Satisfação dos usuários de Centros de Atenção Psicossocial^*

Resumos

Objetivo:

avaliar a satisfação dos usuários com o atendimento nos Centros de Atenção Psicssocial e sua associação com fatores clínicos e sociodemográficos.

Método:

este estudo transversal foi realizado com 55 usuários de 5 Centros de Atenção Psicossocial. As características sociodemográficas e clínicas foram obtidas por uma entrevista estruturada individual. Para a coleta de dados foi utilizada a versão abreviada da Escala de Satisfação com os Serviços de Saúde Mental (SATIS-BR).

Resultados:

foram analisados descritivamente e para análise das associações foram ajustados modelos de regressão logística simples e múltiplo, estimando-se os odds ratio brutos e ajustados, com os respectivos intervalos de confiança de 95%. Resultados: A idade média da amostra foi de 40,1 (±12,4) anos e a média para o grau de satisfação foi de 4,56 (±0,45). Usuários com menor escolaridade (ensino fundamental) apresentaram 5 vezes mais chance de terem menor satisfação (p<0,05). Usuários com frequência de acompanhamento intensivo apresentaram 5 vezes mais chance de apresentarem menor satisfação do que os usuários que recebem acompanhamento mensal (p<0,05).

Conclusão:

a maioria dos usuários se encontram satisfeitos com o atendimento e fatores como baixa escolaridade e maior frequência de acompanhamento influenciaram a satisfação.

Descritores:
Satisfação do Paciente; Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Atenção à Saúde; Avaliação em Saúde

Objective:

evaluate the satisfaction of users with the care provided at the Psychosocial Care Centers and its association with clinical and sociodemographic factors.

Method:

this cross-sectional study was conducted with 55 users from 5 Psychosocial Care Centers. The sociodemographic and clinical characteristics were obtained through an individual structured interview. The abbreviated version of the Mental Health Services Satisfaction Scale (SATIS-BR) was used for data collection.

Results:

were descriptively analyzed and simple and multiple logistic regression models were adjusted for analysis of associations, estimating the gross and adjusted odds ratio, with the respective confidence intervals of 95%. Results: the age average of the sample was 40.1 (±12.4) years and the degree of satisfaction average was 4.56 (±0.45). Users with less education (primary school) had 5 times more chance of having less satisfaction (p<0.05). Users with frequency of intensive monitoring were 5 times more likely to have less satisfaction than users who receive monthly monitoring (p<0.05).

Conclusion:

the majority of users are satisfied with the service and factors such as low education and higher frequency of monitoring influenced the satisfaction.

Descriptors:
Patient Satisfaction, Health Services Research; Mental Health; Mental Health Services; Health Care; Health Evaluation

Objetivo:

evaluar la satisfacción de los usuarios con la asistencia en los Centros de Atención Psicosocial y su asociación con factores clínicos y sociodemográficos.

Método:

este estudio transversal se realizó con 55 usuarios de 5 Centros de Atención Psicosocial. Las características sociodemográficas y clínicas se obtuvieron a través de una entrevista individual estructurada. Para la recolección de datos se utilizó la versión abreviada de la Escala de Satisfacción de Servicios de Salud Mental (SATIS-BR).

Resultados:

se analizaron los datos descriptivamente y para el análisis de las asociaciones se ajustaron modelos de regresión logística simple y múltiple, estimando los odds ratio brutos y ajustados, con los respectivos intervalos de confianza del 95%. Resultados: la edad media de la muestra fue de 40,1 (±12,4) años y la media del grado de satisfacción fue de 4,56 (±0,45). Los usuarios con menos años de escolaridad (escuela primaria) tuvieron 5 veces más probabilidades de tener menos satisfacción (p<0,05). Los usuarios con frecuencia de monitoreo intensivo fueron 5 veces más propensos a tener menos satisfacción que los usuarios que reciben monitoreo mensual (p<0.05).

Conclusión:

la mayoría de los usuarios están satisfechos con el servicio y factores como la baja educación y la mayor frecuencia de seguimiento influyen en la satisfacción.

Descriptores:
Satisfacción del Paciente; Investigación en Servicios de Salud; Salud Mental; Servicios de Salud Mental; Atención a la Salud; Evaluación en Salud

Introdução

Ao longo da história do Brasil, o modelo manicomial baseado na cura e eliminação dos sintomas de desordem psíquica, tinha como instituição principal os hospitais psiquiátricos com tratamentos baseados na internação, técnicas de hidroterapia, administração excessiva de medicamentos, até aplicação de estímulos elétricos ou o uso de procedimentos cirúrgicos⁽¹⁾.

Com o movimento de Reforma Psiquiátrica houve um reordenamento do modelo assistencial visando possibilitar maior autonomia às pessoas que sofrem com transtornos mentais⁽²⁾. Assim, a partir da Lei 10.216 de 06 de abril de 2011, a saúde mental vem assumindo novos modelos de cuidado para as pessoas com sofrimento psíquico que ultrapassam a esfera do isolamento e segregação⁽³⁾, o que representa uma mudança de olhar acerca da saúde mental onde o foco do tratamento passa a ser o paciente e não a doença, e a principal ferramenta de trabalho consiste no Projeto Terapêutico Singular formulado pela equipe juntamente com o usuário de modo a atender suas necessidades tanto clínicas como psicossociais⁽⁴⁾.

O desenho da rede de saúde mental brasileira se configura a partir do surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que trazem ao sujeito um suporte extra-hospitalar diminuindo futuras internações, buscando a reintegração social do paciente e oportunizando a dignidade e autonomia do mesmo a partir das atividades e práticas terapêuticas ofertadas⁽⁵⁾. Esses dispositivos possuem caráter aberto e comunitário e são compostos por equipes multiprofissionais e transdisciplinares que realizam atendimento a usuários com transtornos mentais graves e persistentes e à pessoas com sofrimento e/ou transtornos mentais em geral, sem excluir aqueles decorrentes do uso de crack, álcool ou outras drogas⁽⁶⁾. Os CAPS são organizados em diferentes modalidades de acordo com o público atendido e a demanda populacional⁽⁷⁾.

Nesse sentido, com a ampliação da preocupação em instrumentalizar os serviços de saúde mental e melhorar a eficiência dos mesmos, estudos revelam a importância de estudar a satisfação dos usuários, familiares e trabalhadores dos serviços de saúde mental^(8-10) e o perfil dos usuários atendidos por esses serviços possibilitando conhecer características sociodemográficas e clínicas dos usuários pesquisados^(11-13).

Pesquisas realizadas na região da planície litorânea do Piauí tiveram o propósito de conhecer a realidade da reforma psiquiátrica piauiense, evidenciando os principais desafios^(14-15), além das experiências vivenciadas na constituição da Rede de Atenção Psicossocial na capital piauiense⁽¹⁶⁾ retratando o processo de regionalização da saúde mental da planície litorânea do Piauí⁽¹⁷⁾.

A avaliação dos serviços de saúde mental na visão dos usuários é um recurso importante, pois possibilita detectar a resolubilidade dos serviços e a capacidade de atender às perspectivas dos usuários, considerando-os como protagonistas na produção de conhecimento acerca da temática da saúde mental⁽¹⁸⁾. Assim, com este trabalho buscou-se avaliar a satisfação dos usuários com os atendimentos dos CAPS e a associação com fatores clínicos e sociodemográficos.

Método

Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido no ano de 2017, na planície litorânea no extremo norte do Piauí, que possui uma população estimada de 265 mil habitantes⁽¹⁹⁾. O estudo foi desenvolvido nos 05 CAPS de referência da região: CAPS II e CAPS AD localizados no município de Parnaíba que possui 145.705 habitantes (IDH 0,687), CAPS I em Luís Correia, municipio de 28.406 habitantes (IDH 0,541), CAPS I em Cocal, 26.036 habitantes (IDH 0,497) e CAPS I em Buriti dos Lopes, municipio com 19.074 habitantes (IDH 0,574), conforme dados do último censo realizado pelo Instituto IBGE em 2010.

Todos os 05 CAPS da região foram convidados a participar e todos concordaram. Foram convidados usuários de ambos os sexos que participavam das atividades há pelo menos 01 (um) ano⁽²⁰⁾. Foram excluídos os menores de 18 anos e os que apresentassem algum tipo de impedimento que pudesse dificultar a compreensão e respostas às perguntas do questionário proposto.

A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação individual dos questionários contendo blocos de perguntas relacionadas ao perfil do usuário, características clínicas e ao seu grau de satisfação, no horário de funcionamento dos serviços, de segunda a sexta feira, em um espaço previamente reservado para garantir a privacidade dos respondentes. Foi realizado um estudo piloto com 05 (cinco) usuários com a finalidade de verificar a aplicabilidade e a compreensão do instrumento.

O perfil do usuário foi avaliado considerando questões relacionadas às características sociodemográficas: sexo, idade, escolaridade, ocupação e renda⁽²⁰⁾. As perguntas sobre as características clínicas envolveram o uso de medicação, histórico de internação e a participação em atividades terapêuticas.

A avaliação do grau de satisfação do usuário foi avaliada pela Escala de Satisfação com os Serviços de Saúde Mental (SATIS-BR)⁽²¹⁾ validada no Brasil⁽²²⁾. A escala possui 12 itens quantitativos, distribuídos em três subescalas: satisfação com a competência e compreensão da equipe; acolhida da equipe e ajuda recebida e satisfação com as condições físicas e conforto do serviço.

Para análise dos resultados obtidos, inicialmente foram construídas tabelas de distribuição de frequências e calculadas as estatísticas descritivas do perfil da amostra e do grau de satisfação. Também foram calculados a média e os respectivos desvios-padrão dos escores de satisfação global e das suas sub escalas. Foram então analisadas as associações da satisfação, dicotomizadas pela mediana, com as variáveis sociodemográficas e clínicas. Para analisar as associações foram ajustados modelos de regressão logística simples e múltiplo, estimando-se os odds ratio brutos e ajustados, com os respectivos intervalos de confiança de 95%. As análises foram realizadas nos programas SAS e R.

Este estudo foi conduzido de acordo com os preceitos determinados pela Resolução 466/12 para estudo com seres humanos, e aprovado com CAAE 64291317.5.0000.5374.

Resultados

Dos 150 usuários selecionados, foram excluídos 13 por serem menores de 18 anos, 64 por apresentarem dificuldade de compreensão do questionário e 18 ,que mesmo apresentando condições de responder aos questionamentos, não quiseram concluir a pesquisa. A perda amostral foi de 63,4 % totalizando 55 usuários dos quais 08 procedentes do CAPS de Buriti dos Lopes, 15 do CAPS de Cocal, 10 do CAPS de Luís Correia e 22 dos CAPS de Parnaíba.

A idade média da amostra foi de 40,1 (±12,4) anos, e a maioria eram do sexo masculino (56,4%), com ensino fundamental incompleto (65,4%), solteiro (56,4%), sem ocupação (61,8%), com renda de um a dois salários mínimos (61,8%) e que recebem o Benefício de Prestação Continuada (41,8%) conforme exposto na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição de frequências das variáveis sócio demográficas dos usuários em atendimento em Centros de Atenção Psicossocial da Planície Litorânea. Piauí, PI, Brasil, 2017

Variável	Categoria	Frequência	Porcentagem
Sexo	Feminino	24	43,6
	Masculino	31	56,4
Escolaridade	Nenhuma	7	12,7
	Fundamental incompleto	29	52,7
	Fundamental completo	1	1,8
	Médio incompleto	4	7,3
	Médico completo	12	21,8
	Médio completo/Técnico	2	3,6
Estado Civil	Casado	13	23,6
	Divorciado	2	3,6
	Separado	3	5,4
	Solteiro	31	56,4
	União estável	3	5,4
	Viúvo	3	5,4
Ocupação	Agricultor	3	5,5
	Aposentado	1	1,8
	Com ocupação	17	38,2
	Sem ocupação	34	61,8
Renda*	Menos de um salário mínimo	20	36,4
	De um a dois salários	34	61,8
	De três a quatro salários	1	1,8

• ^*
  valor de referência R$ 937,00 no ano de 2015, Brasil

Na Tabela 2 observa-se que 32,7% procuraram o tratamento espontaneamente, 25,4% foram encaminhados pela família ou amigos e 23,6% por meio de encaminhamento médico. Do total 49,1% têm acompanhamento intensivo, 90,9% usa medicamento e 49,1% ja foi internado.

Tabela 2
Distribuição de frequências das variáveis relacionadas ao tratamento dos usuários em atendimento em Centros de Atenção Psicossocial da Planície Litorânea. Piauí, PI, Brasil, 2017

Variável	Categoria	Frequência	Porcentagem
Encaminhamento	Espontânea	18	32,7
	Família/amigos	14	25,4
	Médico	13	23,6
	Outros serviços	12	18,3
	UBS*	5	9,1
Início do tratamento	Até 5 anos	19	34,6
	Mais de 5 anos	36	65,4
Frequência do acompanhamento	Intensivo (internação)	27	49,1
	Semi-intensivo	9	16,4
	Semanal	3	5,5
	Mensal	16	29,1
Uso de medicamento	Não	5	9,1
	Sim	50	90,9
Internação prévia	Não	28	50,9
	Sim	27	49,1
Realiza atividades	Não	19	34,6
	Sim	36	65,5

• ^*
  UBS = Unidade Básica de Saúde

Na Tabela 3 é possível observar que o grau de satisfação global variou de 3,30 a 5,00 com média de 4,56. Ao analisar os resultados considerando-se as subescalas, verifica-se que para a competência e compreensão da equipe a respeito do seu problema, a avaliação variou de 3,00 a 5,00, com média de 4,62. Para acolhida da equipe e ajuda recebida no serviço o grau de satisfação variou de 3,30 a 5,00 com média de 4,70. Já para as condições físicas e conforto do serviço o grau variou de 2,00 a 5,00 com média de 4,14.

Tabela 3
Estatística descritiva do grau de satisfação de usuários com atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial da Planície Litorânea. Piauí, PI, Brasil, 2017

Subescala avaliada	Média	Mediana	Mínimo	Máximo	Desvio padrão
Competência e compreensão da equipe a respeito do seu problema	4,62	4,70	3,00	5,00	0,47
Acolhida da equipe e à ajuda recebida no serviço	4,70	5,00	3,30	5,00	0,38
Condições físicas e conforto do serviço	4,14	4,50	2,00	5,00	0,94
Escala Global (Total)	4,56	4,70	3,30	5,00	0,45

Na Tabela 4 são apresentados os resultados das análises individuais das associações da satisfação dos usuários com fatores sociodemográficos e na Tabela 5, com base na analise de regressao multipla nota-se que os usuários com menor escolaridade (até o ensino fundamental) apresentam 5,63 (IC95%1,35-23,46) vezes mais chance de apresentar menor satisfação (p<0,05). Também foi observado que os usuários com frequência de acompanhamento intensivo e semi-intensivo apresentam 5,38 (IC95%:1,22-23,68) e 41,80 (IC95%:3,18-550,05) vezes mais chance de apresentar menor grau de satisfação (p<0,05) do que aqueles que recebem acompanhamento mensal.

Tabela 4
Resultados das análises individuais para as associações das variáveis sociodemográficas com a satisfação de usuários em atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial da Planície Litorânea. Piauí, PI, Brasil, 2017

Variável	Categoria	n (%)	Grau de satisfação		OR* bruto (IC†95%)	p-valor
			≤4,6‡ §	>4,6
Sexo	Feminino	24 (43,6)	12 (50,0)	12 (50,0)	Ref
	Masculino	31 (56,4)	17 (54,8)	14 (45,2)	1,21 (0,42-3,53)	0,7216
Idade	≤ 39 anos §	29 (52,7)	13 (44,8)	16 (55,2)	Ref
	> 39 anos §	26 (47,3)	16 (61,5)	10 (38,5)	1,97 (0,67-5,78)	0,2175
Escolaridade	< fundamental completo	37 (67,3)	23 (62,2)	14 (37,8)	3,28 (1,00-10,73)	0,0489
	> fundamental completo	18 (32,7)	6 (33,3)	12 (66,7)	Ref
Estado civil	Sem companheiro	34 (61,8)	18 (52,9)	16 (47,1)	1,02 (0,34-3,04)	0,9677
	Com companheiro	21 (38,2)	11 (52,4)	10 (47,6)	Ref
Renda (salário mínimo)||	< 1	20 (36,4)	9 (45,0)	11 (55,0)	Ref
	> 1	35 (63,6)	20 (57,1)	15 (42,9)	1,63 (0,54-4,93)	0,387
Encaminhamento	Espontânea	18 (32,7)	9 (50,0)	9 (50,0)	Ref
	Amigos/família	14 (24,5)	8 (57,1)	6 (42,9)	1,33 (0,33-5,43)	0,6882
	Outros	23 (41,8)	12 (52,1)	11 (47,8)	1,09 (0,32-3,75)	0,8901
Inicio tratamento	Até 5 anos	19 (34,6)	10 (52,6)	9 (47,4)	Ref
	Mais de 5 anos	36 (65,4)	19 (52,8)	17 (47,2)	1,01 (0,33-3,06)	0,9918
Frequência de consultas	Intensivo	27 (49,1)	15 (55,6)	12 (44,4)	3,75 (0,96-14,65)	0,1002
	Semi-intensivo	9 (16,4)	8 (88,9)	1 (11,1)	24,00 (2,25-255,94)	0,0085
	Semanal	3 (5,4)	2 (66,7)	1 (33,3)	6,00 (0,42-85,25)	0,3922
	Mensal	16 (29,1)	4 (25,0)	12 (75,0)	Ref
Uso de medicamento	Não	5 (9,1)	4 (80,0)	1 (20,0)	4,00 (0,42-38,34)	0,2293
	Sim	50 (90,9)	25 (50,0)	25 (50,0)	Ref
Internação	Não	28 (50,9)	14 (50,0)	14 (50,0)	Ref
	Sim	27 (49,1)	15 (55,6)	12 (44,4)	1,25 (0,43-3,61)	0,6801
Atividades	Não	19 (34,5)	6 (31,6)	13 (68,4)	Ref
	Sim	36 (65,4)	23 (63,9)	13 (36,1)	3,83 (1,18-12,50)	0,026

• ^*
  OR = Odds ratio;
• ^†
  IC = Intervalo de confiança de 95%;
• ^‡
  ≤4,6 = Nível de referência;
• ^§
  ≤4,6 = Mediana;
• ^||
  Renda = valor de referência R$ 937,00 no ano de 2015, Brasil

Tabela 5
Resultado da análise múltipla para as associações das variáveis sociodemográficas com a satisfação de usuários em atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial da Planície Litorânea. Piauí, PI, Brasil, 2017

Variável	Categoria	n (%)	Grau de satisfação		OR* ajustado (IC†95%)	p-valor
			≤4,6‡ §	>4,6
Escolaridade	< fundamental completo	37 (67,3)	23 (62,2)	14 (37,8)	5,63 (1,35-23,46)	0,0176
	> fundamental completo	18 (32,7)	6 (33,3)	12 (66,7)	Ref
Frequência de consultas	Intensivo	27 (49,1)	15 (55,6)	12 (44,4)	5,38 (1,22-23,68)	0,0260
	Semi-intensivo	9 (16,4)	8 (88,9)	1 (11,1)	41,80(3,18-550,05)	0,0045
	Semanal	3 (5,4)	2 (66,7)	1 (33,3)	8,71(0,48-156,84)	0,1421
	Mensal	16 (29,1)	4 (25,0)	12 (75,0)	Ref

• ^*
  OR = Odds ratio;
• ^†
  IC = Intervalo de confiança de 95%;
• ^‡
  ≤4,6 = Nível de referência;
• ^§
  ≤4,6 = Mediana

Discussão

Os resultados revelaram prioritariamente que os pacientes mostram-se satisfeitos com o serviço de saúde mental, traduzindo uma visão positiva que estes usuários têm do serviço ao qual participam. Este resultado se assemelha ao verificado em outros estudos que avaliaram a satisfação dos pacientes utilizando o questionário SATIS-BR^(20-22) .

Quanto ao perfil dos usuários avaliados a maioria são adultos jovens, do sexo masculino, com baixo nível de escolaridade, renda de 1 a 2 salários mínimos e solteiros. Embora a amostra nesse estudo tenha sido de conveniência, nota-se que este perfil também foi encontrado em outros estudos envolvendo usuários de CAPS no Brasil^{(11,13-20,23-26)}. Esta diferença observada em relação ao sexo pode estar relacionada à própria natureza do serviço avaliado no presente estudo, ja que embora apenas 1 dos CAPS seja registrado para o atendimento de pacientes dependentes de álcool e drogas, os demais também ofertam atendimento ao público em tratamento pelo uso de álcool e outras drogas, majoritariamente masculino⁽³⁾.

Os adultos jovens representaram a maioria no estudo^(13,20) e apesar da média de idade dos usuários estar na faixa das pessoas economicamente ativas que deveriam estar inseridas no mercado de trabalho, a falta de oportunidade de trabalho associada à baixa escolaridade que dificulta a inserção no mercado, tem como consequência a dependência dos mesmos à família e aos auxílios do governo para que possam suprir as suas necessidades básicas⁽²⁷⁾ o que faz com que o público majoritário do serviço seja o de uma população economicamente menos favorecida⁽²⁸⁾.

Além disso, o transtorno mental muitas vezes traz para a vida do indivíduo dificuldades de relacionamento social, afetivo e interpessoal⁽²⁹⁾ o que leva à compreensão do fato de que a maioria dos usuários sejam solteiros⁽³⁰⁾ trazendo a tona a reflexão a cerca de como estes indivíduos são vistos pela sociedade e pela própria família prejudicando a sua reinserção social, a retomada do trabalho e de sua dignidade como cidadão.

Um fator primordial para a integralidade do cuidado em saúde é a garantia de que o usuário terá suas necessidades atendidas dentro de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)⁽⁷⁾, oportunizando o acesso e a articulação de ações e serviços de saúde em diferentes níveis de complexidade. Quando se avaliou de que forma os usuários chegaram ao serviço observou-se que, em geral, a busca foi espontânea ou intermediada pelos familiares. A porta de entrada de qualquer serviço público de saúde deveria ser a atenção primária⁽²³⁾ que neste estudo referenciou uma pequena porcentagem de usuários, o que pode sinalizar para uma possível dificuldade dos serviços de atenção primária na busca ativa destes pacientes para o encaminhamento para os serviços de referência.

Os CAPS são reconhecidos pelos usuários como espaços com potência terapêutica, uma vez que relataram ter observado transformações efetivas em suas trajetórias, principalmente em sua relação com a doença e na construção de sentidos para o tratamento⁽³¹⁾ sendo espaços efetivos na assistência aos portadores de sofrimento psíquico⁽³²⁾ e no cuidado a saúde⁽³³⁾ uma vez que a maior parte dos usuários realizam o tratamento intensivo no CAPS principalmente pela disponibilidade de atividades terapêuticas adequadas aos mesmos⁽¹⁵⁾.

Apesar da maioria dos usuários realizarem atividades terapêuticas no CAPS como parte do tratamento ofertado, foi encontrado um índice elevado de pessoas em uso de medicações e com histórico prévio de internações. Há relato anterior de coexistência de práticas de cuidado que corroboram com os princípios da Reforma Psiquiátrica e outras que ainda reproduzem a lógica manicomial nos Centros de Atenção Psicossocial⁽³³⁾. A reformulação de todo o sistema de atenção a saúde voltado ao paciente com problemas relacionados a saúde mental é um processo complexo e contínuo que deve buscar a implementação de ações e estratégias que se sobreponham à institucionalização⁽³⁴⁾. Entretanto, as ações terapêuticas de serviços de saúde mental ainda apontam para uma ênfase na patologia e no medicamento⁽⁵⁾ em espaços que não possuem nem mesmo a estrutura mínima necessária para o desenvolvimento dos serviços⁽³⁵⁾.

Assim, faz-se fundamental a compreensão da percepção dos próprios pacientes sobre os resultados do tratamento como preditora da satisfação dos mesmos com os serviços⁽⁸⁾. Estudos relacionam a satisfação dos usuários à várias questões, entre elas: adesão ao tratamento, características do atendimento, variáveis sociodemográficas e clínicas dos pacientes, redução da sintomatologia, competência da equipe, qualidade do relacionamento profissional e paciente, acessibilidade ao serviço, qualidade das instalações, continuidade dos cuidados e a informação recebida^(8-9).

De forma geral os pacientes deste estudo revelaram-se satisfeitos com os serviços ofertados. A melhor avaliação foi em relação à ajuda recebida e à acolhida da equipe estando em concordância com outros estudos nacionais^(3,20-25). As criticas observadas foram basicamente em relação à condição física, no que se refere ao conforto, aparência e instalações gerais de banheiros, cozinhas e sala de refeição, característica também observada em outros estudos em que este subitem da escala de avaliação obteve a menor média^(20-25,36).

Nesta pesquisa os indivíduos de menor escolaridade, em tratamento semi-intensivo apresentaram mais chance de ter menor satisfação com o serviço. Diferente de outros estudos em que a satisfação entre os usuários analfabetos foi mais alta^(4,18,29). Esse resultado suscita a reflexão de que por estarem internados ou frequentarem o serviço de forma semi intensiva faz com se tornem mais críticos, além de perceberem com mais facilidade os problemas e falhas existentes. O nível de descontentamento pode também estar relacionado à natureza dos transtornos mentais uma vez que de acordo com o transtorno diagnosticado, os usuários podem apresentar níveis de satisfação divergentes⁽²⁰⁾.

Outro ponto observado foi que os usuários do CAPS II de Parnaíba (PI) participam de uma associação de usuários o que possibilita um maior conhecimento das diretrizes dos serviços de saúde mental, bem como, o entendimento dos usuários acerca dos seus direitos e capacidades dentro da sociedade. Observa-se então a valorização da autonomia do usuário que vem a fortalecer um dos fundamentos do recovery movimento que convoca os serviços para uma mudança em termos dos seus valores, objetivos e práticas, para maximizarem a participação e integração comunitária dos usuários, pelo reconhecimento de que são capazes de viver uma vida produtiva mesmo enquanto manifestam os sintomas da doença além do reconhecimento de que muitos vão se recuperar do seu transtorno mental⁽¹⁸⁾.

Ainda, em relação às associações da satisfação e perfil dos usuários observou-se que os pacientes do CAPS do município de Buriti dos Lopes (PI) apresentaram 12 vezes mais chances de ter menor satisfação do que os usuários dos demais CAPS avaliados neste estudo. Esta situação pode ser justificada pela falta de espaço físico, tanto para um melhor acolhimento dos usuários quanto para a realização de atividades terapêuticas. A melhoria na infraestrutura, bem como a diversificação das atividades e atendimentos já foram apontados em outros estudos da literatura como problemas a serem enfrentados por estes serviços^(25,36).

O CAPS do município de Luís Correia (PI) ultrapassa os limites de atuação do dispositivo em um único espaço físico, oportunizando atendimento aos pacientes da Zona Rural a partir do Projeto CAPS itinerante, fortalecendo assim o caráter psicossocial do serviço. Observa-se, então, que para estar em consonância com os pressupostos do modelo psicossocial, proposto pelo movimento da reforma psiquiátrica, é necessário que haja uma assistência sustentada nos serviços extra-hospitalares, de base comunitária, que busque oferecer aos seus usuários o exercício de cidadania, autonomia, reinserção social e que inclua ainda a família e a sociedade na discussão das mudanças em face da reforma psiquiátrica.

Na pesquisa observou-se que o acesso ao serviço, a participação do paciente em seu plano terapêutico e o entendimento do mesmo acerca da proposta do modelo de tratamento colaboraram para o alto nível de satisfação dos usuários. Apesar das diferenças históricas na construção do modelo de assistência e tratamento aos indivíduos com transtorno mental, um estudo realizado em território norte americano identificou como fatores preditores o acesso, a qualidade e a participação do paciente em seu plano terapêutico o que reflete as características do modelo psicossocial adotado no Brasil como diretriz para o enfoque prioritário da Rede de Atenção Psicossocial⁽³⁷⁾.

Algumas experiências de pesquisas têm demonstrado as potencialidades da participação efetiva de usuários em estudos avaliativos de intervenção. Este é um desafio relevante, não apenas para o estágio atual da reforma psiquiátrica brasileira, mas também para a ampliação das perspectivas analíticas e para o alcance social da pesquisa em psiquiatria e saúde mental no país^(27,38).

Estudos sobre avaliação dos serviços de saúde mental, sobretudo aqueles que descrevem a satisfação dos usuários, ainda são limitados mesmo com a mudança no paradigma do olhar acerca da saúde mental, que coloca o indivíduo numa posição de autonomia e empoderamento observado a partir da reforma psiquiátrica^{(10,20,22-23)}. Foi possível, a partir do estudo, obter informações importantes acerca da visão dos usuários em relação aos serviços prestados nos CAPs avaliados, embora a discussão deva considerar as limitações do estudo, como a impossibilidade de generalização dos seus resultados pelo tamanho reduzido da amostra e pela não aletorização da mesma na população alvo. A exclusão dos usuários que no momento do estudo apresentaram dificuldade de compreensão das perguntas relativas a escala SATIS-BR pode ter influenciado os resultados, pois aqueles que não responderam podem ter uma opinião diferente da emitida pelos participantes. Mesmo assim, considerando as devidas ponderações, os resultados obtidos são considerados importantes para os serviços avaliados, pois foi o primeiro estudo realizado nos CAPS localizados na região da Planície Litorânea do Piauí voltado à avaliação do grau de satisfação dos usuários com os serviços ofertados.

Conclusão

Os usuários dos CAPS apresentaram boa satisfação com o atendimento principalmente na dimensão competência e compreensão da equipe a respeito do problema do usuário e da acolhida da equipe e à ajuda recebida no serviço. Fatores como a escolaridade e acompanhamento de forma intensiva influenciaram negativamente na satisfação do usuário com o serviço.

• *
  Artigo extraído da dissertação de mestrado “Satisfação dos usuários dos centros de atenção psicossocial CAPS da região da planície litorânea do Piauí”, apresentada à Faculdade de Odontologia da São Leopoldo Mandic, Campinas, São Paulo, Brasil.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  20 Dez 2018
• Aceito
  07 Set 2019