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A luta pelo acesso aos anti-retrovirais

Diretrizes

Economia da Saúde

A LUTA PELO ACESSO AOS ANTI-RETROVIRAIS

A questão da produção ou distribuição de genéricos de anti-retrovirais nos países economicamente menos favorecidos tem se mostrado e certamente continuará se apresentando como um dos grandes desafios a serem enfrentados pelas políticas de Aids destes países. Porquanto a distribuição gratuita destes medicamentos ou a produção dos genéricos correspondentes, por um preço menor, fere diretamente os interesses do capital internacional, representado pelos laboratórios farmacêuticos multinacionais.

Neste embate, pode-se destacar dois tipos de atores, cujas ações mostram-se caracterizadas por distintos princípios e motivações. De um lado, encontram-se a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial da Saúde (OMS), Organizações Não-governamentais (ONGs) e os governos dos países menos favorecidos. E, de outro, as empresas multinacionais e os países por elas representados. Estes consideram o medicamento anti-retroviaral como um bem de consumo; enquanto aqueles o tratam como um direito e, mais especificamente, como um direito à saúde. Estes são motivados pela legitimidade dada pela política social, aqueles pelo lucro do capital.

Como exemplo deste conflito pode-se citar as batalhas recentemente travadas por Brasil e África do Sul com os laboratórios multinacionais. Após o governo brasileiro ter declarado sua intenção de fabricar dois genéricos de anti-retrovirais, além dos oito já fabricados, os Estados Unidos deram queixa contra o Brasil na Organização Mundial de Comércio, acusando-o de violar a lei de patentes. No caso sul-africano, 39 laboratórios recorreram à justiça para impedir o país de importar e produzir genéricos de anti-retrovirais. Estes laboratórios se posicionavam contra a lei sul-africana que autoriza o governo a adquirir remédios genéricos mais baratos. Nestas duas situações, evidencia-se que os laboratórios multinacionais foram motivados pela busca do lucro na produção de um bem de consumo.

Apresenta-se aqui um paradoxo alarmante: os laboratórios impõem suas políticas de preços altos em países onde não se verifica uma demanda economicamente potencial, embora epidemiologicamente dominante. De acordo com dados da Unaids, 71,4% dos novos casos de Aids registrados no mundo se deram nos países da África Sub-Saariana, 14,6% no Sul e Sudeste da Ásia, 2,8% na América Latina, e apenas 0,8% ocorreram nos Estados Unidos. Sendo que, conforme dados do Banco Mundial1 1 . Consulte o site http: www.worldbank.org/poverty/data/trends/income.htm. , na África Sub-Saariana existem 290.9 milhões de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia. No Sul da Ásia, excluindo a China, este número é de 522 milhões de pessoas. Na América do Sul e Caribe, por sua vez, 78,2 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia.

Dado o baixo poder aquisitivo de grande parte da população destes países e o elevado número de casos HIV/Aids, ressalta-se, portanto, que a conduta dos laboratórios multinacionais traduz-se na negação do direito à saúde aos portadores do HIV. Cabe assim aos Estados continuarem lutando pela promoção do bem-estar, ou melhor, pela sobrevida dos portadores do vírus.

Foi dentro deste contexto, em que se trava uma luta entre interesses econômicos e político-sociais, que, a despeito do veto dos Estados Unidos, a Comissão de Direitos Humanos da ONU aprovou, em 23 de abril, uma resolução que define o acesso aos medicamentos anti-retrovirais como uma questão de direitos humanos. Este reconhecimento internacional constitui proeminente vitória pela luta contra a Aids no mundo sub-desenvolvido, pois disponibiliza um instrumento normativo a ser utilizado por estes países no decorrer de suas batalhas pelo direito a saúde. Contudo, além de instrumentos normativos globais, estes Estados devem criar outros mecanismos institucionais – nacionais ou regionais – a fim de reunir esforços políticos para que se possa de fato, garantir, sem discriminação, o acesso a remédios e tecnologia médica para o tratamento da Aids, como assinala a recente resolução da ONU.

Comentário

A diretriz que o Ministério da Saúde definiu, e para a qual obteve respaldo internacional, tem implicações não apenas para a política de combate à Aids no país, ao permitir sua consolidação a um custo razoável, mas também representa um marco, em nível internacional, já que vários países em desenvolvimento só poderão adotar uma política de combate à doença se contarem com medicamentos a baixo custo, e países como o Brasil e Índia têm condições tecnológicas de produzi-los. Entretanto, esta batalha com implicações humanitárias, econômicas e legais, dificilmente pode ser considerada vencida, pois ao mesmo tempo em que se trava a batalha legal no âmbito da Organização Mundial de Comércio, alguns laboratórios já passaram a oferecer medicamentos contra a Aids a países pobres a um custo bem inferior ao preço de mercado, dessa forma solapando a perspectiva de países como Brasil e Índia produzirem esses medicamentos e passarem a vendê-los a outros países.

FABIANA DA CUNHA SADDI

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    . Consulte o site http:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2001
    • Data do Fascículo
      Jun 2001
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