Acessibilidade / Reportar erro

Aplicabilidade do índice de risco do sistema NNIS na predição da incidência de infecção do sítio cirúrgico (ISC) em um hospital universitário no sul do Brasil

Suitability of the NNISS risk index to predict the incidence of Surgical Site Infection (SSI) on a university hospital in Florianópolis, South Brazil.

Resumos

OBJETIVO: Investigar a aplicabilidade da metodologia do sistema NNIS em um hospital universitário brasileiro, por meio da avaliação do modelo preditivo de ISC que deu origem ao índice de medida de risco intrínseco. CASUÍSTICA E MÉTODO: Foi conduzida uma revisão retrospectiva dos prontuários de 9.322 pacientes submetidos a procedimento cirúrgico no período de janeiro de 1993 a dezembro de 1998. Os dados foram coletados utilizando a opção detalhada do componente de vigilância do paciente cirúrgico do sistema NNIS. Foi calculada a incidência de ISC de acordo com as diferentes categorias individuais dos componentes do índice de risco NNIS (Classe de Ferida, escore ASA e duração da cirurgia). A força da associação entre cada um destes fatores e a ocorrência de ISC foi medida pelo coeficiente Gamma de Goodman-Kruskal (G). RESULTADOS: O escore ASA mostrou-se o melhor preditor de ISC entre os componentes individuais do índice de risco (G=0.49). O índice composto mostrou ser um melhor preditor de ISC do que classe de ferida e teve um poder preditivo semelhante ao do ASA (G=0.50). CONCLUSÕES: O grau de associação entre o índice NNIS e a ocorrência de ISC encontrada no presente estudo está em consonância com os resultados relatados por outros autores e mostrou-se adequado para a avaliação do risco de infecção cirúrgica em nossos pacientes. Amostras utilizando diferentes hospitais com características semelhantes são necessárias para avaliar o risco associado com procedimentos cirúrgicos específicos.

Infecção do sítio cirúrgico; Risco; Sistema NNIS


BACKGROUND:The NNIS risk index has been largely recommended because it consists of a simple additive scale. Nevertheless, it has been seldom validated in populations other than the NNIS participating hospitals OBJECTIVES: To investigate the occurrence of Surgical Site Infection ( SSI ) using the traditional variables of the NNIS Index, and to approach the suitability of this methodology when applied to a smaller public university hospital (HU/UFSC) in Florianópolis, South Brazil. METHODS: A retrospective chart review of 9322 patients undergoing surgical procedures in the period of January 1993 to December 1998. RESULTS: The composite index showed to be a better predictor of SSI than Surgical Wound class (SWc) and presented a predictive power comparable to the ASA index. ASA together with length of surgery seemed to be the main contributors for the final performance of the composite index. CONCLUSIONS: The composite index using the variables of the traditional NNIS system showed to adequately predict the risk of SSI in our university hospital. Larger samples using different hospitals with similar characteristics are needed to approach the risk of SSI associated to specific surgical procedures.

Surgical site infection; Predictive risk; NNISS index


Artigo Original

APLICABILIDADE DO ÍNDICE DE RISCO DO SISTEMA NNIS NA PREDIÇÃO DA INCIDÊNCIA DE INFECÇÃO DO SÍTIO CIRÚRGICO (ISC) EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO NO SUL DO BRASIL

* * Correspondência: Beco da Lua, 232 - Porto da Lagoa Cep: 88062-475 - Florianópolis/SC P. F. Freitas, M. L. Campos, Z. M. Cipriano

Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Florianópolis, SC

RESUMO ¾ OBJETIVO: Investigar a aplicabilidade da metodologia do sistema NNIS em um hospital universitário brasileiro, por meio da avaliação do modelo preditivo de ISC que deu origem ao índice de medida de risco intrínseco.

CASUÍSTICA E MÉTODO: Foi conduzida uma revisão retrospectiva dos prontuários de 9.322 pacientes submetidos a procedimento cirúrgico no período de janeiro de 1993 a dezembro de 1998. Os dados foram coletados utilizando a opção detalhada do componente de vigilância do paciente cirúrgico do sistema NNIS. Foi calculada a incidência de ISC de acordo com as diferentes categorias individuais dos componentes do índice de risco NNIS (Classe de Ferida, escore ASA e duração da cirurgia). A força da associação entre cada um destes fatores e a ocorrência de ISC foi medida pelo coeficiente Gamma de Goodman-Kruskal (G).

RESULTADOS: O escore ASA mostrou-se o melhor preditor de ISC entre os componentes individuais do índice de risco (G=0.49). O índice composto mostrou ser um melhor preditor de ISC do que classe de ferida e teve um poder preditivo semelhante ao do ASA (G=0.50).

CONCLUSÕES: O grau de associação entre o índice NNIS e a ocorrência de ISC encontrada no presente estudo está em consonância com os resultados relatados por outros autores e mostrou-se adequado para a avaliação do risco de infecção cirúrgica em nossos pacientes. Amostras utilizando diferentes hospitais com características semelhantes são necessárias para avaliar o risco associado com procedimentos cirúrgicos específicos.

UNITERMOS: Infecção do sítio cirúrgico. Risco. Sistema NNIS.

INTRODUÇÃO

As infecções do sítio cirúrgico são as infecções mais freqüentes entre os pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. São responsáveis por 14 a 16% de todas as infecções hospitalares e representam um problema de saúde pública por acarretarem substancial morbidade, mortalidade e aumentarem os gastos hospitalares1.

Os sistemas de vigilância, ao identificarem grupos e fatores ou procedimentos de risco, oferecem subsídios às atividades de controle de infecção que podem resultar na redução das taxas de infecção do sítio cirúrgico em 35 a 50% dos pacientes. Um importante componente destes programas é a estratificação das taxas de infecção de acordo com fatores de risco associados com o desenvolvimento das infecções do sítio cirúrgico2.

O Sistema Nacional de Vigilância das Infecções Hospitalares (NNIS) dos centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) vem desenvolvendo e refinando algumas medidas já existentes de incidência das infecções hospitalares desde 1969. A partir da compreensão que as infecções hospitalares são expressões do resultado da assistência ou decorrentes de outros processos associados, esse sistema vem alcançando a mais ampla aplicação com indicadores de qualidade nessa área. A metodologia NNIS é um vantajoso referencial com o qual indicadores em infecções hospitalares de outros pesquisadores podem ser comparados3.

Atualmente, o Sistema NNIS verifica taxas de ISC, estratificadas, por índice de risco que é dirigido à população de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos específicos. Estas taxas de ISC, separadas em agrupamentos ou classes, levam em conta diferentes riscos de infecção.

A estratificação em um escore de risco composto, que considera estado físico geral do paciente, classificação da contaminação da ferida e duração do procedimento, produz comparações mais compreensíveis do que o agrupamento de todos os numeradores de ISC ou mesmo a estratificação pelo Sistema Tradicional de Classificação de Feridas.

Esse tipo de indicador é capaz, então, de discriminar corretamente um dado evento de outro, assim como detectar as mudanças ocorridas com o passar do tempo. Dessa maneira, o índice corrigido para ISC proposto pelo sistema NNIS permite comparações tanto entre hospitais como em momentos diferentes na mesma instituição4, possibilitando a análise de séries históricas, o que é largamente recomendado pela epidemiologia pelo seu potencial em gerar informação que permita comparações. O índice de risco do sistema NNIS, desenvolvido no início da década de 90, é utilizado nos pacientes das enfermarias de cirurgia do HU/UFSC, Florianópolis, Brasil, desde 1993 e é recomendado por especialistas em infecções hospitalares por sua simplicidade e facilidade de aplicação.

Analisou-se, no presente estudo, a aplicabilidade da metodologia do sistema NNIS em um hospital universitário brasileiro, por meio da avaliação do modelo preditivo de ISC que deu origem ao índice de medida de risco intrínseco.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Os dados do presente estudo provém da revisão retrospectiva dos prontuários de 9.322 pacientes submetidos a um procedimento cirúrgico em um hospital universitário no sul do Brasil no período de janeiro de 1993 a dezembro de 1998. Os dados foram coletados por um profissional do controle de infecção utilizando a opção detalhada do componente de vigilância do paciente cirúrgico do sistema NNIS5. Nenhum tipo de vigilância pós-alta foi conduzida para a detecção de infecção do sítio cirúrgico (ISC). Para identificação das ISC foram empregadas as definições dos CDC6, sem modificações, entre os pacientes internados e submetidos a um procedimento cirúrgico. Os componentes do índice de risco do paciente cirúrgico do sistema NNIS7 utilizados neste estudo foram: 1) O índice da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA)8,9,10. Na composição do índice de risco, o ASA contribuiu com 0 (zero) ponto para os escores 1 e 2 e com 1 (um) ponto para os escores 3,4 e 5. 2) Classe de Ferida ou potencial de contaminação do sítio cirúrgico (PC)11. Na composição do índice, o PC contribuiu com 0 (zero) ponto para as cirurgias limpas e potencialmente contaminadas e com 1 (um) ponto para as contaminadas e infectadas. 3) Duração da cirurgia. Medida em minutos e categorizada em duas classes (0 e 1), de acordo com o limite do ponto de corte, respectivamente abaixo e acima do percentil 75 da duração dos procedimentos cirúrgicos específicos. O ponto de corte discrimina cirurgias de curta e longa duração expressas em números inteiros de horas arredondadas.

Os dados coletados foram codificados e digitados em micro computador e o programa EPI-INFO versão 6.04 utilizado para a criação de um banco de dados, limpeza, checagem e análises preliminares. Análises complementares foram realizadas utilizando o programa SPSS versão 8.0 para Windows. Primeiramente foi calculada a incidência de ISC de acordo com as diferentes categorias dos componentes individuais do índice NNIS (ASA, PC e duração da cirurgia). A força da associação entre cada um destes fatores e a ocorrência de ISC foi medida pelo coeficiente Gamma de Goodman-Kruskal (G)12,13 que mede a associação entre duas variáveis ao nível ordinal. Pode ser entendida como a probabilidade que um par de observações aleatórias sejam concordantes menos a probabilidade de que o par seja discordante, assumindo-se a ausência de vínculos. Gamma é simétrico e varia entre ¾1 e +112.

RESULTADOS

Entre os 9.322 pacientes submetidos a um procedimento cirúrgico 632 (6,8% ) desenvolveram ISC antes da alta hospitalar.

As taxas de ISC de cada um dos componentes do índice de risco do paciente cirúrgico (ASA, PC e duração da cirurgia) são apresentados na tabela 1. O escore ASA mostrou-se o melhor preditor de ISC entre os componentes individuais do índice de risco (G=0,49) enquanto que o PC apresentou o mais baixo poder preditivo (G=0,31). O índice composto, apresentado na figura 1, mostrou ser um melhor preditor de ISC do que classe de ferida e teve um poder preditivo semelhante ao do ASA (G=0,50). Este índice apresentou um gradiente positivo quanto à incidência de infecção ao longo das diferentes categorias de risco. A taxa de ISC aumentou em proporção direta ao número de fatores de risco presentes (3,2%, 5,5%, 13,0%, e 23,0%).


DISCUSSÃO

A epidemiologia das ISC pode ser vista como um processo dinâmico através dos anos, no qual novos fatores relacionados tanto com os procedimentos e o ambiente hospitalar, quanto com fatores intrínsecos ao paciente e aos patógenos se acumulam instigando a busca por índices que expressem mais compreensivamente o risco de infecção e a multiplicidade de fatores envolvidos e que conseqüentemente favoreçam a prevenção efetiva.

Indicadores baseados apenas no número de infecções e procedimentos realizados são pouco específicos, uma vez que por um lado não expressam amplamente o grau de exposição aos potenciais fatores de risco e por outro são suscetíveis a influências outras, que não a qualidade dos serviços3,4. O relato das taxas de ISC estratificadas de acordo com os potenciais fatores de risco associados com infecção é, portanto, altamente recomendado5,11. Neste contexto, gravidade da doença de base, duração e tipo do procedimento, e classe da ferida cirúrgica têm sido tradicionalmente aceitos como fatores críticos na previsão do risco de ISC.

Recentemente, investigadores dos CDC desenvolveram a partir do índice proposto por Haley et al. em 1985, um outro índice para prever o risco de adquirir uma ISC2. O índice do NNIS que emprega três variáveis independentes com iguais pesos representando a influência combinada do estado geral do paciente, tempo de cirurgia relacionada com o procedimento específico e classe de ferida, vem sendo utilizado em nossos serviços de cirurgia no Hospital Universitário de Florianópolis, Santa Catarina desde 1993.

O objetivo principal do presente estudo foi investigar a aplicabilidade do índice NNIS nos pacientes submetidos a cirurgia em nosso hospital, por meio da avaliação do modelo preditivo de ISC que deu origem ao índice de medida de risco intrínseco.

O grau de associação entre o índice NNIS e a ocorrência de ISC encontrada no presente estudo está em consonância com os resultados relatados por Culver et al. (1991). O índice composto mostrou-se adequado para a avaliação do risco de infecção cirúrgica em nossos pacientes e seu melhor desempenho quando comparado à classe de ferida e aplicado à nossa amostra também está de acordo com resultados do mesmo autor. Entretanto, no presente estudo o escore ASA mostrou-se um indicador com um poder de predição comparável ao índice composto e juntamente com duração da cirurgia contribuiu com maior peso para o desempenho final do índice.

Estudos comparando e validando este índice em populações que não aquelas dos hospitais participantes do sistema NNIS são raros. Resultados do presente estudo reforçam a potencial aplicabilidade da metodologia NNIS em hospitais com recursos escassos como é o caso da maioria dos hospitais públicos no Brasil. Por outro lado, amostras utilizando diferentes hospitais com características semelhantes são fortemente sugeridas como necessárias na avaliação do risco associado com procedimentos cirúrgicos específicos.

SUMMARY

Suitability of the NNISS risk index to predict the incidence of Surgical Site Infection (SSI) on a university hospital in Florianópolis, South Brazil.

BACKGROUND:The NNIS risk index has been largely recommended because it consists of a simple additive scale. Nevertheless, it has been seldom validated in populations other than the NNIS participating hospitals

OBJECTIVES: To investigate the occurrence of Surgical Site Infection ( SSI ) using the traditional variables of the NNIS Index, and to approach the suitability of this methodology when applied to a smaller public university hospital (HU/UFSC) in Florianópolis, South Brazil.

METHODS: A retrospective chart review of 9322 patients undergoing surgical procedures in the period of January 1993 to December 1998.

RESULTS: The composite index showed to be a better predictor of SSI than Surgical Wound class (SWc) and presented a predictive power comparable to the ASA index. ASA together with length of surgery seemed to be the main contributors for the final performance of the composite index.

CONCLUSIONS: The composite index using the variables of the traditional NNIS system showed to adequately predict the risk of SSI in our university hospital. Larger samples using different hospitals with similar characteristics are needed to approach the risk of SSI associated to specific surgical procedures.

KEY WORDS: Surgical site infection. Predictive risk. NNISS index.

Artigo recebido: 22/12/99

Aceito para publicação: 04/06/00

  • 1. Emori TG, Gaynes RP. An Overview of Nosocomial Infections, including the role of the Microbiology Laboratory. Clin Microbial Rev 1993; 6(4): 428-42
  • 2. Haley RW, Culver DH, Morgan WM, White JW, Emori TG, Hooton TM. Identifying patients at high risk of surgical wound infection. A simple multivariate index of patient susceptibility and wound contamination. Am J Epidemiol 1985; 121:206-15.
  • 3. Scheckler, W.E. Interin Report of the quality indicators study group. Infect. Control Hosp. Epidemiol 1994.; 15: 265-8.
  • 4. Quality Indicator Study Group. An approach to the evaluation of quality indicators of the outcome of care in hospitalized patients with a focus on nosocomial infection indicators. Infect. Control Hosp. Epidemiol 1995. ;16: 308-16.
  • 5. Shea, APIC, CDC, SIS. Consensus paper on the surveillance of surgical wound infections. Infect Control Hosp 1992; 13(10):599-605.
  • 6. Horan TC, Gaynes RP, Martone WJ, Jarvis WR, Emori TG. CDC definitions of nosocomial surgical site infections, 1992: a modification of CDC definitions of surgical wound infections. Infect Control Hosp Epidemiol 1992; 13(10): 606-8.
  • 7. Culver DH, Horan TC, Gaynes RP, Martone WJ, Jarvis WR, Emori TG . Surgical wound infection rates by wound class, operative procedure, and patient risk index. National Nosocomial Infections Surveillance System. Am J Med 1991; 91(suppl 3B):152S-7S.
  • 8. New classification of physical status. Anesthesiology 1963; 24:111.
  • 9. Owens WD, Felts JA, Spitznagel El Jr. ASA physical status classification: a study of consistency of ratings. Anesthesiology 1978; 49: 239-43.
  • 10. Keats AS. The ASA classification of physical status ž a recapitulation. Anesthesiology 1978; 49: 233-6.
  • 11. Mangram AJ, Horan TC, Pearson ML, Silver LC, Jarvis WR, the Hospital Infection Control Practices advisory committee. Guideline for the prevention of surgical site infection, 1999. Infect Control Hosp Epidemiol 1999; 20: 247-80.
  • 12. Goodman LA, Kruskal WH. Measures of association for cross classifications. J Am Stat Assoc 1994; 49: 732-64.
  • 13. Wasser, TE. A software to calculate Goodman and Kruskal's Gamma: A method to monitor surgical ž site infection rates. Infect Control Hosp Epidemiol 1998; 19: 869-71.
  • *
    Correspondência:
    Beco da Lua, 232 - Porto da Lagoa
    Cep: 88062-475 - Florianópolis/SC
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2001
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Recebido
      22 Dez 1999
    • Aceito
      04 Jun 2000
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br