuição keynesiana, ao destacar a relevância do papel da incerteza e da preferência pela liquidez na formação das taxas de juros, é uma das possíveis explicações de porque há grande dificuldade na comprovação empírica da “Expectations Hypothesis of the term structure of interest rates”. Tal hipótese embasa a Expectations Theory (doravante ET), uma possível explicação para o processo de formação das taxas de juros para títulos com diferentes maturidades, a partir do pressuposto de expectativas racionais. Além da ET, outras duas teorias que explicam o processo de formação das taxas de juros para títulos com diferentes maturidades são a Teoria do Prêmio de Liquidez, proposta por Hicks, e a Teoria dos Mercados Segmentados.

De acordo com a ET (Guidolin; Thornton, 2008GUIDOLIN, M.; THORNTON, D. L. Predictions of short-term rates and the expectations hypothesis of the term structure of interest rates. European Central Bank, Dec. 2008. (Working Paper Series, n. 977).), as taxas de juros para títulos de prazos longos seriam determinadas a partir das expectativas de mercado (racionais) das taxas de juros de curto prazo correspondentes à soma do período total em que o título de longo prazo é mantido pelo agente, somado a uma constante de prêmio de risco, conforme estabelece a equação (1):

r t n = 1 k i = 0 k - 1 E t r t + m i m + π n , m (1)

onde r n representa a taxa do título de longo prazo (período n) e r m representa as taxas dos títulos de curto prazo (período m), k = n/m e πn,m denota a constante referente ao prêmio de risco para a relação entre os períodos n e m. Nesse modelo, o agente é indiferente em relação ao vencimento dos títulos, podendo manter indistintamente ativos de curto ou longo prazo, de modo que seu único objetivo é a maximização do retorno do portfólio, ajustado ao risco.

Contudo, apesar do importante papel teórico da ET, virtualmente não há suporte empírico para sua completa validação (Guidolin; Thornton, 2008GUIDOLIN, M.; THORNTON, D. L. Predictions of short-term rates and the expectations hypothesis of the term structure of interest rates. European Central Bank, Dec. 2008. (Working Paper Series, n. 977).; Mankiw; Summers, 1984MANKIW, N. G.; SUMMERS, L. H. Do long-term interest rates overreact to short-term interest rates? Brookings Papers on Economic Activity, n. 1, p. 223-242, 1984.; Campbell; Shiller, 1984CAMPBELL, J. Y.; SHILLER, R.J. A simple account of the behavior of long-term interest rates. American Economic Review, Vol.74, No. 2, pp. 44-48, 1984.; Mankiw, 1986MANKIW, N. G. The term structure of interest rates revisited. Brooking Papers on Economic Activity, v. 1, p. 61-110, 1986.). Mankiw (1986MANKIW, N. G. The term structure of interest rates revisited. Brooking Papers on Economic Activity, v. 1, p. 61-110, 1986.), por exemplo, destaca que sob a hipótese de expectativas racionais, a ET exige que uma curva a termo muito inclinada deveria, na média, sinalizar uma expectativa constante de aumento nas taxas de juros, o que segundo Macaulay (1938MACAULAY, F. The movements of interest rates, bond yields and stock prices in the United States since 1856. New York: National Bureau of Economic Research, 1938., apudMankiw, 1986MANKIW, N. G. The term structure of interest rates revisited. Brooking Papers on Economic Activity, v. 1, p. 61-110, 1986.) não é o que a experiência costuma demonstrar. Assim, o autor utiliza dados empíricos dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Alemanha, desde 1960, para testar a ET. Como resultado, Mankiw entende que os dados oferecem apenas suporte parcial à ET, destacando que uma teoria explícita para o “term premium” seria importante para sustentar de forma mais robusta os resultados empíricos:

Fluctuations in the slope of the yield curve therefore largely reflect changes in the term premium - the extra return markets provide on long term, compared with short-term, debt. Without an explicit theory of the term premium, however, this characterization of the data has limited value. (Mankiw, 1986MANKIW, N. G. The term structure of interest rates revisited. Brooking Papers on Economic Activity, v. 1, p. 61-110, 1986., p. 63).

Hermann (2011HERMANN, J. O mercado de títulos privados e a inadequação da curva de rendimentos no Brasil: análise teórica e da experiência pós-estabilização (1995-2010). BNDES-ANPEC, 2011. (Working Paper, n. 14)., 2013) destaca que a ET é uma contribuição importante ao identificar o elo entre as taxas de juros de curto e longo prazo, a partir das expectativas dos agentes para as taxas de curto prazo. No entanto, a autora observa que essa teoria é mais adequada para a explicação das variações nas taxas de juros, tendo menor contribuição para o entendimento do patamar em que as taxas se situam.

No outro extremo em relação à ET situa-se a Teoria dos Mercados Segmentados, ou Teoria do Habitat Preferido. Nesse modelo, os títulos de curto e longo prazos são considerados ativos absolutamente diferentes, com grau de substitutibilidade praticamente nulo. A ideia é que os investidores têm objetivos, perfis e preferências distintas e que, portanto, a maturidade dos títulos “segmenta” o mercado de acordo com as preferências e propensão ao risco dos agentes econômicos. Conforme apresentado por Hermann (2013HERMANN, J. Curva de rendimentos: crítica aos enfoques convencionais e uma proposta de interpretação pós-keynesiana. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DA ASSOCIAÇÃO KEYNESIANA BRASILEIRA (AKB), 6, Vitória, ES, 2013. Anais... ), a interpretação de Cargill (1983CARGILL, T. Money, the financial system and monetary policy. Prentice-Hall, 1983.) e Malkiel (1994MALKIEL, B. G. Term structure of interest rates. In: NEWMAN, P., MILGATE, M.; EATWELL, J. (Ed.). The New Palgrave dictionary of money and finance. London: MacMillan Press Limited, 1994. p. 650-652.), por exemplo, entende a Teoria dos Mercados Segmentados como um desdobramento da hipótese do Habitat Preferido, em que os agentes em geral tem preferência por um ou outro tipo de ativo, de acordo com o prazo de vencimento e o risco. Destaca-se que Mishkin (1994MISHKIN, F. S. Yield curve. In: NEWMAN, P., MILGATE, M.; EATWELL, J. (Ed.). The New Palgrave dictionary of money and finance . London: MacMillan Press Limited , 1994. p. 816-818. ), apresenta uma interpretação diferente para a Teoria dos Mercados Segmentados, associando a hipótese de distintas preferências dos agentes à Teoria do Prêmio de Liquidez de Hicks, estabelecendo uma fronteira menos nítida entre as duas teorias.

A Teoria do Prêmio de Liquidez, proposta por Hicks, rejeita a hipótese de que os títulos de curto e longo prazo possam ser considerados substitutos perfeitos, mas avalia existir algum grau de substitutibilidade entre os ativos. Em certa medida, a Teoria do Prêmio de Liquidez, segundo o próprio Hicks (1987HICKS, J. R. Valor e capital. São Paulo: Abril Cultural, 1988. Tradução do original: Value and capital. Oxford: Oxford University Press, 1939.), tem como base teórica a Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes. De fato, a teoria keynesiana da Preferência pela Liquidez pode colaborar para a explicação do denominado “term premium” citado por Mankiw (1986MANKIW, N. G. The term structure of interest rates revisited. Brooking Papers on Economic Activity, v. 1, p. 61-110, 1986.).

Hermann (2013HERMANN, J. Curva de rendimentos: crítica aos enfoques convencionais e uma proposta de interpretação pós-keynesiana. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DA ASSOCIAÇÃO KEYNESIANA BRASILEIRA (AKB), 6, Vitória, ES, 2013. Anais... ) apresenta uma versão modificada da Teoria do Prêmio de Liquidez de Hicks, mais aderente à Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes, segundo a autora. Nesse modelo a curva a termo (yield curve) “é deduzida como uma extensão, para o longo prazo, da Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes, originalmente formulada para explicar a origem do que chamou de taxa própria de juros de qualquer ativo” (Hermann, 2013HERMANN, J. Curva de rendimentos: crítica aos enfoques convencionais e uma proposta de interpretação pós-keynesiana. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DA ASSOCIAÇÃO KEYNESIANA BRASILEIRA (AKB), 6, Vitória, ES, 2013. Anais... , p. 6). A autora destaca que o enfoque microeconômico e subjetivo das três teorias anteriormente apresentadas para a explicação da formação da Curva a Termo limita seu poder explicativo; e considera que a versão pós-keynesiana, com elementos macroeconômicos baseados em Keynes, pode contribuir no entendimento do processo de formação da Curva de Juros e nas dificuldades de comprovação empírica das demais teorias.

A inversão da curva a termo, tema explorado no presente artigo, é uma possibilidade teórica se considerarmos o arcabouço fornecido pela ET. Nesse caso, a inversão da curva seria consequência de um aumento no prêmio de risco dos títulos de curto prazo, comparativamente aos títulos de longo prazo. Contudo, assim como no caso das Bolhas Especulativas Racionais6 6 No caso das Bolhas Especulativas Racionais, a teoria baseada na hipótese de racionalidade dos agentes admite a existência de bolhas especulativas, mas sua contribuição é pequena no sentido explicativo, considerando a bolha especulativa uma “curiosidade teórica”. A teoria pós-keynesiana, por outro lado, apresenta elementos que aprofundam a análise do fenômeno e apresentam maior poder explicativo (Oreiro, 2003; Curado, 2006). , a inversão da curva a termo é uma possibilidade teórica para a ET, mas tal teoria contribui pouco para o entendimento do processo. Por outro lado, como será discutido na seção 3.2, a interpretação da curva a termo a partir da teoria keynesiana, considerada de forma ampla tanto em relação à Preferência pela Liquidez quanto à relevância da incerteza, explica de forma mais aprofundada o fenômeno da inversão.

No capítulo 17 da TG, Keynes investiga as propriedades da taxa de juros, entendendo que seria possível determinar a taxa de juros não apenas para a moeda, mas para todas as mercadorias, principalmente bens de capital. Nesse sentido, a taxa de juros representaria a razão entre o preço futuro da mercadoria (ou da moeda) em uma certa data e o seu preço no mercado à vista (spot). Como exemplo Keynes utiliza o trigo para demonstrar a relação entre a taxa de juros das mercadorias e da moeda. Se 100 quarters7 7 Quarter é uma unidade de medida correspondente à um quarto de tonelada. de trigo para entrega à vista forem “equivalentes” no mercado à 105 quarters para entrega daqui a um ano, a taxa de juros para o trigo seria de 5% ao ano (medida no próprio trigo). Se por outro lado 100 quarters de trigo no mercado à vista forem “equivalentes” a 95 quarters para entrega daqui a um ano, a taxa de juros do trigo seria de -5% ao ano. Keynes ainda destaca que não há razão para que as taxas de juros de diferentes mercadorias sejam iguais, assim como não existe motivo sequer para que as taxas de juros de diferentes moedas, por exemplo o dólar e a libra, sejam as mesmas.

A partir dessas observações, Keynes apresenta os atributos que os diferentes tipos de bens possuem em distintos graus: o rendimento (yield) ou produto (q), que representa a renda que a posse do bem pode trazer ao seu proprietário (medido em termos do próprio bem) em função de algum processo produtivo ou oferecendo serviços a um consumidor; o custo de manutenção (c) que representa o custo gerado em função da posse do bem, o que inclui o desgaste e as despesas de manutenção; e o prêmio de liquidez (l) que representa o valor pago pela facilidade de transformar o bem em poder de compra, podendo-se adquirir serviços ou outros bens. De maneira formal, Keynes (2013KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, Volume VII. Cambridge: Cambridge U. Press, 2013., p. 226) define o prêmio de liquidez como: “The amount (measured in terms of itself) which they are willing to pay for the potential convenience or security given by this power of disposal (exclusive of yield or carrying cost attaching to the asset), we shall call its liquidity premium l”.

Dessa forma, Keynes destaca que a retribuição esperada pela posse de um bem, durante um certo período, pode ser dada por: r = q c + l, ou seja, r seria a taxa de juros específica de qualquer bem, sendo q, c e l medidos em unidades do próprio bem. O autor ainda lembra a necessidade de considerarmos as variações esperadas nos valores relativos dos bens durante o período para que se possam comparar os rendimentos esperados. Assim, a percentagem de valorização (ou desvalorização) esperada do bem seria dada por a. Portanto, para a comparação dos retornos esperados dos diferentes bens, temos:

r = a + q - c + l (2)

É preciso destacar que nem todos os bens possuem os três atributos q, c e l. Keynes exemplifica o caso das casas, que teriam valores de rendimentos (q) bastante superiores aos custos de manutenção (c) e prêmio de liquidez, sendo estes, portanto, desprezíveis. O caso do trigo, que teria rendimentos (q) e prêmio de liquidez (l) negligíveis, tendo apenas custos de manutenção (c) consideráveis. E finalmente a moeda, que teria rendimentos (q) e custos de manutenção (c) desprezíveis e elevado prêmio de liquidez (l).

Carvalho (2015CARVALHO, F. J. C. Economia monetária e financeira: teoria e política. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015., p.52), destaca o trade off existente entre a liquidez e os retornos esperados pela posse de um ativo, conforme proposto pela equação (2), e a sua relação com a incerteza:

Nesta abordagem, a preferência pela liquidez é refletida em termos do trade-off entre retornos esperados(a + q c) e o prêmio pela liquidez (l), causando substituições na estrutura de demanda por ativos, que se diferenciam de acordo com combinações de retornos esperados e prêmio de liquidez que eles oferecem, sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta. A fórmula acima permite a comparação e escolha entre ativos que oferecem algum rendimento (q c), ganhos de capital (a) ou simplesmente segurança e flexibilidade conferida pela liquidez (l).

2 Taxa de juros e políticas monetárias não convencionais: a posição de diferentes correntes do pensamento econômico, com foco na visão pós-keynesiana

A discussão a respeito dos efeitos das taxas de juros sobre o sistema econômico é um tema que permeia as obras de Keynes, e aparece frequentemente nos textos de autores da linha pós-keynesiana. Importantes contribuições sobre a relação entre taxas de juros, sistema financeiro e ciclos econômicos vem sendo apresentadas por essa corrente de pensamento. Nesse sentido, o trabalho mais conhecido de Minsky (2008MINSKY, H. P. Stabilizing an unstable economy. New York: McGraw Hill, 2008.), ganhou ainda mais relevância após a Crise Financeira de 2008-2009, por explicar muitas das relações entre os ciclos econômicos e a instabilidade financeira.

Lourenço (2006LOURENÇO, A. L. C. O pensamento de Hyman P. Minsky: alterações de percurso e atualidade. Economia e Sociedade, Campinas , v. 15, n. 3, p. 445-474, 2006.) apresenta o desenvolvimento do pensamento de Minsky ao longo do tempo, e sumariza os principais aspectos do conceito central de sua obra, a Hipótese de Instabilidade Financeira. Apesar das modificações no pensamento do autor, principalmente em função de questões institucionais e da própria alteração do contexto histórico, a Hipótese de Instabilidade Financeira manteve seu núcleo central pouco alterado.

Minsky (2008MINSKY, H. P. Stabilizing an unstable economy. New York: McGraw Hill, 2008.) também mostra como o processo de ampliação do nível de endividamento das firmas e dos agentes econômicos conduz à transição entre as estruturas hedge, speculative e ponzi, o que fatalmente levará à ocorrência da crise financeira, com efeitos sobre o ciclo econômico. Minsky demonstra o impacto das taxas de juros nesse processo, e a consequente problemática do momento em que os Bancos Centrais precisam elevar suas taxas básicas.

No contexto atual, os baixos patamares das taxas de juros das economias dos países desenvolvidos deixam pouca margem para novos estímulos monetários por parte dos Bancos Centrais. De fato, tanto o ECB quanto o Federal Reserve e o BOJ encontram-se com suas taxas de juros básicas em seus níveis mínimos históricos. Contudo, uma preocupação frequente por parte das autoridades monetárias e dos agentes do mercado financeiro se refere ao impacto que uma elevação nas taxas de juros teria no sistema econômico. Atualmente, em função da elevada liquidez disponível e das baixas taxas de juros, grande parte das empresas está operando de forma alavancada e com elevado grau de endividamento. Os preços das ações das firmas produtivas encontram-se, de maneira geral, em patamares consideravelmente elevados8 8 No período recente, a maioria dos índices acionários das principais economias avançadas (Estados Unidos, Europa, Japão) vem quebrando recordes históricos recorrentemente. , bem como os múltiplos comumente utilizados para a avaliação do valor das empresas em comparação com seus preços de mercado, como o índice P/L9 9 O múltiplo Preço/Lucro é determinado pelo quociente entre o preço de uma ação e o lucro anual por ação. .

Pode-se, portanto, considerar que existe inflação nos preços dos ativos financeiros (mesmo que ainda não seja considerada uma bolha especulativa) e que as empresas se encontram com elevados níveis de endividamento (caracterizado, no mínimo, como speculative na classificação de Minsky). Conforme abordado por Minsky, o impacto de uma elevação na taxa de juros nessa situação tem visivelmente o potencial de gerar uma crise financeira, com consideráveis impactos sobre a atividade econômica “real”. Por um lado, as taxas de juros já estão consideravelmente baixas, de forma que continuar sua redução parece difícil, especialmente na Europa. Por outro lado, a elevação das taxas de juros teria certamente o potencial de gerar uma crise financeira de proporções desconhecidas.

Em relação aos impactos das políticas de taxas de juros negativas sobre a economia, Duarte e Carré (2018DUARTE, C.; CARRÉ, E. Alternatives to change “the only game in town” of negative interest rates. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO KEYNESIANA BRASILEIRA (AKB), 11, 2018. Anais... ) avaliam que, a partir da adoção de juros negativos, os Bancos Centrais esperavam uma elevação (controlada) da inflação e a criação de crédito, de modo que a atividade econômica real fosse estimulada, mantendo a inflação dentro dos limites estabelecidos. Contudo, os autores destacam que o emprego desse instrumento não convencional de política monetária trouxe desafios adicionais para as autoridades monetárias, quais sejam: i) os rendimentos dos poupadores, em geral, foram prejudicados; ii) o resultado líquido (lucro) das instituições financeiras foi pressionado; iii) em relação ao portfólio dos bancos, houve estímulo em direção aos ativos financeiros, em detrimento dos empréstimos; iv) ocorreu a elevação dos riscos de estabilidade financeira doméstica e internacional. Os autores consideram que diversas correntes do pensamento econômico, como os pós-keynesianos, novos-fisherianos e novos-keynesianos, por exemplo, apresentaram críticas quanto à implementação da política de juros negativos por parte das autoridades monetárias, que teria alcançado poucos resultados positivos, e certamente exigirá o enfrentamento dos “efeitos colaterais” previamente mencionados.

As políticas de taxas de juros negativas tiveram, segundo os autores, suporte teórico inicialmente associado ao Monetarismo e à Teoria Quantitativa da Moeda. Ideias semelhantes ao emprego de taxas de juros negativas, por vezes denominadas “imposto sobre o dinheiro (tax on money)”, já eram discutidas no início do século XX, tendo como exemplo o trabalho de Gesell (1958GESELL, The natural economic order. London: Peter Owen Ltd., 1958. (Trad. 1916).). Mais recentemente, a interpretação Monetarista do fenômeno considera que a política de taxas de juros negativas poderia trabalhar de forma equivalente a um incremento na base monetária, sendo um mecanismo capaz de impor penalidades aos bancos que mantivessem excessos de reservas nos Bancos Centrais, conforme argumentado por Sumner (2009SUMNER, S. Comment on Brad Delong: can we generate controlled reflation in a liquidity trap? The Economists’ Voice , v. 6, n. 4, Article 7, 2009.) e Dasgupta (2009DASGUPTA, S. Comment on Luigi Zingales: why not consider maximum reserve ratios? The Economists’ Voice, v. 6, n. 4, article 6, 2009.), por exemplo. Consequentemente, a disponibilidade de liquidez forçaria os bancos a ampliarem seus empréstimos aos demais agentes econômicos, pelo mecanismo do multiplicador bancário e do sistema de reservas fracionárias. A oferta monetária adicional poderia gerar uma elevação na inflação, queda nas taxas de juros reais e, consequentemente, o resultado desejado: a ampliação dos níveis de investimento e do produto.

A avaliação das políticas de taxas de juros negativos pelos economistas da corrente novo-keynesiana, segundo Duarte e Carré (2018DUARTE, C.; CARRÉ, E. Alternatives to change “the only game in town” of negative interest rates. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO KEYNESIANA BRASILEIRA (AKB), 11, 2018. Anais... ) pode ser dividida em dois grandes grupos: i) aqueles que consideram o emprego de taxas negativas como uma ferramenta para evitar a deflação, elevar as expectativas de inflação e estimular a demanda, permitindo que a inflação retorne à sua meta e que o gap negativo do produto seja reduzido; ii) aqueles que acreditam que a política de juros negativos pode funcionar até um determinado patamar, mas que abaixo desse ponto a queda na taxa de juros poderia deprimir a atividade econômica. O ponto em que ocorre essa mudança seria denominado “reversal interest rate”, isto é, a taxa a partir da qual uma política acomodatícia teria efeito reverso, isto é, se tornaria uma política contracionista, conforme avaliado por Brunnermeier e Koby (2017BRUNNERMEIER, M.; KOBY, Y. The “Reversal Interest Rate”: An Effective Lower Bound on Monetary Policy. Working Paper - Princeton University, Princeton (NJ), 2017.).

Para os pós-keynesianos, a avaliação das políticas de taxas de juros negativas está normalmente associada à Teoria da Preferência pela Liquidez e à possibilidade de ocorrência da “Armadilha da Liquidez”, segundo Duarte e Carré (2018DUARTE, C.; CARRÉ, E. Alternatives to change “the only game in town” of negative interest rates. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO KEYNESIANA BRASILEIRA (AKB), 11, 2018. Anais... ). Apesar de Keynes não ter utilizado explicitamente a expressão “Armadilha da Liquidez”, a possibilidade de a política monetária perder a capacidade de influenciar os agentes econômicos diante do aumento intenso na demanda por moeda, em um contexto de elevação na incerteza, é descrita por Keynes nos capítulos 15 e 17 da TG. Assim, para diversos autores da linha pós-keynesiana, as políticas de taxas de juros negativas não têm sido bem-sucedidas em seu objetivo primário de promover a ampliação do investimento produtivo, e a consequente elevação do nível de produto e emprego.

Para Rochon (2016ROCHON, L. P. In pursuit of the Holy Grail: monetary policy, the natural rate of interest, and quantitative easing. Studies in Political Economy, v. 97, n. 1, p. 87-94, 2016.), parte da explicação pode estar associada à visão imprecisa de que existe uma causalidade previsível entre a oferta de moeda, ou taxas de juros, e inflação, conforme considerado pela corrente Monetarista. Palley (2018PALLEY, T. I. Negative Interest Rate Policy (NIRP) and the fallacy of the natural rate of interest: why NIRP may worsen Keynesian unemployment. PERI, Apr. 2018. (Working Paper Series, n. 463).) avalia que a política de juros negativos, isoladamente, não garante que os recursos fluam para os investimentos produtivos, visto que parte significativa poderá preferivelmente ser direcionada pelas empresas para a compra/fusão com outras firmas, para a compra de commodities ou imóveis, entre outras possibilidades, elevando os preços dos ativos financeiros e não garantindo a ampliação do produto e do emprego. A financeirização das grandes corporações e da economia, de maneira geral, é destacada por Lazonick (2017LAZONICK, W. Innovative enterprise and sustainable prosperity. Globelics, Oct. 2019. (Working Papers Series, n. 2017-05). ) e Storm (2018STORM, S. Financialization and economic development: a debate on the social efficiency of modern finance. Development and Change, v. 49, n. 2, 2018.). Assim, Duarte e Carré (2018DUARTE, C.; CARRÉ, E. Alternatives to change “the only game in town” of negative interest rates. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO KEYNESIANA BRASILEIRA (AKB), 11, 2018. Anais... ) consideram que se os resultados positivos da adoção de políticas de taxas de juros negativas não são garantidos, ou são no mínimo limitados, seus efeitos sobre o sistema financeiro podem levar a sérios desiquilíbrios no médio e longo prazo.

Nessa linha, novamente a partir do trabalho de Minsky (1992MINSKY, H. P. The financial instability hypothesis. Annandale-on-Hudson, USA: The Levy Economics Institute of Bard College, 1992. (Working Paper, n. 74).), Palley (2018PALLEY, T. I. Negative Interest Rate Policy (NIRP) and the fallacy of the natural rate of interest: why NIRP may worsen Keynesian unemployment. PERI, Apr. 2018. (Working Paper Series, n. 463).) destaca a relação entre os ciclos de “boom and bust”, a fragilidade financeira e o emprego de políticas monetárias não convencionais. O autor descreve o denominado “efeito whiplash” que, em linhas gerais, avalia que o emprego de políticas monetárias não convencionais pode gerar consideráveis desequilíbrios no sistema financeiro, com posterior aumento da instabilidade. Cada nova crise é mais difícil de ser mitigada, exigindo progressivamente maiores intervenções, com aumento da massa de endividamento dos setores público e privado, e balanços cada vez mais frágeis. Como consequência, os ciclos de boom/bust tendem a ser sucessivamente mais intensos, visto que se amplia a fragilidade do sistema para mantê-lo em funcionamento a cada ciclo. A ocorrência de crises severas pode levar ao aumento da aversão ao risco, principalmente por parte do setor produtivo, afetando negativamente a demanda agregada.

Portanto, considerando as distintas visões da teoria econômica a respeito da utilização de políticas monetárias não convencionais, observa-se uma diversidade de opiniões e avaliações sobre os resultados, relativamente recentes, de tais políticas. Para os pós-keynesianos, principalmente, a relevância do emprego de instrumentos de política fiscal em conjunto com a política monetária como forma de superar o atual momento de estagnação do setor produtivo, em especial na Europa e Estados Unidos, costuma ser um tema em destaque.

3 A interpretação do comportamento recente das taxas de juros à luz da Teoria da Preferência pela Liquidez

3.1 O rendimento negativo dos títulos europeus

A existência de taxas de juros negativas é uma possibilidade contraintuitiva. De fato, em um livre mercado sem qualquer tipo de interferência das autoridades monetárias, emprestar recursos financeiros no presente para receber um valor inferior no futuro parece ser uma impossibilidade teórica.

Contudo, na economia atual, em especial em diversos países europeus e no Japão, taxas de juros negativas estão se tornando habituais. Não apenas no mercado interbancário de curto prazo, mas inclusive no rendimento dos títulos governamentais de longo prazo. O Gráfico 1 mostra o comportamento histórico do rendimento (Yield) do título público com vencimento para 10 anos do tesouro alemão (Bundesanleihe).

Gráfico 1
Rentabilidade (Yield) - Título de 10 anos - Alemanha (Bundesanleihe)

Destacando o período mais recente e observando também o comportamento dos títulos com diferentes maturidades, o Gráfico 2 apresenta a rentabilidade (em % ao ano) dos títulos públicos alemães10 10 Bundesanleihe (10 anos), Bundesobligation (5 anos) e Bundesschatzanweisung (2 anos). com vencimento para 2, 5 e 10 anos.

Gráfico 2
Rentabilidade (Yield) - Títulos Públicos - Alemanha

Os rendimentos dos títulos públicos de outros países da “Área do Euro” apresentaram comportamentos semelhantes. Os títulos com maturidade de 10 anos da França, Bélgica e Holanda, assim como os alemães, apresentaram rentabilidade negativa ao longo dos anos de 2019 e 2020. Mesmo os títulos de 10 anos da Grécia, que recentemente passou por dificuldades na gestão da dívida pública, apresentaram considerável redução em seus rendimentos nesse período.

A origem da ocorrência de taxas negativas para juros de curto prazo e de rendimentos negativos dos títulos de médio e longo prazo certamente está associada ao conjunto de instrumentos de política monetária utilizado pelos Bancos Centrais, principalmente após a Crise Financeira Internacional de 2008. De fato, a Crise teve seu epicentro na economia estadunidense, a partir principalmente de distorções no mercado imobiliário que se ramificaram para praticamente todo o sistema financeiro do país. O contágio para as demais economias desenvolvidas, especialmente para os países europeus, foi rápido e intenso. A partir de então, o Banco Central Europeu (ECB), o Federal Reserve System (FED) e o Banco do Japão (BOJ), entre outros, passaram a empregar de forma intensiva instrumentos convencionais e não-convencionais de política monetária (incluindo o que usualmente se denomina por Quantitative Easing - QE).

Uma importante modificação no paradigma da política monetária da maioria dos países desenvolvidos foi a migração do sistema de corredor (corridor system) para o sistema de piso (floor system), como resposta ao considerável aumento de liquidez observado após a Crise Financeira Internacional. Em linhas gerais, esses sistemas estabelecem como os Bancos Centrais operacionalizam o direcionamento das taxas de juros de curto prazo, de modo a convergirem para as metas estabelecidas pelas autoridades monetárias. Estes regimes definem as relações entre as principais taxas de curto prazo, quais sejam:

  1. a taxa de remuneração dos depósitos voluntários dos bancos comerciais nos cofres do Banco Central (deposit facility rate na área do euro, interest on excess reserves nos Estados Unidos, Projeto de Lei n. 3877/2020 no Brasil);

  2. a taxa que os bancos comerciais pagam ao Banco Central quando precisam recorrer a um empréstimo de um dia por dificuldades de liquidez (marginal lending facility na área do euro, federal discount rate nos Estados Unidos, taxa de redesconto no Brasil);

  3. a taxa de juros praticada no mercado interbancário de curto prazo, que em geral é considerada a taxa de juros básica da economia (federal funds rate nos Estados Unidos, Selic no Brasil)11 11 Exceção para a “Área do Euro”, onde a taxa de juros do mercado interbancário (euro short-term rate - €STR) é negativa e próxima da deposit facility rate, abaixo da taxa regular das operações de liquidez de sete dias (Main Refinancing Operations - MROs, que se encontra em 0% desde março de 2016). .

Evidentemente as definições conceituais das taxas em cada país/região são similares, mas não idênticas, de modo que diferenças operacionais são identificadas em relação às taxas acima descritas. O Quadro 2 apresenta, resumidamente, as principais taxas de juros de curto prazo em diferentes países e seus patamares recentes.

Quadro 2
Taxas de juros de curto prazo - Maio/2021

De forma simplificada, no sistema de corredor (corridor system), a taxa de juros básica da economia situa-se aproximadamente no meio do corredor definido pelas taxas i e ii, isto é, entre a taxa de remuneração dos depósitos dos bancos comerciais no Banco Central (piso) e a taxa que os bancos comerciais pagam ao Banco Central para empréstimos de curto prazo (teto). No entanto, com a abundância de liquidez observada a partir da Crise de 2008, a manutenção do sistema de corredor tornou-se mais difícil, pois a necessidade dos bancos comerciais para empréstimos em função de dificuldades de liquidez tende a tornar-se cada vez menor. Cap et al. (2020CAP, A; DREHMANN, M.; SCHRIMPF, A. Changes in monetary policy operating procedures over the last decade: insights from a new database. BIS Quartely Review, Dec. 2020.) argumentam que a migração da maioria das economias avançadas para o floor system foi um subproduto da expansão dos Balanços dos Bancos Centrais, uma consequência do uso desses Balanços como instrumento não-convencional de política monetária. Entre os países que adotaram o floor system estão a Suíça, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e a “Área do Euro”, segundo os autores. Suécia, Brasil, México, Austrália, Índia e Coréia são algumas das economias que ainda adotam o corridor system.

Apesar dos principais instrumentos de política monetária estarem associados às taxas de juros de curto prazo, as taxas de juros de médio e longo prazo desempenham um papel fundamental nos mecanismos de transmissão da política monetária (Okun, 1967OKUN, A. M. Monetary policy, debt management and interest rates: a quantitative appraisal. In: TOBIN, J.; HESTER, D. D. (Ed.). Financial markets and economic activity. New York: John Wiley and Sons, Inc., 1967.; Cargill, 1983CARGILL, T. Money, the financial system and monetary policy. Prentice-Hall, 1983.; Carvalho, 2015CARVALHO, F. J. C. Economia monetária e financeira: teoria e política. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.). Dessa forma, especialmente após a Crise Financeira Internacional, o emprego de instrumentos para o controle da curva a termo (yield curve control) por alguns Bancos Centrais tem sido frequente. Em comunicado ao mercado emitido em setembro de 2016, o Bank of Japan (2016BANK OF JAPAN. New framework for strengthening monetary easing: “quantitative and qualitative monetary easing with yield curve control”. BOJ Release, 2016.) anunciou o uso do Quantitative and Qualitative Easing with Yield Curve Control, de maneira a fortalecer o arcabouço de política monetária e garantir o atingimento da meta de inflação de 2,0% ao ano no espaço de tempo mais curto possível.

Shirai (2018SHIRAI, S.. Mission incomplete: reflating Japan economy. 2. ed. Tokyo: Asian Development Bank Institute, May 2018.) considera que o novo arcabouço de política monetária japonês foi estabelecido de modo que as operações de mercado fossem baseadas em uma meta para as taxas de juros de curto prazo (-0,1%) e uma meta para as taxas de juros de longo prazo, especificamente para os títulos públicos com 10 anos de maturidade (10-year JGB, Japanese Government Bond, 0%). Segundo a autora, isso representou uma mudança de paradigma na política monetária japonesa, passando do controle da base monetária para o controle da curva a termo, somado ao compromisso de que a base monetária irá se expandir até que a inflação exceda 2,0% e mantenha-se acima de 2,0% de uma maneira estável (Inflation Overshooting Commitment).

O Reserve Bank of Australia (2020RESERVE BANK OF AUSTRALIA (RBA). 3-year Australian government bond yield target. Statistical Releases - Reserve Bank of Australia, Nov. 2020.) anunciou, em março de 2020, que estenderia o controle das taxas de juros, pois até então era estabelecida meta somente sobre a taxa de curto prazo, denominada overnight cash rate. A partir de março, o Reserve Bank também estabeleceria uma meta para o rendimento dos títulos públicos, de modo a influenciar a curva a termo, definindo a taxa de 0,25% ao ano para o título com maturidade de 3 anos. Em novembro de 2020 a meta foi reduzida para 0,10% ao ano, e o Reserve Bank anunciou que compraria títulos emitidos pelo governo australiano, bem como por estados e territórios no mercado secundário, focando também em títulos de maturidade mais longa, como 5 e 10 anos. Em conjunto, as compras de títulos ajudariam a manter a curva a termo comportada, gerenciando a sua inclinação e mantendo baixos patamares ao longo de toda a estrutura temporal. Para o Reserve Bank, estas ações poderão auxiliar os mecanismos de transmissão da política monetária, levando a custos menores para os tomadores de empréstimos e preços de ativos financeiros em níveis mais altos, bem como a uma taxa de câmbio mais favorável para o desenvolvimento das atividades econômicas.

O ECB também emprega instrumentos de política monetária de modo a influenciar a curva a termo. O Asset Purchase Programme (APP) envolve a compra de títulos públicos e privados, de modo a reduzir a pressão na estrutura da curva de juros12 12 ECB Monetary Policy Decisions (https://www.ecb.europa.eu/mopo/decisions/html/index.en.html). . O programa foi lançado em setembro de 2014, incialmente para a compra de títulos privados, e em 2015 incluiu a compra de ativos do setor público. Eser et al (2019ESER, F.; LEMKE, W.; NYHOLM, K.; RADDE, S.; VLADU, A. L. Tracing the impact of the ECB’s asset purchase programme on the yield curve. European Central Bank, Jul. 2019. (Working Paper Series, n. 2293).) mostram que o ECB, em seu programa de compra de ativos (APP), planejou a compra de cerca de € 60 bilhões em títulos de dívida pública e privada por mês, pelo menos até setembro de 2016. Rodadas sucessivas de compras de ativos do ECB através do APP chegaram ao valor líquido de cerca de € 3 trilhões até abril de 202113 13 ECB - APP cumulative net purchases, by programme (https://www.ecb.europa.eu/mopo/implement/app/html/index.en.html). . Segundo os autores, com o APP, o ECB se juntou a outros Bancos Centrais ao empregar compras de ativos em larga escala de modo a promover a acomodação monetária em baixos níveis de taxas de juros. Tais compras de ativos, segundo os autores, têm como finalidade reduzir os retornos dos títulos governamentais de longo prazo, facilitando as condições de financiamento de empresas e agentes econômicos, estimulando a economia, e auxiliando a manutenção das taxas de inflação dentro dos limites estabelecidos pelo ECB.

A influência dos programas de compras de ativos sobre a estrutura da taxa de juros e sobre os ativos financeiros de forma geral ainda é controversa, em função de tais programas serem relativamente recentes e terem surgido principalmente após a Crise Financeira de 2008-2009. Altavilla, Carboni e Motto (2015ALTAVILLA, C.; CARBONI, G.; MOTTO, R. Asset purchase programmes and financial markets: lessons from the euro area. European Central Bank, Nov. 2015. (Working Paper Series, n. 1864).) mostram que apesar de parte da literatura (Krishnamurthy; Vissing-Jorgensen, 2011KRISHNAMURTHY, A.; VISSING-JORGENSEN, A. The effects of quantitative easing on long-term interest rates. Brookings Papers on Economic Activity, p. 215-265, Fall 2011.; 2013KRISHNAMURTHY, A. The ins and outs of LSAPs. Proceedings - Economic Policy Symposium Federal Reserve Bank of Kansas City, 2013.; Meaning; Zhu, 2011MEANING, J.; ZHU, F. The impact of recent central bank asset purchase programmes. BIS Quarterly Review, p. 73-83, Dec. 2011.; D’Amico et al., 2012D’AMICO, S.; ENGLISH, W.; LOPEZ SALIDO, D.; NELSON, E. The Federal Reserve’s large scale asset purchase programs: rationale and effects. The Economic Journal, v. 122, n. 564, p. 415-446, 2012.) sugerir que os programas de compras de ativos tendam a ser mais efetivos em períodos de elevada instabilidade financeira, as compras realizadas pelo ECB tiveram efeitos significativos na redução das taxas de juros em um amplo conjunto de segmentos do mercado financeiro, mesmo em períodos de maior estabilidade. Os efeitos dos programas de compras sobre os ativos são dependentes da maturidade e do grau de risco dos ativos. Além disso consideráveis spill-overs ocorreram em ativos financeiros que não eram diretamente alvo das operações do ECB, segundo os autores.

Conforme mostra a Figura 2, grande parte das compras de títulos públicos europeus (Big Four14 14 França, Alemanha, Itália e Espanha. ) a partir de 2015 tem sido feita principalmente pelo ECB, denominado na figura como “Eurosystem”. O “Eurosystem” é composto pelo ECB e pelos Bancos Centrais Nacionais dos Estados membros cuja moeda é o euro sendo, portanto, considerada a autoridade monetária da “Área do Euro”. Outros importantes compradores de títulos, segundo o estudo de Eser et al. (2019ESER, F.; LEMKE, W.; NYHOLM, K.; RADDE, S.; VLADU, A. L. Tracing the impact of the ECB’s asset purchase programme on the yield curve. European Central Bank, Jul. 2019. (Working Paper Series, n. 2293).), foram as Corporações Seguradoras e Fundos de Pensão (ICPF), que aumentaram consideravelmente suas posições em títulos públicos europeus. Por outro lado, ao longo do período observado, as MFI’s (Monetary Financial Institutions - Instituições de Crédito residentes na União Europeia), outras Instituições Domésticas, outras Instituições Oficiais e Instituições Estrangeiras não oficiais, majoritariamente, reduziram suas posições em títulos governamentais europeus.

Assim, considerando a compra massiva de títulos governamentais feita pelo ECB, explica-se como os títulos de longo prazo podem apresentar rendimentos negativos. No entanto, a teoria keynesiana da preferência pela liquidez nos explica por que os agentes privados do mercado também podem aceitar comprar títulos com taxas de juros negativas, e como consequência possibilitar que as intervenções dos Bancos Centrais tenham efeito por longos períodos.

Figura 2
Absorção por tipo de investidor dos títulos governamentais europeus

De fato, se os agentes divergirem de opinião em relação ao futuro da taxa de juros, aqueles que acreditam na continuidade de queda das taxas podem adquirir os títulos mesmo que o seu rendimento seja negativo, visto que se as taxas continuarem a cair o preço do título aumentará, permitindo ganho de capital ao seu detentor. Contudo, conforme apontado por Keynes, a decisão de portfólio dos agentes entre títulos e moeda depende da existência de mercados organizados e da divergência de opiniões quanto ao futuro da taxa de juros. Dessa forma, os agentes que acreditam na elevação da taxa de juros preferirão manter moeda em seu portfólio, de modo a possuírem caixa para a compra dos títulos no momento que permitirá a maximização do retorno (ou seja, quando o título está com o seu preço mais baixo). Por outro lado, os agentes que acreditam que as taxas de juros continuarão caindo (ainda que já em terreno negativo) terão estímulos para manter em seus portfolios títulos públicos com rendimento nominal negativo.

Essa interpretação está de acordo com a teoria keynesiana apresentada na seção 1, e com a equação (2) r=a+q-c+l, que estabelece as relações entre o retorno esperado pela posse de um ativo (r), a percentagem de valorização/desvalorização do ativo (a), os rendimentos obtidos pela posse do ativo (q), o custo de manutenção (c) e o prêmio de liquidez (l). De fato, para os títulos prefixados, há uma relação inversa entre o preço do título e a taxa de juros, dado que o valor de face é fixo na data do vencimento. Assim, quanto menor o preço pago pelo investidor, maior será a remuneração recebida. Dessa forma podemos considerar em relação a equação (2):

a: é a percentagem de valorização/desvalorização, obtida pela diferença entre o preço do título no período t (p t ) e o preço pago pelo investidor na compra do título (p compra ):

a = p t - p c o m p r a p c o m p r a

Sendo que: quando t = data do vencimento, p t = valor de face do título;

q: os rendimentos obtidos pela posse do ativo são iguais a zero, pois consideramos que o título prefixado não paga cupons de juros periódicos antes do vencimento;

c: o custo de manutenção do ativo são as despesas com custódia e negociação dos títulos (atualmente muito baixos);

l: o prêmio de liquidez, que depende de quão organizados são os mercados de títulos e se há a possibilidade de suspensão das negociações (falta de liquidez);

Assim, pela equação (1), os agentes podem desejar comprar os títulos prefixados mesmo que a taxa de juros seja negativa, desde que:

r = a - c + l > 0

Ou seja, a condição para compra de títulos com taxas de juros negativas é que os agentes acreditem que o preço do título continuará subindo (ainda que já esteja maior que o valor de face, pois o rendimento é negativo), ou de forma equivalente que as taxas ficarão ainda mais negativas, tornando a diferença entre o preço pago pelo título e o preço do título no futuro positiva. Essa diferença precisa superar o custo de manutenção (atualmente muito baixo) e a liquidez dos títulos, e é um fator determinante, já que o agente só realizará ganho se conseguir vender o título antes do vencimento, por um preço superior ao pago na compra.

Portanto, de acordo com a teoria keynesiana da preferência pela liquidez, explica-se como as operações atualmente realizadas pelos Bancos Centrais de intervenção nos rendimentos dos títulos públicos podem ser aceitas pelo mercado financeiro, existindo dessa forma a possibilidade de estímulos monetários enquanto os agentes acreditarem ser admissível a continuidade da queda da taxa de juros (mesmo que já negativa), independentemente de seu patamar atual.

Deve-se ainda destacar o papel da comunicação na política monetária. Além do APP e das taxas de juros em território negativo o ECB, por exemplo, considera entre as suas medidas a importância da comunicação de como o Banco Central espera que suas ações de política monetária se desenvolverão no futuro, e quais condições levariam a uma alteração no seu posicionamento. Tal modelo de comunicação é denominado forward guidance (prescrição futura), e tem sido um elemento empregado por outros Bancos Centrais de economias avançadas. O FED passou a utilizar o forward guidance previamente à Crise Financeira Internacional de 2008. Antes de iniciar a elevação nas taxas de juros em 200415 15 Board of Governors of the Federal Reserve System (2015). , o FOMC (Federal Open Market Comittee) empregou uma sequência de alterações na linguagem de seus comunicados sinalizando antecipadamente que estava se aproximando o momento de iniciar uma política monetária contracionista.

Ao municiar o mercado com informações mais completas sobre a orientação futura da política monetária e sobre quais seriam as condições que levariam a alterações nas suas ações, os Bancos Centrais acreditam que os efeitos da política monetária podem ser mais amplos e efetivos. O ECB iniciou o uso do forward guidance em julho de 2013, quando o Conselho Diretor do ECB anunciou que era esperada a manutenção das taxas de juros em patamares baixos por um longo período de tempo. O BOJ considera que foi um dos pioneiros no emprego do forward guidance como modelo de comunicação, iniciando seu uso em 1999 quando a política de taxas de juros próximas a zero foi adotada (Shirai, 2013SHIRAI, S. Monetary policy and forward guidance in Japan. Washington, DC: BIS Central Bankers’ Speechs (International Monetary Fund), Sept. 2013.).

3.2 A inversão da curva a termo dos títulos do tesouro dos Estados Unidos

O Gráfico 3 mostra o comportamento de longo prazo do rendimento (Yield) dos Títulos de 10 anos do Tesouro dos Estados Unidos (U.S. Trasuries). Assim como os títulos europeus de uma forma geral, os Títulos de 10 anos do Tesouro apresentaram nas últimas décadas uma tendência de longo prazo de queda no seu rendimento. Contudo, diferentemente daqueles, seus rendimentos jamais entraram em terreno negativo.

No caso dos títulos do Tesouro norte-americano, é interessante observarmos a curva a termo (yield curve) dos títulos com diversas maturidades ao longo dos anos de 2019 e 2020, conforme apresentado pelo gráfico 4. É possível verificar que ao longo do ano de 2019 a curva a termo foi se invertendo, dado que em março de 2019 o comportamento da relação entre taxas de juros e vencimentos era bastante convencional. Ao longo do ano as taxas de todos os títulos se reduziram, porém proporcionalmente os títulos de 3 anos, 7 anos, 10 anos, e principalmente o de 5 anos, sofreram maiores reduções em suas rentabilidades (ou maior ampliação em seus preços).

Em setembro de 2019, a curva a termo apresentou uma importante inversão, com os títulos de vencimento em 5 anos (1,35%) exibindo rentabilidade abaixo dos títulos de 1 ano (1,72%), 2 anos (1,47%) e 3 anos (1,38%). O título de 10 anos do Tesouro (considerado uma das principais referências no mercado financeiro) apresentava no início de setembro de 2019 a mesma taxa do título de 2 anos e, portanto, rentabilidade abaixo do título de 1 ano.

Gráfico 3
Rendimento (Yield) - 10 Year U.S. Treasury Bond

Gráfico 4
Curva a Termo (Yield Curve) - U.S. Treasury Bonds

No fim de 2019, em dezembro, a curva de juros voltou a apresentar comportamento convencional, com os rendimentos dos títulos de 2 a 30 anos se elevando, em proporções que garantiram o formato padrão da curva, e com os rendimentos de curto prazo (de 1 mês até 1 ano) em queda.

No entanto, com a eclosão da crise do COVID-19, em março de 2020 a curva a termo voltou a se inverter. Nesse caso, porém, os rendimentos de todos os títulos caíram, mas proporcionalmente as taxas dos títulos com maturidade de 2 a 10 anos se reduziram mais do que os rendimentos de curto prazo (menos de 1 ano). Ao longo de 2020 os rendimentos de todos os títulos com vencimento em até 10 anos sofreram redução, mas proporcionalmente os rendimentos de curto prazo tiveram maior queda, levando a curva de juros novamente para seu formato convencional. Em dezembro de 2020 a curva passou a mostrar forte inclinação, já que as taxas para 20 e 30 anos permaneceram estáveis no patamar de março de 2020.

Caracteriza-se, portanto, principalmente no período entre agosto e outubro de 2019 e março de 2020, a inversão da curva de juros dos títulos do tesouro norte-americano. As causas que determinaram a inversão nesses dois momentos, no entanto, apresentam interpretações diversas por parte da literatura, até pelo fato de serem eventos relativamente recentes.

Aramonte e Xia (2019ARAMONTE, S.; XIA, D. Yield curve inversion and recession risk. BIS Quarterly Review, Sept. 2019.) destacam que a inversão da curva de juros, em alguns casos, pode ser causada por uma percepção dos investidores de que haverá um enfraquecimento da atividade econômica, o que demandaria uma resposta de estímulo por parte das autoridades monetárias, gerando uma redução das taxas de juros no futuro. Se a expectativa dos investidores for forte o suficiente, isso pode derrubar os juros de prazos mais longos, tornando-os menores do que os juros de curto prazo, resultando na inversão da curva de rendimentos. Contudo, os autores avaliam que as taxas de títulos de longo prazo também refletem o denominado “term premium”, isto é, o prêmio exigido pelos investidores para títulos de prazos mais longos em função da menor liquidez. Para os autores, a inversão da curva de rendimentos de 2019 estaria associada principalmente a um momento de subestimação do “term premium”, que viria caindo desde a recuperação posterior à Crise Financeira de 2008.

Essa queda estaria associada principalmente a dois fatores: i) a demanda relativamente preço-inelástica dos títulos de longo prazo (ou seja, a manutenção da demanda mesmo com preços altos dos títulos), dado que grande parte dos compradores são Bancos Centrais (controle da curva a termo), grandes fundos de pensão e seguradoras; e ii) a comunicação forward guidance do FED, anunciando a manutenção de uma política monetária acomodatícia por longos períodos. Além disso, Aramonte e Xia (2019ARAMONTE, S.; XIA, D. Yield curve inversion and recession risk. BIS Quarterly Review, Sept. 2019.) destacam que essa configuração de inversão da curva de juros não é a usual, dado que as taxas de curto prazo já estavam e se mantiveram relativamente baixas (contudo maiores que as taxas de longo prazo), quando normalmente nos episódios de inversão há uma forte elevação nos juros de curto prazo.

Siegel (2019SIEGEL, G. What the 2/10 UST yield curve inversion means. The Bond Buyer (website) - Monetary Policy, 2019.) considera que a inversão da curva de juros em 2019 foi, provavelmente, devido à maior queda nos rendimentos dos títulos de 10 anos em comparação aos demais, já que seu rendimento estaria associado à percepção de uma política monetária expansionista para o longo prazo (novamente associada ao forward guidance do FED) e a questões relacionadas à economia global, o que inclui os juros extremamente baixos (e até negativos) na Europa e Japão. Não havia, contudo, uma expectativa de forte redução nos juros de curto prazo, devido a um certo grau de incerteza quanto ao nível de atividade (e inflação) em 2019, resultando numa queda menor do rendimento dos títulos de maturidade de até 2 anos em comparação com os títulos de maturidade de 5 e 10 anos.

Por outro lado, a inversão da curva de rendimentos em 2020 parece estar bastante ligada ao elevado grau de incerteza causado pela eclosão da pandemia de COVID-19. Já em fevereiro de 2020, a curva a termo começou a apresentar uma pequena inversão, com a manutenção das taxas para títulos de curto prazo e uma ligeira queda para as taxas dos títulos de médio e longo prazo (os títulos de 3 anos apresentavam o menor rendimento nesse momento), pois a crise do COVID-19, apesar de ainda não totalmente deflagrada, já trazia preocupações aos investidores. Mesmo com o estímulo monetário através da redução da taxa básica de juros pelo FED16 16 No início de março de 2020 o FED reduziu a taxa de juros para o patamar entre 1,0% e 1,25%. Já em 15 de março uma nova redução para o patamar entre 0,0% e 0,25% foi realizada. em março, os juros dos títulos de curto prazo responderam pouco (observar as curvas de dez/19 e mar/20). Os rendimentos de médio e longo prazo, no entanto, responderam com consideráveis quedas (principalmente os títulos de 2 a 7 anos).

Duffie (2020DUFFIE, D. Still the world’s safe haven? Redesigning the U.S. treasury market after the COVID19 crisis. Hutchins Center, Jun. 2020. (Working Paper, n. 62).) apresenta uma análise da liquidez no mercado de títulos públicos do tesouro norte-americano durante a crise do COVID-19, que pode trazer contribuições importantes para o entendimento da inversão da curva de rendimentos em março de 2020. Segundo o autor, em março de 2020, um volume extremamente alto e incomum de negociações com títulos do tesouro pôde ser observado. O elevado volume de vendas foi efetuado principalmente por fundos hedge, bancos centrais e instituições governamentais estrangeiras. Tais vendas podem ter sido motivadas por necessidades de liquidez e chamadas de margem (margin call), já que na iminência de uma crise a demanda por liquidez tende a se ampliar consideravelmente.

Adicionalmente, o Financial Stability Report do FED de 2020 destaca que à medida que os investidores venderam treasuries de menor liquidez em busca de moeda, os dealers17 17 Os Primary Dealers são grandes instituições financeiras que negociam títulos públicos (treasuries) diretamente com o Tesouro dos Estados Unidos. Alguns exemplos são: Citigroup Global Markets Inc., Goldman Sachs & Co. LLC., J.P. Morgan Securities LLC., Wells Fargo Securities LLC., entre outros. tiveram que absorver grandes quantidades de títulos em seus balanços. Possivelmente, alguns dealers atingiram sua capacidade de absorção de títulos, levando a uma deterioração no funcionamento do mercado secundário de treasuries. Duffie (2020DUFFIE, D. Still the world’s safe haven? Redesigning the U.S. treasury market after the COVID19 crisis. Hutchins Center, Jun. 2020. (Working Paper, n. 62).) destaca que essa situação demonstra uma instabilidade e fragilidade estrutural do mercado de títulos públicos nos Estados Unidos, que em momentos agudos de crise pode ter a liquidez extremamente reduzida, gerando maior incerteza e temor aos investidores, potencializando a demanda por liquidez dos agentes.

Como consequência desses movimentos, mesmo com a forte sinalização do FED de redução nas taxas de juros (federal funds rate), não se observou queda considerável nos rendimentos dos títulos do tesouro de prazos mais curtos, já que seus preços responderam pouco. Os títulos de prazo mais longo, no entanto, permaneceram sendo demandados e, portanto, os yields desses títulos caíram (seus preços ficaram mais altos), gerando uma inversão na curva a termo. Tal inversão foi desfeita já no mês de abril, tendo sido observada a rápida e intensa atuação do FED, tanto em reduzir ainda mais a taxa de juros, ainda na metade do mês de março, como em efetuar operações de compra e recompra de títulos, especialmente de curto prazo, para ampliar a liquidez do mercado.

Conforme apresentado na seção 1 do texto, a Expectations Theory admite a possibilidade da inversão da curva a termo, que aconteceria quando o prêmio de risco dos títulos com vencimento mais longo se torna menor que o prêmio de risco dos títulos de vencimento mais próximo, o que apesar de contraintuitivo, é uma possibilidade. Tal teoria, no entanto, não explica por que isso acontece, e como destacado por Mankiw (1986MANKIW, N. G. The term structure of interest rates revisited. Brooking Papers on Economic Activity, v. 1, p. 61-110, 1986.), uma teoria explícita para o term premium teria um maior poder explicativo. Nesse sentido, a Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes, ao aprofundar-se na decisão de portfólio dos agentes econômicos, pode apresentar uma contribuição para o entendimento teórico da inversão da curva a termo.

De fato, de acordo com Keynes, em uma situação de elevada incerteza em relação ao futuro próximo, parte relevante dos agentes optará pela manutenção de maior quantidade de moeda em seus portfolios. Nessa situação, a demanda pelos títulos que vencerão a curto prazo (substituto mais próximo da moeda) tende a cair consideravelmente, assim como seus preços, elevando, portanto, a taxa de juros que remunera tais títulos. Novamente é a preferência pela liquidez, devido aos motivos precaução e especulação, que explica a queda na demanda por títulos de curto prazo, já que devido à incerteza e pouca convergência quanto aos juros futuros parte considerável dos agentes preferirá manter recursos líquidos em caixa. Essa parece ter sido, tipicamente, a situação ocorrida em fevereiro e março de 2020.

A inversão da curva a termo em 2019, por outro lado, parece estar associada à influência do Federal Reserve na utilização de instrumentos não convencionais de política monetária, como o forward guidance “low for long”, que gerava expectativas de taxas de juros baixas por um período prolongado, além de outros fatores, como uma menor expectativa de crescimento futuro.

Portanto, ao analisar o fenômeno de inversão da curva a termo nos Estados Unidos, entendemos que ele tem um componente que pode ser desencadeado pelo comportamento dos agentes econômicos privados a partir de suas próprias expectativas, não estando diretamente associado à ação dos Bancos Centrais. Contudo, os Bancos Centrais podem potencializar o fenômeno, através do uso de medidas não convencionais, tais como o forward guidance e/ou as operações de compras de ativos em larga escala. Não obstante, a teoria keynesiana da preferência pela liquidez novamente explica por que o fenômeno da inversão da curva a termo pode acontecer, e como a influência dos Bancos Centrais pode ser aceita pelo mercado financeiro, mantendo seus efeitos por longos períodos.

Conclusão

O principal objetivo do presente artigo foi a apresentação dos fenômenos recentes associados ao comportamento atípico das taxas de juros nas economias desenvolvidas, e a sua conexão com a teoria keynesiana da Preferência pela Liquidez. Principalmente nos países europeus e no Japão, taxas de juros extremamente baixas e até mesmo negativas, inclusive para os títulos soberanos de longo prazo, têm sido continuamente observadas nos últimos anos. Nos Estados Unidos, a inversão da curva a termo ocorreu recentemente em pelo menos dois momentos, tanto em 2019 quanto em 2020.

As autoridades monetárias, especialmente o ECB (Eurosystem), o Federal Reserve e o Bank of Japan, através de seus programas de compras de ativos financeiros em larga escala, controle da curva a termo e comunicação baseada no forward guidance tiveram importante influência sobre as taxas de juros e a ocorrência dos fenômenos não habituais anteriormente descritos. Contudo, a Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes contribui no sentido de explicar como os agentes econômicos privados podem se comportar, de modo a permitir que as intervenções dos Bancos Centrais influenciem e tenham efeitos relativamente persistentes no mercado financeiro.

Os motivos precaução e principalmente especulação da demanda por moeda, descritos por Keynes, explicam por que os agentes privados podem aceitar a compra de títulos públicos que apresentem rendimentos negativos. A inversão da curva a termo pode ser influenciada pela ação dos Bancos Centrais, mas o elevado grau de incerteza em relação ao futuro próximo e a divergência de opiniões em relação às taxas de juros futuras, associadas aos motivos precaução e especulação, também têm importante contribuição no entendimento do fenômeno de inversão da curva de juros. As teorias convencionais, associadas principalmente à Teoria das Expectativas (Expectations Hypothesis), admitem a possibilidade teórica da inversão da curva a termo, mas têm pouco poder explicativo sobre o fenômeno.

As correntes de pensamento econômico apresentam diferentes interpretações em relação aos mecanismos de transmissão dos instrumentos não convencionais de política monetária, bem como quanto aos seus impactos no investimento produtivo e na atividade econômica real. De fato, essa situação ainda é relativamente recente, e com a eclosão da crise do COVID-19 a avaliação dos resultados tornou-se ainda mais complexa.

Para a corrente pós-keynesiana, em especial, o emprego de instrumentos não-convencionais traz consideráveis desafios para as autoridades monetárias, dado que existe a possibilidade de ampliação da instabilidade sistêmica, em função da fragilidade financeira. Adicionalmente ao período de relativa estagnação na economia real dos países desenvolvidos, a crise do COVID-19 trouxe consigo novas e importantes adversidades para o emprego das políticas monetária e fiscal, bem como para a gestão do endividamento público.

Finalmente, em um cenário de elevada intervenção das autoridades monetárias nos mercados financeiros e com a manutenção das taxas de juros em patamares consideravelmente baixos, as decisões de política monetária tornam-se cada vez mais complexas. O estudo e a compreensão das contribuições de Keynes, nesse contexto, pode ser de inestimável valia.

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  • WICKSELL, K. Geldzins und Güterpreise. Interest and prices: a study of the causes regulating the value of money. London: MacMillan and Co., 1936.
  • 1
    ECB interest rates - Deposit facility rate.
  • 2
    Entre 2016 e 2019 os títulos de dez anos da dívida pública alemã apresentaram variações nas suas taxas de remuneração, mantendo-se em território negativo em diversos momentos. Desde maio de 2019 tais títulos vêm apresentando constantemente remuneração negativa.
  • 3
    O original em alemão foi publicado em 1898.
  • 4
    A existência de juros reais negativos é um fenômeno consideravelmente mais intuitivo do ponto de vista econômico, visto que em um contexto inflacionário a perda real seria maior mantendo-se a riqueza na forma de moeda líquida do que mantendo a riqueza em títulos que paguem juros nominais inferiores à taxa de inflação.
  • 5
    Neste ponto estamos nos referindo a títulos que tem um valor de face definido, isto é, na data do vencimento o título paga ao seu detentor o valor de face. A taxa de juros recebida pelo detentor do título é calculada a partir da diferença entre o preço pago pelo investidor no momento em que adquire o título e o seu valor de face. Contudo, antes do vencimento, o preço do título pode sofrer consideráveis variações.
  • 6
    No caso das Bolhas Especulativas Racionais, a teoria baseada na hipótese de racionalidade dos agentes admite a existência de bolhas especulativas, mas sua contribuição é pequena no sentido explicativo, considerando a bolha especulativa uma “curiosidade teórica”. A teoria pós-keynesiana, por outro lado, apresenta elementos que aprofundam a análise do fenômeno e apresentam maior poder explicativo (Oreiro, 2003OREIRO, J. L. C. Bolhas racionais, ciclo de preços de ativos e racionalidade limitada: uma avaliação crítica dos modelos de bolhas especulativas. Análise Econômica, v. 21, n. 40, p. 89-114, 2003.; Curado, 2006CURADO, M. L. Flutuações nos preços dos ativos: uma comparação entre as bolhas especulativas racionais e a contribuição keynesiana. Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1, 2006.).
  • 7
    Quarter é uma unidade de medida correspondente à um quarto de tonelada.
  • 8
    No período recente, a maioria dos índices acionários das principais economias avançadas (Estados Unidos, Europa, Japão) vem quebrando recordes históricos recorrentemente.
  • 9
    O múltiplo Preço/Lucro é determinado pelo quociente entre o preço de uma ação e o lucro anual por ação.
  • 10
    Bundesanleihe (10 anos), Bundesobligation (5 anos) e Bundesschatzanweisung (2 anos).
  • 11
    Exceção para a “Área do Euro”, onde a taxa de juros do mercado interbancário (euro short-term rate - €STR) é negativa e próxima da deposit facility rate, abaixo da taxa regular das operações de liquidez de sete dias (Main Refinancing Operations - MROs, que se encontra em 0% desde março de 2016).
  • 12
  • 13
    ECB - APP cumulative net purchases, by programme (https://www.ecb.europa.eu/mopo/implement/app/html/index.en.html).
  • 14
    França, Alemanha, Itália e Espanha.
  • 15
    Board of Governors of the Federal Reserve System (2015BOARD OF GOVERNORS OF THE FEDERAL RESERVE SYSTEM. What is forward guidance, and how is it used in the Federal Reserve’s monetary policy? Federal Reserve Board FAQs, 2015.).
  • 16
    No início de março de 2020 o FED reduziu a taxa de juros para o patamar entre 1,0% e 1,25%. Já em 15 de março uma nova redução para o patamar entre 0,0% e 0,25% foi realizada.
  • 17
    Os Primary Dealers são grandes instituições financeiras que negociam títulos públicos (treasuries) diretamente com o Tesouro dos Estados Unidos. Alguns exemplos são: Citigroup Global Markets Inc., Goldman Sachs & Co. LLC., J.P. Morgan Securities LLC., Wells Fargo Securities LLC., entre outros.
  • JEL:

    E41, E43, E44, E58, G12.
  • **
    O autor agradece as importantes contribuições de dois pareceristas anônimos da revista Economia e Sociedade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Aug-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2020
  • Aceito
    18 Jun 2021
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