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Características demográficas, socioeconômicas e situação de saúde de idosos de um programa de saúde da família de Porto Alegre, Brasil

Resumos

Estudo epidemiológico, exploratório-descritivo que objetivou identificar as características demográficas, socioeconômicas e a situação de saúde/doença de idosos de um Programa de Saúde da Família de Porto Alegre, Brasil, a fim de contribuir para o planejamento das ações de saúde a esses. Coletou-se dados de 98 idosos através de inquérito domiciliar, utilizando-se de instrumento semi-estruturado e multidimensional. Verificou-se que a média de idade dos entrevistados era de 69,5 anos. Do total dos idosos: 61 eram mulheres; 40 casados(as) e 77 não possuíam trabalho remunerado. A maioria dos homens (64,9%) tinha companheira, contrastando com 26,2% de mulheres com companheiro. Quanto à saúde, 80,6% relataram alguma patologia, destacando-se as doenças do aparelho circulatório em 55,1% dos entrevistados. Conclui-se que, embora os dados encontrados assemelhem-se a outros estudos, o conhecimento desses é fundamental para a adequação das ações de saúde da equipe do PSF estudado, com vistas à melhor atenção a esses idosos.

enfermagem; idoso; programa saúde da família; envelhecimento; saúde do idoso; enfermagem em saúde comunitária; saúde da família


This epidemiological and exploratory-descriptive study aimed to identify the socioeconomic and demographic features, as well as the health and disease condition of elderly people from a Family Health Program in Porto Alegre, Brazil, with the purpose of contributing to the planning of health actions for this population. Data from 98 elderly people were collected through a home survey by means of a semistructured instrument. The mean age of the interviewed subjects was 69.5. Sixty-one participants (62.2%) were women; 40 (40.8%) were married and 77 (78.6%) did not have remunerated work. Most men (64.9%) had a companion, against 26.2% of women with a partner. As to health, 80.6% reported suffering from some pathology, especially diseases of the circulatory system, reported by 55.1% of the interviewees. Although the collected data are in line with other studies, knowledge about them is important to adapt health actions by the Family Health Program team under study, in order to offer better care to these elderly people.

nursing; aged; family health program; aging; aging health; community health nursing; family health


Se trata de un estudio epidemiológico, exploratorio-descriptivo, que tuvo como objetivo identificar las características demográficas, socioeconómicas y la situación de salud y enfermedad de ancianos de un Programa de Salud de la Familia en Porto Alegre, Brasil, con la finalidad de contribuir para el planeamiento de acciones de salud a esta población. Se colectaron datos de 98 ancianos a través de encuesta domiciliaria, utilizándose un instrumento semi-estructurado. Se observó que la edad promedia de los sujetos era de 69,5 años. Del total de ancianos, 61 (62,2%) eran mujeres; 40 (40,8%) casados(as) y 77 (78,6%) no poseían trabajo remunerado. La mayoría de los hombres (64,9%) tenía compañera, contrastando con el 26,2% de mujeres con compañero. En cuanto a la salud, 80,6% reportó alguna patología, destacándose enfermedades del aparato circulatorio en el 55,1% de los encuestados. Se concluye que, aunque los dados aquí citados sean semejantes a otros estudios, conocerlos es de real importancia para adecuar las acciones de salud del equipo del PSF estudiado, con objeto de ofrecer así una mejor atención a esos ancianos.

enfermería; anciano; programa salud de la familia; envejecimiento; salud del anciano; enfermería en salud comunitaria; salud de la familia


ARTIGO ORIGINAL

Características demográficas, socioeconômicas e situação de saúde de idosos de um programa de saúde da família de Porto Alegre, Brasil

Luccas Melo de SouzaI; Eliane Pinheiro de MoraisII; Quenia Camille Martins BarthIII

IEnfermeiro, Mestrando da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bolsista CAPES, e-mail: luccasm@ibestvip.com.br

IIMestre em Enfermagem, Doutoranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Professor, e-mail: epmorais@hotmail.com

IIIEnfermeira do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Mestranda da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: queniacamille@ig.com.br. Membro do Núcleo de Estudos em Educação e Saúde na Família e na Comunidade, Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

Estudo epidemiológico, exploratório-descritivo que objetivou identificar as características demográficas, socioeconômicas e a situação de saúde/doença de idosos de um Programa de Saúde da Família de Porto Alegre, Brasil, a fim de contribuir para o planejamento das ações de saúde a esses. Coletou-se dados de 98 idosos através de inquérito domiciliar, utilizando-se de instrumento semi-estruturado e multidimensional. Verificou-se que a média de idade dos entrevistados era de 69,5 anos. Do total dos idosos: 61 eram mulheres; 40 casados(as) e 77 não possuíam trabalho remunerado. A maioria dos homens (64,9%) tinha companheira, contrastando com 26,2% de mulheres com companheiro. Quanto à saúde, 80,6% relataram alguma patologia, destacando-se as doenças do aparelho circulatório em 55,1% dos entrevistados. Conclui-se que, embora os dados encontrados assemelhem-se a outros estudos, o conhecimento desses é fundamental para a adequação das ações de saúde da equipe do PSF estudado, com vistas à melhor atenção a esses idosos.

Descritores: enfermagem; idoso; programa saúde da família; envelhecimento; saúde do idoso; enfermagem em saúde comunitária; saúde da família

INTRODUÇÃO

Sabe-se que o Brasil vem sofrendo mudança no perfil demográfico de sua população. Esse fenômeno - também chamado transição demográfica - é o reflexo de alguns fatores, tais como a queda da fecundidade materna e da mortalidade infantil, a diminuição dos óbitos causados por doenças infecto-contagiosas, o aumento da expectativa de vida e o progressivo envelhecimento da população.

Dessa maneira, o Brasil vem perdendo o perfil de 'um país de jovens' - visto que o número de idosos tem aumentado consideravelmente e de maneira acelerada - e conquistando a característica de um país envelhecido. Em 1991, os idosos correspondiam a 7,3% (10,7 milhões) da população brasileira; pelo censo de 2000, esse índice elevou-se para 8,6% (14,5 milhões). Projeções apontam que, em 2020, 12,6% da população brasileira será constituída de idosos e que, em 2050, esse índice alcançará 16%(1). O Brasil adota, em suas políticas, a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), na qual a idade de 60 anos é usada como ponto de corte que define a velhice nos países em desenvolvimento.

Preocupada com esse crescente aumento de idosos na população mundial, a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), desde o seu 27º Conselho Diretivo, vem estimulando os países que compõem seu quadro de membros a estabelecerem programas e serviços nacionais para as pessoas idosas. Desde 1996, o tema 'envelhecimento e saúde' tem integrado o Programa de Saúde da Família e da População, da Divisão de Promoção e Proteção da Saúde, com o objetivo de elaborar planos e ações integradas sobre 'envelhecimento e saúde' para as Américas(2).

No Brasil, importante marco foi a criação da Política Nacional do Idoso, em 1994. Mais recentemente, o Senado Federal aprovou - em outubro de 2003 - o Estatuto do Idoso, com o intento de garantir os direitos sociais dos idosos. Esse documento garante, aos idosos, acesso aos serviços de saúde e de assistência social, atenção integral à saúde por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), atendimento domiciliar e/ou internação ao idoso incapaz de se locomover e medicação gratuita, assim como outros recursos relacionados ao tratamento. Cabe salientar, também, a obrigação do Estado em garantir ao idoso a proteção à vida e à saúde, por meio de efetivação de políticas públicas que permitam o envelhecimento saudável e em condições de dignidade, com uma vida confortável e adequada(3). Para isso, é necessário que as ações de saúde dirigidas aos idosos objetivem, entre outras coisas, mantê-los na comunidade, tendo a família como apoio, embasado no modelo do cuidado domiciliar.

Nesse sentido, surge como essencial a estratégia do Programa de Saúde da Família (PSF), surgida em 1994, prestando assistência tanto na Unidade de Saúde da Família (USF) quanto no domicílio, por meio de ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas.

Nessa estratégia, desponta o trabalho dos profissionais de saúde voltado para a assistência integral e contínua dos membros das famílias vinculadas à USF, em cada etapa do ciclo de vida desses, considerando o contexto familiar e social dessas pessoas. Esse modelo inovador de atenção à saúde requer estreita relação entre os profissionais de saúde e a população pela qual são responsáveis, através da criação de vínculo e co-responsabilidades que façam com que as ações de saúde possam alterar a realidade e as condições de saúde dos indivíduos assistidos. Assim, torna-se fundamental a adequação das ações dos profissionais frente ao perfil epidemiológico da população por eles atendida, com especial atenção aos idosos, em razão das suas necessidades e do seu progressivo aumento numérico(4-5).

Diante do exposto, torna-se essencial a realização de estudos que investiguem as características da população idosa, seu processo de envelhecimento e o contexto social em que vivem, fornecendo, dessa maneira, subsídios para a atuação dos profissionais de saúde que exercem atividades nas USF.

Sendo assim, esse estudo teve como objetivo: identificar as características demográficas, socioeconômicas e a situação de saúde de idosos residentes na área de abrangência de um PSF de uma comunidade do município de Porto Alegre (Brasil), contribuindo, dessa forma, para o planejamento das ações de promoção em saúde a esses.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de estudo de caráter epidemiológico, transversal, de cunho exploratório-descritivo, com abordagem quantitativa. Surgiu a partir da parceria do Núcleo de Estudos em Educação e Saúde na Família e na Comunidade (NEESFAC) com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e desenvolveu-se junto a um PSF de uma comunidade carente do mesmo município. Tal PSF fornece campo para prática disciplinar dos acadêmicos da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EE/UFRGS). A pesquisa foi um construto coletivo entre os profissionais do serviço de saúde e os professores/mestrandos/acadêmicos da EE/UFRGS.

A população/amostra do estudo compreendeu todos os idosos cadastrados no PSF sede do estudo. Os critérios de inclusão utilizados foram: ter 60 anos ou mais e aceitar participar do estudo. Os critérios de exclusão foram: ter mudado para fora da abrangência do PSF ou não ser encontrado no seu domicílio após 3 tentativas de visita por parte dos pesquisadores. Para fins desse estudo, considerou-se idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, conforme critério etário utilizado pelo Estatuto do Idoso(3).

Inicialmente, foram selecionados 137 idosos, sendo que 98 participaram da pesquisa (perdas ou recusas: 28,4%). Os motivos de perda foram: em 22 casos (16,1%) o idoso não foi encontrado no domicílio após 3 tentativas de visita; em 8 situações (5,8%) havia mudado de endereço e, também, em 8 ocasiões, o sujeito havia falecido. Uma pessoa idosa (0,7%) negou-se a participar do estudo.

Para a coleta de dados, utilizou-se instrumento semi-estruturado adaptado de outro estudo(6), contemplando 50 questões. Essas foram agrupadas por dimensões e compreenderam as seguintes variáveis: dados socioeconômicos, condições de moradia, atividades de lazer, utilização dos serviços de saúde e situação de saúde/doença.

Após a aprovação do Comitê de Ética da UFRGS, realizou-se a coleta de dados, entre os meses de setembro de 2003 e março de 2004, por meio de inquérito domiciliar, com o auxílio dos Agentes Comunitários de Saúde do próprio PSF. Os princípios éticos foram respeitados conforme as orientações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(7). Os dados foram digitados e explorados no programa de banco de dados SPSS 13.0, o qual permite inserir, organizar e analisar dados por meio de cálculos estatísticos, fornecendo os resultados em forma de tabelas e gráficos. A análise dos dados foi guiada à luz da epidemiologia descritiva, apresentando-se os achados através de freqüências e medidas de tendência central e de dispersão.

RESULTADOS

No estudo, evidenciou-se a predominância da população idosa feminina, abrangendo 62,2% (61) dos entrevistados. A média de idade das mulheres foi de 69,9 anos (± 6,8), sendo que nos homens esse valor foi inferior (68,8 ± 4,8).

No que tange às características sociais dos idosos do estudo, verificou-se que 40 (40,8%) pessoas eram casadas ou moravam com companheiro. O restante era composto por pessoas viúvas (30,6%) e solteiras, separadas ou divorciadas (28,6%). Na relação entre as variáveis sexo e situação conjugal, detectou-se que 64,9% (24) dos homens possuía companheira, enquanto que no sexo feminino esse valor foi de apenas 26,2%.

Quanto à escolaridade, dos 98 idosos, observou-se diferença importante no período de frequência escolar, sendo que a maioria (40,8%) teve de 1 a 4 anos de estudo e 29,6% de 5 a 9 anos. Do total, 25 (25,6%) pessoas eram analfabetas, sendo 17 mulheres.

Com relação à renda própria, em 74 (75,5%) idosos era advinda de aposentadoria ou pensão, enquanto que 14 (14,3%) não a tinham. No que se refere à ocupação profissional, 21 (21,4%) pessoas idosas pesquisadas realizavam algum tipo de trabalho remunerado, embora algumas já na condição de aposentadas. Salienta-se, ainda, que em 31 casas (31,6%) onde o idoso morava com outra(s) pessoa(s), o mesmo era a única fonte geradora de renda da família.

No que diz respeito ao número de pessoas por domicílio, a média foi de 3,1 (±1,8) indivíduos, contando-se os idosos. Dos 98 idosos, 12 (12,2%) residiam sozinhos; 40 (40,8%) moravam com mais 1 pessoa; 16 (16,3%) com duas pessoas e 30 (30,6%) com 3 ou mais pessoas.

Em relação à participação em atividades de recreação e/ou de lazer, o estudo encontrou que 64 idosos (65,3%) freqüentavam regularmente algum culto religioso, sendo que: 45 (45,9%) eram católicos, 15 (15,3%) evangélicos, 4 (4,2%) espíritas, 4 (4,2%) de outros credos e 4 (4,2%) confessaram mais de um credo. Nas outras atividades de lazer realizadas pelos idosos, destaca-se a participação em bailes (6,1%) e em atividades esportivas (11,2%).

Conforme os dados apresentados na Tabela 1, 46 (46,9%) idosos freqüentavam algum tipo de serviço de saúde rotineiramente e 48 (49%) visitavam somente quando necessitavam. Encontrou-se, também, que 33 (33,7%) participavam do grupo para hipertensos e diabéticos (HIPERDIA) que é promovido no próprio PSF.

Analisando-se a situação de saúde auto-referida dos idosos estudados, chegou-se aos resultados contidos na Tabela 2.

Verificou-se, ainda, que 49 (50%) idosos eram hipertensos e 16 (16,3%) diabéticos, sendo que 10 apresentavam as duas doenças concomitantemente. Associando-se essas duas patologias com a participação no grupo HIPERDIA, 26 (47,3%) dos 55 indivíduos, que eram hipertensos ou diabéticos, não o freqüentavam.

Quanto ao uso de medicação, encontrou-se que 71,4% (70) das pessoas idosas do PSF faziam uso de algum tipo de medicamento, sendo que 97,1% (68) dessas por prescrição médica. Em relação ao uso regular de medicação, 22,9% (16) desses 70 idosos não a utilizavam conforme a prescrição, sendo as principais causas: ausência de sintomas, esquecimento, efeitos adversos e falta de recursos financeiros.

O tipo de medicação mais utilizado pelos idosos do PSF foi o do grupo de anti-hipertensivos (41,8%), seguido dos diuréticos (32,6%), analgésicos/antitérmicos (22,4%), antiinflamatórios (17,3%) e hipoglicemiantes (11,2%).

DISCUSSÃO

Os resultados desse estudo tornam-se importantes para a leitura e compreensão do processo de envelhecimento da população adstrita à USF estudada, uma vez que se sabe não existir uma única velhice, mas sim múltiplas e diversas formas de se viver essa fase do desenvolvimento humano, que é pessoal, única e heterogênea.

Algumas generalizações, entretanto, são possíveis, à medida que nos achados desse estudo reflete-se a realidade nacional encontrada em pesquisas semelhantes(8-9).

Mais da metade (62,2%) dos entrevistados eram mulheres com idade média de 69,9 anos, caracterizando o que os autores chamam de 'feminização da velhice'(8), alicerçada, especialmente, pelas maiores taxas de mortalidade da população masculina. Essa maior sobrevida de mulheres pode ser compreendida por sua menor exposição aos riscos ocupacionais, menor taxa de mortalidade por causas externas e diferenças de atitudes em relação às doenças, pois as mesmas utilizam os serviços de saúde com maior freqüência(10). Nas mulheres desse estudo, apenas 26,2% possuía um companheiro, o que remete ao que se chama de 'pirâmide da solidão', pois quanto mais velhas, mais sozinhas(11). Observou-se, também, maior número de mulheres analfabetas (17), demonstrando a discriminação social do século passado, pois a elas eram atribuídas as tarefas do lar, com conseqüente exclusão do ambiente escolar.

Entre os homens, os números alteram-se, pois 64,9% possuíam companheira, o que pode ser explicado com base nas questões sociais e culturais de nossa sociedade, onde os mesmos não devem ficar sozinhos e o casamento com mulheres mais jovens é visto com 'bons olhos'.

Mesmo observando que a grande maioria dos idosos tem como principal subsídio os benefícios oriundos de aposentadoria e pensão, sabe-se que esses rendimentos, muitas vezes, são insuficientes para suprir o padrão de necessidades desses. Tal fato evidencia-se no relato de 21,4% da população estudada que informou ter necessidade de desenvolver alguma atividade remunerada com vistas ao complemento da renda mensal. Além disso, é importante compreender que, com o aumento da idade e com o surgimento de patologias, esse grupo de indivíduos necessita dispensar boa parcela de seus recursos financeiros na compra de medicamentos e utensílios essenciais à manutenção de sua saúde. Nesse aspecto, esse estudo encontrou que a grande maioria dos idosos (80,6%) entrevistados referiu algum problema de saúde.

Com relação à medicação, constatou-se que 71,4% dos idosos necessitavam de algum tipo de fármaco, com destaque para os anti-hipertensivos, diuréitcos, analgésicos/antitérmicos, antiinflamatórios e hipoglicemiantes, o que refletiu a situação de saúde da população entrevistada, na qual se verificou número significativo de problemas crônicos não-transmissíveis tais como hipertensão, diabetes e patologias de origem osteomuscular, sendo esses concomitantes em algumas pessoas. De acordo com o IBGE(12), cerca de 50% dos idosos têm renda pessoal inferior ou igual a um salário mínimo, dado, esse, que se torna preocupante ao passo que metade da população brasileira gasta o equivalente a 25% de seus salários em medicamentos. Cabe salientar, ainda, que, com os altos índices de desemprego entre as classes mais jovens da sociedade, muitos idosos são os responsáveis por fornecer sua renda para que essa seja dividida com os demais membros da família, transformando o idoso, muitas vezes, no único ou no principal responsável pela subsistência familiar. Assim sendo, nesta pesquisa verificou-se que o idoso era a única fonte geradora de renda em 31 casas em que o mesmo morava com outro indivíduo.

Outro resultado encontrado nesse estudo e que gera preocupação refere-se à composição familiar dos idosos, ao passo que 12 moravam sozinhos, 40 com somente uma pessoa e 30 residiam com dois indivíduos. No Brasil, a falta de apoio formal faz com que uma parcela significativa de idosos menos favorecidos social e financeiramente dependa parcial ou exclusivamente do apoio informal prestado, especialmente, pelos familiares(13). Os arranjos familiares existentes (muitas famílias nucleares com número reduzido de pessoas) são incapazes de atender, de forma global, as necessidades apresentadas pelos idosos, tornando-os, desse modo, mais vulneráveis a determinadas situações(14). Entretanto, a co-residência de idosos com outras pessoas, principalmente os filhos, é de extrema importância para suprir as carências dos primeiros, à medida que aumenta substancialmente a probabilidade de receberem ajuda/cuidado nas suas atividades/enfermidades(13).

No que se refere às atividades de recreação e lazer (participações em bailes e em esportes), destacam-se, essas, como elementos fundamentais na vida dos idosos, pois - com o fim das obrigações trabalhistas - algumas dessas pessoas passam a preocupar-se como usufruirão seu tempo livre(15). Sobre isso, salienta-se a importância de se incentivar e proporcionar essas atividades aos idosos, uma vez que constituem estratégia efetiva para a diminuição do isolamento, para a inserção no meio social e para o desenvolvimento de novas habilidades desses, o que pode refletir diretamente na melhoria da auto-estima, da qualidade de vida e das condições de saúde dos mesmos(10).

Além disso, através dos dados desse estudo, foi possível perceber a relevância que o idoso agrega à freqüência em atividades coletivas, destacando-se a inserção desses em cultos religiosos, sendo essa escolha, muitas vezes, vinculada à necessidade dos indivíduos de serem acolhidos por grupos da sociedade. Logo, corrobora-se com autores(16) quando salientam que a participação de idosos em religiões favorece o bem-estar e a qualidade de vida desses, sendo um elemento que diminui, entre outras coisas, o stress e a depressão. Além disso, serve, também, como suporte social e meio de envolvimento interpessoal, preenchendo o vazio advindo com a aposentadoria, solidão e/ou viuvez.

A discussão sobre o acesso da população idosa ao sistema de saúde também é de extrema relevância, pois, como descrevem os dados desse estudo, mais de 90% dos entrevistados utilizava os serviços de saúde com regularidade. Há, no entanto, diferenças na freqüência do uso dos serviços, pois 46,9% tiveram como rotina a visita ao serviço de saúde, enquanto que os demais o procuraram apenas na vigência de alguma necessidade ou agravo à saúde. Desse modo, fica clara a relação direta existente entre envelhecimento e maior utilização de recursos de saúde, uma vez que a elevação da população idosa repercute diretamente no uso dos sistemas de saúde, ocorrendo em função do aumento de problemas complexos e/ou de longa duração, os quais exigem, para seu adequado cuidado, a utilização de um aparato tecnológico de alto custo(17).

Sobre isso, convém reforçar que, com o processo de transição demográfica, alterou-se fundamentalmente o panorama epidemiológico referente à morbimortalidade da população brasileira. As doenças infecto-contagiosas (DIC), embora ainda não totalmente resolvidas, diminuíram a incidência, enquanto que as doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) aumentaram em prevalência, expressando, dessa forma, maior proporção de pessoas idosas portadoras de doenças tais como hipertensão, diabetes, artrose e outras - características, essas, encontradas junto aos idosos deste estudo(9). Esse fato gera o que se denomina 'dupla carga de doenças', trazendo à tona a necessidade de se organizar uma agenda dupla de atenção à saúde, repensando as políticas vigentes e incluindo formas inovadoras de atendimento, tais como os cuidados gerontológico(18) e domiciliar.

Do ponto de vista prático, controlar as DCNT tornou-se, hoje, problema bem mais complicado que o tratamento das DIC, pois não existem medidas preventivas de alta eficácia (como as vacinas) para as primeiras, uma vez que as alternativas existentes são, em geral, de caráter educativo(9). Nesse sentido, alcançar um bom nível de aderência à terapêutica para as DCNT em populações com as características encontradas nos idosos desse estudo (pouca renda e baixa escolaridade) é tarefa difícil, ao passo que envolve, principalmente, reeducação de hábitos de vida e utilização de medicamentos. Esse fato é visível nos achados dessa pesquisa, onde 22,9% dos entrevistados não utilizava a medicação conforme prescrição médica.

Outro fato relevante no que se refere à terapêutica é a razoável participação desses idosos na principal atividade de educação e saúde oferecida pelo PSF: o HIPERDIA. Constatou-se que cerca de 1/3 da população em estudo freqüentava esse grupo, observando-se que uma considerável parcela (47,3%) que possuía diabetes e/ou hipertensão não participava dessa atividade. Assim, denota-se que, para muitos idosos, o HIPERDIA, de algum modo, não é acessível, quer seja por desconhecimento, por desinteresse, ou mesmo por dificuldades pessoais em reunir-se com o grupo. No entanto, a participação em atividades voltadas à prática educativa tem como potencial o desenvolvimento de capacidades e saberes que colaboram tanto para a autonomia do indivíduo quanto para a reflexão crítica de suas escolhas. Nessa perspectiva, torna-se fundamental discutir a importância das práticas educativas formais e informais, visto que os grupos são espaços coletivos onde o idoso tem o ensejo de elaborar questões que se originam do conflito do 'ser idoso'. Além disso, é a oportunidade que o indivíduo tem para vivenciar outras idéias, valores e realidades que terão papel decisivo na incorporação de novas atitudes no seu dia-a-dia(15).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se, inicialmente, como importante na conclusão desse estudo, o alcance dos objetivos propostos. Quanto aos resultados encontrados, conclui-se que esses demonstram que os idosos do PSF pesquisado apresentam características semelhantes quando comparados com outros estudos do mesmo perfil, ou seja: maior número de mulheres, baixa escolaridade, pouca renda, presença de patologias crônicas não-transmissíveis, rede de suporte social frágil e pouca aderência à terapêutica, entre outras.

Entende-se que a grande diferença na leitura dos dados coletados e analisados faz-se quando a eles se associa o contexto onde estão vivendo os idosos, compreendendo esse elemento como cultura, estilo de vida, crenças e valores pois, só assim, os números demonstrarão a diversidade encontrada na sociedade, em se tratando do processo de envelhecimento. Essa ligação é possível quando se elege uma USF como campo de estudo/trabalho, ou seja: busca-se dar rostos aos dados, para que, com isso, se compreenda melhor a realidade onde se inserem os profissionais de saúde.

Esses profissionais, ao se defrontarem com os dados da população ao redor da USF, visualizam a falta de preparo para atender os idosos em suas peculiaridades e complexidades, resumindo-os, muitas vezes, à expressão 'pacientes poliqueixosos'. Com isso, torna-se premente a capacitação dos profissionais da rede básica de saúde, bem como a criação de referências em geriatria e gerontologia, a fim de se propiciar atendimento com qualidade à população idosa. Todavia, para isso, é necessário que os recursos orçamentários destinados às políticas públicas contemplem a temática envelhecimento, sem que para isso seja necessário abandonar os esforços com as ações de saúde e educação das crianças. Desse modo, construir-se-á uma sociedade preparada para envelhecer com qualidade.

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Recebido em: 14.10.2005

Aprovado em: 6.5.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Aceito
    06 Out 2006
  • Recebido
    14 Out 2005
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