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Gestão e ação gerencial nas organizações contemporâneas: para além do " folclore" e o "fato"

Management and managerial action at contemporary organizations: beyond "folklore" and "fact"

Resumos

Este artigo introduz o conceito de gestão como uma prática social (REED, 1989). O objetivo principal é demonstrar que essa é uma abordagem muito importante para a compreensão da gestão e da ação gerencial. Também apresenta uma reflexão crítica a respeito das proposições da Gestão da Excelência nas organizações contemporâneas, um modelo de gestão que tem sido implementado no mundo ocidental a partir das idéias de PETERS & WATERMAN (1982). A idéia da prática social cria uma oportunidade para se pensar algumas questões não tratadas pelo modelo da Excelência tais como a indissolubilidade entre a ação de atores organizacionais e elementos da estrutura social. Por essa via é possível incrementar outros aspectos significantes no domínio dos estudos organizacionais como gestão e comportamento gerencial e que se colocam além do "folclore" e o "fato" (MINTZBERG, 1990).

prática social; gestão; ação gerencial


This paper introduces the concept of management as a social practice (REED, 1989). The main objective is to demonstrate that its a very important approach for the comprehension of management and managerial action. It also presents a critical reflection in respect of the propositions of the Management of Excellence in contemporary organizations, a model of management that has been improved in the occidental world since the ideas of PETERS & WATERMAN (1982). The idea of social practice creates an opportunity to think some questions uncovered by the Excellence Model such as the indissolubility between the action of organizational subjects and elements of the social structure. This way it is possible to increase other significant aspects in the domain of organizational studies such as management and managerial behavior that stand beyond "folklore" and "fact".

social practice; management; managerial action


Gestão e ação gerencial nas organizações contemporâneas: para além do " folclore" e o "fato"

Management and managerial action at contemporary organizations: beyond "folklore" and "fact"

Gelson Silva Junquilho

Departamento de Administração, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, E-mail: gelson@npd.ufes.br

RESUMO

Este artigo introduz o conceito de gestão como uma prática social (REED, 1989). O objetivo principal é demonstrar que essa é uma abordagem muito importante para a compreensão da gestão e da ação gerencial. Também apresenta uma reflexão crítica a respeito das proposições da Gestão da Excelência nas organizações contemporâneas, um modelo de gestão que tem sido implementado no mundo ocidental a partir das idéias de PETERS & WATERMAN (1982). A idéia da prática social cria uma oportunidade para se pensar algumas questões não tratadas pelo modelo da Excelência tais como a indissolubilidade entre a ação de atores organizacionais e elementos da estrutura social. Por essa via é possível incrementar outros aspectos significantes no domínio dos estudos organizacionais como gestão e comportamento gerencial e que se colocam além do "folclore" e o "fato" (MINTZBERG, 1990).

Palavras-chave: prática social, gestão, ação gerencial.

ABSTRACT

This paper introduces the concept of management as a social practice (REED, 1989). The main objective is to demonstrate that its a very important approach for the comprehension of management and managerial action. It also presents a critical reflection in respect of the propositions of the Management of Excellence in contemporary organizations, a model of management that has been improved in the occidental world since the ideas of PETERS & WATERMAN (1982). The idea of social practice creates an opportunity to think some questions uncovered by the Excellence Model such as the indissolubility between the action of organizational subjects and elements of the social structure. This way it is possible to increase other significant aspects in the domain of organizational studies such as management and managerial behavior that stand beyond "folklore" and "fact".

Key words: social practice, management, managerial action.

1. Introdução

Conhecido no início dos anos setenta pela sua obra The Nature of Managerial Work, Henry Mintzberg, mostrou como a gestão e a conseqüente ação cotidiana dos gerentes era caracterizada de forma bem distinta do que pregava Fayol, no início do século XX, por meio de suas famosas funções administrativas – planejar, comandar, controlar, avaliar e organizar. Em um artigo mais recente o mesmo MINTZBERG (1990), reafirma que aquelas funções devem, na verdade, ser caracterizadas como o "folclore" da gestão, pois, de "fato", os gerentes não só têm dificuldades para o exercício de atividades sistematizadas por intermédio do planejamento, bem como tomam decisões nem sempre baseadas em sistemas formalizados de informações, estando envolvidos em ambientes dinâmicos em que são imperiosos os contatos informais.

Entretanto, ainda que trazendo uma marcante e reconhecida contribuição ao campo dos estudos sobre gestão e ação gerencial, MINTZBERG (1973, 1990) não discute questões que possam explicar o vínculo daquelas duas temáticas a possíveis condicionamentos de estruturas sociais mais amplas de uma sociedade, deixando vago a compreensão de significados mais profundos daquilo que ele descreve como "fato", ou seja, o vínculo do dia-a-dia gerencial a aspectos histórico-sociais de uma dada realidade.

Assim, o primeiro objetivo deste artigo é apresentar e problematizar as abordagens sobre gestão e ação gerencial, de uso mais corrente na literatura organizacional, enfocando-se suas limitações ao não abranger contextos macrossociais e suas articulações com os cenários microssociais das organizações. Como alternativa é proposto o conceito apresentado por REED (1984, 1985, 1989, 1995) da gestão como "prática social". Por fim, discute-se, criticamente, a proposta da chamada Gestão da Excelência, preconizada por PETERS & WATERMAN (1982), naquilo que se refere, principalmente, à sua idealização do gerente "super herói", apostando-se naquilo que MINTZBERG (1990) chamou de "folclore" da gestão.

2. Gestão, Ação Gerencial e suas Abordagens: a Alternativa da "Prática Social"

No entender de REED (1984, 1985, 1989), três perspectivas de análise podem ser identificadas quanto aos estudos sociológicos sobre gestão nas últimas décadas:

a) A técnica - a gestão é vista como instrumento tecnológico neutro e racional que objetiva o alcance de resultados coletivos, preestabelecidos e não atingíveis sem sua aplicação. Pressupõe-se a gestão a partir de estruturas racionais formalizadas de sistemas de controle, capazes de garantir eficiência sobre a coordenação das ações humanas. As estruturas organizacionais são conceitualmente concebidas como organizações formais, tomadas essas como determinantes de comportamentos dos atores organizacionais.

b) A política - em resposta ao determinismo da perspectiva técnica, a política concebe a gestão como um processo social. Daí a ênfase na questão do conflito de interesse entre grupos nas organizações, caracterizando-se o ambiente como de grandes incertezas no qual os resultados organizacionais são buscados. Os pressupostos de base são construídos a partir da noção de que as organizações são palcos de conflitos entre grupos ou coalizões (CHILD, 1972; MINTZBERG, 1983) que disputam, entre si, processos de escolha decisória, apoiando-se, para a resolução desses conflitos, no exercício de relações de poder. A organização é tomada como uma "arena" de disputas de grupos dotados de interesses divergentes em busca do controle das decisões.

A contribuição dessa perspectiva é que ela rejeita a concepção mecanicista e determinista da gestão, em troca de uma visão desta última como resultante de uma dinâmica advinda da ação humana, à medida que considera os indivíduos, em particular os gerentes, como dotados de cognoscitividade suficiente para influenciar meios e resultados organizacionais. Percebe-se aqui a ênfase na ação do ator organizacional. Assim, uma noção central é de que a gestão constitui-se como um sistema político em que imperam transações negociadas, pela constituição de coalizões que representam diferentes interesses do conjunto dos membros de uma dada organização.

As estruturas organizacionais deixam de representar o aspecto determinante dos comportamentos humanos, definido pela perspectiva técnica, em troca de uma concepção que as toma como resultante de processos dinâmicos e contínuos de negociações entre interesses, advindos de interpretações distintas dos seus atores, no que tange às regras e objetivos organizacionais. Logo, por meio de processos de negociação entre interesses políticos divergentes, as estruturas organizacionais são modeladas e até mesmo transformadas.

c) A crítica - segundo REED (1989), essa perspectiva é, de certa forma, uma alternativa à perspectiva política no sentido de que essa última, ao enfatizar a ação humana, promove uma espécie de negligência dos chamados aspectos institucionais inerentes às estruturas de poder e de controle da economia política de uma dada sociedade. Assim, na perspectiva crítica, a gestão, influenciada pela abordagem organizacional marxista, é vista como mecanismo de controle social, atrelada a imperativos de ordem econômica, impostos por uma ordem capitalista de produção.

Nessa perspectiva, a questão dos conflitos políticos entre grupos organizacionais não é negada, mas o que se acentua é que esses processos têm que ser entendidos como estando vinculados a determinadas estruturas capitalistas de produção, das quais a organização é parte, e que definem imperativos para a própria sobrevivência do sistema econômico como tal. Os gestores são concebidos como representantes da ordem capitalista a qual reproduzem por meio das estruturas organizacionais. Os estudos, sob essa perspectiva, enfatizam as contradições da gestão organizacional, ressaltando-se, entre elas, a questão da necessidade do exercício do controle e cooperação no trabalho; o papel da gestão na regulação de conflitos entre capital e trabalho; bem como os conflitos de papel dos gerentes, enquanto responsáveis pela manutenção da ordem capitalista, mas também subordinados a ela. A perspectiva crítica também permite o estudo de questões inerentes às resistências dos trabalhadores aos processos de controle capitalista, a partir da percepção de que a determinação das estruturas econômicas pode ser tomada de formas variadas e complexas nas organizações.

Essas três abordagens, segundo REED (1989) configuram problemas que, no seu entender, não se encontram resolvidos, dentre eles: a) a não-contemplação, nos modelos de análise, de uma proposta que integre, numa mesma perspectiva, as idéias de contexto institucional, estrutura organizacional e comportamento gerencial; b) a ênfase ora no determinismo das estruturas, ora na ação humana estratégica, ambas posições mutuamente excludentes.

A proposta, segundo REED (1989), passa por pensar uma abordagem que possa incorporar, ao mesmo tempo, à análise da gestão os níveis institucional, organizacional e comportamental, permitindo as interseções entre a ação gerencial, a dinâmica da organização e o contexto macroestrutural. Entende-se daí a intenção de vincular ação e estrutura, concebendo-se esta última como inerente ao que GIDDENS (1984) denominou de dualidade estrutural. Essa alternativa é, então, a perspectiva da gestão como "prática social" capaz de integrar, em seu bojo, questões inerentes aos dilemas éticos e políticos aos quais as organizações e os seus gestores são submetidos no dia-a-dia.

Dessa forma, aqueles atores passam a ser vistos não só como agentes responsáveis pelo exercício da disciplina e dos interesses organizacionais, mas também como vivenciadores de conflitos e contradições, muitos deles inerentes às formas de atingimento daqueles mesmos objetivos, dado que as organizações são, por outro lado, tomadas como "locus" de contradições estruturais e processuais que se refletem na prática gerencial. O conceito de prática social utilizado por REED (1989), é tomado emprestado de HARRIS (1980, p. 29) como sendo o engajamento num conjunto de

...ações inteligíveis através de conceitos que as informam, as quais devem ser entendidas como dirigidas a fins específicos compartilhados por todos os membros de uma comunidade, conjunto de ações este que é definido através dos meios adotados para o alcance daqueles fins, entendidos estes como determinados pelas condições sob as quais a prática é empreendida.

Em GIDDENS (1979, 1984), o conceito de prática social ganha ainda mais relevo no sentido de que ele reafirma a sua preocupação em destacar que a vida social, diferentemente das coisas da natureza, ocorre a partir de "skilled performances" dos agentes humanos. Daí a prática social tem a ver com procedimentos, métodos e técnicas, executados e manejados de forma apropriada por esses mesmos agentes sociais, tomando como base a consciência que eles detêm sobre os procedimentos de uma ação, isto é, aquilo que o autor chama de conhecimento mútuo ("mutual knowledge"), ou seja, um tipo de conhecimento que é compartilhado por todos aqueles atores sociais cognoscitivos que, em outras palavras, sabem como se comportar ou prosseguir em determinadas situações cotidianas.

A prática social concilia condutas e atos de agentes humanos cognoscitivos sem, por outro lado, desconsiderar as estruturas sociais que são referências para aqueles mesmos agentes em processo de interação social (GOFFMAN, 1983), tornando possível a dualidade macro e microssocial, sem privilégio de um nível sobre o outro ou até de sua independência mútua, mas sim como pólos complementares.

ALVESSON & WILLMOTT (1996), analisando criticamente os conceitos sobre gestão, também a classificam como uma prática social no sentido de que seu conteúdo deve ser tomado como inerente a relações histórico-culturais de poder que, ao mesmo tempo, facilitam e restringem tanto sua existência como sua evolução numa dada sociedade. Nesse sentido, os autores afirmam que não se deve tomar a gestão como simples instrumento para a busca de compromissos comuns e de alcance de produtividade organizacional. Ou seja, sua redução a uma técnica neutra, imparcial, dotada de habilidades profissionais, pela qual se atinge a eficiência. Negligencia-se aí o seu aspecto político, isto é, a gestão como atividade técnica omite as relações sociais a partir das quais ela emerge e é dependente.

A gestão como prática social pode ser identificada a partir de cinco fatores distintos, porém inter-relacionados (REED, 1989, p. 22):

1. a classe de ações nas quais os praticantes estão engajados como membros de uma comunidade ou prática;

2. os conceitos através dos quais certos objetivos ou problemas compartilhados são identificados de um modo significativo pelos praticantes como base para o engajamento em interações recíprocas;

3. os objetivos ou problemas através dos quais a prática é tomada e como é comunicada através do vocabulário conceitual dos seus praticantes;

4. os meios ou recursos (material ou simbólicos) através dos quais o alcance de projetos importantes é buscado;

5. as condições situacionais ou limitadoras sob as quais atividades recíprocas, os recursos que elas requerem e as relações que elas engendram entre os seus praticantes são configurados e conduzidos.

Da noção de prática social, REED (1995, p. 79) define o conceito de gestão "como uma configuração frouxamente integrada de práticas sociais dirigidas à junção de e controle sobre diversos recursos e atividades requeridos à produção". As organizações são pensadas então como conjunto de práticas nas quais seus indivíduos estão rotineiramente engajados na manutenção ou reestruturação dos sistemas de relações sociais nas quais eles estão coletivamente envolvidos (REED, 1985).

Assim, pode-se inferir que os gerentes não devem ser tomados exclusivamente como agentes imparciais e defensores dos interesses organizacionais. O trabalho gerencial deve ser percebido como dotado de tensões que são inerentes às relações de produção que pressupõem conflitos de interesses quanto à distribuição de recursos e gestão do trabalho, conflitos esses que perpassam todo o universo organizacional, incluídos aí também os gerentes.

3. A Ação e o Trabalho Gerenciais sob a Ótica da Prática Social nas Organizações Produtivas

Na interpretação de REED (1989), o papel dos gestores costuma assumir, nas abordagens sobre gestão por ele criticadas, distintas caracterizações, a saber: a) na perspectiva técnica, cabe aos gerentes a busca de resultados eficientes, obtidos pelos instrumentos e técnicas formais que, em determinados momentos, impõem-se às suas ações; b) na perspectiva política, o corpo gerencial é considerado como agente calculador que utiliza espaços de poder em ambientes de grandes incertezas, sob os quais têm pouco controle, buscando fazer valer seus objetivos e interesses nas "arenas" organizacionais; c) na perspectiva crítica, os gestores são portadores e defensores da transmissão de uma ordem econômica que é dissimulada por meio de instrumentos ideológicos.

O entendimento da gestão como prática social permite a ampliação dos focos de estudos sobre as diversas práticas que os gerentes desenvolvem em seu trabalho cotidiano, visando ao controle da atividade produtiva, num contexto de complexidade e diferenciações em que eles operam. Assim, essas mesmas práticas devem ser consideradas como instáveis e até certo ponto contraditórias, tendo em vista que mecanismos de controle perpassam diversos níveis organizacionais, dotados de distintas lógicas e interesses, criando-se, a partir daí, dificuldades para o exercício daquele mesmo controle. Por outro lado, determinadas soluções para esses conflitos podem, do mesmo modo, gerar novas instabilidades e demandar distintas outras tantas alternativas (REED, 1995).

Mais ainda, pela noção de prática social, é possível, no entender de REED (1995), ultrapassar o dualismo entre a estrutura e a ação no que diz respeito ao estudo da agência dos gerentes nas organizações, já que grande parte da literatura que versa sobre a análise do trabalho gerencial não leva em consideração a inserção dos processos histórico-sociais que são subjacentes aos comportamentos dos gerentes. Outros autores, entre eles, WILLMOTT (1984, 1987), WHITLEY (1989), HARROW & WILLCOCKS (1990), reafirmam essa tendência no sentido de que por esse viés muitos desses estudos deixam a desejar, pois

· negligenciam o vínculo entre as atividades dos gerentes e os arranjos institucionais nos quais eles atuam (regras e recursos produzidos institucionalmente);

· focam, em geral, as diferenças do comportamento individual dos gerentes e não o trabalho gerencial como expressando arranjos institucionalizados que, ao mesmo tempo, são condição e conseqüência da ação gerencial;

· não exploram, de forma crítica, as distinções entre elementos técnicos e políticos do trabalho gerencial;

· privilegiam a abordagem do relato descontextualizado da atividade gerencial sem uma perspectiva crítica.

Evidências desse tipo de abordagem podem ser demonstradas a partir de obras clássicas sobre o trabalho gerencial: TAYLOR (1960), FAYOL (1970), BARNARD (1938), DALTON (1959), MINTZBERG (1973) e KOTTER (1982). Resumindo esses trabalhos, WILLMOTT (1984, 1987) aponta suas limitações:

· TAYLOR (1960): caracteriza o trabalho gerencial como elemento funcional das organizações, sendo os gerentes responsáveis pela apropriação das habilidades ("expertise") dos trabalhadores, traduzindo-as e padronizando-as, expandindo o papel de controle e poder dos primeiros;

· FAYOL (1970): os gerentes são encarregados do desenho racionalizado de estruturas administrativas responsáveis pela organização do trabalho. Seu papel tem a ver com o zelo das chamadas funções administrativas, destacando-se a sua autoridade formal para alcance de objetivos organizacionais;

· BARNARD (1938): define a importância da autoridade superior do executivo na manutenção da cooperação organizacional;

· DALTON (1959): observa os conflitos psicológicos em nível individual dos gerentes, abstraindo do seu papel as tensões estruturais;

· MINTZBERG (1973): preocupa-se em descrever o que os gerentes fazem, negligenciando o como e o porquê do trabalho gerencial, como se esse fosse determinado de uma forma mecânica e não condicionado por circunstâncias histórico-sociais;

· KOTTER (1982): ressalta a questão do poder e das relações sociais, mas não faz uma discussão sobre as estruturas sociais que suportam a legitimidade do trabalho gerencial.

Assim, esses estudos separam o trabalho gerencial do seu contexto histórico-social, privilegiando, de maneira geral, aspectos comportamentais em flagrante desconsideração ao seu aspecto político ou, quando muito, identificando o político como habilidades e estratégias utilizadas pelos gerentes para o alcance de seus objetivos. Em suma, não mostram as bases institucionais, isto é, os elementos da dimensão da estrutura, às quais se vincula o trabalho gerencial. Continuando sua apreciação crítica, WILLMOTT (1987), assim como REED (1989, 1995), identifica ainda três correntes preponderantes no estudo do trabalho gerencial:

a) a abordagem unitária: aquela em que as relações sociais na organização são consideradas como racionais e giram em torno da eficiência e alcance de resultados otimizados. Nela o trabalho gerencial expressa a divisão do trabalho necessária ao atingimento de objetivos da organização;

b) a abordagem pluralista: a idéia de que o resultado da divisão do trabalho nas organizações nada mais é do que a caracterização de grupos e coalizões em eterna disputa por interesses distintos e em luta pelo poder;

c) a abordagem radical: caracterizada por uma crítica as duas primeiras no sentido de que elas não vinculam a natureza político-econômica da divisão do trabalho ao papel dos gerentes. Em contraposição, essa corrente sustenta que os gerentes são condicionados e defendem interesses exclusivos do sistema capitalista de produção.

Opondo-se a essas três abordagens, no sentido de que são reducionistas, WILLMOTT (1987) afirma que o trabalho gerencial deve ser classificado como político à medida que os gerentes não só desenvolvem habilidades interpessoais específicas para conseguirem que resultados sejam alcançados pela ação de terceiros, mas também porque envolvem a produção e reprodução de propriedades institucionais que atuam como mediadoras na relação conflituosa entre capital e trabalho.

HARROW & WILLCOCKS (1990) também insistindo nas falhas dos estudos clássicos sobre o trabalho gerencial, naquilo em que não consideram seus contextos institucionais, deixam clara a necessidade de serem realizados mais estudos sobre o tema, com o objetivo de enfocar as características das funções exercidas, os comportamentos em relação a resultados e o porquê e como o trabalho é executado, mostrando, enfim, que a ação dos gerentes não ocorre isolada dos contextos macrossociais nos quais está inserida.

O trabalho gerencial, de acordo com os primeiros estudos clássicos sobre o tema (FAYOL, 1970, GULICK, 1937), vem sendo descrito como composto de uma série de funções básicas. Em FAYOL (1970), são definidas as conhecidas funções administrativas: planejar, coordenar, controlar, comandar e organizar. Em GULICK (1937), elas são reforçadas e ampliadas por aquilo que ele denominou ser a essência do trabalho gerencial: o POSDCORB, isto é, planejamento, organização, assessoramento ("staffing"), direção, coordenação, informação ("reporting") controle contábil-financeiro ("budgeting").

MINTZBERG (1973, 1990), constatando que essas duas concepções clássicas têm sido dominantes na literatura gerencial, afirma que, na realidade, elas dizem muito pouco sobre o que os gerentes realmente fazem no seu cotidiano, dado que suas pesquisas revelaram que elas podem, no máximo, significar alguns objetivos que são muito vagos em relação àquilo que, na verdade, é o trabalho gerencial. No seu entender, aquelas visões clássicas não respondem à pergunta fundamental sobre o conteúdo desse trabalho. A partir dessa constatação, desenvolve uma proposta distinta, chegando à conclusão de que o trabalho gerencial, no plano empírico, apresenta as seguintes características (MINTZBERG, 1973):

1. grande parte do trabalho gerencial, apesar de desafiador e não programado, proporciona ao seu praticante compartilhar de uma certa porção de obrigações mais constantes e regularizadas, tal como, o manejo de informações;

2. o gerente é, ao mesmo tempo, um generalista e especialista, no sentido de que tem que lidar com fluxos de informações diversas e incertezas generalizadas, mas, por outro lado, é forçado a dominar determinados papéis e habilidades específicos;

3. grande parte do poder que o gerente detém é originado na sua capacidade de acesso e domínio de informações que nem sempre estão disponíveis às demais categorias de uma dada organização;

4. o trabalho gerencial é caracterizado por uma grande diversidade e complexidade, tendo em vista que, devido à sua natureza ilimitada, bem como pela necessidade de o gerente processar uma quantidade grande de informação para a tomada de decisão, torna-se necessário o desenvolvimento de atividades nem sempre planejadas, bastante fragmentadas e variadas, aliadas às demandas de contextos que exigem respostas imediatas a problemas;

5. muito freqüentemente, o trabalho gerencial é mais baseado na intuição do gerente, bem como ancorado em informações verbais do que em processos formalizados de gestão.

Em outro trabalho, MINTZBERG (1990), dando prosseguimento à identificação da natureza do trabalho gerencial em contraposição aos preceitos clássicos, aponta que há algumas pressuposições folclóricas sobre esse trabalho que, dificilmente, podem resistir a uma observação de cunho empírico-científica, a saber:

1. os gerentes têm no planejamento sistematizado uma ferramenta indispensável e freqüente em seu trabalho. Suas pesquisas mostraram que a realidade é bem distinta e que, na maior parte do tempo, eles são submetidos a uma sobrecarga de atividades inerentes a visitas externas, atendimento a telefonemas, conversas e reuniões informais, continuamente pressionados por demandas de última hora, configurando um indivíduo que está mais inclinado à ação de cunho imediato e pontual do que àquela planificada e relacionada com médio e longo prazo;

2. o gerente é aquele que não se envolve com atividades repetitivas. Essa afirmação não é sustentável na prática, tendo em vista que o trabalho do gerente, via de regra, comporta atividades rotineiras, envolvendo reuniões constantes, negociações, obtenção e processamento de informações do ambiente onde a organização atua.

3. o gerente tem como fonte para a tomada de decisão um sistema formalizado de informações estratégicas. Contrastando essa afirmação folclórica, MINTZBERG (1990) escreve que os gerentes preferem buscar informações por: contatos verbais, reuniões formais ou não, telefonemas, boatos, especulações; relatórios rotineiros; correspondências e inspeções "in loco".

Vários outros autores realizaram estudos, procurando demonstrar a fragilidade dos preceitos clássicos sobre o trabalho gerencial, reafirmando, em linhas gerais, que as definições de FAYOL (1970) e seus seguidores, apesar de contribuírem para o reconhecimento de aspectos distintos do trabalho gerencial, são imprecisas e demasiadamente generalizantes, ao mesmo tempo em que não permitem a percepção da relatividade das cinco funções administrativas em diferentes funções gerenciais. A partir dessas considerações, são inauguradas várias linhas de pesquisa que passaram a tratar a natureza do trabalho gerencial, levantando-se em conta aspectos que não deixam dúvidas a respeito da diversidade e complexidade das funções gerenciais:

· a fragmentação da atividade gerencial – estudos empíricos, baseados em levantamentos e anotações diárias, demonstraram que os gerentes gastam seu tempo de diversas maneiras e em distintas atividades, inclusive contatos informais com outros colegas (CARLSON, 1951; MINTZBERG, 1973; STEWART, 1976);

· o caráter político da atividade gerencial – que, segundo DALTON (1959), é dado pela necessidade dos gerentes de influenciar terceiros, em busca de alcance de objetivos predeterminados;

· a importância do gerente como líder – vasta linha de estudos que passou a identificar as características comuns inerentes a líderes gerenciais, evidenciando os componentes da liderança e as qualidades necessárias a um bom desempenho como líder (HOMANS, 1950; FLEISHMAN, 1953);

· as características empreendedoras do gerente – abordagem que preconizou o gerente como tomador de decisão ("decision-maker") racional, maximizando benefícios, avaliando conseqüências, riscos e avaliando a melhor solução (COLLINS & MOORE, 1970);

· as características não totalmente programáveis da decisão gerencial – perspectiva de estudos que, de certa forma, questiona a visão do gerente racional, assumindo o pressuposto de que a tomada de decisão é um fato complexo e de difícil compreensão em todos os seus aspectos, levando o gerente a nem sempre poder utilizar métodos predeterminados ou programados para a solução de problemas, dado que não é capaz de conhecer todas as variáveis que o cercam. É inaugurado, então, o conceito da "racionalidade limitada", a partir do reconhecimento de que o contexto em que os gerentes atuam é extremamente complexo e incerto, de difícil conhecimento de todas as alternativas e conseqüências. Assim, o gerente não maximiza objetivos, mas escolhe alternativas mais satisfatórias, dentre várias possíveis. Há que se agregar também a tudo isso que, no processo de tomada de decisão, os gerentes estão sujeitos a uma gama de pressões advindas de coalizões de poder dotadas de interesses divergentes em relação a objetivos organizacionais (MARCH & SIMON, 1958; SIMON, 1970; CYERT & MARCH, 1996). Dessa abordagem, fica a noção de que o trabalho gerencial, distintamente de outros nas organizações, é mais complexo, sendo difícil considerá-lo como pré-programado, pois está sempre sujeito a ambientes incertos, informações não totalmente alcançáveis, caracterizando-se mais pela flexibilidade, sujeito a revisões e mudanças incrementais a todo momento que permitam ajustes em busca das condições mais satisfatórias.

Essas diferentes correntes sobre o trabalho gerencial demonstram a difícil tarefa de generalização quanto à sua definição universal. STEWART (1997) coloca bem essa questão ao perguntar-se, inclusive, sobre o que significa, antes de tudo, o termo gerente ("manager"), tendo em vista o seu uso tão comum. A autora, então, fazendo referências à definição clássica de FAYOL (1970) e acentuando as três características elencadas por MINTZBERG (1973) sobre os papéis gerenciais – a interpessoalidade, a capacidade para receber e processar informações, a tomada de decisão – chega à conclusão de que os gerentes são aqueles responsáveis pelo alcance de objetivos e resultados organizacionais por meio de outras pessoas, reforçando, ainda nessa consideração, que o trabalho gerencial é bem menos racional, ordenado, planejado do que dito por diversas correntes teóricas.

Ampliando ainda mais essa discussão, WHITLEY (1989) escreve que o trabalho gerencial é distinto dos demais por apresentar, em sua natureza, duas distinções básicas: ser discricionário, isto é, envolver escolhas e seleções de possibilidades por partes dos gerentes sobre emprego e transformação de recursos, bem como de resultados a alcançar para o cumprimento de objetivos, em condições de incerteza sobre a melhor maneira de consegui-los; ser organizacional, ou seja, estar vinculado a sistemas administrativos de controle e coordenação. Com base nessas duas condições, o autor identifica cinco grandes características do trabalho gerencial:

a) interdependência e contextualidade – envolve não só necessidade de interconexão entre diversos recursos e unidades organizacionais, bem como é estreitamente ligado e, de certa forma, limitado a contextos organizacionais específicos, deixando claro que soluções de problemas organizacionais dificilmente podem ser abstraídas de questões como tempo, espaço e culturas, por exemplo;

b) não-padronização – decorrente dos contextos diversos, bem como das várias formas nas quais os recursos podem ser arranjados e organizados;

c) mutabilidade e dinamicidade – as tarefas e problemas gerenciais não são resolvidos de acordo com procedimentos rigidamente preconcebidos, tendo em vista as incertezas às quais o gerente é submetido, exigindo respostas nem sempre constantes e rotineiras;

d) manutenção e mudanças de estruturas administrativas – têm a ver com a idéia de que a atividade gerencial está inserida numa dualidade, isto é, envolve, ao mesmo tempo, continuidade de ações administrativas corriqueiras, bem como sua inovação, ou seja, sua transformação ao longo do tempo. Essa afirmativa permite a aproximação da atividade gerencial à idéia da re/produção das práticas sociais definidas em GIDDENS (1984);

e) dependência de ações coletivas – tendo em vista que o trabalho gerencial não é atividade ou desempenho de uma única pessoa, mas sim inerente à soma de esforços coordenados de diversos recursos em contextos organizacionais específicos.

Assim, WHITLEY (1989) enfatiza que os resultados só são alcançados de forma coletiva, ou seja, numa inter-relação contínua entre todos envolvidos em determinados objetivos. Essa ênfase é também ressaltada por outros autores, por exemplo, STWEART (1997) que mostra a indissociabilidade entre o trabalho gerencial e o trato com pessoas.

De acordo com as perspectivas apresentadas até aqui sobre o trabalho gerencial, fica claro que a preocupação central de grande parte delas é identificar o que o gerente faz, enfatizando suas tarefas e ainda como utiliza seu tempo, circunscrevendo o campo de análise ao aspecto microssocial, abstraindo o campo macrossocial, ou seja, a vinculação daquilo que o gerente faz às características maiores da sociedade em que está situado. À exceção de WHITLEY (1989), que dá um certo destaque ao contexto no qual se enquadra a organização, os demais autores estão mais preocupados com o comportamento gerencial como descolados e/ou sem condicionamentos externos. Faz-se necessário então, afirmar-se que os atores organizacionais não agem somente de acordo com normas e interesses organizacionais, mas, por participarem de uma sociedade, trazem consigo, ao entrar no mundo do trabalho, diferentes expectativas e interesses derivados de suas experiências ou de status sociais de suas vidas extra-organizacionais.

Dito de outra maneira, é preciso resgatar a contribuição de SILVERMAN (1970) que afirma que, se a sociedade define o homem, essa mesma sociedade é também definida por esse mesmo homem. Trata-se de referendar-se uma característica essencial da ação humana, qual seja a capacidade do ator em poder agir diferente, proposta inclusive por GIDDENS (1984), que, em conjunto com outros conceitos de sua Teoria da Estruturação, permite a visualização, no dizer de WHITTINGTON (1994, p. 61), de "um mundo que possui estrutura, mas, não é nem monolítico e nem tampouco determinado no que tange ao impedimento da ação deliberada e efetiva".

Desse modo, a idéia da gestão como uma prática social (REED, 1989) permite o estudo da ação gerencial como ligada a estruturas mais amplas à medida que, conforme escreve CLEGG (1994), a idéia de "prática" oferece uma estratégia analítica que torna viável a superação da divisão entre objetivismo e subjetivismo nos estudos organizacionais, integrando os dois pólos, dado que o engajamento "numa prática social envolve engajamento em ações que são inteligíveis através dos conceitos que a informam e que têm que ser entendidos como dirigidos a fins que indivíduos estratégicos da organização especificam como estruturas objetivas" (CLEGG, 1994, p. 34). Dentro dessa lógica, as organizações são concebidas como pontos de interseção de um conjunto de práticas sociais compartilhadas por atores sociais e passíveis a arranjos e rearranjos, dentre uma gama de estratégias de cunho institucional, isto é, que dizem respeito ao campo das propriedades estruturais de uma dada sociedade.

A partir dessas considerações é possível problematizar-se a aplicação das chamadas novas tecnologias de gestão nas organizações contemporâneas, como a denominada Gestão da Excelência (PETERS & WATERMAN, 1982), em que se preconiza um tipo ideal de gerente, generalizando-se suas potencialidades, em detrimento de contextos institucionais mais amplos das sociedades, bem como das organizações em que estão inseridos.

4. A Gestão da Excelência e o seu Tipo Ideal de Gerente: o "Super Gerente" Versus a Prática Social

No entender de MELO (1996), o final dos anos 60 marca o início de grandes transformações no sistema capitalista de produção mundial que passa a afetar sobremaneira o chamado mundo do trabalho. Neste último, dadas mudanças em nível macrossocial – crise do dólar americano, desestabilização das economias mundiais, aumento da inflação, elevação das taxas de juros nas economias centrais, a discussão sobre o papel do Estado como agente econômico produtivo, a saturação de mercados de certos bens de consumo duráveis no Primeiro Mundo, a emergência dos países do sudeste asiático e a grande competitividade de seus produtos nos mercados internacionais – levam à crise do modelo fordista de acumulação. Segundo CARVALHO NETO (1996, p. 93) essa conjuntura marcou

"uma acirrada competição internacional que levou à reestruturação produtiva da economia, com a tendência à redução dos tempos de projeto e fabricação de produtos, à substituição da mão-de-obra pela crescente automação e à racionalização organizacional que traz o enxugamento das estruturas empresariais, trazendo ainda políticas de abertura e de privatização".

Surgem daí, as iniciativas inerentes às chamadas novas tecnologias de gestão organizacionais que passam a pregar a flexibilização dos processos de produção, constituindo-se como palavras de ordem a busca da qualidade total, gestão democrática, terceirização, redução de estoques, defeito zero, polivalência do trabalho, multiqualificação do trabalhador etc. (MELO, 1996; ANTUNES, 1995). Essas idéias foram reforçadas com o lançamento da "onda" da Gestão da Excelência, preconizada por PETERS & WATERMAN (1982), como um modelo capaz de conter, em seu bojo, um cabedal de preceitos necessários ao alcance do sucesso competitivo das organizações produtivas ocidentais nos mercados mundiais. Esses autores, a partir de uma pesquisa em sessenta e duas organizações nos Estados Unidos, definiram oito atributos caracterizadores de empresas inovadoras e excelentes:

· a determinação para a experimentação constante do novo, a vontade para a inovação;

· a proximidade junto ao cliente: a prática da escuta, do conhecimento e respeito ao cliente;

· a busca da autonomia e do espírito empreendedor dos líderes e demais membros organizacionais;

· alcance de ganhos de produtividade através das pessoas, tendo como base o maior envolvimento e participação destas no trabalho;

· compromisso com valores organizacionais e resultados esperados;

· a posição firme em torno da manutenção dos negócios que devem ser bem conhecidos por todos da organização;

· a procura por estruturas organizacionais enxutas e simples que possam dar agilidade às decisões e processos;

· equilíbrio entre centralização e descentralização que possa garantir a distribuição de níveis de autonomia decisória em toda a organização.

A partir daí, estava definido o que AUBERT & GAULEJAC (1991) chamaram de ascensão do denominado sistema gerencial que passou a preponderar em nossa sociedade. A retórica daquele sistema produziu o homem gerencial, ou seja, aquele que busca na organização a sua satisfação, as respostas às suas angústias, sobre a qual são projetadas suas necessidades, suas realizações, seus valores e crenças. O ideal do indivíduo confunde-se com o ideal organizacional na medida em que ele a identifica como o meio de satisfazer uma necessidade interna de superação.

A organização passa a ser vista como um locus possível para alcançar vitórias e realizar desejos. Daí que se pode caracterizar o homem gerencial como fanático, absorvido pela idéia de se que deve suplantar a todo momento – o gestor de combate; narcisista que se vê como absoluto em si mesmo e apegado a uma ética que coloca a organização como o meio único de preencher o vazio da sua vida interior, proporcionando-lhe um status profissional e social, pela conquista suprema de uma carreira no trabalho. Assim, pode alcançar o sucesso e vencer a todo momento o fracasso, tendo a satisfação da necessidade de viver como um ganhador, buscando, a todo momento, suplantar desafios, vencer obstáculos, superar a si mesmo (AUBERT & GAULEJAC, 1991).

AKTOUF (1994) enfatiza que na Gestão da Excelência prevalece a figura do líder organizacional como um rei, um Deus onipotente e imortal, capaz de levar a organização ao sucesso, dado que, por outro lado, existem os trabalhadores, seres passivos que não são capazes de gerenciar a si próprios e, por isto, necessitam do líder. Desses líderes derivam-se características como auto-suficiência e obsessão quanto a controles organizacionais.

O gerente é tomado então como um ser descolado de sua realidade organizacional, bem como dos contextos histórico-socias específicos de cada sociedade em que as organizações estejam inseridas, criando-se, assim, um tipo ideal a priori, que já nasceu para liderar, independentemente dos demais atores organizacionais, concebido para aquilo que MINTZBERG (1990) chamou do "folclore" da gestão e, mais ainda, asséptico a qualquer condicionamento estrutural de uma sociedade qualquer em que esteja atuando. É construído, assim, um "super herói", avesso a interferências de qualquer ordem, típico daquele preconizado na abordagem técnica da gestão.

A problematização desse perfil do "super gerente" é possível pelo seu confronto com a idéia da gestão como "prática social", apresentada por REED (1989), da qual podem ser resultantes alguns fatores que desmistificam o "folclore" em torno daquele super herói, à medida em que os cotidianos organizacionais implicam em construção e reconstrução de sistemas de relações sociais que se configuram como decorrentes de aprendizados coletivos rotineiros, oriundos esses dos saberes dos indivíduos, isto é, daquilo que GIDDENS (1979, 1984) definiu como cognoscitividade ("knowledgeability") dos atores sociais, ou seja, suas capacidades de saber como prosseguir na vida social, a partir dos conhecimentos que dispõem de contextos institucionalizados em que atuam.

Como se vê, as proposições da retórica da Excelência estão localizadas nas abordagens que percebem a gestão como uma técnica neutra e cabível em qualquer organização, independentemente de qualquer sociedade na qual esteja inserida, bem como formata um gerente que já nasce líder, detentor de um atributo individual – carisma – capaz de "seduzir" quem quer que seja. Assim, são afastadas quaisquer possibilidades de se pensar as organizações como arenas em que imperam conjuntos diversos de interesses – a abordagem política e, mais ainda, descoladas de arranjos institucionalizados aos quais estejam condicionadas – abordagem crítica. Do mesmo modo, os gerentes são imaginados como seres imunes aos contextos macro e microssociais. O trabalho gerencial, alheio a complexidades dos universos organizacionais, é definido como um somatório das funções administrativas – planejamento, comando, organização, controle e organização.

Percebe-se assim, a difícil sustentação empírica dos pressupostos da Excelência se a eles não for agregada a percepção da "prática social". Dito de outro modo, não há como alcançar resultados "excelentes" nas organizações sem conceber-se:

a) a gestão como uma construção social em que tanto as estruturas sociais condicionam as ações humanas, bem como essas últimas podem, no seio daquelas mesmas estruturas, transformá-las, redefinindo novos conjuntos de regulamentos sociais. Logo, a Excelência, preconizada por PETERS & WATERMAN e requerida pelas organizações contemporâneas, não existe "a priori", mas sim como resultado de processos dinâmicos e complexos entre organizações e seus entornos institucionais externos, bem como entre elas e seus atores internos, definindo-se daí, conjuntos diversificados de práticas sociais que conferem conceitos, comunicação de significados e guias para a ação dos membros de uma dada realidade;

b) os gerentes não podem ser concebidos como líderes inatos, prontos para atuar em defesa dos negócios empresariais, tendo em vista que a gestão é constituída de práticas sociais, envolvendo a utilização de regras e recursos, materiais e/ou simbólicos, pelos atores organizacionais em busca de seus objetivos. A aceitação dessa condição é imprescindível. Sem ela torna-se muito questionável pensar-se que um líder organizacional (preconcebido), possa utilizar seus poderes mágicos em prol de transformações daquelas mesmas práticas, isolando-se da ação de outros atores de seu entorno social. Assim, o gerente, para tornar-se um líder, necessário ao melhor desempenho organizacional, necessita de ter sensibilidade para identificar e compreender significados de práticas sociais existentes numa organização, articulando significados atribuídos pelos atores envolvidos naquelas mesmas práticas, podendo, a partir daí, redefinir, coletivamente, novas e possíveis conjugações de práticas e significados que possam estar em sintonia com pressupostos da Excelência, bem como com qualquer outro modelo de gestão que se queira implantar em uma organização;

c) o trabalho gerencial não pode ser tomado como alijado de sua natureza interdependente, contextual, mutável, não-padronizada e dinâmica, como fica implícito nos pressupostos da Gestão da Excelência nos quais é visto como um conjunto de ferramentas de controle e precisão, necessários ao alcance de metas e resultados positivos para as organizações.

Assim, a noção da gestão como prática social é de fundamental importância para a ampliação do campo de análise de estudos organizacionais que buscam a compreensão da ação gerencial, à medida em que permite a vinculação daquilo que é de cunho institucional aos aspectos comportamental e organizacional, como sugere REED (1989). Ou seja, a idéia da prática social supera a fragmentação das análises sugeridas pelas abordagens técnica, política e crítica, ao mesmo tempo em que as incorpora, enriquecendo a compreensão das realidades organizacionais nas quais os gerentes atuam. Logo, fica evidenciado que o tipo ideal de gerente preconizado por meio de modelos preconcebidos de gestão, como o da Excelência, é muito mais que um "folclore", pois sua ação no mundo empírico é construída socialmente e decorrente da conjugação de fatores institucionais e organizacionais e que, ao mesmo tempo em que condicionam, permitem a aquele mesmo ator prosseguir como gerente nas organizações contemporâneas, definindo e redefinindo distintos perfis de atuação, impossíveis de serem predeterminados por qualquer modelo de gestão.

5. Considerações Finais

Buscou-se neste "paper" a problematização dos conceitos de gestão e da ação gerencial na literatura organizacional, elegendo a alternativa da "prática social" (REED 1984, 1989, 1995) como capaz de preencher lacunas importantes naqueles mesmos conceitos. Assim, a intenção foi mostrar, em primeiro momento, que a gestão, bem como a ação gerencial não podem ser analisadas sem a incorporação dos níveis institucional, organizacional e comportamental. Desse modo, não há como se pensar, nos modelos de gestão contemporâneos, como o da Excelência, a idealização de tipos de gerentes "super dotados", desvinculados de seus contextos cotidianos, capazes de transformar as organizações por meio de super poderes.

A noção da prática social permite, portanto, desmistificar o folclore dos "super heróis" organizacionais, à medida em que possibilita pensar-se os cenários organizacionais como dotados de significados diversos, produtos da ação dos seus atores, ação aquela que, por outro lado, é reflexo de regras e convenções sociais de uma dada sociedade. A contribuição dessa perspectiva é ainda mais relevante, pois permite ainda assinalar-se que a ação gerencial embora refletindo estruturas institucionalizadas, não são exclusivamente determinadas por essas últimas, pois, por meio de suas próprias ações os atores podem ser capazes de transformar aquelas mesmas estruturas.

Essa contribuição torna-se ainda mais valiosa, tendo-se em vista o contexto de mudanças pelo qual passam as organizações contemporâneas, assoladas por modelos de gestão que trazem, embutidos em seus pressupostos, receituários sobre como tornar aquelas últimas, mais produtivas. A Gestão da Excelência é um desses modelos. Ao tratar a gestão de uma forma asséptica, defende soluções ideais para qualquer organização, independente de suas realidades cotidianas. Do mesmo modo, os gerentes são colocados acima do bem e do mal, onipotentes, meros técnicos a serviço do bem-estar organizacional, ou seja, adequados a qualquer contexto organizacional, independentemente de onde ela esteja localizada. Chamar a atenção para a impropriedade desses pressupostos foi uma intenção maior deste artigo. Da assimilação da gestão organizacional como prática social pode-se, enfim construir, de "fato", um futuro com mais excelência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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