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Avaliação da cicatrização da episiotomia: confiabilidade da escala REEDA (Redness, Oedema, Ecchymosis, Discharge, Approximation)1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado "Uso do laser infravermelho em episiotomia: ensaio clínico aleatorizado" apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

analisar a confiabilidade da escala REEDA (Redness, Oedema, Ecchymosis, Discharge, Approximation) para avaliar a cicatrização do períneo após parto vaginal com episiotomia médio-lateral direita.

MÉTODO:

estudo observacional, baseado em dados coletados em ensaio clínico, conduzido com 54 mulheres, selecionadas aleatoriamente. As mesmas tiveram o processo de cicatrização perineal avaliado em quatro momentos (de 6 horas a 10 dias após o parto), por enfermeiras treinadas para o uso da escala. O coeficiente kappa foi usado para análise de confiabilidade da escala REEDA.

RESULTADOS:

os resultados indicam bom nível de concordância na avaliação do item secreção (0,75< Kappa ≥0,88), concordância boa e marginal em relação ao item equimose (0,25< Kappa ≥0,42), e bom nível de concordância em relação à hiperemia (0,46< Kappa ≥0,66). O nível de concordância referente à avaliação do item coaptação diminuiu de excelente, na primeira avaliação, para bom, na última avaliação.

CONCLUSÃO:

a diferença entre as pontuações atribuídas pelas avaliadoras na aplicação da escala indica que o instrumento precisa ser melhorado, para permitir avaliações mais precisas do processo de cicatrização da episiotomia.

Descritores
Episiotomia; Cicatrização; Escalas; Período Pós-Parto


OBJECTIVE:

to analyse the Redness, Oedema, Ecchymosis, Discharge, Approximation (REEDA) scale reliability when evaluating perineal healing after a normal delivery with a right mediolateral episiotomy.

METHOD:

observational study based on data from a clinical trial conducted with 54 randomly selected women, who had their perineal healing assessed at four time points, from 6 hours to 10 days after delivery, by nurses trained in the use of this scale. The kappa coefficient was used in the reliability analysis of the REEDA scale.

RESULTS:

the results indicate good agreement in the evaluation of the discharge item (0.75< Kappa ≥0.88), marginal and good agreement in the first three assessments of oedema (0.16< Kappa ≥0.46), marginal agreement in the evaluation of ecchymosis (0.25< Kappa ≥0.42) and good agreement regarding redness (0.46< Kappa ≥0.66). For the item coaptation, the agreement decreased from excellent in the first assessment to good in the last assessment. In the fourth evaluation, the assessment of all items displayed excellent or good agreement among the evaluators.

CONCLUSION:

the difference in the scores among the evaluators when applying the scale indicates that this tool must be improved to allow an accurate assessment of the episiotomy healing process.

Descriptors
Episiotomy; Wound Healing; Scales; Postpartum Period


OBJETIVO:

analizar la confiabilidad de la escala de Enrojecimiento, Edema, Equimosis, Drenaje, Aproximación (REEDA) en la evaluación de la curación perineal tras parto normal con episiotomía mediolateral derecha.

MÉTODO:

estudio observacional con base en datos de un ensayo clínico conducido con 54 mujeres elegidas de forma aleatoria, con evaluación de su curación perineal en cuatro momentos, entre 6 horas y 10 días después del parto, por enfermeras capacitadas en el uso de esta escala. El coeficiente de kappa fue utilizado en el análisis de confiabilidad de la escala REEDA.

RESULTADOS:

los resultados indican buena concordancia en la evaluación del ítem drenaje (0,75< Kappa ≥0,88), concordancia marginal y buena en las primeras tres evaluaciones de edema (0,16< Kappa ≥0,46), concordancia marginal en la evaluación de equimosis (0,25< Kappa ≥0,42) y buena concordancia sobre enrojecimiento (0,46< Kappa ≥0,66). Para el ítem coaptación, la concordancia disminuyó de excelente en la primera evaluación hasta buena en la última. En el cuarto momento, la evaluación de todos los ítems mostró concordancia excelente o buena entre los evaluadores.

CONCLUSIÓN:

la diferencia en las notas entre los evaluadores en la aplicación de la escala indica que esta herramienta debe ser mejorada para permitir una evaluación correcta del proceso de curación de la episiotomía.

Descriptores
Episiotomía; Cicatrización de Heridas; Escalas; Período de Postparto


Introdução

A episiotomia, um procedimento comum na prática obstétrica, está associada à necessidade de sutura e complicações na cicatrização no período puerperal, como hemorragia, edema, hematoma, infecção, deiscência e dor perineal( 1Bharathi A, Reddy DB, Kote GS. A prospective randomized comparative study of vicryl rapide versus chromic catgut for episiotomy repair. J Clin Diagn Res. 2013;7(2):326-30. ).

Sinais inflamatórios como edema, equimose, hiperemia e dor ocorrem desde as primeiras horas após o parto e podem persistir além do período de hospitalização. Um ensaio randomizado controlado que comparou duas técnicas perineais diferentes, identificou que edema, hiperemia e equimose ocorreram nas primeiras 24 horas após o parto, em 26,2%, 6,6% e 3,3% das mulheres que tiveram episiotomia ou laceração de segundo grau, respectivamente. No quarto dia após o parto, a distribuição foi de 11,5% de edema, 4,9% de hiperemia e 8,2% de equimose( 2Almeida SFS, Riesco MLG. Randomized controlled clinical trial on two perineal trauma suture techniques in normal delivery. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(2):272-9. ).

Uma pesquisa on-line realizada com 2.400 mulheres que deram à luz em hospitais nos Estados Unidos, entre julho de 2011 e junho de 2012, identificou que 41% daquelas que tiveram parto vaginal relataram dor no períneo em até dois meses após o parto e 7% reportaram o mesmo problema após seis meses. A dor perineal estava fortemente relacionada à episiotomia (18%) ou não (9%) (p<0,01)( 3Declercq ER, Sakala C, Corry MP, Applebaum S, Herrlich A. Listening to mothers III - pregnancy and birth: report of the Third National U.S. Survey of Women´s Childbearing Experiences [Internet]. New York: Childbirth Connection; 2013. Home with a new baby; p. 28-33. [acesso 13 jan 2014]. Disponível em: https://correio.usp.br/service/home/~/Declercq_2013%20Listening%20to%20MothersSM%20III%20Nadir.pdf?auth=co&loc=pt_BR&id=26463&part=2
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). A posição no parto, pressão uterina, puxo dirigido, peso da criança ao nascer, manobras de proteção ao períneo durante o parto, e material e técnica de sutura, também podem influenciar na dor perineal após o parto, já que estes parâmetros influenciam taxa e severidade das lacerações perineais espontâneas e das episiotomias( 4Kettle C, Tohill S. Perineal care. Clin Evid. [Internet]. 2011 [acesso 28 nov 2013]. Disponível emhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3275301/
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- 5East CE, Sherburn M, Nagle C, Said J, Forster D. Perineal pain following childbirth: prevalence, effects on postnatal recovery and analgesia usage. Midwifery. 2012;28(1):93-7. ).

Além de dor perineal, complicações devido ao trauma perineal no período pós-parto podem incluir infecção e deiscência. Existem dados limitados sobre a prevalência de deiscência tanto relacionada à episiotomia quanto à laceração espontânea, mas as taxas reportadas variam de 0,1% a 5,5%( 6Dudley L, Kettle C, Ismail K. Prevalence, pathophysiology and current management of dehisced perineal wounds following childbirth. Br J Midwifery. 2013;21(3):160-71. ).

Apesar dos efeitos das complicações da cicatrização perineal na recuperação materna, a prevalência destas morbidades é pouco conhecida, principalmente devido à dificuldade de profissionais na área da saúde em identificá-las na prática clínica. O fato de questões relacionadas à amamentação e ao cuidado neonatal serem consideradas mais importantes que o bem-estar materno, além da falta de ferramentas para avaliar condições perineais, dificulta a detecção destes problemas. Instrumentos de análise, como o PAT (Perineal Assessment Tool) e REEDA (Redness, Oedema, Ecchymosis, Discharge, Approximation)( 7Hill PD. Psychometric properties of the REEDA. J Nurse Midwifery. 1990;35(3):162-5. ), foram propostos para avaliar a cicatrização perineal no pós-parto. Estas escalas utilizam categorias e descritores semelhantes para avaliar os mesmos constructos, porém, a principal diferença entre elas consiste em definições operacionais menos objetivas na PAT que na REEDA. Como consequência, a primeira apresenta pouca confiabilidade( 7Hill PD. Psychometric properties of the REEDA. J Nurse Midwifery. 1990;35(3):162-5. ). Avaliações clínicas sistematizadas com o emprego destas escalas não fazem parte da atenção normalmente prestada às puérperas.

A REEDA é um instrumento de avaliação da cicatrização perineal que foi desenvolvido por Davidson( 8Davidson N. REEDA: evaluating postpartum healing. J Nurse Midwifery. 1974; 19:6-9. ) e posteriormente revisado por Carey( 9Carey ILP. Healing of the perineum, a follow up study [thesis of the Internet]. Utah: University of Utah; 1971. [acesso 28 nov 2013]. Disponível em: http://content.lib.utah.edu/utils/getfile/collection/etd1/id/1182/filename/1579.pdf
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). Trata-se de uma escala que contempla cinco itens relacionados ao processo de cicatrização: hiperemia, edema, equimose, secreção e coaptação das bordas da incisão (ou seja, redness, edema, ecchymosis, discharge, approximation) ( 8Davidson N. REEDA: evaluating postpartum healing. J Nurse Midwifery. 1974; 19:6-9. - 9Carey ILP. Healing of the perineum, a follow up study [thesis of the Internet]. Utah: University of Utah; 1971. [acesso 28 nov 2013]. Disponível em: http://content.lib.utah.edu/utils/getfile/collection/etd1/id/1182/filename/1579.pdf
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). Esta escala pode ser utilizada na avaliação de todo tipo de trauma perineal pós-parto.

A escala REEDA tem sido usada em estudos recentes que investigam intervenções, com o objetivo de avaliar técnicas de sutura perineal( 1010 Kindberg S, Stehouwer M, Hvidman L, Henriksen TB. Postpartum perineal repair performed by midwives: a randomised trial comparing two suture techniques leaving the skin unsutured. BJOG. 2008;115(4):472-9. ), dor perineal na sutura( 1111 Kindberg S, Klunder L, Strom J, Henriksen TB. Ear acupuncture or local anaesthetics as pain relief during postpartum surgical repair: a randomised controlled trial. BJOG. 2009;116(4):569-76. ), atenção perineal pós-parto( 1212 Sheikhan F, Jahdi F, Khoei EM, Shamsalizadeh N, Sheikhan M, Haghani H. Episiotomy pain relief: use of Lavender oil essence in primiparous Iranian women. Complement Ther Clin Pract. 2012;18(1):66-70. - 1313 Mohamed HAE, El-Nagger NS. Effect of self perineal care instructions on episiotomy pain and wound healing of postpartum women. J Am Sci. 2012;8(6):640-50. ) e o efeito da irradiação de laser na dor perineal( 1414 Santos JO, d Oliveira SMJV, Silva FMB, Nobre MRC, Osava RH, Riesco MLG. Low-level laser therapy for pain relief after episiotomy: a double-blind randomised clinical trial. J Clin Nurs. 2012;21(23-24):3513-22. ). No entanto, este instrumento carece de validação para ser incorporado na clínica prática. A validação de uma escala envolve etapas que incluem análise da confiabilidade ou fidedignidade, que se refere ao erro (em termos estáticos) inerente às pontuações( 1515 Griffiths P, Murrells T. Reliability assessment and approaches to determining agreement between measurements: classic methods paper. Int J Nurs Stud. 2010;47(8):937-8. ). Confiabilidade inclui o grau de concordância entre observadores em avaliações simultâneas e independentes em relação às pontuações do instrumento( 1616 Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem 7a ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. ).

Os profissionais na área da saúde usam escalas, questionários e testes para identificar sinais e sintomas, com o objetivo de avaliar resultados de intervenções. Medidas repetidas de uma determinada condição, frequentemente aferidas por diferentes profissionais, devem apresentar concordância suficiente para permitir comparações e identificar mudanças reais na condição do indivíduo, quando estas ocorrem( 1515 Griffiths P, Murrells T. Reliability assessment and approaches to determining agreement between measurements: classic methods paper. Int J Nurs Stud. 2010;47(8):937-8. ). O objetivo deste estudo foi analisar a confiabilidade da escala REEDA como ferramenta para avaliação clínica da cicatrização perineal depois de episiotomia.

Método

Trata-se de um estudo observacional baseado em um ensaio clínico randomizado, triplo-cego, controlado, sobre a eficácia do Laser em Baixa Intensidade (LBI) na cicatrização da episiotomia.

As mulheres foram recrutadas no alojamento conjunto do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP). O tamanho da amostra foi calculada com base nos resultados de um ensaio clínico randomizado( 1414 Santos JO, d Oliveira SMJV, Silva FMB, Nobre MRC, Osava RH, Riesco MLG. Low-level laser therapy for pain relief after episiotomy: a double-blind randomised clinical trial. J Clin Nurs. 2012;21(23-24):3513-22. ). O principal resultado foi a redução de dois pontos no escore de dor, reportado pelas mulheres depois de irradiação do LBI. Com um nível de significância de 5% e um poder de teste de 90%, o tamanho da amostra foi de pelo menos 24 mulheres em cada grupo. Neste estudo, a amostra final foi composta por 54 mulheres, divididas aleatoriamente em dois grupos: grupo experimental (n=29) com irradiação de LBI e grupo controle (n=25) sem irradiação de LBI.

O presente estudo incluiu todas as mulheres que participaram no estudo de base, pois os resultados indicaram que os grupos eram homogêneos quanto às características sociodemográficas, clínicas e relacionadas à dor perineal. Não houve diferença estatística na cicatrização perineal entre os grupos após a irradiação do LBI (Alvarenga, 2012).

As mulheres que atenderam aos seguintes critérios foram incluídas no estudo: idade ≥18 anos; gestação a termo; com feto único, vivo e em apresentação cefálica; sem parto vaginal anterior; parto espontâneo; episiotomia médio-lateral direita; e com episiorrafia realizada com fio categute simples. Foram excluídas as mulheres que apresentaram laceração perineal, sinais de infeção, hemorroidas, hematoma ou varizes na região vulvoperineal, preparação da região perineal durante a gravidez, e aquelas que utilizaram solução de limpeza, ao invés de água e sabão, na região perineal após o parto.

A cicatrização da episiotomia foi avaliada entre as participantes do estudo através da escala REEDA, em quatro momentos: de 6-10h (primeira avaliação), de 20-24h (segunda avaliação), de 40-48h (terceira avaliação) e entre 7 e 10 dias após o parto (quarta avaliação).

A REEDA consiste em uma escala que avalia o processo inflamatório e a recuperação tecidual pós-trauma perineal através de cinco itens da cicatrização: hiperemia, edema, equimose, secreção e aproximação das bordas da ferida (coaptação). Para cada item avaliado uma pontuação de zero a três pode ser atribuída pelo profissional de saúde. A pontuação máxima de 15 corresponde à pior cicatrização do períneo (Figura 1)( 8Davidson N. REEDA: evaluating postpartum healing. J Nurse Midwifery. 1974; 19:6-9. - 9Carey ILP. Healing of the perineum, a follow up study [thesis of the Internet]. Utah: University of Utah; 1971. [acesso 28 nov 2013]. Disponível em: http://content.lib.utah.edu/utils/getfile/collection/etd1/id/1182/filename/1579.pdf
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).

Figura 1 -
Escala de avaliação da hiperemia, edema, equimose, secreção e coaptação das bordas da lesão (REEDA)(7).

Onze enfermeiras obstétricas, com 19,5 anos de experiência, em média, na assistência à puérperas, foram treinadas pela pesquisadora principal para aplicar a escala. Durante aproximadamente 15 dias, as profissionais utilizaram a escala para avaliar a condição perineal das puérperas durante o exame físico no alojamento conjunto. Neste período, as avaliações com a escala REEDA foram realizadas pela profissional e a pesquisadora principal, onde discutiram a pontuação atribuída a cada item. Cada profissional avaliou em média 10 mulheres no período de 6 a 48 horas após o parto. Durante a coleta de dados, a REEDA foi aplicada de maneira independente pela pesquisadora e pelas 11 enfermeiras obstétricas, denominadas juízas e treinadas previamente para usar a escala. As avaliações realizadas pela pesquisadora e por uma juíza foram comparadas em todos os itens da escala.

A régua Peri-Rule(tm)( 1818 Metcalfe A, Tohill S. Perineal tear assessment and the development of the peri-rule(tm). In: Henderson C, Bick D. Perineal care: an international issue. London: Quay Books MA Healthcare; 2005. p. 87-97. ) foi utilizada na avaliação dos itens da escala que necessitaram de mensuração. A mesma foi envolvida em uma camada de filme PVC e reutilizada após higienização com água e sabão, seguida por antissepsia com álcool a 70%. O item hiperemia foi considerado apenas em sua extensão, independente de estar presente unilateralmente, uma vez que não há esta opção na escala REEDA.

A análise de confiabilidade buscou o grau de concordância entre as avaliações das observadoras. Quanto maior a concordância observada entre as avaliações, maior a confiabilidade. Para esta análise foi utilizado o coeficiente Kappa, que varia de 0 a 1. Quando o valor de Kappa foi ≥0,75 considerou-se ótima concordância, no resultado >0,45 e <0,75 indicou boa concordância, enquanto o valor ≤0,45 indicou concordância marginal( 1919 Rosner B. Fundamentals of biostatistics. 7th ed. Boston: Brooks/Cole, Cengage Learning; 2011. ).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (processo no1006/2011/CEP-EEUSP) e a inclusão das mulheres ocorreu após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados foram coletados entre junho e outubro de 2011. Neste período ocorreram na instituição 131 partos normais com episiotomia, no entanto, apenas 61 mulheres atenderam aos critérios de inclusão. Destas, três não aceitaram participar do estudo e quatro foram excluídas da pesquisa por uso de bolsa de gelo, medicamento anti-inflamatório ou analgésico local (Andolba(r)) aplicado na região perineal. Assim, 54 mulheres foram incluídas no estudo.

Resultados

O estudo comparou as avaliações de cicatrização de episiotomia entre 54 puérperas, em que as profissionais da saúde utilizaram a escala REEDA. A maioria das mulheres se autodenominou branca ou parda (88,9%), tinha 11 anos de estudo (42,6%) e parceiro fixo (92,6%). A média de idade foi de 22,3 anos (DP = 4,2). Quase 95% das mulheres eram primíparas e 72,2% receberam anestesia raquidiana durante o trabalho de parto. A média da extensão da episiotomia foi de 3,4 cm e a técnica de sutura utilizada na episiorrafia foi a convencional por planos (mucosa vaginal com pontos contínuos ancorados, músculo, tecido subcutâneo e pele com pontos separados).

As avaliadoras identificaram complicações na cicatrização da episiotomia principalmente nas primeiras 48h após o parto. A maior frequência de hiperemia (14,8%), edema (44,4%) e (35,2%) deiscência foi observada na segunda, primeira e quarta avaliações, respectivamente. A incidência de equimose manteve-se semelhante nas três primeiras avaliações (18,5%) e não foi identificada na quarta avaliação. Secreção foi constatada a partir de 40h após o parto (3,7%).

As avaliadoras atribuíram na primeira avaliação a mesma pontuação total na escalaREEDA para 44 (81,5%) mulheres. Nas 10 mulheres restantes foram encontradas diferenças na pontuação que variaram de 1 a 5 pontos. Na segunda avaliação, a pontuação coincidiu para 72,2% das mulheres, enquanto as diferenças observadas nas 15 mulheres restantes oscilaram de 1 a 3 pontos. Na terceira avaliação, o escore total foi igual para 83,3% das puérperas e as diferenças variaram entre 1 e 3 pontos nas mulheres restantes. Na quarta avaliação, houve coincidência na pontuação em 83,6% das avaliações e a diferença variou de 1 a 2 pontos nas mulheres restantes (Tabela 1).

Tabela 1 -
Concordância na pontuação total da REEDA nas quatro avaliações entre pesquisadora e juíza. Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.

Em relação à primeira avaliação dos itens da REEDA, constatou-se pequena diferença entre as médias de três dos cinco itens, exceto para os itens secreção e coaptação, cujas médias foram iguais. Na pontuação total, as médias foram semelhantes (Tabela 2).

Tabela 2 -
Comparação das médias e Desvio Padrão (DP) dos itens da escala REEDA entre pesquisadora e juíza, na primeira (6-10h) e segunda (20-24h) avaliações. Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.

Na segunda avaliação os valores médios dos itens equimose, secreção e coaptação foram semelhantes. Para edema e hiperemia a diferença variou de 0,11 a 0,28, respectivamente. A diferença encontrada na média da pontuação total da escala foi de 0,28 (Tabela 2).

A terceira avaliação mostrou que a média da pontuação indicada pela pesquisadora e pela juíza para cada um dos itens analisados foi semelhante, com exceção da hiperemia. Esta semelhança também ocorreu para a média da pontuação total (Tabela 3). Na quarta avaliação, os resultados referem-se à avaliação de 43 mulheres e devido à perda de seguimento de 11 puérperas: nove não compareceram à consulta de retorno e duas utilizaram anti-inflamatório no períneo. Os itens hiperemia, edema, equimose e secreção apresentaram valores médios iguais. A única diferença encontrada foi na avaliação do item coaptação. A média da pontuação total foi similar (Tabela 3).

Tabela 3 -
Comparação das médias e Desvio Padrão (DP) dos itens das escala REEDA entre a principal autora e juíza na terceira (40-48h) e quarta (7-10 dias) avaliações. Hospital da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil, 2011

Observou-se que os valores do coeficiente Kappa, utilizado para analisar concordância entre as avaliadoras nos quatro momentos, evidenciam concordância ótima, boa e marginal em 8, 7 e 5 avaliações dos itens, respectivamente.

Secreção foi o único item que apresentou concordância ótima em todas as avaliações. O item edema apresentou concordância marginal e boa nas três primeiras avaliações. Por outro lado, a concordância no item equimose foi marginal. Na quarta avaliação (de 7 a 10 dias) todos os itens avaliados apresentaram ótima ou boa concordância entre as avaliadoras (Tabela 4).

Tabela 4 -
Coeficientes Kappa para os itens da escala REEDA de acordo com os períodos de avaliação. Hospital da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil, 2011

Discussão

A adoção de protocolos com critérios bem definidos é fundamental para a avaliação sistemática e tratamento de lesões. Este estudo procurou avaliar a confiabilidade interobservadores da escala REEDA como instrumento de avaliação quantitativa da cicatrização perineal após episiotomia.

A ótima concordância verificada na avaliação da secreção está relacionada à baixa frequência deste evento na amostra estudada. Apenas duas mulheres apresentaram este evento na terceira e quarta avaliações. Quando os elementos da amostra são muitos semelhantes ao evento estudado, é mais difícil para o instrumento apontar os diferentes graus do atributo com confiabilidade (Polit e Beck, 2011).

A menor pontuação na escala REEDA foi observada para o item coaptação, observada nas primeiras horas após o parto (primeira, segunda e terceira avaliações), indicando aproximação máxima das bordas da ferida. A presença de sutura garantiu coaptação nestes momentos. Na quarta avaliação, de 7 a 10 dias após o parto, o material de sutura tinha sido totalmente absorvido. No estágio de cicatrização, é esperado que o tecido perineal passe pelo processo de proliferação( 6Dudley L, Kettle C, Ismail K. Prevalence, pathophysiology and current management of dehisced perineal wounds following childbirth. Br J Midwifery. 2013;21(3):160-71. ), no entanto a ferida pode apresentar deiscência parcial ou total, envolvendo tecidos superficiais como a pele ou camadas mais profundas, como os músculos. A dificuldade das profissionais em diferenciar cicatrização normal de cicatrização anormal, associada com as dimensões milimétricas apresentadas pela escala REEDA para avaliar coaptação pode explicar o baixo valor do coeficiente Kappa observado.

No caso da hiperemia, a dificuldade na aplicação da escala encontra-se no fato deste item ser avaliado bilateralmente na REEDA, enquanto na prática pode ocorrer em apenas um dos lados da incisão. Por esta razão, este item foi avaliado apenas quanto a sua extensão, uma vez que quando ocorreu unilateralmente, não havia como avaliá-lo segundo esta escala.

A concordância marginal na avaliação de edema e equimose, apontada pelos achados deste estudo, ressalta a complexidade na aplicação da escala, sobretudo devido à precisão com que são avaliados. A equimose pode ocorrer de forma discreta e pode ser difícil distinguir entre a ocorrência de hiperemia e equimose, mesmo quando os avaliadores são treinados( 7Hill PD. Psychometric properties of the REEDA. J Nurse Midwifery. 1990;35(3):162-5. ).

As dificuldades em definir e mensurar o edema perineal devem-se ao fato de que aREEDA utiliza a classificação de um a dois centímetros da borda da incisão. Este espaço pode ser confundido com saliências teciduais resultantes dos pontos apertados da episiorrafia. Ademais, o edema é avaliado somente em termos de largura em relação à borda da incisão, sem considerar a extensão e a profundidade do endurecimento( 7Hill PD. Psychometric properties of the REEDA. J Nurse Midwifery. 1990;35(3):162-5. ).

Outros estudos também evidenciam a dificuldade em identificar e avaliar edema e equimose perineal na prática clínica com a utilização de outros instrumentos de mensuração. Um estudo( 2020 Steen M, Cooper K. A tool for assessing perineal trauma. J Wound Care. 1997;6(9):432-6. ) foi conduzido para desenvolver e validar um instrumento para avaliar a gravidade do trauma perineal, baseado em níveis de edema e equimose. Vinte mulheres avaliadas até 48h depois da episiotomia foram divididas em dois grupos avaliados por duas obstetrizes experientes e duas recém-formadas. O instrumento consistia em fotos que representavam diferentes graus de edema e equimose, classificados como nenhum, leve, moderado e severo, às quais eram submetidas a uma escala categórica. O coeficiente Kappa demonstrou ótima confiabilidade entre as examinadoras (0,86 e 0,85 para edema; 1 e 0.85 para equimose). Entretanto, houve dificuldade em classificar edema em nove casos e equimose em quatro casos. As profissionais menos experientes referiram maiores incertezas na aplicação da escala( 2020 Steen M, Cooper K. A tool for assessing perineal trauma. J Wound Care. 1997;6(9):432-6. ).

Os dados também apontam que a REEDA mostrou melhor concordância quando utilizada na consulta de retorno, quando os itens de menor concordância (hiperemia, edema e equimose) já não estavam presentes. Esses sinais inflamatórios locais são esperados no início do processo de cicatrização, regredindo com a evolução das reações locais e a absorção do material de sutura. Depois de quase duas semanas, a formação da matriz celular e de tecidos geralmente está completa, embora este processo possa levar muitos meses( 2121 Greaves NS, Ashcroft KJ, Baguneid M, Bayat A. Current understanding of molecular and cellular mechanisms in fibroplasia and angiogenesis during acute wound healing. J Dermatol Sci. 2013;72(3):206-17. ). Estes resultados indicam a necessidade de estudos futuros para redefinir os critérios de avaliação destes itens.

As limitações deste estudo incluem amostra pequena, que não foi calculada para detectar diferença na comparação da avaliação das juízas. No entanto, a amostra foi suficiente para identificar os itens com baixa taxa de concordância interobservadores. As avaliações foram realizadas por várias profissionais, o que por um lado aumenta a variabilidade dos dados, mas por outro permite verificar o uso da escala REEDA em situação clínica.

Conclusão

Dos cinco itens da escala REEDA, hiperemia, secreção e coaptação são os que permitiram avaliações mais consistentes. A avaliação dos itens equimose e edema, no entanto, é pouco confiável. A escala permite melhor avaliação da cicatrização perineal quando aplicada de 7 a 10 dias após o parto, quando os itens de menor correlação não estão presentes. A escala possui classificação muito detalhada dos itens, entretanto, os critérios de avaliação não são claros, o que dificulta sua aplicação. A diferença na pontuação entre os avaliadores na aplicação da escala mostra que este é um instrumento de pouca precisão e deve ser aprimorado, favorecendo o registro dos dados e a sistematização na avaliação do processo cicatricial da episiotomia.

Um instrumento confiável para avaliar cicatrização perineal é valioso para obstetrizes, enfermeiras obstétricas e outros profissionais, para obtenção de uma avaliação concisa, que possa facilitar a mensuração e melhorar o cuidado do processo de cicatrização perineal.

References

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    Declercq ER, Sakala C, Corry MP, Applebaum S, Herrlich A. Listening to mothers III - pregnancy and birth: report of the Third National U.S. Survey of Women´s Childbearing Experiences [Internet]. New York: Childbirth Connection; 2013. Home with a new baby; p. 28-33. [acesso 13 jan 2014]. Disponível em: https://correio.usp.br/service/home/~/Declercq_2013%20Listening%20to%20MothersSM%20III%20Nadir.pdf?auth=co&loc=pt_BR&id=26463&part=2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2013
  • Aceito
    26 Set 2014
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