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Risco de sobrepeso e excesso de peso em crianças de pré-escolas privadas e filantrópicas

Resumos

OBJETIVO: Analisar a prevalência de risco de sobrepeso, e sobrepeso e obesidade em crianças de pré-escolas privadas e filantrópicas da região metropolitana de São Paulo. MÉTODOS: Comparação de dois estudos transversais, com crianças matriculadas em pré-escolas privadas (PEP) ou filantrópicas (PEF), nos quais o universo de crianças foi avaliado. Para classificar o risco de sobrepeso, e sobrepeso e obesidade, e os valores de índice de massa corpórea (IMC) foram transformados em escores z (Organização Mundial de Saúde - 2006 e 2007). RESULTADOS: A prevalência de risco de sobrepeso (z IMC > 1 a < 2) nas PEP foi de 21,9% e nas PEF, de 24,6%, com RP= 1,12 (IC 95%: 0,96-1,32), sem diferença estatística. Considerando as crianças com sobrepeso e obesidade (z IMC > 2), a prevalência nas PEP foi de 14,3% e nas PEF foi de 9,0%, RP = 1,54 (IC 95%: 1,23-1,93), com p = 0,0002. No sexo masculino, a prevalência de sobrepeso e obesidade nas PEP foi de 16,4% (n = 409) e nas PEF, de 11,1% (n = 829), RP = 1,48 (IC 95%: 1,10-1,98), e no sexo feminino foi de 12,5% (n = 400) nas PEP e 6,6% (n = 698) nas PEF, RP = 1,90 (IC 95%: 1,30-2,78), ambas as diferenças significantes. CONCLUSÃO: A prevalência de risco de sobrepeso foi semelhante e muito elevada nos dois grupos de crianças. O sobrepeso e a obesidade ainda apresentaram maior frequência nas crianças de pré-escolas privadas. Assim, apesar de uma melhor condição socioeconómica ainda ser fator de risco para sobrepeso e obesidade em pré-escolares, o mesmo parece que já não ocorre quando se analisa o risco de sobrepeso.

Pré-escolar; índice de massa corporal; sobrepeso; obesidade


OBJECTIVE: To assess the risk prevalence of overweight and obesity in children enrolled in private and philanthropic preschools in the State of São Paulo. METHODS: Comparison of two cross sectional studies with children enrolled in private preschools (PPS) or philanthropic (PHP) of the São Paulo Metropolitan Region. Both surveys evaluated the children's environment. To determine the risk of overweight, excess weight and obesity, body mass index (BMI) values were transformed into z scores (according to the World Health Organization - 2006 and 2007). RESULTS: The risk prevalence of overweight (≥ 1 BMIz < 2) in PPS was 21.9% and 24.6% in PHP, with PR = 1.12 (95% CI: 0.96-1.32), without statistical difference. Considering the children with overweight or obesity, (BMIz ≥ 2) the prevalence in PPS was 14.3% and in PHP was 9.0%, with PR = 1.54 (95% CI: 1.23-1.93), p = 0.0002. Overweight and obesity prevalence in males in PPS was 16.4% (n = 409) and in PHP, 11.1% (n = 829), PR = 1.48 (95% CI: 1.10-1.98) and in females it was 12.5% (n = 400) in the PPS and 6.6% (n = 698) in PHP, corresponding to PR = 1.90 (95% CI: 1.30-2.78), both significant differences. CONCLUSION: Both groups showed a similar and very high prevalence of weight excess. However, overweight and obesity showed a higher prevalence in children from private preschools. This indicates that even though a better socioeconomic level is still a risk factor for overweight and obesity in preschoolers, the same does not seem to occur when analyzing the risk of overweight.

Child, preschool; body mass index; overweight; obesity


ARTIGO ORIGINAL

Risco de sobrepeso e excesso de peso em crianças de pré-escolas privadas e filantrópicas

Viviane Gabriela NascimentoI; Denise de Oliveira SchoepsII; Sônia Buongermino de SouzaIII; José Maria Pacheco de SouzaIV; Claudio LeoneV

IDoutora em Nutrição Clínica, Pós-doutoranda do Departamento de Saúde Materno-infantil, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

IIMestre em Ciências, Professora-assistente do Departamento Materno-infantil, Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Santo André, SP

IIILivre-docente, Professora do Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, USP, São Paulo, SP

IVProfessor Ttular do Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, USP, São Paulo, SP

VProfessor Ttular do Departamento de Saúde Materno-infantil, Faculdade de Saúde Pública, USP, São Paulo, SP

Correspondência para Correspondência para: Viviane Gabriela Nascimento Departamento de Saúde Materno-Infantil - FSP-USP Av. Dr. Arnaldo, 715 CEP: 01246-904 São Paulo, SP, Brasil vivianesimon@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a prevalência de risco de sobrepeso, e sobrepeso e obesidade em crianças de pré-escolas privadas e filantrópicas da região metropolitana de São Paulo.

MÉTODOS: Comparação de dois estudos transversais, com crianças matriculadas em pré-escolas privadas (PEP) ou filantrópicas (PEF), nos quais o universo de crianças foi avaliado. Para classificar o risco de sobrepeso, e sobrepeso e obesidade, e os valores de índice de massa corpórea (IMC) foram transformados em escores z (Organização Mundial de Saúde - 2006 e 2007).

RESULTADOS: A prevalência de risco de sobrepeso (z IMC > 1 a < 2) nas PEP foi de 21,9% e nas PEF, de 24,6%, com RP= 1,12 (IC 95%: 0,96-1,32), sem diferença estatística. Considerando as crianças com sobrepeso e obesidade (z IMC > 2), a prevalência nas PEP foi de 14,3% e nas PEF foi de 9,0%, RP = 1,54 (IC 95%: 1,23-1,93), com p = 0,0002. No sexo masculino, a prevalência de sobrepeso e obesidade nas PEP foi de 16,4% (n = 409) e nas PEF, de 11,1% (n = 829), RP = 1,48 (IC 95%: 1,10-1,98), e no sexo feminino foi de 12,5% (n = 400) nas PEP e 6,6% (n = 698) nas PEF, RP = 1,90 (IC 95%: 1,30-2,78), ambas as diferenças significantes.

CONCLUSÃO: A prevalência de risco de sobrepeso foi semelhante e muito elevada nos dois grupos de crianças. O sobrepeso e a obesidade ainda apresentaram maior frequência nas crianças de pré-escolas privadas. Assim, apesar de uma melhor condição socioeconómica ainda ser fator de risco para sobrepeso e obesidade em pré-escolares, o mesmo parece que já não ocorre quando se analisa o risco de sobrepeso.

Unitermos: Pré-escolar; índice de massa corporal; sobrepeso; obesidade.

INTRODUÇÃO

A obesidade é uma doença multifatorial, que envolve fatores genéticos e ambientais. Há evidências de que os fatores genéticos são capazes de modular a resposta do organismo frente a variações de fatores ambientais, como dieta e atividade física1.

Como o patrimônio genético humano não mudou significativamente em tempos recentes, considera-se que a "dieta ocidental", associada à redução de atividade física e estilo de vida sedentário2, resulta em desequilíbrio entre a energia ingerida e a utilizada pelo homem3. Nas crianças, particularmente, a cronificação de um elevado consumo de gorduras, açúcares e pouca fibra (alimentos excessivamente calóricos), associada a uma atividade física reduzida, seria um importante fator de risco para o desenvolvimento da obesidade4.

Nas últimas décadas, no Brasil, observa-se uma tendência de diminuição progressiva na prevalência da desnutrição infantil simultaneamente a um aumento da prevalência de obesidade5, indicando que uma importante transição nutricional está em curso no país6.

A obesidade infantil, portanto, tornou-se um problema de saúde pública de grande relevância, sendo a sua alta prevalência verificada em idades cada vez mais precoces e praticamente em todos os níveis socioeconômicos da população7. A maioria dos estudos brasileiros é realizada com crianças em idade escolar e com adolescentes, mostrando prevalências de sobrepeso e obesidade que variam entre 4,2% e 37,0%, nos níveis socioeconómicos mais elevados8-10.

Poucos são os estudos realizados na faixa etária de préescolares, que, segundo alguns autores, teriam prevalências de sobrepeso e obesidade variando de 3,0% a 22,6%, independentemente do nível socioeconômico11-13, o que demonstra a presença da obesidade nas diferentes classes.

O nível socioeconómico parece ser importante fator que poderia influenciar essas prevalências, principalmente pelos fatores educação e renda, que geram padrões comportamentais específicos que acabariam afetando a ingestão calórica e o gasto energético. Entretanto, à medida que alimentos mais saudáveis se tornam menos acessíveis para os indivíduos de condição socioeconómica baixa, a obesidade passa a ser observada também nesses estratos da população14.

Considerando que o excesso de peso na população é problema nutricional relevante por sua intensidade e frequência e que vem aumentando também em populações mais jovens e de menor poder aquisitivo, o objetivo do presente estudo é analisar sua prevalência em crianças pré-escolares de níveis socioeconómicos distintos de uma região urbana.

MÉTODOS

Este estudo utiliza informações dos bancos de dados completos de duas pesquisas já realizadas com crianças préescolares na Região Metropolitana da Grande São Paulo, em anos próximos a 200515,16.

Trata-se, deste modo, da comparação de dois estudos transversais, da primeira metade da presente década, com crianças de dois a seis anos de idade completos, matriculadas em pré-escolas privadas (PEP) e filantrópicas (PEF) da Grande São Paulo. Nas PEP, a mediana de renda mensal familiar das crianças era de 12 saláriosmínimos (s.m.), enquanto, que nas PEF era de 0,55 s.m., o que caracteriza duas populações de níveis socioeconómicos extremos, um elevado e outro muito baixo.

Em ambas as pesquisas, a amostra foi de conveniência. Nesta, foram incluídas 13 PEF e nove PEP da região metropolitana. Apenas uma pré-escola filantrópica e uma particular das regiões escolhidas não foram incluídas por não terem dado permissão para a realização da pesquisa. Nas 22 pré-escolas, foi avaliado o universo de crianças, a saber, 809 crianças nas PEP e 1.527 nas PEF.

A coleta dos dados antropométricos de ambos os estudos foi realizada pela mensuração de peso com balança Tanita Solar Scale 1632, e de estatura com o estadiómetro Seca Bodymeter 208. Todas as medidas antropométricas foram obtidas utilizando os métodos descritos por Lohman et al.17 Os dados das crianças foram coletados nas próprias pré-escolas que frequentavam.

Calculou-se o índice de massa corpórea (IMC) a partir das medidas de peso e estatura. Para classificar o estado nutricional, os valores de peso, estatura e IMC foram transformados em escores Z pelos referenciais da Organização Mundial de Saúde (2006 e 2007)18. A seguir, foram comparados os valores de IMC das crianças segundo idade, sexo e tipo de préescola. Para verificação do estado nutricional, utilizouse a classificação proposta pelo Ministério da Saúde (2009)19. Assim, foram consideradas como portadoras de excesso de peso as crianças com sobrepeso e obesidade (zIMC > 2). As crianças com risco de sobrepeso (zIMC > 1) também foram analisadas.

A comparação dos dados foi por cálculo de frequências (porcentagens), médias e desvios-padrão (dp), mediana, cálculo de razão de prevalência (RP). As análises estatísticas foram realizadas pelo método do χ2, pelo teste de Mann-Whitney e pelos intervalos de confiança de 95%. Os dados foram tratados inicialmente utilizando-se a planilha Microsoft Excel® 2002 e as análises estatísticas foram feitas pelo software SPSS® 12.

As pesquisas realizadas nas pré-escolas privadas e nas filantrópicas foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq), protocolos nº 1222/05 e nº 347/02, respectivamente. Todas as mães e/ou responsáveis pelas crianças concordaram com a participação das mesmas nas pesquisas e assinaram os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Das 809 crianças avaliadas nas PEP, 409 eram do sexo masculino (50,5%) e 400 eram do sexo feminino (49,4%). Das 1.527 crianças das PEF, 829 eram do sexo masculino (54,3%) e 698 do sexo feminino (45,7%). A idade média das crianças das PEP era de 4,6 anos (dp ± 1,3) e mediana de 4,6 anos e nas PEF a média era de 4,8 anos (dp ± 1,2) e mediana de 5,0.

Quanto ao excesso de peso, no universo de pré-escolares estudados (n = 2336), verificou-se uma prevalência de 11,3% (IC 95%: 10,1-12,7), enquanto para o diagnóstico de risco de sobrepeso a prevalência foi de 23,6% (IC 95%: 21,9-25,4).

A Figura 1 mostra um deslocamento da frequência para valores superiores à mediana esperada de escore z de IMC. Observa-se que o desvio é mais acentuado nas crianças das PEP.

Pelo IMC, na Tabela 1, observa-se nas PEP que a prevalência de excesso de peso (zIMC > 2) foi de 14,7% e nas PEF foi de 9,5%, com diferença estatística significante (p < 0,05).

Quando se compara por sexo, a diferença entre as pré-escolas permanece estatisticamente significativa (p < 0,05), tanto para os meninos quanto para as meninas.

A Tabela 2 mostra que não houve diferenças estatisticamente significantes entre as medianas, segundo pré-escola e também segundo sexo (p > 0,05). Quanto ao diagnóstico de risco de sobrepeso, observou-se uma prevalência de 21,9% nas PEP e de 24,6% nas PEF, com uma RP = 1,12 (IC 95%: 0,96-1,32), diferença estatisticamente não significante (χ2 = 2,055; p = 0,15).

DISCUSSÃO

Segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF 20022003)20, realizada pelo IBGE, na população brasileira adulta e adolescente (10 a 22 anos de idade), a desnutrição vem sendo substituída pelo excesso de peso. A prevalência de excesso de peso em crianças também se eleva progressivamente nos últimos anos, indicando que há uma transição nutricional importante no país.

A análise das crianças distribuídas em escolas públicas e privadas permite avaliar a possível influência do nível socioeconómico (SE) na determinação do excesso de peso, no entanto, nem sempre é possível a comparação dos dados de diferentes estudos em função de diferenças na faixa etária estudada, tipo de referencial utilizado, características da amostra, metodologias de avaliação etc.

O presente estudo compara dados do universo de crianças de 2 a 6 anos de idade de dois conjuntos de préescolas (privadas e filantrópicas) da região metropolitana da Grande São Paulo, portanto, procedentes de estratos socioeconómicos distintos: um de elevado e outro de baixo poder aquisitivo. Mesmo em se tratando de duas pesquisas realizadas de maneira independente, os dois universos estudados apresentavam um número grande de crianças avaliadas e tinham uma distribuição por sexo e uma dispersão por idades muito semelhantes, que não apresentavam diferença estatisticamente significante. Além disso, as crianças foram avaliadas antropometricamente utilizando as mesmas técnicas, o que, no conjunto, permite considerar que a comparação dos dois grupos de escolas é válida.

A prevalência de risco de sobrepeso foi elevada em ambos os grupos de pré-escolas, sem diferença estatisticamente significante entre elas, afetando, no conjunto, praticamente uma em cada quatro crianças.

Na década atual, a maioria dos estudos realizados para verificar a prevalência de excesso de peso analisou crianças em idade escolar ou adolescentes de nível socioeconómico elevado, tendo sido descritas prevalências superiores a 30%8-10.

No presente estudo, ao analisar as crianças classificadas como portadoras de excesso de peso (sobrepeso e de obesidade), verificou-se uma prevalência maior nas préescolas privadas do que nas filantrópicas. Esta diferença, estatisticamente significante, permite evidenciar que quando se consideram as categorias extremas de excesso de peso, ainda persiste uma diferença entre os dois níveis socioeconómicos, com o nível mais alto apresentando uma situação um pouco pior. Apesar disso, estes dados, aliados à prevalência de risco de sobrepeso observada, indicam que a região já se encontra em uma etapa mais avançada da transição nutricional, o que é particularmente mais grave, pois progressivamente vem afetando crianças cada vez mais jovens e de menor poder aquisitivo.

Barreto et al.21, ao determinar a dupla prevalência de risco de sobrepeso e de excesso de peso em pré-escolares de escolas públicas e privadas na cidade de Natal, encontraram 19,7% de excesso de peso nas crianças das escolas públicas e 32,5% nas escolas privadas (p < 0,01), mostrando que a prevalência de excesso de peso é bem maior nas crianças que frequentam a escola privada, resultado que difere deste estudo.

Outro estudo realizado no Nordeste brasileiro, também na cidade de Natal, para estimar a prevalência de excesso de peso de escolares, verificou prevalência de 54,5% nas escolas privadas e 15,6% nas escolas públicas (p < 0,01), não encontrando diferença estatisticamente significante entre sexo e idade das crianças22. Mesmo tratando-se de estudos com crianças de diferentes idades, incluindo a casuística do presente estudo, observa-se que apesar de idade e local do estudo terem provavelmente influenciado as diferentes prevalências de excesso de peso observadas, a maior prevalência nas crianças de melhor condição socioeconómica é fenómeno comum a todos.

Apesar disso, a prevalência observada nas pré-escolas e escolas públicas dos dois estudos citados21,22 foi bastante inferior à do presente estudo nas pré-escolas filantrópicas, nas quais, ao se considerar ambos, risco de sobrepeso e excesso de peso, havia uma prevalência de 31,9% de crianças afetadas, praticamente o dobro dos valores da região Nordeste.

Na mesma época, poucos estudos foram realizados com crianças em idade pré-escolar, o que dificulta a comparação dos dados do presente estudo. Entretanto, há dados que indicam que a prevalência de excesso de peso em pré-escolares de escolas privadas pode ser maior que 35%12,23.

Estudo realizado em 2006 com objetivo de avaliar o estado nutricional em uma amostra de 1.488 crianças de 3 a 6 anos de creches municipais de Taubaté observou uma prevalência de risco de sobrepeso, sobrepeso e obesidade juntos de 26,8%24, bastante elevada, porém, menor que a observada no presente estudo.

Outra pesquisa recente que tinha como objetivo verificar possíveis desvios antropométricos em pré-escolares da região semiárida de Alagoas, onde 87,3% da população é de baixo nível socioeconómico, verificou uma prevalência de sobrepeso e obesidade de 6,3%, valor este que, apesar de inferior ao observado na região metropolitana de São Paulo, indica que a transição nutricional já está ocorrendo também na região Nordeste25.

Na população do presente estudo, a Figura 1 ilustra bem a prevalência de 11,3% de excesso de peso verificada no universo de crianças e a sua relação com o nível socioeconómico. Também se observa nítido deslocamento da curva de distribuição de frequências para valores superiores à mediana de escore z de IMC que seria esperada a partir do referencial da Organização Mundial de Saúde. Também fica evidente que o desvio é mais acentuado na curva das crianças das PEP, apesar de a comparação das medianas entre os dois universos, privado e filantrópico, não ter mostrado diferenças estatisticamente significantes.


Pelos critérios propostos pelo Ministério da Saúde, as faixas acima de +1 escore z de IMC definem a presença de risco de sobrepeso, e sobrepeso e obesidade19. Em uma população normal do ponto de vista nutricional, independentemente do nível socioeconómico considerado, seria esperada uma prevalência de 15,9% de indivíduos normais com escore z de IMC acima de +1.

Como essa seria a porcentagem máxima de indivíduos aceitáveis como normais, sem risco de sobrepeso, e sobrepeso e obesidade, pelas prevalências encontradas neste estudo observa-se que as duas populações de pré-escolares têm uma prevalência de 19,7 e 16,0 pontos percentuais acima do esperado, respectivamente nas pré-escolas privadas e filantrópicas. Valores estes que devem ser entendidos como extremamente elevados, principalmente quando se considera a faixa etária das crianças em estudo.

CONCLUSÃO

O sobrepeso e a obesidade ainda têm maior prevalência nas crianças de pré-escolas privadas. Entretanto, isto já não ocorre para a condição de risco de sobrepeso, o que indica que, a persistir esta situação, é possível pressupor que, em breve, a condição socioeconómica também não discriminará mais a prevalência de sobrepeso e obesidade entre as crianças de menor idade.

Como consequência, a necessidade de prevenir precocemente o risco de sobrepeso e o excesso de peso em todos os níveis socioeconómicos se torna óbvia. Nesse sentido, a abordagem multidisciplinar com pediatras, psicólogos, nutricionistas e outros profissionais, para planejamento de intervenções, incluindo estratégias de educação nutricional, pode ser particularmente relevante no ambiente escolar, pré-escola inclusive. Além de suas atividades educativas normais, estes espaços concentram, em um mesmo momento e local, grande número de crianças, o que os torna locais particularmente propícios à realização dessas intervenções nutricionais, independentemente da faixa etária e do nível socioeconómico das crianças que os frequentam.

Artigo recebido: 27/04/2011

Aceito para publicação: 06/09/2011

Conflito de interesse: Não há.

Trabalho realizado no Departamento de Saúde Materno Infantil a partir de um banco de dados de crianças avaliadas em pré-escolas privadas e filantrópicas da Região Metropolitana da Grande São Paulo, São Paulo, SP

©2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.

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  • Correspondência para:

    Viviane Gabriela Nascimento
    Departamento de Saúde Materno-Infantil - FSP-USP
    Av. Dr. Arnaldo, 715
    CEP: 01246-904 São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      06 Set 2011
    • Recebido
      27 Abr 2011
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