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Administração de medicamentos, em vias diferentes das prescritas, relacionada à prescrição médica

Resumos

O objetivo foi analisar a influência da redação da prescrição médica nos erros de via de administração, ocorridos em enfermaria de clínica médica de cinco hospitais brasileiros. Estudo descritivo que utilizou dados de pesquisa multicêntrica, realizada em 2005. A população foi composta por 1.425 erros de medicação e a amostra por 92 erros de via. As classes farmacológicas mais envolvidas no erro foram as cardiovasculares (31,5%), drogas que atuam no sistema nervoso (23,9%) e no sistema digestório e metabolismo (13,0%). No que diz respeito aos itens da prescrição médica, que poderiam ter contribuído com os erros de via, verificou-se que 91,3% das prescrições continham siglas/abreviaturas, 22,8% não continham dados do paciente e 4,3% não apresentavam data e continham rasuras. Erros de via são frequentes nos hospitais brasileiros e ao redor do mundo, e se sabe que essas situações podem resultar em eventos adversos severos aos pacientes, incluindo morte.

Erros de Medicação; Prescrições de Medicamentos; Gerenciamento de Segurança; Vias de Administração de Medicamentos


This study analyzes the influence of medical prescriptions' writing on the occurrence of medication errors in the medical wards of five Brazilian hospitals. This descriptive study used data obtained from a multicenter study conducted in 2005. The population was composed of 1,425 medication errors and the sample included 92 routes through which medication was wrongly administered. The pharmacological classes most frequently involved in errors were cardiovascular agents (31.5%), medication that acts on the nervous system (23.9%), and on the digestive system and metabolism (13.0%). In relation to the prescription items that may have contributed to such errors, we verified that 91.3% of prescriptions contained acronyms and abbreviations; patient information was missing in 22.8%, and 4.3% did not include the date and were effaced. Medication wrong-route administrations are common in Brazilian hospitals and around the world. It is well established that these situations may result in severe adverse events for patients, including death.

Medication Errors; Drug Prescriptions; Safety Management; Drug Administration Routes


El objetivo fue analizar la influencia de la redacción de la prescripción médica en los errores de vía de administración ocurridos en la enfermería de clínica médica de cinco hospitales brasileños. Se trata de un estudio descriptivo que utilizó datos de investigación multicéntrica realizada en 2005. La población fue compuesta por 1.425 errores de medicación y la muestra por 92 errores de vía. Las clases farmacológicas más envueltas en el error fueron: 1) las cardiovasculares (31,5%), 2) las drogas que actúan en el sistema nervioso (23,9%), y 3) las que actúan en el sistema digestivo y metabolismo (13,0%). En lo que se refiere a los ítems de la prescripción médica que podrían haber contribuido con los errores de vía, se verificó que 91,3% de las prescripciones contenían siglas/abreviaturas; 22,8% no contenían datos del paciente, y 4,3% no presentaban fecha y contenían raspados. Errores de vía son frecuentes en los hospitales brasileños y alrededor del mundo y se sabe que estas situaciones pueden resultar en eventos adversos severos en los pacientes, incluyendo la muerte.

Errores de Medicación; Prescripciones de Medicamentos; Administración de La Seguridad; Vías de Administración de Medicamentos


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. Professor, Universidade Camilo Castelo Branco, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: fer_gimenes@yahoo.com.br

IIFarmacêutica-Bioquímica, Mestre em Enfermagem, Hospital São Lucas, Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: tatianecm@hotmail.com

IIIEnfermeira, Hospital Vera Cruz, Campinas, SP, Brasil. Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mal: thalytacat@yahoo.com.br

IVEnfermeira, Doutor em Farmacologia, Professor Assitente, Universidade de Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: mila269@terra.com.br

VEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Universidade Federal de Goiás, Brasil. E-mail: anaelisa@terra.com.br

VIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: shbcassi@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo foi analisar a influência da redação da prescrição médica nos erros de via de administração, ocorridos em enfermaria de clínica médica de cinco hospitais brasileiros. Estudo descritivo que utilizou dados de pesquisa multicêntrica, realizada em 2005. A população foi composta por 1.425 erros de medicação e a amostra por 92 erros de via. As classes farmacológicas mais envolvidas no erro foram as cardiovasculares (31,5%), drogas que atuam no sistema nervoso (23,9%) e no sistema digestório e metabolismo (13,0%). No que diz respeito aos itens da prescrição médica, que poderiam ter contribuído com os erros de via, verificou-se que 91,3% das prescrições continham siglas/abreviaturas, 22,8% não continham dados do paciente e 4,3% não apresentavam data e continham rasuras. Erros de via são frequentes nos hospitais brasileiros e ao redor do mundo, e se sabe que essas situações podem resultar em eventos adversos severos aos pacientes, incluindo morte.

Descritores: Erros de Medicação; Prescrições de Medicamentos; Gerenciamento de Segurança; Vias de Administração de Medicamentos.

Introdução

O erro no cuidado em saúde resulta de ação não intencional, causada por algum problema ou falha durante a realização da assistência ao paciente(1); podendo ser cometido por qualquer membro da equipe e ocorrendo em qualquer momento do processo do cuidado, como, por exemplo, na medicação do paciente.

Os erros de medicação podem ocorrer em qualquer etapa da terapia medicamentosa que vai desde a prescrição até a administração do medicamento ao paciente, representando cerca de 65 a 87% de todos os eventos adversos(2).

Os médicos decidem, tradicionalmente, a terapia medicamentosa a ser utilizada e, então, fazem a prescrição para que farmacêuticos e a equipe de enfermagem implementem suas decisões. Dessa forma, no processo de medicação, a prescrição médica é o documento de referência que norteia e influencia as outras etapas do processo.

As prescrições médicas têm importante papel na prevenção e também na ocorrência de erros. Atualmente, sabe-se que prescrições ambíguas, ilegíveis ou incompletas, o uso de abreviaturas, a presença de rasuras e a falta de padronização da nomenclatura de medicamentos prescritos (nome comercial ou genérico) são fatores que podem contribuir para erros de medicação(3).

No que diz respeito aos erros de medicação que podem ocorrer na etapa da administração, pode-se destacar os erros de dose (sobredoses ou subdoses, incluindo as omissões), apresentação e via, além da administração do medicamento errado, ao paciente errado, na frequência e/ou no horário de administração errados.

Um relatório de notificação da United States Pharmacopeia (USP) afirmou que um dos mais frequentes erros que causaram danos ou prejuízos aos pacientes foi o de via(4). Estudos apresentaram frequências de 19(5) e 18%(6) de erros de via, dentre todos os erros de medicação.

Visto que erros de via são comuns na prática assistencial, este estudo teve por objetivo analisar a influência da redação da prescrição médica na administração de medicamentos, em vias diferentes das prescritas, ocorrida em unidades de clínica médica, de cinco hospitais brasileiros.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo que utilizou dados secundários, obtidos de pesquisa multicêntrica, realizada em 2005, em cinco hospitais universitários brasileiros(7); nomeados como A, B, C, D e E, todos pertencentes à Rede de Hospitais Sentinela da ANVISA. O estudo foi autorizado pelos hospitais investigados e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

A população foi composta por 1.425 situações, onde o medicamento administrado estava em discordância com a prescrição médica, e a amostra, por 92 situações, onde a via administrada encontrava-se diferente daquela especificada na prescrição médica.

Para tanto, foram utilizadas as informações contidas em bancos de dados do EPIDATA, versão 3.1, dos cinco hospitais investigados, obtidas do instrumento de coleta de dados do estudo multicêntrico e que abordava a prescrição das doses de medicamentos.

As variáveis estudadas foram determinadas a partir de itens contidos nas prescrições médicas sobre o medicamento, quais sejam: ausência de dados do paciente (nome, número do leito e número de registro); ausência de data; ausência de dados do medicamento (via de administração); presença de siglas e/ou abreviaturas; presença de alterações e/ou suspensão do medicamento e presença de rasuras.

Essas informações, posteriormente, foram cruzadas por meio do programa SPSS versão 11.5 (SPSS Inc., Chicago, II, USA). Os resultados obtidos dessa análise foram distribuídos em tabelas e expressos por distribuição de frequências absolutas e percentuais.

A classificação farmacológica dos medicamentos envolvidos nos erros foi realizada segundo o sistema anatômico terapêutico químico (ATC) do WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology.

Resultados

Com relação à administração de medicamentos, em vias diferentes das prescritas, foram verificadas discrepâncias em 92 (6,5%) do total de 1.425 erros de medicação, sendo o hospital A o maior responsável por tais eventos, apresentando frequência de 34 (37,0%). O hospital B foi responsável por 22 (23,9%); C, por cinco (5,4%); D, por 26 (28,3%) e, no hospital E, também foram administrados cinco (5,4%) medicamentos em vias diferentes das prescritas.

Abaixo, seguem alguns exemplos de casos em que a via de administração estava diferente da prescrita (Tabela 1).

No que diz respeito às classes farmacológicas envolvidas nos erros de via, segundo o sistema ATC, 31,5% dos medicamentos pertenciam ao grupo C (sistema cardiovascular), sendo que o captopril foi o mais frequente, representando 16,3% do total de casos. Em seguida aparece o grupo N (sistema nervoso) com 23,9% do total de medicamentos administrados em via diferente da prescrita. Desses, a dipirona sódica e o cloridrato de tramadol foram os mais frequentes, representando 3,3% do total de eventos cada (Tabela 2).

Na sequência, os medicamentos do grupo A (sistema digestório e metabolismo) estiveram presentes em 13,0% dos erros de via, sendo a ranitidina o mais comum (6,5%) desse grupo. O grupo H (hormônios de uso sistêmico, exceto hormônios sexuais) também foi administrado em via deferente da prescrita, representando 9,8% do total de casos (Tabela 2).

Analisando os itens da prescrição médica que poderiam estar relacionados às discrepâncias nas vias de administração, observou-se que 84 (91,3%) prescrições apresentavam siglas e/ou abreviaturas (exemplo: clindamicina 600mg GTT; dipirona 1amp EV S/N; Predfort 1 gota OE); em 21 (22,8%) não constava o número de registro do paciente; duas (2,2%) prescrições omitiram a data de elaboração e continham rasuras. Em uma prescrição (1,1%) não havia a especificação da via de administração do medicamento (Tabela 3). Todavia, em todas as situações em que a via administrada estava diferente da prescrita, havia especificado o nome e o leito do paciente.

A Tabela 3 apresenta a análise dos itens da prescrição que poderiam ter relação com a administração de medicamentos, em vias diferentes das prescritas, segundo o hospital investigado.

De acordo com a Tabela 3, dos 34 medicamentos administrados em vias diferentes das prescritas no hospital A, 26 (76,5%) continham siglas e/ou abreviaturas na redação das doses, mesmo sendo a prescrição do tipo eletrônica.

As siglas e abreviaturas verificadas foram: CP para comprimido (exemplo: complexo B comprimido 1 CP); a utilização da letra D para indicar o número de dias em que o antibiótico deveria ser administrado (exemplo: metronidazol comprimido 100mg via oral início em 22/06/2005 D1/3); UI em detrimento de Unidades Internacionais (exemplo: heparina sódica 5.000 UI subcutânea); GTS para descrever gotas (exemplo: clonazepam 10 GTS via oral), dentre outras. Nos hospitais B, C, D e E, 100% das prescrições continham siglas e/ou abreviaturas.

Ainda, segundo a Tabela 3, faltou o número de registro do paciente em 100% dos medicamentos administrados em vias diferentes daquelas especificadas na prescrição do hospital E, e em 15 (57,7%) do D. Foram omitidas, também, a data e a via de administração em uma (20,0%) prescrição no hospital C.

Discussão

Em estudo conduzido nos Estados Unidos da América, foram identificados 1,8% de medicamentos administrados em vias diferentes das prescritas, em um total de 146.974 eventos notificados no sistema da United States Pharmacopeia (USP)(4). Nesse mesmo país, em um hospital universitário de grande porte, foi detectado apenas um erro de via (0,4%) do total de 240 eventos(8).

Na Europa, em investigação realizada em seis hospitais, dentre 798 doses administradas, 1% ocorreu em via diferente da prescrita(9). Entretanto, em outro estudo realizado em hospital francês, foram identificados 102 (19,0%) casos de medicamentos administrados em vias diferentes das prescritas, do total de 538 eventos adversos, relacionados à medicação. A maioria desses eventos estavam relacionados à administração de doses através de sondas nasogástricas (SNG) em substituição à via oral, de forma semelhante aos dados encontrados na presente investigação e que corroboram também outros estudos(5,10-11).

A frequência de situações encontradas neste estudo, em que a via de administração estava diferente da prescrita, difere de alguns demais provavelmente pelas diferenças metodológicas adotadas, visto que nem todos consideram erro quando o medicamento é administrado por meio de sondas gástricas ou entéricas, em detrimento da via oral, ou vice-versa(9). Na prática, o que ocorre normalmente é que a equipe de enfermagem tritura comprimidos e drágeas ou abre cápsulas e solubiliza o pó em algum líquido para viabilizar a administração de medicamentos prescritos, por via oral, a pacientes com sonda gástrica ou entérica(12).

Precisa ser notado, todavia, que, na administração de medicamentos, é fundamental que seja considerada a forma farmacêutica e as características químicas e físicas de cada fármaco. Entre essas características estão solubilidade, coeficiente de partição, velocidade de dissolução, forma física e estabilidade. A variação de pH do trato gastrintestinal, por exemplo, afeta o grau de ionização das moléculas do fármaco, que, por sua vez, influencia a sua solubilidade e capacidade de absorção(12-13). Desse modo, a administração de medicamentos em vias diferentes da indicada pelo fabricante pode representar variação na biodisponibilidade do fármaco e, portanto, modificar a resposta terapêutica.

Além disso, o processo de trituração e solubilização de formas farmacêuticas sólidas orais pode gerar outros problemas como a destruição do revestimento de proteção dos medicamentos de liberação entérica ou controlada ou, até mesmo, o entupimento da sonda, gerando, assim, aumento no risco de morbimortalidade e, também, nos custos referentes ao tratamento medicamentoso(14).

Considerando esses aspectos, a literatura tem apresentado estudos demonstrando que, entre os erros de via, a situação mais frequentemente identificada foi aquela em que medicamentos prescritos para uso oral foram administrados por meio de sondas(5,10-11). Diversos fatores contribuem para que essas falhas aconteçam, como, por exemplo, a falta de conhecimento ou informação sobre a terapêutica e formas farmacêuticas alternativas, inadequada avaliação e uso das informações sobre os pacientes, prescrição e nomenclaturas confusas da droga, cálculos de dosagens inadequadas e inapropriadas formulações das drogas, fatores esses que, também, contribuem para que os erros de prescrição aconteçam(6,15).

Dessa maneira, administrar medicamentos corretamente aos pacientes é tarefa que compete à equipe de enfermagem que representa importante barreira para interceptação de erros(15). Entretanto, é preciso que os profissionais estejam respaldados técnica e cientificamente para realização de prática segura e eficaz de administração da farmacoterapia. Estudo realizado na Europa comprovou que ações muldisciplinares integradas, envolvendo enfermeiros, farmacêuticos, médicos e nutricionistas, promoveram a correta aplicação da terapia medicamentosa, principalmente em pacientes com utilização de sondas gástricas e enterais(14).

No que diz respeito aos grupos farmacológicos, a administração de medicamentos em vias diferentes das prescritas foi mais frequente neste estudo nos grupos C, N e A, ou seja, medicamentos para os sistemas cardiovascular, nervoso e digestivo. Outros levantamentos apontam também os medicamentos cardiovasculares e digestivos como as principais classes envolvidas na ocorrência de discrepâncias, entre a via prescrita e administrada(10,11). Esse achado pode ser explicado pela vasta utilização dessas classes de medicamentos, especialmente captopril e ranitidina, em unidades de clínica médica.

O hospital A, em que a prescrição era eletrônica, foi responsável pela maior frequência de erros de via na administração dos medicamentos. A prescrição eletrônica é tecnologia que deve ser utilizada para facilitar e garantir o uso dos medicamentos de forma mais segura(16); mas, se não for adequadamente utilizada, poderá não atingir tais objetivos. Dessa forma, mostra-se que apenas a prescrição eletrônica não erradica a possibilidade de erros de medicação, uma vez que a administração de medicamentos em vias diferentes das prescritas ainda ocorre com frequência em hospitais brasileiros e ao redor do mundo. Tais achados são preocupantes, pois se sabe que, dependendo do medicamento e da sua classe farmacológica, essas situações podem resultar em eventos adversos severos nos clientes, incluindo a morte.

Em relação à redação da prescrição médica e que poderia ter contribuído com esse tipo de erro, o uso de siglas e abreviaturas foi a mais comum. Parece que a utilização desses itens é tida como forma de economizar tempo durante a redação da prescrição, visto que um único médico é responsável por prescrever diversos pacientes ao dia. Todavia, essa prática precisa ser revista pelo prescritor, uma vez que muitas dessas siglas e abreviaturas não são compreendidas por todos os profissionais que manuseiam as prescrições, especialmente quando não há, nas instituições, a sua padronização formal.

Ainda que houvesse a padronização dessas siglas e abreviaturas, a equipe de saúde deve evitá-las, principalmente quando o sistema de prescrições for do tipo manual, uma vez que a caligrafia ilegível pode causar confusão na leitura, levando à utilização inadequada dos medicamentos, considerando que a sigla SC pode ser facilmente compreendida como SL, assim como IV pode ser lida como IM.

Além disso, a omissão de informações na prescrição pode contribuir grandemente para ocorrência de erros. Em situação ocorrida no hospital C, a ausência da via na prescrição pode ter sido a maior causa para que o medicamento fosse administrado em via diferente da prescrita. Isso demonstra que prescrição corretamente elaborada, contendo as informações completas e necessárias para a administração segura de medicamentos, pode representar barreira para os erros de medicação(16).

Outro fator importante para falhas no sistema de medicação é a presença de rasuras nas prescrições que podem confundir a equipe de enfermagem. A situação de erro, apresentada na Tabela 1, envolvendo a dipirona, evidencia que houve também troca na apresentação do medicamento (gotas e ampola) que pode ter sido induzida por rasura na prescrição, que levou à administração da forma injetável em detrimento da solução oral. É recomendado também que os profissionais leiam atentamente a prescrição médica, identificando os "cinco certos" que incluem a via de administração, a fim de garantir a administração correta do medicamento(17).

Sabe-se, ainda, que a análise das origens desses eventos revelam relação com déficits de conhecimento da equipe de saúde e, também, de desempenho(18); fazendo-se necessária a revisão da qualidade do ensino em farmacologia, nos cursos de graduação e pós-graduação em enfermagem, bem como a introdução e manutenção da educação permanente nas unidades de saúde pelos enfermeiros aos demais membros de sua equipe.

Tem crescido, ultimamente, o interesse nas investigações sobre erros de medicação na perspectiva de que o conhecimento aprofundado dessa problemática possa representar incremento na segurança do paciente e, consequentemente, na qualidade da assistência dos serviços de saúde. Dessa forma, estudos foram publicados abordando a ocorrência de erros na prescrição, dispensação e administração de medicamentos que precisam ser analisados mais profundamente, buscando conhecer as suas causas e fatores intervenientes(16-22). Assim, o presente estudo contribui para a análise sobre a importância da prescrição médica na prevenção de erros de administração, especialmente quando a falha ocorre na via de administração dos medicamentos.

Conclusão

Os dados deste estudo revelaram que, dos 92 medicamentos administrados em vias diferentes das prescritas, a maioria ocorreu no hospital A, cuja prescrição é eletrônica.

Com relação às classes farmacológicas mais envolvidas nesse tipo de erro, 25,0% eram anti-hipertensivos, seguidos pelos analgésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios. Ainda, estiveram presentes os corticoesteroides e os glicocorticoides, com frequência de 9,8%, e os antiulcerosos, representando 8,7% do total de casos.

No que diz respeito aos itens da prescrição médica que poderiam ter contribuído para a administração de medicamentos em vias diferentes das prescritas, 91,3% das prescrições dos cinco hospitais investigados continham siglas e/ou abreviaturas tais como SC (subcutânea) e GTT (gastrostomia), sendo que, em 100% das prescrições dos hospitais B, C, D e E, houve presença de siglas e/ou abreviaturas nas prescrições envolvidas nesse tipo de erro.

Apesar do uso da prescrição eletrônica ser adotado em um dos hospitais investigados, ela não erradica a possibilidade de erros de medicação, uma vez que permite o uso de siglas e de abreviaturas, fator que pode levar à confusão na leitura das informações nelas contidas. Sendo assim, faz-se necessário que os profissionais de saúde sejam treinados continuamente no sentido de evitarem a utilização de siglas e abreviaturas nas prescrições, ainda que padronizadas pela instituição, bem como as rasuras, as quais dificultam o seu entendimento.

A partir da prática da educação permanente dos profissionais, envolvidos no sistema de medicação será possível, portanto, minimizar os danos causados aos pacientes hospitalizados decorrentes da administração de medicamentos em vias diferentes das prescritas e, consequentemente, melhorar a qualidade do cuidado prestado.

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  • Administração de medicamentos, em vias diferentes das prescritas, relacionada à prescrição médica

    Fernanda Raphael Escobar GimenesI; Tatiane Cristina MarquesII; Thalyta Cardoso Alux TeixeiraIII; Maria Lurdemiler Sabóia MotaIV; Ana Elisa Bauer de Camargo SilvaV; Silvia Helena de Bortoli CassianiVI
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      08 Out 2009
    • Aceito
      04 Ago 2010
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