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Temas e utilização do tempo pelos participantes de reuniões de equipe geral em um hospital-dia psiquiátrico

Resumos

O presente estudo, configurado como pesquisa naturalística, conduzida pela observação, teve como objetivo caracterizar as reuniões de equipe geral de um hospital-dia quanto à temática e à participação dos profissionais na utilização do tempo. Foram comunicados 144 avisos e discutidos 46 assuntos em 21 reuniões observadas, com participação maior da equipe fixa nas discussões. Em 18 das reuniões estudadas, houve correspondência entre os temas discutidos e as situações diárias registradas nas semanas que antecederam as mesmas. Os achados mostram que essas reuniões estão inseridas regularmente no serviço. As relações de poder e as diferenças de experiência e conhecimentos técnicos entre os diversos profissionais pareceram contribuir para a maior ou menor colocação de avisos e assuntos. Por ser um espaço favorecedor de trocas, sugere-se a utilização dessas reuniões em outros serviços de saúde que trabalhem com equipes de assistência.

equipe de assistência ao paciente; assistência diurna; psiquiatria; saúde mental


This naturalistic study was realized through observation and aimed to characterize general staff meetings held at a day hospital regarding theme and the professionals' participation in the use of time. We observed 21 meetings, during which 144 announcements were made and 46 issues were discussed, with greater participation in discussions by fixed team members. In 18 of these meetings, the discussed themes corresponded to daily situations registered during the weeks preceding the meetings. Our findings reveal that these meetings are inserted in the service on a regular basis. Power relations and differences in experience and technical knowledge between the different professionals seem to contribute to the higher or lower number of announcements and issues presented. As this space favors exchanges, we suggest these meetings to be used in other health services working with assistance teams.

patient care team; day care; psychiatry; mental health


La finalidad de este estudio, configurado como una investigación naturalística conducida mediante observación, fue la de caracterizar las reuniones del equipo general de un hospital día respecto a la temática y la participación de los profesionales en la utilización del tiempo. Fueron comunicados 144 avisos y discutidos 46 asuntos en 21 reuniones observadas, con mayor participación del equipo fijo en las discusiones. En 18 de las reuniones estudiadas, los temas discutidos correspondieron a las situaciones diarias registradas durante las semanas antecedentes a las mismas. Los hallazgos muestran que estas reuniones están insertadas regularmente en el servicio. Las relaciones de poder y las diferencias de experiencia y conocimientos técnicos entre los diversos profesionales parecieron contribuir para la mayor o menor colocación de avisos y asuntos. Como son un espacio que favorece cambios, sugerimos la utilización de estas reuniones en otros servicios de salud que trabajen con equipos de atención.

grupo de atención al paciente; cuidados diurnos; psiquiatría; salud mental


ARTIGO ORIGINAL

Temas e utilização do tempo pelos participantes de reuniões de equipe geral em um hospital-dia psiquiátrico1 1 Trabalho extraído de Dissertação de Mestrado, Apresentado na World Assembly for Mental Health / The 26th Congress of the World Federation for Mental Health, Vancouver, Canadá, 2001

Edson Arthur SchererI; Maria Auxiliadora CamposII; Zeyne Alves Pires SchererIII

IMédico Psiquiatra, Assistente do Hospital das Clínicas, Doutorando, e-mail: scherer@eerp.usp.br

IIPsicanalista, Professor Doutor aposentado. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Brasil

IIIEnfermeira, Professor Doutor da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Brasil

RESUMO

O presente estudo, configurado como pesquisa naturalística, conduzida pela observação, teve como objetivo caracterizar as reuniões de equipe geral de um hospital-dia quanto à temática e à participação dos profissionais na utilização do tempo. Foram comunicados 144 avisos e discutidos 46 assuntos em 21 reuniões observadas, com participação maior da equipe fixa nas discussões. Em 18 das reuniões estudadas, houve correspondência entre os temas discutidos e as situações diárias registradas nas semanas que antecederam as mesmas. Os achados mostram que essas reuniões estão inseridas regularmente no serviço. As relações de poder e as diferenças de experiência e conhecimentos técnicos entre os diversos profissionais pareceram contribuir para a maior ou menor colocação de avisos e assuntos. Por ser um espaço favorecedor de trocas, sugere-se a utilização dessas reuniões em outros serviços de saúde que trabalhem com equipes de assistência.

Descritores: equipe de assistência ao paciente; assistência diurna; psiquiatria; saúde mental

INTRODUÇÃO

Os tratamentos psiquiátricos têm passado historicamente por abordagens diversas, desde místico-religiosas, morais, biológicas até, mais recentemente, aquelas que buscam oferecer atenção mais humanitária aos doentes. Vários são os modelos encontrados na prática atual, frutos das reformas implementadas nas políticas de saúde mental. Entre as propostas disponíveis, encontra-se a hospitalização parcial, em hospitais-dia.

O hospital-dia (HD), objeto deste estudo, assiste 16 usuários maiores de 15 anos em regime de semi-internação psiquiátrica. O atendimento é diário, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 16 horas. São oferecidas atividades programadas, tais como grupos operativos, terapias sociais, entrevistas e reuniões familiares, psicoterapia individual, terapia ocupacional, atividades físicas, atividades recreativas, reuniões educativas, reuniões comunitárias, além de atividades desenvolvidas por pessoas voluntárias no serviço (coral e ioga). Mantém, ainda, atendimento ambulatorial de pós-alta imediato, por um período de 3 meses e grupo semanal de atendimento a longo prazo, voltado para melhorar a integração social de egressos do serviço.

Por tratar-se de instituição universitária, além da assistência, o serviço está também direcionado para o ensino e a pesquisa, havendo treinamento em serviço para profissionais de áreas relacionadas à Saúde Mental que estagiam no local. Configura-se, assim, a existência de dois grupos, um fixo e outro flutuante com peculiaridades próprias(1). O primeiro é constituído pelos profissionais que compõem a equipe permanente de trabalho, enquanto o segundo é composto por profissionais já graduados que passam pelo serviço cumprindo requisitos de programas específicos de pós-graduação em Saúde Mental e eventuais estudantes de graduação.

Desde 1974, os dois grupos participam de uma reunião conhecida como "reunião de equipe geral" (REG), para tratar de assuntos administrativos, de relacionamento interpessoal e de conduta junto aos pacientes. Entre os objetivos específicos desse encontro destacam-se: visualizar e avaliar o trabalho em equipe, trabalhar conflitos emergentes, promover maior integração entre o grupo fixo e o de estagiários, estabelecer trocas entre os dois grupos, discutir condutas com a participação de número maior de profissionais do serviço e fazer a avaliação dos estágios com a presença de todos os profissionais do HD.

A equipe fixa, por sua vez, participa, desde 1987, da "reunião de equipe fixa" (REF) para refletir de forma continuada acerca de sua prática, discutir assuntos burocráticos e administrativos e trabalhar conflitos entre setores. Assim, fortalece-se como grupo que mantém o serviço.

Em 1992, foi criada a "reunião comunitária" (RC), aberta aos integrantes do HD, com o objetivo de favorecer a organização da comunidade, aproximar pacientes, equipe fixa e estagiários, promover o alívio de tensões entre os grupos e buscar dimensão mais social e coletiva para questões particulares(2).

Essas três reuniões constituem o eixo de sustentação do serviço e delas depende, em muito, o andamento da proposta de trabalho(2). A REG é atividade que se mantém há mais de duas décadas nessa instituição, oferecendo espaço para ensino-aprendizagem. Parece configurar-se como lugar de trocas democráticas entre os participantes. Partindo dessa hipótese, surgiu o interesse de realizar pesquisa tendo a REG como objeto de estudo.

Estudar a REG é tarefa complexa, pois, há variáveis difíceis de controlar como, por exemplo, os aspectos individuais de cada integrante, as situações que estão sendo vivenciadas pelo grupo, considerando aspectos da instituição, da sociedade e da própria interação dos profissionais com a clientela. Assim, o objetivo deste estudo foi caracterizar a REG quanto à temática e à utilização do tempo pelos participantes em um dado período.

MÉTODO

A estratégia escolhida para a execução do presente estudo foi a pesquisa natural, ou seja, a investigação do fenômeno dentro e com relação ao contexto natural de ocorrência. Nesse tipo de investigação o ambiente pesquisado (evento, programa, comunidade, relacionamento ou interação de ocorrência natural) não tem curso pré-determinado e estabelecido por ou para o pesquisador(3).

Caracterização da situação de estudo

A REG era realizada semanalmente, com uma hora de duração, sendo coordenada por integrante da equipe fixa ou flutuante. Os 10 minutos iniciais eram destinados à comunicação de avisos e escolha dos temas a serem discutidos no tempo restante. Havia acordo na equipe de limitar a três assuntos por reunião, no sentido de viabilizar as discussões.

Integravam a equipe fixa 11 profissionais: dois docentes psiquiatras, um médico psiquiatra assistente, dois enfermeiros, um assistente social, um terapeuta ocupacional, um recreacionista, dois auxiliares de enfermagem e um auxiliar administrativo. Os estagiários eram 8: três médicos residentes, três aprimorandos (psicologia, serviço social, terapia ocupacional), um aluno de pós-doutorado em saúde mental (assistente social) e um de graduação (terapia ocupacional). Os profissionais de outros serviços e instituições que eventualmente estiveram presentes na REG foram identificados como visitantes.

Coleta e análise dos dados

O procedimento utilizado foi a observação não participante(4) de 21 reuniões realizadas em um período de 6 meses. Nesta pesquisa, o observador tomou contato com as REG, mas, não se integrou a elas, permaneceu com observador, somente. Presenciou os fatos sem participar deles, não se deixou envolver pelas situações, ou seja, fez mais o papel de espectador. A observação foi ordenada e dirigida para o fim determinado, utilizando, como instrumento de coleta de dados, um protocolo sistematizado, definido e testado em fase piloto do estudo. Os registros permitiram focalizar o conteúdo (o que o grupo estava falando) e o processo da comunicação (quem falava e quanto)(3-5).

Os observadores foram o primeiro autor deste trabalho e uma psicóloga, ambos ex-estagiários do HD. Seu treinamento foi realizado na fase de construção do instrumento de coleta de dados, sendo obtido o acordo mínimo de 80% entre os registros feitos. Para cada REG foi utilizado o protocolo que contemplava avisos, assuntos, o integrante (código individual de duas letras previamente definido) e o tempo de sua fala.

Para o registro de avisos e assuntos foi feita uma categorização de temas(6) extraída de material registrado em atas referentes a 44 REG do ano anterior à coleta de dados e testado na fase piloto. Os temas referentes aos avisos e assuntos ficaram assim definidos: rotinas e funcionamento do serviço (R) - atividades, horários, explicações ou esclarecimentos sobre funcionamento e eventuais alterações da rotina (como greves, feriados); estrutura física (EF) - manutenção e modificações na estrutura física (instalações), prédio ou ambiente; pacientes (P) - indicação para tratamento, adesão, evolução, manejo e conduta com os usuários; estagiários (E) - início e término dos estágios, avaliações, relacionamentos entre os estagiários e desses com a equipe fixa e dificuldades específicas dos mesmos; atividades científicas (AC) - participação dos profissionais do HD em eventos científicos (congressos, simpósios, jornadas, cursos), publicações e realização de trabalhos sobre o HD; atividades sociais (AS) - festas, confraternizações, encontros, coquetéis, passeios, apresentações de shows das pessoas da equipe com ou sem os usuários e com ou sem a comunidade; visitantes (V) - recepção e organização do serviço para visitantes; freqüência (F) - freqüência dos estagiários e membros da equipe fixa na reunião e nas atividades do HD (faltas, atrasos, férias); equipe fixa (EFx) - ausência temporária ou permanente de membros da equipe fixa (licenças, afastamentos, aposentadorias e demissões). Essas categorias foram utilizadas para os registros da coleta de dados das 21 REG.

No intuito de estabelecer relação entre o dia-a-dia do serviço e a REG, foi feito o registro, por dois integrantes da equipe, das situações que aconteciam durante o período compreendido entre uma reunião e a seguinte. O material assim registrado foi submetido à análise de conteúdo temático(6), com base nas categorias de avisos e assuntos previamente definidas.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde o HD está inserido. O consentimento foi solicitado junto à equipe no próprio espaço de uma reunião geral do serviço e registrado em ata.

Para a análise dos achados foram utilizados os referenciais do marco teórico de psicodinâmica de indivíduos, grupos e organizações(5,7-9).

RESULTADOS

Quanto a avisos e assuntos

No período estudado, foram comunicados 144 avisos, dos quais 10 (6,94%) foram transformados em assuntos. Os participantes da REG, conforme a Tabela 1, enunciaram com maior freqüência avisos das categorias freqüência e rotinas, os quais perfizeram 101 (70,1%) do total. Os estagiários emitiram 18 (12,5%) avisos e os integrantes da equipe fixa 126 (87,5%).

Na Tabela 2 são apresentados os assuntos que surgiram nas reuniões e sua distribuição segundo categorias e de sujeitos proponentes. Observa-se, nessa Tabela, que predominaram os assuntos referentes à administração e à conduta junto ao usuário, tendo as categorias rotinas,pacientes,atividades sociais e estrutura física totalizado 32 (69,5 %) dos 46 temas discutidos. Os assuntos relacionados aos profissionais, ensino e pesquisa, representados pelas categorias estagiários,atividades científicas e equipe fixa somaram 14 (30,5 %) do total. Os integrantes da equipe fixa propuseram 36 assuntos (78,3%) e os estagiários 10 (21,7%).

Comparação dos registros feitos nas reuniões com os registros do dia-a-dia do HD

Os registros feitos durante as semanas que antecederam cada uma das REG estão apresentados na Tabela 3 e foram comparados com os dados das Tabelas 1 e 2.

O registro das situações diárias do serviço para análise começou a partir da segunda REG. Observou-se que houve correspondência, total ou parcial, entre os assuntos discutidos e as situações diárias registradas no serviço, em 18 das 20 semanas estudadas. A categoria equipe fixa foi listada 17 vezes nos registros do cotidiano do serviço e apareceu como aviso uma vez e assunto duas vezes nas reuniões. O tema estagiários apareceu 14 vezes no dia-a-dia e 9 vezes nas REG. As visitas foram citadas 14 vezes nas anotações diárias e como aviso em três REG.

Quanto à participação

O tempo de duração de cada REG estudada variou de 49 a 67 minutos e 30 segundos, com tempo médio de 58 minutos. A média de silêncio por reunião foi de 42 segundos. Em apenas uma reunião o tempo de silêncio foi de 5 minutos.

Quanto à utilização do tempo, a participação verbal dos integrantes da equipe segue a distribuição apresentada na Figura 1.


A participação verbal dos componentes da equipe interdisciplinar do HD, no período do presente estudo, considerando o tempo ocupado na escolha e discussão dos temas, na Figura 1, mostra que os docentes foram aqueles que mais se pronunciaram. Ocuparam 48,5% do tempo total das 21 REG, ou seja, quase a metade do tempo dos encontros. Os demais participantes utilizaram o tempo de 50,5% distribuído da seguinte maneira: não docentes nível superior 28%; não docentes nível médio 3,5%; estagiários 15%; visitantes 4%. O tempo de silêncio correspondeu a 1%.

Os funcionários não docentes com funções de nível superior propuseram 20 (43,5%) dos assuntos discutidos nas reuniões do período observado, seguidos pelos docentes com 16 (34,8%) e estagiários com 10 (21,7%) assuntos. Os assuntos propostos pelos estagiários foram todos escolhidos pelos médicos residentes.

DISCUSSÃO

A importância das reuniões de equipe geral para o HD pode ser observada com dados apresentados em levantamento retrospectivo, no período de 10 anos, onde foi registrada a transcrição de atas de 437 REG, o que daria média aproximada de 43 REG por ano(10). Portanto, se considerados os feriados, o número é expressivo. Nos 6 meses da presente pesquisa foram observadas 21 reuniões, ou seja, houve quase uma reunião para cada semana estudada. Esses dados mostram que a equipe do HD valoriza tais reuniões, o que pode ser indicativo de que o espaço que elas oferecem é aproveitado.

A equivalência entre as categorias de avisos e assuntos e a possibilidade de utilizá-las para categorizar as situações diárias das semanas, que antecederam cada REG, permite concluir que há circulação constante de informações no serviço, de acordo, aparentemente, com os objetivos a que a reunião se propõe. A correspondência entre as situações do dia-a-dia com os assuntos discutidos em 18 das 20 reuniões avaliadas (Tabela 3) possibilita inferir que tais resultados são indicativos de que o contexto do serviço foi examinado nesses encontros.

As categorias de avisos e assuntos apareceram em maior freqüência nos registros feitos das situações do cotidiano do HD quando comparados às REG correspondentes (Tabela 3). Isso é compreensível, tendo em vista que nas reuniões o tempo e o número de assuntos é limitado. No entanto, não se pode deixar de considerar os achados referentes às categorias equipe fixa,estagiários e visitas. Para a pequena freqüência da categoria visitas nas reuniões (Tabelas 1 e 2), sugere-se que a equipe, habituada com tal rotina, não sinta a necessidade de discutir esse tema.

Como possível justificativa para as baixas freqüências em que assuntos referentes aos estagiários e à equipe fixa foram trabalhados nas REG (Tabelas 1 e 2), pode-se levantar a hipótese de que a existência das reuniões de equipe fixa (REF), com freqüência semanal, facilita aos profissionais fixos deixarem alguns temas especificamente direcionados para discussão nessa reunião. A REF parece facilitar a não exposição de todas as vicissitudes inerentes ao trabalho interdisciplinar, como o da equipe em questão, frente aos estagiários. Assim, o objetivo geral da REG de facilitar a articulação dos estagiários com a equipe fixa, tratando de assuntos referentes ao relacionamento interpessoal de seus componentes, não seria contemplado em sua totalidade.

Ao se considerar as vicissitudes do trabalho em equipe interdisciplinar encontra-se na literatura(11) outros fatores que podem, também, ter relação com os resultados da presente pesquisa: 1. a necessidade de maior clarificação de papéis e distribuição de funções entre os integrantes da equipe; 2. a comunicação interpessoal com problemas; 3. as diferenças hierárquicas marcando as relações; 4. o fato de haver treinamento em serviço e 5. o tempo de permanência de cada integrante na instituição.

Os estagiários participaram verbalmente, ocupando 15% do tempo dos encontros (Figura 1). Essa tímida participação nas REG estudadas pode refletir sua inexperiência, levando-os a assumir papel secundário tanto na escolha de temas quanto na discussão dos mesmos. Como ainda estão com suas identidades profissionais em construção podem ser favorecidas suas expressões de insegurança e persecutoriedade.

No ambiente da comunidade terapêutica é favorecida maior exposição dos aprendizes, de modo que suas fragilidades ficam mais evidentes. Os jovens esforçam-se na busca pelo saber e identificação com os supervisores, procurando nesses um modelo de profissional que almejam ser no futuro. Acabam, por vezes, se comportando como filhos que esperam pelas orientações dos pais, o que leva o grupo a funcionar no nível do suposto básico de dependência(12). Diante disso, é esperado que os profissionais mais experientes assumam o papel de facilitadores do desenvolvimento dos estagiários, tanto lhes servindo como modelo, como tendo sobre eles um olhar mais cuidadoso e maior continência no intuito de propiciar-lhes a integração e o aprendizado. Caso contrário, a frustração, a persecutoriedade, a inveja e o sentimento de inadequação podem facilitar para que os jovens assumam postura onde se alheiem silenciosamente na instituição, ou até sejam levados a implementar ações que venham sabotar as tarefas do serviço.

Não se pode, portanto, subestimar o fato de que os estagiários do HD vivem um momento muito especial de sua formação profissional. Seu aprendizado anterior, nas instituições universitárias, foi centrado na relação bi-pessoal. O trabalho em equipe interdisciplinar no modelo da comunidade terapêutica pressupõe dimensão plural na relação terapêutica. A clientela deixa de ser "minha" e passa a ser "nossa". De forma paralela, as novas Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação têm buscado privilegiar a formação mais humanista do profissional, estimulando-o a assumir uma postura mais crítica e reflexiva e capacitando-o para atender às demandas locais e regionais, com compromisso social de mudanças(13).

A busca de coesão do grupo de profissionais de qualquer equipe interdisciplinar e a necessidade de um espaço para a reflexão acerca da prática direta junto ao usuário tem sido consenso na literatura especializada. Para tanto, as reuniões sistemáticas dos profissionais que compõem uma equipe surgem como recurso para facilitar a integração das diferentes formas de pensar e agir. As discussões são implementadas no sentido de rever conceitos, posturas, atitudes, condutas, prover inovações na prática, trabalhar conflitos emergentes e facilitar os relacionamentos interpessoais entre os membros da equipe e desses com os usuários. As reuniões de equipe, em qualquer instituição, por contrastarem com as decisões hierárquicas verticalizadas, facilitam a distribuição democrática da autoridade para a realização das tarefas(5,7).

As instituições ou organizações podem funcionar segundo o modelo de requisito ou de paranogênese(7). As de requisito possuem estrutura administrativa funcional, ou seja, existe um casamento entre autoridade e responsabilidade. As paranogênicas acabam moldando comportamentos que levam à desconfiança, inveja, rivalidade, ansiedade e hostilidades, dificultando os relacionamentos interpessoais, mesmo quando há boa vontade individual.

As características do HD e o funcionamento das REG parecem favorecer a paranogênese. Parece haver tentativa de controlar a paranogênese, através da instauração da democracia nas REG. A democracia, contudo, como sistema político, funciona melhor na regulamentação social de sociedades abertas. A REG como organização social limitada, ou seja, com número restrito de delimitações e tarefas primárias específicas, requer liderança funcional. A decisão funcional envolve a possibilidade de discussões e tomadas de decisão em grupo entre líderes de um determinado nível hierárquico, podendo a autoridade ser delegada a cada um dos grupos envolvidos, mas a responsabilidade continua sendo dos líderes que detêm o poder legítimo (autoridades). Isso pode fazer com que a organização funcional pareça democrática quando, de fato, corresponde aos princípios funcionais da organização social(5,7).

Considerando a categoria profissional dos componentes dos dois grupos que integram a equipe do HD, o fixo e o flutuante, foi possível observar que os médicos prevaleceram na ocupação do tempo e escolha dos temas que seriam discutidos nas REG. Entre os estagiários, os médicos residentes propuseram 10 (21,7% - Tabela 2) do total de 46 assuntos. Os docentes médicos foram os que mais se pronunciaram, chegando a ocupar quase a metade do tempo dos encontros (Figura 1) e sugerindo 16 (34,8% - Tabela 2) dos temas discutidos. A responsabilidade desses com o ensino e pesquisa, as incumbências administrativas estruturais da instituição onde o serviço está inserido (universidade) e a necessária preocupação com a população atendida podem favorecer a hierarquização e fixação da função de liderança e conseqüente poder legítimo. Assim, prestar assistência, ensinar, servir de modelo, administrar e ainda desenvolver pesquisas, constituem funções que vêm facilitando ou pressionando os integrantes desse grupo a participarem mais na REG. O que possibilita inferir, portanto, que, na equipe estudada, existam diferenças de saber e de poder. No que se relaciona ao poder, parece que, como na maioria dos serviços hospitalares universitários, há a hegemonia do modelo médico(14-15). Os médicos do HD aparecem, assim, como o grupo de autoridade do serviço, ou seja, o que assume a responsabilidade e a liderança funcional(5,7).

O contato diário com os problemas gerados pelo adoecer e conseqüentes perdas tende a gerar comportamentos defensivos na equipe de assistência. A postura, muitas vezes, onipotente do profissional médico pode aparecer como deslocamento de tensões sobre o pessoal auxiliar ou clientes. Nesses acaba sendo fomentada a dependência, facilitada pela regressão que a própria doença conduz. Contudo, a partir da dependência, podem ser incrementadas as exigências, frustrações e ingratidões ou situações persecutórias tanto entre as pessoas em atendimento quanto entre os técnicos auxiliares. Outra atitude possível é a da identificação com o problema que a instituição se propõe a resolver, que pode levá-la a adquirir a mesma estrutura e o mesmo sentido. No caso de um serviço de saúde mental, esse pode atuar segregando e alienando seus usuários, quando sua proposta é a de reintegrar(9).

Um hospital, como instituição a qual o cliente pode recorrer frente a uma situação de doença ou intercorrência que afete sua integridade, tem como objetivo precípuo proporcionar-lhe condições favoráveis para a reabilitação. No entanto, acaba, por vezes, estruturando-se segundo as conveniências dos profissionais de saúde e administrativos que, não raro, estão em oposição às necessidades dos usuários. As instituições repetem a vida, ou seja, sua natureza dinâmica e a presença do conflito lhes são imanentes. O caráter universal da tendência à institucionalização dos grupos humanos, o progressivo afastamento dos objetivos originais do grupo na medida em que ocorre seu processo institucionalizante e a conquista ou manutenção de "estados de poder", aparecem como características próprias a qualquer agrupamento humano, ou seja, os grupos são sempre instrumentos de busca de poder, inerente à condição humana(7-8).

Outra justificativa para as diferenças observadas na participação verbal dos integrantes da equipe (Tabelas 1 e 2, Figura 1) poderia ser o fato dessa ser composta por profissionais de diversas formações, qualificações e vinculações com a instituição, interagindo em um serviço universitário. Entre os integrantes da equipe fixa há níveis de formação diferentes, já entre os estagiários a diferença está nos modelos aprendidos. A composição heterogênea da equipe pode facilitar a discordância e o choque de saberes. Essas diferenças e seus desmembramentos, por sua vez, são conseqüência da divisão das ciências humanas que tendem a se refugiar em seus pequenos feudos intelectuais(14,16).

As especialidades que compõem uma equipe, além de apresentarem diferenças técnicas quanto aos saberes e atribuições, podem receber tratamento desigual dentro do próprio grupo. Isso acaba possibilitando o surgimento de um clima de tensão entre os integrantes da equipe (cada um com seus saberes e autonomia), caracterizando a equipe como de "agrupamento" (ações justapostas e agrupamento dos profissionais) ou de "integração" (ações articuladas e interação dos profissionais). Dessa forma, fica evidente que a reciprocidade entre trabalho e interação é essencial ao trabalho em equipe, sendo, portanto, a comunicação entre os profissionais sua base de sustentação(14,16).

Nas reuniões observadas no HD, as diferenças de participação dos integrantes da equipe podem ser reflexo desses e de outros mecanismos defensivos, suscitados pelas relações de saber e poder. Esses aspectos mereceriam ser avaliados mediante a inclusão de uma supervisão institucional na rotina de um serviço como o estudado. A psicologia institucional pode ser uma terapêutica eficaz quando aplicada nas instituições de saúde(8-9,14).

Durante o período observado, a equipe do HD não discutiu diretamente temas relacionados com sentimentos de frustração ou desamparo frente à prática com pessoas em sofrimento psíquico, por vezes geradora de angústias, nem tampouco houve menção de buscar supervisão externa para os profissionais. Isso não difere dos achados de um estudo sobre a prática de enfermeiros em hospitais-dia psiquiátricos no Estado de São Paulo, onde-se observou a ocorrência de supervisão em apenas três (20%) dos 15 serviços pesquisados(17).

Para o funcionamento efetivo de uma equipe de saúde, os objetivos de seus componentes devem ser comuns, claros, compreendidos, aceitos de preferência por todos e se houver propósitos individuais devem ser compatíveis com aqueles do grupo(5,11,15). A motivação para a realização da tarefa precisa ser alimentada de forma constante, o que é encontrado no próprio intercâmbio com os usuários e com os outros componentes da equipe, onde cada integrante pode sentir que a satisfação com a realização de sua tarefa está na participação e em poder extrair de experiências terapêuticas compartilhadas o enriquecimento da aprendizagem. Os objetivos comuns da equipe pareceram estar em conformidade nas reuniões de equipe geral desse HD, já os individuais e a motivação dos componentes do grupo não foram avaliados.

As reuniões em questão, pelas características do serviço e pelos diversos grupos de profissionais que compõem as equipes (fixa e flutuante), propiciam espaço de ensino-aprendizado constante. Pelo que foi possível observar no presente trabalho, as reuniões parecem estruturar-se como espaço de encontro e possível integração dos profissionais. A dinâmica de seu funcionamento faz com que a REG seja inserida no serviço como parte de sua estrutura, de sua base de sustentação, necessária à própria existência e permanência do HD em atividade.

Sabe-se que assistir pessoas em sofrimento emocional é tarefa árdua, dolorosa e mobilizadora dos mais diversos sentimentos nos profissionais. Portanto, o clima de confiabilidade que pode ser gerado a partir das reuniões de equipe, que não está imune a conflitos, é facilitado pelo incremento da criatividade e do prazer dos profissionais e estagiários na execução das tarefas. Se isso ocorre, os usuários, por sua vez, detectam a espontaneidade assim emanada e podem introjetar o modelo vivenciado e buscar formas menos rígidas de se relacionar. Sendo assim, propicia-se a construção de espaço para contínuo aprimoramento na prática de saúde mental.

O HD, como qualquer serviço de saúde, encontra-se inserido em uma sociedade e, portanto, sujeito a suas expectativas e exigências (contexto macrosocial). Essas podem interferir nos relacionamentos ou comportamentos dos integrantes da equipe. O funcionamento das REG, por sua vez, acaba sendo reflexo dessas situações. Será que os assuntos discutidos nas reuniões independem de variáveis externas e se repetiriam ao longo do tempo? Seriam eles diferentes em um outro momento? Ficam aqui esses questionamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o estudo realizado sobre as reuniões de equipe geral desse HD, foi possível identificá-las como parte integrante do serviço e entendê-las melhor ao examinar seu funcionamento. Partindo dos resultados apresentados, sugere-se sua utilização na prática em equipe interdisciplinar de saúde mental em "comunidades terapêuticas", sejam elas voltadas para o ensino, pesquisa ou assistência.

Os questionamentos suscitados com este trabalho em conjunto com os resultados apresentados, servem como base de estímulo para pesquisas futuras que tenham reuniões de equipes interdisciplinares como objeto de estudo, sejam elas conduzidas nesse HD ou em qualquer outra instituição de saúde.

AGRADECIMENTOS

À psicóloga Marta Maria Daud, à enfermeira Maria Aparecida Vilas Boas e à auxiliar administrativa Ângela Lúcia Zanini Rodrigues, pelo auxílio na coleta de dados.

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Recebido em: 23.5.2006

Aprovado em: 21.11.2007

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Recebido
      23 Maio 2006
    • Aceito
      21 Nov 2006
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