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Ocorrência de violência contra a mulher nos diferentes ciclos de vida

Resumos

OBJETIVO:

analisar as ocorrências e fatores associados à violência contra a mulher.

MÉTODO:

trata-se de estudo transversal, exploratório e analítico com informações dos casos registrados de violência, extraídos dos Boletins de Ocorrências da Polícia Civil, em uma cidade de médio porte de Minas Gerais, Brasil.

RESULTADOS:

das 7.487 ocorrências de violência contra a mulher, identificou-se que 44,6% dos casos foram de ameaça, 28,5% de agressão, 25,1% de lesão corporal, 1,1% de estupro e 0,7% de algum tipo de injúria. Na análise bivariada, observou-se maior número de casos (p=0,000) cometidos pelo companheiro para todos os tipos de violência, com exceção de estupro. As crianças, adolescentes e adultas foram violentadas por companheiro, seguido de familiar. Com as mulheres idosas, os casos de violência foram cometidos por familiares.

CONCLUSÃO:

há necessidade de que programas de prevenção da violência contra a mulher sejam instituídos nos diversos setores da sociedade, permeando o ciclo de vida.

Saúde da Mulher; Violência contra a Mulher; Epidemiologia; Saúde Pública


OBJECTIVE:

to analyze the reports and factors associated with violence against women.

METHOD:

this was a cross-sectional, exploratory and analytical study with information about the cases of reported violence, extracted from the Civil Police Report Bulletin, in a mid-sized city in Minas Gerais, Brazil.

RESULTS:

out of the 7,487 reports of violence against women, it was found that 44.6% of the cases were threats, 28.5% aggression, 25.1% bodily injury, 1.1% rape, and 0.7% some other type of injury. In the bivariate analysis, a higher number of cases (p=0.000) committed by partners was evidenced, for all kinds of violence except for rape. Children, adolescents and adults experienced violence by partners, followed by family members. Regarding older women, violence was committed by family members.

CONCLUSION:

there is the need for programs to be established to prevent violence against women in various sectors of society, permeating the life cycle.

Women's Health; Violence Against Women; Epidemiology; Public Health


OBJETIVO:

analizar las ocurrencias y factores asociados a la violencia contra la mujer.

MÉTODO:

se trata de estudio transversal, exploratorio y analítico con informaciones de los casos registrados de violencia, extraídos de los Boletines de Ocurrencias de la Policía Civil, en una ciudad de porte medio de Minas Gerais, Brasil.

RESULTADOS:

de las 7.487 ocurrencias de violencia contra la mujer, se identificó que 44,6% de los casos fueron de amenaza, 28,5% de agresión, 25,1% de lesión corporal, 1,1% de estupro y 0,7% de algún tipo de injuria. En el análisis bivariado, se observó un mayor número de casos (p=0.000) cometidos por el compañero, para todos los tipos de violencia, con excepción del estupro. Las niñas, adolescentes y adultas fueron violentadas por el compañero, seguido de familiar. En las mujeres ancianas, los casos de violencia fueron cometidos por familiares.

CONCLUSIÓN:

existe necesidad de que sean instituidos programas de prevención de la violencia contra la mujer, en todo su ciclo de vida, en los diversos sectores de la sociedad.


Introdução

A violência representa um problema histórico, social e de saúde, de grande magnitude e transcendência mundial, com raízes macroestruturais. Encontra-se diluída na sociedade, é polimorfa, multifacetada e apresenta diversas manifestações que se interligam, interagem, realimentam-se e se fortalecem. Possui formas de expressões conjunturais presentes no cotidiano das relações interpessoais( 11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. - 22. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL,Mello Jorge MH, SilvaCM, Souza MinayoMC. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet. 2011;377:1962-75. ). Estudos destacam que os reflexos da violência, decorrentes das lesões e traumas, direta e indiretamente, gerados pelo ato violento, são percebidos pelos custos econômicos com as¬sistência médica, sistema judiciário e penal, além dos custos sociais decorrentes da queda de produtividade( 11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005.

2. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL,Mello Jorge MH, SilvaCM, Souza MinayoMC. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet. 2011;377:1962-75.

3. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
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- 44. Oliveira MT, Samico I, Ishigami ABM, Nascimento RMM. Violência intrafamiliar: a experiência dos profissionais de saúde nas Unidades de Saúde da Família de São Joaquim do Monte, Pernambuco. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(1):166-78. doi:10.1590/S1415-790X2012000100015
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).

Entre as diversas formas de violência existentes, a agressão doméstica, praticada contra a mulher, configura-se como grave problema de saúde pública( 11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. ), tendo sido, a partir do século XX, sintetizada na categoria sociológica conhecida como gênero( 33. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
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), entendida como um conjunto de características sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e econômicas atribuídas às pessoas, bem como ao processo saúde/doença, de forma diferenciada, de acordo com o sexo( 33. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200...
, 55. Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY.Limites e possibilidades avaliativas da estratégia saúde da família para a violência de gênero. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013.[acesso 23 ago 2013]; 47(2):304-11. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000200005&lng=pt
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). Nesse sentido, essa categoria abarca tipos de violência decorrentes das relações desiguais entre os sexos( 33. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
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).

Estudos internacionais e nacionais recentes mostram a alta prevalência de, pelo menos, uma forma de violência contra a mulher. No Nepal Rural, mais da metade (51,9%) das mulheres casadas, entre 15 e 24 anos, sofreram algum tipo de violência por parceiro íntimo( 66. Lamichhane P, Puri M, Tamang J,Dulal B. Women's Status and Violence against Young Married Women in Rural Nepal. BMC Women's Health. [Internet]. 2011 . [acesso 18 dez 2012];11(19):1-31. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1472-6874/11/19
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); no Karachi (Pasquistão), a prevalência autorrelatada entre as mulheres de 25 a 60 anos foi de 56,3%( 77. Ali TS, Asad N, Mogren I,Krantz G. Intimate partner violence in urban Pakistan: prevalence, frequency, and risk factors. Int J Womens Health [Internet]. 2011 . [acesso 18 dez 2012];3:105-15. ). Na Índia, essa prevalência foi de 56%( 88. Babu BV, Kar SK. Domestic violence against women in eastern India: a population-based study on prevalence and related issues. BMC Public Health. [Internet]. 2009 . [acesso 15 dez 2012]; 9(129):1-18. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9/129
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) e na Espanha, 24,8% das mulheres relataram já terem sido maltratadas por seu parceiro alguma vez na vida, apresentando variações de prevalência de acordo com a região. As mais altas percentagens foram registradas em Ceuta e Melilla (40,2%) e Ilhas Baleares (32,5%). Já os menores percentuais registrados ocorreram em Cantábria (18%)( 99. Ruiz-Pérez I, Plazaola-Castaño J, Vives-Cases C, Montero-Piñar MI, Escribã-Agüir V,Jiménez-Gutiérrez E, et al.Variabilidad geográfica de la violencia contra las mujeres en España. Gac Sanit. [Internet]. 2010 [acesso 16 dez 2012];24:128-35. Disponível em:http://www.ucm.es/info/seas/comision/tep/mt/Variabilidad_geografica_de_la_violencia_contra_las_mujeres%20en_Espana.pdf
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) e na cidade de Celaya, México( 1010. HerreraParedes, JM eVentura, CAA. Alcohol consumption and domestic violence against women: a study with university students from Mexico. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(spe):557-64. ) (8,1%).

No Brasil, estudo transversal, realizado no município de Feira de Santana, BA, mostrou que, entre os indivíduos que sofreram violência, 76,3% das ocorrências eram relacionadas às mulheres( 1111. Rocha SV, Almeida MMG, Araújo TM. Violence against women among urban area residents in Feira de Santana, Bahia, Brazil. Trends Psychiatry Psychother. [Internet]. 2011. [acesso 18 dez 2012];33(3):164-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2237-60892011000300006&script=sci_arttext
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). Em investigação realizada com usuárias do Serviço Único de Saúde (SUS), de 15 a 49 anos, no município de São Paulo, a prevalência foi de 59,8%( 1212. Barros C, Schraiber LB, França-Junior I.Associação entre violência por parceiro íntimo contra a mulher e infecção por HIV. Rev Saúde Pública. 2011;45(2):365-72. doi: 10.1590/S0034-89102011005000008
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).

Alguns fatores foram associados à violência contra a mulher por parceiro íntimo como abuso de álcool, coabitação, idade jovem, atitudes de apoio de bater na esposa, ter sofrido abuso na infância e experimentar outras formas de violência na fase adulta( 1313. Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K,Kiss L, EllsbergM, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence. BMC Public Health. [Internet]. 2011 . [acesso 14 dez 2012];11(109):1-29. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/11/109
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).

Os efeitos da violência doméstica podem ter importantes repercussões na vida da mulher( 1414. Carneiro AA, Fraga CK. A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada. Serv Soc Soc [Internet]. 2012. [acesso 13 dez 2012];1109:369-97.Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282012000200008&lng=en&nrm=iso
Disponível em: http...
- 1515. Azambuja MRD, Nogueira C. Qual a importância da violência contra mulheres na Revista Portuguesa de Saúde Pública?. Rev Port Saude Pub. [Internet]. 2010 [acesso 23 ago 2013]; 28(1):57-65. Disponível em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-90252010000100007
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) e da sociedade, o que demostra a abrangência e magnitude do problema( 1515. Azambuja MRD, Nogueira C. Qual a importância da violência contra mulheres na Revista Portuguesa de Saúde Pública?. Rev Port Saude Pub. [Internet]. 2010 [acesso 23 ago 2013]; 28(1):57-65. Disponível em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-90252010000100007
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). Todavia, há dificuldades em prevenir a ocorrência ou atuar nesse enfrentamento devido às barreiras culturais, aos fatores educacionais e à escassez de serviços e profissionais especializados para atender os casos de violência doméstica( 1616. Bernz IM, Coelho EBS, Lindner SR. Desafio da Violência Doméstica para profissionais da saúde: revisão da literatura. Saude & Transf Soc. [Internet]. 2012 [acesso 23 ago 2013];3(3):105-11. Disponível em: http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/1545/2157
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). Nesse sentido, a intervenção do Estado na efetivação de políticas públicas é requerida para produzir ações afirmativas que realmente sejam eficazes para a redução da violência de gênero( 1414. Carneiro AA, Fraga CK. A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada. Serv Soc Soc [Internet]. 2012. [acesso 13 dez 2012];1109:369-97.Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282012000200008&lng=en&nrm=iso
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- 1515. Azambuja MRD, Nogueira C. Qual a importância da violência contra mulheres na Revista Portuguesa de Saúde Pública?. Rev Port Saude Pub. [Internet]. 2010 [acesso 23 ago 2013]; 28(1):57-65. Disponível em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-90252010000100007
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).

A abordagem da violência de gênero nos serviços de saúde demanda práticas congruentes com essa perspectiva( 1717. Pedrosa CM, Spink MJP. A Violência Contra Mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saude Soc. 2011;20(1):124-35. doi:10.1590/S0104-12902011000100015
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), para dar visibilidade à violência, incorporar a perspectiva de gênero nas ações e abrir possibilidades de escuta.

Considera-se a violência como "epidemia silenciosa" e os poucos estudos resultam de ações concretas ou estão a elas associados, quanto à sua atenuação ou redução. Sendo assim, a situação se agrava, ainda mais, quando o objeto de análise é o espaço municipal, uma vez que a maioria das investigações refere-se a espaços macrorregionais do país, não diagnosticando, assim, as peculiaridades e a dimensão da violência contra a mulher no espaço local.

Desse modo, objetivou-se analisar as ocorrências e os fatores associados à violência contra a mulher em uma cidade de médio porte do Estado de Minas Gerais, Brasil.

Método

Trata-se de estudo transversal, exploratório e analítico. Os dados primários contêm informações referentes aos casos de violência contra a mulher, registrados no período de janeiro a dezembro de 2010, que foram extraídos dos Boletins de Ocorrências da Polícia Civil. Esses dados foram coletados no site armazemsids.mg.gov.br "BussinessObject", do 11º Departamento de Polícia Civil de Montes Claros, órgão da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, Brasil, por funcionário da instituição, devidamente autorizado para efetuar essa coleta, a fim de que a identidade de agressores e vítimas fosse preservada, de forma que os autores não tiveram acesso aos nomes das partes.

As variáveis explicativas sobre os tipos de violência contra a mulher, constantes nos Boletins de Ocorrências, e que foram coletadas para a análise, são: agressão, ameaça, estupro, injúria e lesão corporal. Os conceitos a serem utilizados no presente estudo para essas variáveis foram extraídos do Código Penal Brasileiro( 1818. Decreto-Lei No 2848, de 7 de dezembro de 1940 (BR). Código Penal Brasil. Diário Oficial da União. [Internet]. 31 dez 1940. [acesso 18 dez 2012]. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
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), exceto agressão que não consta no referido código.

- Agressão: ataque à integridade física ou ato de hostilidade e provação que tem o objetivo de causar dano à pessoa a quem é dirigida( 1919. Biaggio AMB. Psicologia do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes; 1996. 344 p. ).

- Ameaça: "Ameaçar alguém, por palavras, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave (art.147)( 1818. Decreto-Lei No 2848, de 7 de dezembro de 1940 (BR). Código Penal Brasil. Diário Oficial da União. [Internet]. 31 dez 1940. [acesso 18 dez 2012]. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
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).

- Estupro: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" (art. 213)( 1818. Decreto-Lei No 2848, de 7 de dezembro de 1940 (BR). Código Penal Brasil. Diário Oficial da União. [Internet]. 31 dez 1940. [acesso 18 dez 2012]. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
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).

- Injúria: "Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro" (art.140)( 1818. Decreto-Lei No 2848, de 7 de dezembro de 1940 (BR). Código Penal Brasil. Diário Oficial da União. [Internet]. 31 dez 1940. [acesso 18 dez 2012]. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
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).

- Lesão corporal: "Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem" (art. 129)( 1818. Decreto-Lei No 2848, de 7 de dezembro de 1940 (BR). Código Penal Brasil. Diário Oficial da União. [Internet]. 31 dez 1940. [acesso 18 dez 2012]. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
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).

Além do tipo de violência, foram coletadas informações referentes à idade das vítimas (criança/adolescente, adulta e idosa), período do ano de ocorrência da violência (primeiro, segundo, terceiro ou quarto trimestre) e agressor (companheiro, familiar, conhecido, estranho, outro). Para essa última variável, as categorias foram agrupadas de acordo com os registros da Polícia Civil. Considerou-se como companheiro: o cônjuge, ex-cônjuge, relacionamento extraconjugal ou passional. Na categoria familiar, foram incluídos: avós/bisavós/tataravós, neto/bisneto, filho/enteado, irmão, pais/responsáveis legais ou outra relação de parentesco não especificada. Na opção conhecido, foram enquadrados: amigos, relação doméstica/coabitação, colega de trabalho/superior, sócio/condômino ou vizinho. A categoria "estranho" contém os casos sem nenhum tipo de relacionamento e, na categoria "outro", foi considerada a opção de resposta para os casos que não se relacionavam a nenhuma categoria citada.

Os dados foram tabulados e analisados por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS(r)), versão 18.0, para Windows(r). Inicialmente, foi realizada a análise descritiva e, posteriormente, realizou-se a análise bivariada por meio do teste estatístico qui-quadrado de Pearson. Para este estudo, foi adotado o nível de significância estatística de 5% (p<0,05) com intervalos de 95% de confiança (IC 95%).

Esta pesquisa foi autorizada pelo Delegado Geral de Polícia-Delegado Regional da Polícia Civil, da Comarca de Montes Claros, mediante assinatura do Termo de Concordância Institucional para a Participação em Pesquisa envolvendo seres humanos e, também, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros - Parecer Consubstanciado n°185/2010.

Resultados

Foram encontrados, no ano 2010, 7.487 casos de violência contra a mulher, registrados pela Policia Civil de Montes Claros, a partir das notificações policiais ocorridas nas Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisp), sediadas nessa cidade.

A Tabela 1 mostra a análise descritiva dos dados. Os 7.487 casos de violência contra a mulher, na cidade de Montes Claros, foram assim caracterizados: 3.340 (44,6%) como ameaça, 2.134 (28,5%) agressão, 1.877 (25,1%) lesão corporal, 83 (1,1%) estupro e 53 (0,7%) como algum tipo de injúria. Esses atos de violência foram praticados em todo o ciclo vital, em sua maioria, contra as mulheres adultas (80,9%), seguidos de crianças/adolescentes (14,5%) e em idosas (4,6%). Com relação ao período do ano, os registros de violência contra a mulher ocorreram com variação de 23,4%, observado no primeiro trimestre, ao valor máximo de 28% no quarto trimestre.

Tabela 1
Análise descritiva dos casos de violência contra a mulher, registrados pela Polícia Civil, em 2010. Montes Claros, MG, Brasil

Observou-se, nos resultados, elevado número de casos notificados sem a devida identificação do agressor nos formulários de registro da Polícia Civil (n=4260, 56,9% do total de casos de violência). Entre os valores válidos para essa variável, constatou-se que os casos de violência foram cometidos por alguém muito próximo da vítima, sendo 45,1% por um companheiro e 19,9% por algum familiar.

Quanto à distribuição dos casos de violência em função do agressor e da faixa etária das vítimas, observou-se, neste estudo, que, nas primeiras fases do ciclo de vida (infância e adolescência), há semelhança na distribuição dos agressores em função do tipo de violência, excetuando a agressão que apresenta valores bem mais elevados para companheiro e familiar. Quando analisados os casos na idade adulta, o padrão é peculiar, com incremento das violências causadas pelos companheiros das vítimas. Em relação à pessoa idosa, o familiar é quem assume o papel de agressor (Figura 1).

Figura 1
Padrão gráfico de distribuição dos casos de violência em função do agressor por faixa etária: A) crianças e adolescentes; B) mulheres adultas; C) mulheres idosas. Montes Claros, MG, Brasil, 2010

A análise bivariada entre a variável "agressor", o "tipo de violência" e a "idade" foi realizada para avaliar a significância estatística dos dados (Tabela 2). As análises mostraram associação estatisticamente significativa para todas as variáveis (p=0,000), e o maior número de casos de violência foi cometido pelo companheiro para todos os tipos de violência, com exceção de estupro (mais comum entre familiar e estranho) e injúria (mais comum entre conhecidos). As crianças/adolescentes foram mais violentadas por companheiro (25,2%) seguido de familiar (24,9%), e, na fase adulta, essa diferença foi expressiva (50,8% para companheiro e 17,1% para familiar). Em mulheres idosas, 52,1% dos casos de violência foram cometidos por familiares das vítimas.

Tabela 2
Análise bivariada entre agressor, tipo de violência e idade dos casos registrados, em 2010, pela Polícia Civil. Montes Claros, MG, Brasil

Discussão

A desigualdade de gênero tem como uma de suas extremas formas de manifestação a violência contra as mulheres, resultado da diferença de poder que se traduz em relações de dominação e força. Assim, a violência baseada no gênero tem-se constituído em um fenômeno social que influencia sobremaneira o modo de viver, adoecer e morrer das mulheres( 2020. Guedes RN, Silva ATMC, Fonseca RMGS. A violência de gênero e o processo saúde-doença das mulheres. Esc Anna Nery. 2009;13(3):625-31. ).

Verificou-se, neste estudo, que, entre as formas de violência contra a mulher, a ameaça apresentou-se como a de maior ocorrência (44,6%). Resultados semelhantes foram observados em estudo realizado no Leste da Índia, em que a violência psicológica contra as mulheres atingiu o percentual de 52%( 88. Babu BV, Kar SK. Domestic violence against women in eastern India: a population-based study on prevalence and related issues. BMC Public Health. [Internet]. 2009 . [acesso 15 dez 2012]; 9(129):1-18. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9/129
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) e em outra pesquisa realizada em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil, onde se encontrou 20,6% dos casos relacionados a tal forma de violência( 2121. Pazo CG, Aguiar AC. Sentidos da violência conjugal: análise do banco de dados de um serviço telefônico anônimo. Physis. [Internet]. 2012 [acesso 13 dez 2012]; 22(1): 253-73. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/physis/v22n1/v22n1a14.pdf
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/...
). Já no Nepal Rural, a violência sexual apresenta maiores índices, totalizando 46,2%( 66. Lamichhane P, Puri M, Tamang J,Dulal B. Women's Status and Violence against Young Married Women in Rural Nepal. BMC Women's Health. [Internet]. 2011 . [acesso 18 dez 2012];11(19):1-31. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1472-6874/11/19
Disponível em: http://www.biomedcentral....
).

As análises desta investigação mostraram associação estatisticamente significativa para todas as variáveis (p=0,000), e maior número de casos de violência foi cometido pelo companheiro para todos os tipos de violência, com exceção de estupro, que foi mais comum entre familiar e estranho, e injúria, tendo o conhecido como maior agressor.

Autores informam que a violência contra a mulher se expressa, principalmente, por meio da violência física, sexual e psicológica, afetando sua integridade biopsicossocial. Em sua maioria, os atos sofridos pelas mulheres são realizados dentro da própria família por pessoas íntimas, particularmente no âmbito doméstico. As mulheres possuem maior risco de violência em relações com familiares e pessoas próximas que com estranhos e, na maior parte, o agressor tem sido o próprio cônjuge ou o parceiro( 2222. Lettiere A, Nakano AMS, Bittar DB. Violência contra a mulher e suas implicações na saúde materno-infantil.Acta Paul Enferm. [Internet]. 2012. [acesso 13 dez 2012];25(4): 524-29. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21002012000400007&script=sci_arttext
Disponível em:http:...
).

No presente estudo, a maior ocorrência de violência em mulheres na idade adulta (80,9%) encontra-se em consonância com o observado em relação aos casos de violência atendidos em uma Delegacia da Mulher, na região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, cuja faixa etária entre 24 e 45 anos correspondeu a 59% dos casos( 2323. Gadoni-CostaLM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia para a mulher. Estud Psicol.2011;28(2):219-27. ). Resultados semelhantes também foram encontrados em investigação com mulheres no município de Feira de Santana, Bahia, Brasil( 1111. Rocha SV, Almeida MMG, Araújo TM. Violence against women among urban area residents in Feira de Santana, Bahia, Brazil. Trends Psychiatry Psychother. [Internet]. 2011. [acesso 18 dez 2012];33(3):164-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2237-60892011000300006&script=sci_arttext
Disponível em: http...
).

Esse fenômeno também tem sido verificado no cenário internacional. Estudo realizado no Leste da Índia mostrou que a prevalência de todas as formas de violência cresceu com o aumento da idade( 88. Babu BV, Kar SK. Domestic violence against women in eastern India: a population-based study on prevalence and related issues. BMC Public Health. [Internet]. 2009 . [acesso 15 dez 2012]; 9(129):1-18. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9/129
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) e, na Espanha, a idade média de início da violência contra a mulher, cometida pelo companheiro, foi de 25 anos( 99. Ruiz-Pérez I, Plazaola-Castaño J, Vives-Cases C, Montero-Piñar MI, Escribã-Agüir V,Jiménez-Gutiérrez E, et al.Variabilidad geográfica de la violencia contra las mujeres en España. Gac Sanit. [Internet]. 2010 [acesso 16 dez 2012];24:128-35. Disponível em:http://www.ucm.es/info/seas/comision/tep/mt/Variabilidad_geografica_de_la_violencia_contra_las_mujeres%20en_Espana.pdf
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).

Em pesquisa multicêntrica, realizada em Bangladesh, Brasil, Etiópia, Japão, Namíbia, Peru, República da Tanzânia, Samoa, Sérvia e Montenegro e Tailândia, observou-se que mulheres com idade entre 15 e 49 anos de idade apresentaram associação significativa com o risco aumentado de violência por parceiro íntimo( 1313. Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K,Kiss L, EllsbergM, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence. BMC Public Health. [Internet]. 2011 . [acesso 14 dez 2012];11(109):1-29. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/11/109
Disponível em: http://www.biomedcentral....
). Uma das explicações relacionadas a esse fato é que, na idade adulta, a mulher encontra-se em um período de maior atividade sexual e reprodutiva( 2323. Gadoni-CostaLM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia para a mulher. Estud Psicol.2011;28(2):219-27. ). No entanto, indaga-se se os casos de violência ocorridos com crianças e adolescentes não têm permanecido velados, uma vez que eles dependem de alguém para realizar a denúncia, que é uma atitude adequada, considerando que a proteção desses indivíduos depende do conhecimento da violência pelos órgãos competentes( 2424. Garbin CAS, Rovida TAS, Joaquim RC,Paula AM, QueirozAPDG. Violência denunciada: ocorrências de maus tratos contra crianças e adolescentes registradas em uma unidade policial. Rev Bras Enferm. 2011;64(4):665-70. ). Ressalta-se a omissão dos profissionais de saúde, muitas vezes, na notificação dos casos( 44. Oliveira MT, Samico I, Ishigami ABM, Nascimento RMM. Violência intrafamiliar: a experiência dos profissionais de saúde nas Unidades de Saúde da Família de São Joaquim do Monte, Pernambuco. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(1):166-78. doi:10.1590/S1415-790X2012000100015
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).

A relação entre os maiores índices de violência e o local de sua ocorrência foi evidenciada em pesquisa realizada na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil, que identificou diferenças relacionadas ao risco de incidência de violência entre bairros( 33. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200...
). Tal fato pode ser compreendido ao considerar que a violência está associada às condições socioeconômicas de uma população, às questões ligadas ao seu estilo de vida e às características de seu território. Destaca-se o uso de ferramentas de geoprocessamento para o estudo e controle da violência urbana, a fim de subsidiar o processo de tomada de decisão dos gestores na construção de políticas públicas para o enfrentamento dessa situação, compatíveis com a realidade( 33. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200...
).

Nesta investigação, quando ocorre a identificação do agressor, verifica-se que o companheiro íntimo da mulher aparece com maior prevalência (45,1%), superior ao encontrado em estudo de base populacional, realizado com mulheres na cidade de São Paulo e em 15 municípios na Zona da Mata de Pernambuco, no Brasil( 2525. D'Oliveira AFPL, Schraiber LB, França-Junior I, Ludermir AB,Portella AP, DinizCS, et al. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saúde Pública. [Internet]. 2009. [acesso 12 dez 2012]; 43(2):299-310. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-89102011000400013&script=sci_arttext
Disponível em: http...
).

Os companheiros íntimos também foram os principais responsáveis pela violência contra a mulher no contexto internacional, como observado no Leste da Índia( 88. Babu BV, Kar SK. Domestic violence against women in eastern India: a population-based study on prevalence and related issues. BMC Public Health. [Internet]. 2009 . [acesso 15 dez 2012]; 9(129):1-18. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9/129
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) e na Espanha( 99. Ruiz-Pérez I, Plazaola-Castaño J, Vives-Cases C, Montero-Piñar MI, Escribã-Agüir V,Jiménez-Gutiérrez E, et al.Variabilidad geográfica de la violencia contra las mujeres en España. Gac Sanit. [Internet]. 2010 [acesso 16 dez 2012];24:128-35. Disponível em:http://www.ucm.es/info/seas/comision/tep/mt/Variabilidad_geografica_de_la_violencia_contra_las_mujeres%20en_Espana.pdf
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). Estudo realizado no Nepal Rural mostrou que mais da metade (51,9%) das jovens casadas relataram ter experimentado algum tipo de violência praticada pelo marido( 66. Lamichhane P, Puri M, Tamang J,Dulal B. Women's Status and Violence against Young Married Women in Rural Nepal. BMC Women's Health. [Internet]. 2011 . [acesso 18 dez 2012];11(19):1-31. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1472-6874/11/19
Disponível em: http://www.biomedcentral....
).

No citado estudo multicêntrico, foi identificado que mulheres que coabitavam com um parceiro, sem serem formalmente casadas, apresentavam risco aumentado para a violência por parceiro íntimo. Em contrapartida, as mulheres que não viviam com seus parceiros tinham riscos mais baixos. A investigação mostrou, ainda, que relacionamentos mais novos estavam em risco aumentado para a violência por parceiros íntimos( 1313. Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K,Kiss L, EllsbergM, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence. BMC Public Health. [Internet]. 2011 . [acesso 14 dez 2012];11(109):1-29. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/11/109
Disponível em: http://www.biomedcentral....
).

A atuação de algum familiar na ocorrência da violência contra a mulher também foi significativa (19,9%) no presente estudo, aparecendo logo em seguida ao parceiro íntimo, como verificado em estudo realizado na Espanha( 99. Ruiz-Pérez I, Plazaola-Castaño J, Vives-Cases C, Montero-Piñar MI, Escribã-Agüir V,Jiménez-Gutiérrez E, et al.Variabilidad geográfica de la violencia contra las mujeres en España. Gac Sanit. [Internet]. 2010 [acesso 16 dez 2012];24:128-35. Disponível em:http://www.ucm.es/info/seas/comision/tep/mt/Variabilidad_geografica_de_la_violencia_contra_las_mujeres%20en_Espana.pdf
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).

Diante disso, para as mulheres vítimas da violência doméstica, o lar, antes considerado como lugar seguro, passou a representar um risco, uma vez que o agressor encontra-se dentro de casa( 2323. Gadoni-CostaLM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia para a mulher. Estud Psicol.2011;28(2):219-27. ). Nessa perspectiva, a violência praticada contra a mulher assume um enfoque diferenciado, quando ocasionada por um agressor que compartilha relações íntimas com a vítima, que ainda se resvala nas questões históricas e culturais, legitimadas e cultivadas do domínio masculino, nas relações sociais entre o sexo( 33. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
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).

Há que se considerar que, em alguns casos, as mulheres não têm condições reais de se livrarem dessa situação de violência por falta de acesso aos meios e recursos necessários para se desvencilharem de sua dependência com o agressor. Tais mulheres demandam assistência psicológica, amparo social, orientação jurídica, moradia, creche, escola, necessidade de trabalho para a aquisição de autonomia financeira e tratamento de saúde( 2626. Silva MAI, Ferriani MGC. Domestic violence: from the visible to the invisible.Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(2):275-81. ). Essa situação demonstra a importância de ampla, integrada e eficaz rede intersetorial na atenção à saúde da mulher, que inclui casas-abrigo, centros de referência e reabilitação, defensorias e Delegacias da Mulher, Secretaria de Políticas para as Mulheres, Secretarias de Saúde e de Planejamento, para que possam ser assumidos contornos relevantes para a garantia da integralidade e da efetividade do atendimento à mulher em situação de violência( 33. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM,Silva CC, BezerraIMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(6):1111-21. doi: 10.1590/S0102-311X2012000600010
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200...
- 44. Oliveira MT, Samico I, Ishigami ABM, Nascimento RMM. Violência intrafamiliar: a experiência dos profissionais de saúde nas Unidades de Saúde da Família de São Joaquim do Monte, Pernambuco. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(1):166-78. doi:10.1590/S1415-790X2012000100015
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). Destaca-se, ainda, o papel fundamental da Estratégia Saúde da Família (ESF) no reconhecimento dos casos de violência de gênero, traduzidos a partir de uma demanda por outros cuidados de saúde e no enfretamento das necessidades de saúde de mulheres que vivenciam a violência, facilitada pelo vínculo propiciado por sua lógica de atenção( 55. Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY.Limites e possibilidades avaliativas da estratégia saúde da família para a violência de gênero. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013.[acesso 23 ago 2013]; 47(2):304-11. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000200005&lng=pt
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) e pela sua atribuição de promover a intersetorialidade.

Para tanto, torna-se fundamental que os profissionais que atuam nos serviços de enfrentamento da violência estejam capacitados para atender a mulher vítima de violência( 2727. Souza JA, Almeida RA, Silva ATMC,Anjos UU. Modelo Baseado em Regras como Suporte à Atuação da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher no Encaminhamento de Mulheres em Situação de Violência Doméstica.Rev Bras Cienc Saúde. 2012;16(1):71-8. doi: 10.4034/RBCS.2012.16.01.11
https://doi.org/10.4034/RBCS.2012.16.01....
- 2828. Rodríguez-BorregoMA, Vaquero-AbellánM, Rosa LB. A cross-sectional study of factors underlying the risk of female nurses' suffering abuse by their partners. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(1):11-8. ), com intervenções integralizadas, interdisciplinares e de abordagem mais ampla( 1616. Bernz IM, Coelho EBS, Lindner SR. Desafio da Violência Doméstica para profissionais da saúde: revisão da literatura. Saude & Transf Soc. [Internet]. 2012 [acesso 23 ago 2013];3(3):105-11. Disponível em: http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/1545/2157
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- 1717. Pedrosa CM, Spink MJP. A Violência Contra Mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saude Soc. 2011;20(1):124-35. doi:10.1590/S0104-12902011000100015
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), por meio de uma práxis emancipadora, possibilitando com que essas mulheres enfrentem e superem tal realidade( 55. Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY.Limites e possibilidades avaliativas da estratégia saúde da família para a violência de gênero. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013.[acesso 23 ago 2013]; 47(2):304-11. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000200005&lng=pt
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, 1616. Bernz IM, Coelho EBS, Lindner SR. Desafio da Violência Doméstica para profissionais da saúde: revisão da literatura. Saude & Transf Soc. [Internet]. 2012 [acesso 23 ago 2013];3(3):105-11. Disponível em: http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/1545/2157
Disponível em: http...
). Além disso, é imprescindível que esses profissionais contribuam no desvelar desse problema, por meio da notificação dos casos e de outras formas de registro e acompanhamento, para diminuir a invisibilidade da violência como problema de saúde( 55. Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY.Limites e possibilidades avaliativas da estratégia saúde da família para a violência de gênero. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2013.[acesso 23 ago 2013]; 47(2):304-11. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000200005&lng=pt
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, 1717. Pedrosa CM, Spink MJP. A Violência Contra Mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saude Soc. 2011;20(1):124-35. doi:10.1590/S0104-12902011000100015
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) e romper com o estigma ao qual está associada( 1717. Pedrosa CM, Spink MJP. A Violência Contra Mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saude Soc. 2011;20(1):124-35. doi:10.1590/S0104-12902011000100015
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).

Conclusão

Os resultados deste estudo reafirmam a necessidade de que programas de prevenção de violência contra a mulher sejam estruturados nas universidades, escolas, instituições de Atenção Primária à Saúde, unidades de saúde e pelos movimentos sociais para que ocorram mudanças no quadro descrito. Também, deve-se preconizar o desenvolvimento de práticas educativas focadas na redefinição dos papéis da mulher na família e na sociedade.

Por conseguinte, a redução da violência contra a mulher exige compromisso intersetorial por parte dos governantes e da sociedade, para que se estabeleça uma cultura de paz e atendimento humanizado em todas as faixas etárias, com destaque para crianças e idosas, que apresentam maior vulnerabilidade.

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  • Errata


Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2013
  • Aceito
    23 Set 2013
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