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História, Ciências, Saúde – Manguinhos em 2020: um periódico na adversidade

O ano de 2020 será evocado com dor, luto e consternação, mas também com admiração aos aguerridos médicos, cientistas, sanitaristas, artistas e líderes das periferias urbanas que enfrentaram a covid-19 e o poder. A criminosa ausência de planejamento, somada à escassez das vacinas, tem levado à morte a parcela mais vulnerável da população: pretos, pobres, moradores de comunidades e membros das comunidades amazônicas (Ferrari, Januzzi, Guerra, 2020).

Nesta carta gostaria de lembrar que em toda profunda crise – social, institucional ou pessoal – temos a responsabilidade de tentar manter nossa própria saúde mental e a tranquilidade daqueles que nos cercam, amigos e familiares. Fazemos isso comemorando juntos alguma coisa boa que fizemos ou que aconteceu, por minúscula que seja em comparação à tragédia que vivemos. Por isso, peço desculpas por lembrar algumas conquistas da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos em seu volume 27, publicado em cinco números ao longo de 2020. Acredito ser um registro que complementa relatos anteriores sobre o periódico, criado em 1994 ( Benchimol et al., 2007BENCHIMOL, Jaime L. et al. História, Ciências, Saúde – Manguinhos: um balanço de 12 anos de circulação ininterrupta. História, Ciências, Saúde – Manguinhos , v.14, n.1, p.221-257, 2007. ; Cueto, Silva, 2019).

Em 2020, conseguimos manter nossa regularidade de quatro números anuais, além de um número especial intitulado “The meaning(s) of global public health history”, com presença marcante de autores internacionais. Em comemoração aos 120 anos da Fiocruz, publicamos, no número 2, o dossiê “Pavilhão Mourisco: singular e universal”, organizado pelos pesquisadores Inês El-Jaick Andrade, Renato da Gama-Rosa Costa e Sônia Aparecida Nogueira. Na seção Revisão Historiográfica, criada em 2017, foram publicados dois artigos que ilustram a pertinência da seção para atrair temas palpitantes para a historiografia da ciência. O primeiro, de Ana Paula Vosne, “A mulher, o médico e as historiadoras: um ensaio historiográfico sobre a história das mulheres, da medicina e do gênero”, foi publicado no número 1; e o segundo, de José Augusto Pádua e Alessandra Izabel de Carvalho, “A construção de um país tropical: uma apresentação da historiografia ambiental sobre o Brasil”, apareceu no número 4. Em abril de 2020, foi lançada no blog do periódico a seção História e Coronavírus, com importantes textos de historiadores brasileiros e estrangeiros convidados a escrever sobre a pandemia em seus países, cidades ou estados. Ao longo de 2021, versões aprimoradas de alguns desses textos farão parte de uma nova seção da revista, chamada Testemunhos Covid-19, inaugurada na primeira edição deste ano. Um assunto fundamental foi que durante o segundo semestre de 2020 discutimos com os editores adjuntos e de seções da revista as novas instruções aos autores, que foram disponibilizadas on-line em fevereiro de 2021. Outra atividade significativa foi a participação nas ações do Fórum de Editores da Fiocruz, que tem se configurado como espaço em favor da ciência aberta. Importante destacar que em 2020 foram processadas 274 submissões provenientes do Brasil e de outros 17 países, entre os quais se destacam, pelo número de envios, Argentina, Chile, Estados Unidos e Portugal. Nos meses finais de 2020 estabelecemos uma meta fundamental para 2021: publicar o número especial “Para além do humano: história das relações com animais”, com os editores convidados Regina Horta Duarte, Natascha Stefania Carvalho De Ostos, Gabriel Lopes e Nelson Aprobato Filho.

Sem dúvida, a pandemia trouxe maior visibilidade para o campo da história da saúde, e a revista teve um aumento significativo nos acessos aos seus artigos no portal SciELO. Em abril de 2020, a revista teve quase 380 mil acessos. No ano inteiro foram mais de 3 milhões de acessos (em 2019 foram 1,5 milhões). No ano passado, foram feitas no blog em português (www.facebook.com/RevistaHCSM) 181 publicações, o que representa uma média de 15 por mês. Na versão internacional do blog foram feitas 149 publicações em inglês e espanhol. No perfil do Twitter (twitter.com/revistaHCSM), que concentra postagens em três línguas (português, espanhol e inglês), foram publicados cerca de 65 tweets por mês.

Em relação a nossa equipe, em 2020, tivemos que aprender a trabalhar de forma não presencial com todos os desafios advindos desse tipo de trabalho. A covid-19 acometeu membros e parentes próximos de nossa equipe, vitimando dois familiares. Pessoalmente, sou muito grato à excelente equipe da revista: Mônica Auler, Camilo Papi, Mônica Caminha, Vinícius Renaud, Marciel Mendonça, Miriam Junghans, Marina Lemle, Vivian Mannheimer, Fernando Vasconcelos, revisores e tradutores. Sou grato também aos membros do corpo editorial, que nos ajudaram com preciosas avaliações e orientações. E sempre foram muito importantes os conselhos, dicas e otimismo de Roberta Cerqueira, que está de licença para seu doutoramento.

As conquistas de nosso periódico em 2020 foram alcançadas em meio às incertezas que sufocaram os periódicos acadêmicos. Nossa persistência ante a adversidade se explica em grande parte porque temos um vínculo com um tesouro da cultura brasileira e latino-americana: a Fiocruz. Também agradecemos Paulo Roberto Elian dos Santos, diretor da Casa de Oswaldo Cruz, a unidade de Fiocruz onde trabalhamos, pelo grande apoio às ações da revista. Para nós, trabalhadores da Fiocruz, existe um inexplicável sentido de pertencimento a uma longeva tradição de criatividade acostumada a superar as adversidades. Rememorar essa tradição hoje, quando vivemos boa parte das nossas vidas na internet, em meio ao negacionismo científico, à falta de apoio a pesquisas científicas, ao autoritarismo político durante uma pandemia, é mais importante do que nunca.

Somos gratos aos autores e aos avaliadores que fizeram um esforço extraordinário. Seus estudos históricos e pareceres falam não somente de assuntos fundamentais, mas enriquecem nosso conhecimento de uma disciplina que, como sugere o poeta argentino Jorge Luis Borges, fica “ más allá de la pompa y la ceniza de los aniversarios ”. Nos artigos, a história brilha com dados necessários, a ordem no relato cronológico, o contraste entre discursos e práticas, a seleção dos fatos relevantes no longo prazo, o uso crítico de diversas fontes de informação e a interpretação do pesquisador na babilônia de vozes do passado. Os artigos indicam que a história pode ser uma fonte de inspiração ante uma realidade esmagadora.

Assim, espero que nossos artigos de 2021 permitam vibrar a inteligência e os sentimentos de nossos leitores e iluminar a coragem de que agora precisamos.

REFERÊNCIAS

  • BENCHIMOL, Jaime L. et al. História, Ciências, Saúde – Manguinhos: um balanço de 12 anos de circulação ininterrupta. História, Ciências, Saúde – Manguinhos , v.14, n.1, p.221-257, 2007.
  • CUETO, Marcos; SILVA, André Felipe Cândido da. História, Ciências, Saúde – Manguinhos: 25+. História, Ciências, Saúde – Manguinhos , v.26, n.2, p.375-378, 2019.
  • FERRARI, Ilka Franco; JANUZZI, Mônica Eulália da Silva; GUERRA, Andréa Máris Campos. Pandemia, necropolítica e o real do desamparo. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental , v.23, n.3, p.564-582, 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021
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