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Uma visão dos trópicos de Heinrich Gerber, 1850-1860: ciência e pensamento econômico de um engenheiro politécnico alemão no Império do Brasil

Heinrich Gerber’s vision of the tropics, 1850-1860: the scientific and economic thinking of a German polytechnic engineer in the Empire of Brazil

Resumo

Analisa o pensamento científico do engenheiro politécnico Heinrich August Anton Gerber, contratado pelo governo da província de Minas Gerais de 1858 a 1867. O artigo explora o significado cultural e intelectual das atividades do engenheiro, especialmente a ideia de criação de empresa privada no setor da infraestrutura viária, bem como a mediação para importação de instrumentos científicos e livros. Os resultados também indicam que Gerber participa do envio de brasileiros para estudar engenharia em Paris. Este texto investiga as trocas culturais entre Brasil e Europa, a aplicação do conhecimento científico e o encontro com problemas práticos de ordem econômica e social pelo engenheiro no interior do Império do Brasil.

Heinrich August Anton Gerber (1831-1920; história da ciência; economia política; engenheiro; Império do Brasil

Abstract

This article analyzes the scientific thinking of the German polytechnic engineer Heinrich August Anton Gerber, who was employed by Minas Gerais province from 1858 to 1867. We explore the cultural and intellectual significance of his activities, particularly the idea of creating a private company within the roadway infrastructure sector and his mediating role in the importation of scientific instruments and books. Gerber also appears to have been part of efforts to send Brazilians to study engineering in Paris. Cultural exchanges between Brazil and Europe are investigated, along with the application of scientific knowledge and his encounters with practical economic and social challenges in the interior of the Empire of Brazil.

Heinrich August Anton Gerber (1831-1920; history of science; political economics; engineer; Empire of Brazil

Há expressiva literatura sobre engenheiros estrangeiros na construção ferroviária (Marinho, 2010MARINHO, Pedro. Porta-vozes em uma era de incertezas: o Clube de Engenharia e a concepção de uma inspetoria geral das estradas de ferro. Revista Brasileira de História da Ciência, v.3, n.2, p.170-183, 2010., 2015MARINHO, Pedro. Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II: a grande escola prática da nascente engenharia civil no Brasil oitocentista. Topoi, v.16, n.30, p.203-233, 2015., 2020MARINHO, Pedro. O “areópago brasileiro”: o Instituto Politécnico Brasileiro e a formação do campo da Engenharia Civil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, n.482, p.129-160, 2020.), suas relações com a exportação de capitais britânicos no século XIX para a América Latina (Stone, 1977STONE, Irving. British direct and portfolio investment in Latin America before 1914. The Journal of Economic History, v.37, n.3, p.690-722, 1977., p.707) e os impactos do capital industrial no Império do Brasil (Costa, 1976COSTA, Wilma. Ferrovias e trabalho assalariado em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1976., p.149-150; Silva, 1976SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.; Mello, 1986MELLO, João Manoel Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1986., p.74-95). É consenso historiográfico que as obras férreas contribuíram para que engenheiros nacionais encontrassem ocupação (Nagamini, 1994NAGAMINI, Marilda. Engenharia e técnica de construções ferroviárias e portuárias no Império. In: Vargas, Milton (org.). História da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: Unesp, 1994. p.113-136.; Telles, 1994TELLES, Pedro. História da engenharia no Brasil. v.1. Rio de Janeiro: Clavero, 1994., p.227; Carvalho, 2002CARVALHO, José Murilo de. Escola de Minas de Ouro Preto. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002., p.103), além do fato de que as ferrovias empregaram milhares de trabalhadores braçais de distintas categorias jurídicas (Lamounier, 2012LAMOUNIER, Maria. Ferrovias e mercado de trabalho no Brasil do século XIX. São Paulo: Edusp, 2012., p.23-47) – livres, escravizados, libertos, imigrantes e coolies chineses (Souza, 2013SOUZA, Robério. Se eles são livres ou escravos (1858-1863). Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013., p.119).

Contudo, em termos cronológicos, a expansão férrea no Brasil ganhou maior impulso a partir de 1870 (Coimbra, 1974COIMBRA, Creso. Visão histórica e análise conceitual dos transportes no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério dos Transportes, 1974., p.124), avançando para o interior do território e ligando-o aos principais portos litorâneos (Summerhill, 2005SUMMERHILL, William R. Big social savings in a small laggard economy. The Journal of Economic History, v.65, n.1, p.72-102, 2005.). Constata-se a pouca existência de estudos sobre a execução de obras públicas realizadas por engenheiros estrangeiros entre as décadas de 1830 e 1870. Consequentemente, pouco se conhece sobre a atuação científica e o pensamento econômico de engenheiros estrangeiros no Brasil entre 1850 e 1860.

Este estudo atenta para a cultura científica e as ideias econômicas do engenheiro politécnico Heinrich August Anton Gerber.1 1 Contrato entre Gerber e a Presidência da província obrigava “a desempenhar trabalhos relativos à abertura de estradas, construção de pontes, e mais obras públicas, ... levantar as plantas, e fazer os orçamentos ... plantas, mapas, ou cartas topográficas” (Correio..., 25 jan. 1858, p.1). Ainda indicava vencimento anual de seis contos de réis (6:000$000), pagos em prestações mensais, quantia de cinquenta mil réis por mês para aluguel de serventes, transporte de instrumentos e compras de pequeno valor, como estojo de desenho (p.1-2). Contratado pela Presidência da província de Minas Gerais, onde atuou de 1858 a 1867,2 2 No Brasil, Heinrich Gerber tornou-se cavaleiro da Ordem da Rosa do Império. Na Europa, o britânico Richard Francis Burton difundiu os escritos de Gerber, sendo responsável pelas traduções e publicações no Journal of the Royal Geographical Society e no Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland. A esse respeito, ver Gerber (1873, p.407-423, 1874, p.263-300). O presente estudo não propõe efetuar extensa biografia de Gerber. Pretende-se realçar aspectos praticamente desconhecidos de sua atuação na cultura tecnocientífica no Brasil, sublinhando sua formação universitária e a prática como engenheiro e chefe da Diretoria de Obras Públicas. Como bem aponta Shapin (1993, p.342-343), não é objetivo concretizar uma biografia de grandes homens nem realçar histórias de pioneiros esquecidos; trata-se de descortinar interações estruturais e conjunturais, entre indivíduo e contexto, ideias, instituições, que resultaram e possibilitaram a produção de conhecimento. Sobre aspectos da biografia intelectual na história das ciências e metodologia, ver Salgueiro (1997, p.18-21). A respeito da trajetória de Heinrich Gerber, consultar Renger (2013), editado originalmente em 1873, e Blake (2011). ascendeu ao cargo de engenheiro chefe da Diretoria de Obras Públicas, produziu relatórios, importou instrumentos científicos, livros e expôs ideias sobre desenvolvimento econômico e expansão da infraestrutura viária (Renger, 2013RENGER, Friedrich. Henrique Gerber, um engenheiro alemão a serviço da província de Minas. In: Gerber, Henrique. Noções geográficas e administrativas da Província de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013. p.21-53.). Este artigo examina o pensamento de Gerber e aponta como ele se vinculou à proposta de criação de empresa privada no setor da infraestrutura viária e a compra e circulação de livros e instrumentos científicos. Esses resultados, praticamente desconhecidos da historiografia, somam-se a outro: ativa participação de Gerber no envio de estudantes para Paris a fim de se tornarem engenheiros.

Este texto também argumenta que há forte associação e similitudes entre procedimentos adotados por Gerber e o pensamento do engenheiro politécnico francês Henri Navier.3 3 Louis Marie Henri Navier (1785-1836) dedicou especial atenção aos assuntos relacionados à execução de estradas e concessões. Em 1830, Navier, engenheiro chefe do Ponts et Chaussées e membro da Academia Real de Ciências, publicou De l’execution des travaux publics, et particulièrement des concessions. Em especial, no que se refere às vantagens de concessões para empresas privadas da execução de estradas públicas, levando em conta a relação entre dimensão fiscal (impostos), lucratividade do investimento e custos de manutenção (Navier, 1830NAVIER, Henri. De l’execution des travaux publics, et particulièrement des concessions. Paris: De l’Imprimerie de Chassaignon, 1830., p.19-20).

Este artigo encontra-se dividido em três seções: “Engenharia, história e historiografia”; “De Hanover para o Império do Brasil”; e “Uma visão dos trópicos: a economia política de Gerber”.

Na primeira seção, exploram-se os eixos historiográficos e metodológicos deste artigo no âmbito da história da engenharia e das ciências. Em seguida, “De Hanover para o Império do Brasil”, identificam-se a trajetória educacional de Gerber e os atestados comprobatórios de experiência, apresentados ao governo da província, no momento de sua contratação. Minas Gerais contou no aparato burocrático com outros engenheiros alemães (Renger, 2013RENGER, Friedrich. Henrique Gerber, um engenheiro alemão a serviço da província de Minas. In: Gerber, Henrique. Noções geográficas e administrativas da Província de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013. p.21-53.; Martins, 1998MARTINS, Roberto. Tschudi, Halfeld, Wagner e a geografia de Minas Gerais no século XIX. In: Halfeld, Henrique Guilherme F.; Tschudi, J.J. von. A província brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. p.15-59.). Os resultados revelam a participação de Gerber no envio de estudantes brasileiros para se tornarem engenheiros em Paris; na produção de centenas de projetos, plantas e orçamentos; em pedidos de compra de instrumentos científicos, livros e produção cartográfica (Warner, 1990WARNER, Deborah. What is a scientific instrument, when did it become one, and why? The British Journal for the History of Science, v.23, n.1, p.83-93, 1990.; Taub, 2011TAUB, Liba. Reengaging instruments. ISIS, v.102, n.4 p.689-696, 2011.; Blondel, 1997BLONDEL, Christine. Electrical instruments in 19th century France, between makers and users. History and Technology, v.13, n.3, p.157-182, 1997.; Vaccari, 2011VACCARI, Ezio. Travelling with instruments. Centaurus, v.53, n.2, p.102-115, 2011.; Cravo, 2014CRAVO, Telio. Scientific instruments, booksellers and engineers in Imperial Brazil, 1835-1889. In: Granato, Marcus; Lourenço, Marta (org.). Scientific instruments in the history of science. Rio de Janeiro: Mast, 2014. p.319-343.).

Ao longo da terceira seção, “Uma visão dos trópicos”, valendo-se da micro-história (Rojas, 2004ROJAS, Carlos. La historiografia en el siglo XX. Barcelona: Montesinos, 2004.; Lepetit, 2001LEPETIT, Bernard. Arquitetura, geografia, história: usos da escala. In: Salgueiro, Heliana Angotti (org.). Por uma história urbana. São Paulo: Edusp, 2001. p.191-226.; Findlen, 2005FINDLEN, Paula. The two cultures of scholarship? ISIS, v.96, n.2, p.230-237, 2005.), investiga-se a ligação íntima entre o pensamento político-econômico de Gerber e as estradas como elemento de “civilização e luxo” (APM, 1859), a fim de captar como as ideias do engenheiro estiveram ligadas à historicidade da interação entre mercado (espaço da troca econômica) e o Estado-nação (território da soberania política) (Rosanvallon, 2002ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico. Bauru: Edusc, 2002., p.135). Demonstram-se três aspectos da visão de Heinrich Gerber: ênfase no sistema de estrada entre Minas Gerais e Rio de Janeiro como vetor para aumento das transações comerciais, consumo de artigos importados, elevação das exportações de café; pressuposto, no caso das estradas, da existência de espírito associativo empresarial para concentrar capitais e garantir efeitos dinâmicos no mercado importador e exportador; defesa do benefício público e do interesse geral para superar vozes privatistas na escolha do trajeto das estradas.

Engenharia, história e historiografia

No século XIX, sublinha Salgueiro (1997, p.28-36), é que se forja, cada vez mais, o amálgama de razão e ciência nas decisões políticas, nas quais os engenheiros politécnicos são funcionários a serviço do Estado, da modernização técnica, imperativo de progresso para o país, a fim de garantir o mundo da produção e do comércio (p.33). Schabas (2006)SCHABAS, Margareth. French Economics in the enlightmenment. In: Schabas, Margareth. The natural origins of economics. Chicago: The University of Chicago Press, 2006. p.42-57. argumenta que o pensamento econômico e a economia política da primeira metade do século XIX foram marcados por três tendências: economia política clássica e liberal de Say e Fréderic Bastiat (1801-1850); socialista de Henri Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Sismonde de Simondi (1773-1842) e Pierre Joseph Proudhon (1809-1865); grupo de engenheiros da École des Ponts et Chaussées,4 4 A École des Ponts et Chaussées, fundada em 1747, com o objetivo de treinar engenheiros civis para o Corps des Pont et Chaussées, passou a oferecer formalmente, em 1847, o curso de Economia Política. Mesmo antes dessa formalização, a escola já atentava para a produção de estudos econômicos. Em 1830, publicou escritos sobre sistema de concessões de estradas de Navier, e, em 1831, os Annales des Ponts et Chaussées tornou-se a publicação oficial da instituição (Ekelund, Hébert, 1978, p.636-668). especialmente Jules Dupuit (1804-1866) e Louis Marie Henri Navier (1785-1836).

Na junção da experiência de engenharia civil e infraestrutura no século XIX, Rosenberg e Vicenti (1978ROSENBERG, Nathan; VICENTI, Walter. The Britannia bridge: the generation and diffusion of technological knowledge. Cambridge: MIT Press, 1978., p.71) indicam que a atividade envolveu investigações experimentais e conhecimentos empíricos que não dependeram da existência de conhecimento teórico prévio. Engenheiros também estiveram intensamente preocupados com considerações financeiras, o que os aproximava da busca por substituir materiais caros por outros mais baratos, redesenhar estruturas e otimizar processos (Rosenberg, Vicenti, 1978, p.73).5 5 Sobre os termos técnica e tecnologia, Gama (1987) aponta que, no período anterior ao século XIX, o termo técnica era denominado pela palavra arte, proveniente do latim ars-artis, que chegou às línguas europeias modernas com o sentido de habilidade. Na língua portuguesa, a palavra tecnologia surgiu no século XIX: “A palavra tecnologia .... Foi usada pela primeira vez em um texto de José Bonifácio de Andrada e Silva, cientista e, posteriormente, político de notável atuação no nascimento do Brasil como país independente no início do século XIX (1822). Também é usado pelo português Silvestre Pinheiro Ferreira, na mesma época professor no Rio de Janeiro, mas José Bonifácio quase não o menciona; associa a tecnologia à questão da união da teoria e da prática” (Gama, 1987, p.110). Para Gama, técnica e tecnologia são processos simultâneos no tempo e no espaço. A tecnologia coloca em evidência o universo da prática: operações técnicas, ferramentas, materiais, custos e tempos de trabalho (Gama, 1986, p.30-31). As técnicas estão associadas à habilidade do executor, transmitidas de forma oral por meio de instrumentos e ferramentas: “Em suma, as atividades artesanais subsistem mesmo após o surgimento da tecnologia, convivendo com ela. Isso significa que a história que se pretende construir deve apontar essa duplicidade. Os termos de História da Técnica e da Tecnologia devem ser usados, ou ajustados para uma denominação mais sintética, mais extensa, como o título de História da Técnica, considerando a Tecnologia a forma histórica mais recente de sistematização, racionalização, experimentação e, por isso, razão, mais conhecimento científico do que técnico” (Gama, 1987, p.114). Basalla (1988, p.57-61) sublinha que o nacionalismo do século XIX exerceu papel significativo na teoria de que o desenvolvimento tecnológico era descontínuo. A exacerbação da descontinuidade tecnológica oculta a presença de artefatos antecedentes e torna os inventores heróis, além de estabelecer uma relação confusa entre mudança tecnológica e mudança socioeconômica.

No âmbito das relações entre ciência e economia, Szmrecsányi (2001SZMRECSÁNYI, Tamás. Esboços de história econômica da ciência e da tecnologia. In: Soares, Luiz Carlos (org.). Da revolução científica à big (bussiness) science. São Paulo: Hucitec, 2001. p.155-200., p.171) aponta que essas interações se tornaram visíveis no decorrer do século XIX, em virtude da ação dos engenheiros, agente especializado e integrador da interface da ciência e da tecnologia. O encadeamento dessas relações repercutiu no mundo de leitura, escrita e divulgação de periódicos especializados, manuais e obras de popularização científica (Boscq, 2014BOSCQ, Marie-Claire. A França e os intercâmbios transatlânticos no século XIX. In: Abreu, Marcia; Daecto, Marisa (org.). A circulação transatlântica dos impressos. Campinas: Unicamp, 2014. p.43-55.); bem como nas práticas científicas com diferentes tradições e condutas atreladas aos usos de instrumentos científicos (Taub, 2011TAUB, Liba. Reengaging instruments. ISIS, v.102, n.4 p.689-696, 2011., p.690; Blondel, 1997BLONDEL, Christine. Electrical instruments in 19th century France, between makers and users. History and Technology, v.13, n.3, p.157-182, 1997., p.169-170; Vaccari, 2011VACCARI, Ezio. Travelling with instruments. Centaurus, v.53, n.2, p.102-115, 2011., p.112).

No caso brasileiro, a literatura enfatiza a ocupação em postos de trabalho na burocracia estatal, o que revelava o fraco dinamismo econômico dos setores privados, incapazes de absorver os egressos dos cursos de engenharia (Coelho, 1999COELHO, Edmundo. As profissões imperiais (1822-1930). Rio de Janeiro: Record, 1999., p.54-58). Por essas razões, a historiografia afirma que a principal ocupação dos ex-alunos das escolas de engenharia era os empregos públicos e as estradas de ferro (Carvalho, 2002CARVALHO, José Murilo de. Escola de Minas de Ouro Preto. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002., p.103). Em decorrência desses argumentos, pesquisas apontam que engenheiros atuaram como técnicos e dirigentes nas companhias de estradas de ferro, articulados aos interesses do complexo agroexportador (Marinho, 2015MARINHO, Pedro. Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II: a grande escola prática da nascente engenharia civil no Brasil oitocentista. Topoi, v.16, n.30, p.203-233, 2015., p.205-208). Como consenso desses estudos está o fato nacional estabelecido da associação entre formados em engenharia, carreiras e ferrovias. Pode-se afirmar que essa historiografia apresenta forte perspectiva sociológica da institucionalização educacional, inserida em um recorte: a fronteira nacional (Marinho, 2020MARINHO, Pedro. O “areópago brasileiro”: o Instituto Politécnico Brasileiro e a formação do campo da Engenharia Civil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, n.482, p.129-160, 2020., p.138-142).

A historiografia apresenta contribuições sobre a presença de engenheiros estrangeiros no Brasil oitocentista. Dentre esses, Louis-Léger Vauthier alcançou mais destaque (Poncioni, Dimas, 2010, p.27-36). Formado pela École Polytechnique de Paris, engenheiro de pontes e calçadas, Vauthier, em 1840, foi contratado pelo presidente de província de Pernambuco e permaneceu até 1846 (Magalhães, 2010MAGALHÃES, Gildo. Escola Politécnica de Paris, a inspiração republicana e a ideia de progresso: Vauthier, a engenharia francesa e a brasileira no século XIX. In: Poncioni, Claudia; Pontual, Virginia (org.). Un ingénieur du progrès: Louis-Léger Vauthier entre la France et le Brésil. Paris: Michel Houdiard, 2010. p.41-52., p.41-44). Freyre (1960FREYRE, Gilberto. Um engenheiro francês no Brasil. t.1. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960., p.313) identifica a participação de Vauthier no Regulamento de 1842, que aplicava os princípios de homogeneidade, unidade e hierarquia em projetos, orçamentos, arrematações e contabilidade das obras públicas, além da influência da economia política do socialista Charles Fourier no pensamento do engenheiro francês. Estudos também destacam a presença de engenheiros estrangeiros em outras províncias. Em São Paulo, o engenheiro Daniel Pedro Müller (Beier, 2015BEIER, José Rogério. Artefatos de poder: Daniel Pedro Müller (1835-1849). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.), e o engenheiro Amélio Pralon na província do Rio de Janeiro (Gouvêa, 2008GOUVÊA, Maria de Fátima. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., p.81-85).6 6 Em virtude da descoberta de Paulo Prado dos manuscritos em Paris e do trabalho de Gilberto Freyre para a tradução e edição dos diários de Louis-Léger Vauthier, o pensamento do engenheiro francês ganhou ampla divulgação. É preciso sublinhar que não apenas a província de Pernambuco recebeu impulsos modernizantes e o apoio de engenheiros. Em 1835, a Assembleia Legislativa de São Paulo sancionou a criação de um Gabinete Topográfico, bem como autorizou dispêndio para a confecção de um mapa provincial e o cotejamento de dados estatísticos. A referida estatística e o mapa foram encomendados ao engenheiro militar Daniel Pedro Müller (1785-1841). Em 1836, na província do Rio de Janeiro, foi criada a Escola de Arquitetos Medidores, a Diretoria de Obras Públicas e o Colégio de Artes Mecânicas para Órfãos. Em 1844, foi substituída a Diretoria de Obras Públicas pela Junta de Direção e Expansão das Obras Públicas e também foram criados os Distritos de Obras Públicas, cada qual com o seu respectivo chefe de distrito subordinado à Junta. Cabe ressaltar que a pesquisa indica que, ao longo do século XIX, as províncias do Império do Brasil foram divididas em distritos de engenharia, sendo cada distrito, geralmente, chefiado por um engenheiro. A província do Rio de Janeiro contava com nove engenheiros de distritos e mais dois outros, o diretor geral e o arquiteto desenhador. Em Minas Gerais, havia seis distritos de engenharia. A pesquisa identificou nominalmente, no caso de Minas Gerais, todos os engenheiros empregados entre 1840 a 1889. Na totalidade, verificam-se, em termos nominais, 78 indivíduos que ocuparam o cargo de engenheiro da província. Por quinquênio, alcança-se o seguinte resultado de distribuição: 1846 a 1850, identifica-se a atuação de oito engenheiros; entre 1851 e 1855, 16 engenheiros; 1856 a 1860, 17 engenheiros; entre 1861 e 1865, 11 engenheiros; 1866 a 1870, 19 engenheiros; 1871 a 1875, 22 engenheiros da província de Minas Gerais. Ver Beier (2015); Cravo (2016); Freyre (1960); Gouvêa (2008).

Recentes pesquisas apontam para a participação de Gerber na difusão e construção no Brasil, em Minas Gerais, da ponte lattice, desenvolvida e registrada por Ithiel Town no escritório de patente dos EUA em 1820 e 1835 (Cravo, 2012CRAVO, Télio. Engenharia, engenheiros e o universo da difusão da tecnologia no Brasil Imperial: patente, projeto e construção de uma ponte lattice em Minas Gerais (1860-1864). Revista Brasileira de História da Ciência, v.5, n.2, p.354-368, 2012., p.361-363; Dreicer, 2010DREICER, Gregory K. Building bridges and boundaries: the Lattice and the tube, 1820-1860. Technology and Culture, v.51, n.1, p.126-163, 2010., p.128-130). Martins (1998)MARTINS, Roberto. Tschudi, Halfeld, Wagner e a geografia de Minas Gerais no século XIX. In: Halfeld, Henrique Guilherme F.; Tschudi, J.J. von. A província brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. p.15-59. indica que, em 1861, a província firmou contrato com Gerber para mandar litografar na Europa a “Carta Corográfica da Província”. Em 1863, valendo-se dos trabalhos de Gerber, o mapa foi publicado, litografado por C. Flemming, em Glogau, na Silésia, e acompanhado da obra intitulada Noções geográficas e administrativas da Província de Minas.

Essas atividades relacionaram-se com o processo histórico de institucionalização na Europa do ensino politécnico nos séculos XVIII e XIX (Lundgreen, 1984LUNDGREEN, Peter. De l’école spéciale à l’université technique: étude sur l’histoire de l’école supérieure technique en Allemagne avant 1870, et regard sur son dévelopment ultérieur. Culture Technique, n.12, p.305-311, 1984.; Cortés García, 2006CORTÉS GARCÍA, Francisco. La importancia de las redes de infraestructuras y del industrialismo en el pensamiento politécnico. Revista Transportes, Servicios y Telecomunicaciones, n.11, p.94-115, 2006., Kranakis, 1997KRANAKIS, Eda. Constructing a bridge: an exploration of engineering culture, design, and research in nineteenth-century France and America. Cambridge: MIT Press, 1997.; Picon, 2004PICON, Antoine. Engineers and engineering history: problems and perspectives. History and Technology, v.20, n.4, p.421-436, 2004.; Magalhães, 2010MAGALHÃES, Gildo. Escola Politécnica de Paris, a inspiração republicana e a ideia de progresso: Vauthier, a engenharia francesa e a brasileira no século XIX. In: Poncioni, Claudia; Pontual, Virginia (org.). Un ingénieur du progrès: Louis-Léger Vauthier entre la France et le Brésil. Paris: Michel Houdiard, 2010. p.41-52.). Com base nesses resultados, argumenta-se que o engenheiro politécnico alemão mediou o intercâmbio de ideias e da cultura científica, o que permitiu diagnosticar as trocas culturais entre a Europa e o Brasil (Findlen, 2005FINDLEN, Paula. The two cultures of scholarship? ISIS, v.96, n.2, p.230-237, 2005.; Hilaire-Pérez, Verna, 2006; Gavroglu et al., 2008GAVROGLU, Kostas et al. Science and technology in the European periphery: some historiographical reflections. History of Science, v.46, n.2, p.153-175, 2008.; Dreicer, 2010DREICER, Gregory K. Building bridges and boundaries: the Lattice and the tube, 1820-1860. Technology and Culture, v.51, n.1, p.126-163, 2010.; Boscq, 2014BOSCQ, Marie-Claire. A França e os intercâmbios transatlânticos no século XIX. In: Abreu, Marcia; Daecto, Marisa (org.). A circulação transatlântica dos impressos. Campinas: Unicamp, 2014. p.43-55.). Gavroglu argumenta que é fundamental mudar a perspectiva da transmissão para a apropriação, pois essa evidencia o processo de produção de conhecimento. Por conseguinte, entrelaça circulação de pessoas, negociações/disputas e especificidades locais:

Estudos sobre ciência na periferia frequenmente empregam termos como ‘transferência’, ‘disseminação’, ‘influência’, ‘transmissão’, ‘introdução’, ‘resistência’ e ‘adoção’. Esses conceitos implicam particular modelo sobre a circulação do conhecimento: depois de serem formulados nos centros, aqueles que usam esses conceitos consideram o conhecimento científico um tipo de commodity, o qual pode ser distribuído pelas diversas redes intelectuais.

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Circulação de conhecimento tem sido considerada um processo mediado, do local para o global, ou um conhecimento múltiplo, diverso e contingente ao conhecimento. A circulação de práticas e ideias depende, antes de tudo, das pessoas (Gavroglu et al., 2008GAVROGLU, Kostas et al. Science and technology in the European periphery: some historiographical reflections. History of Science, v.46, n.2, p.153-175, 2008., p.159-161).

No século XIX, Dreicer (2010DREICER, Gregory K. Building bridges and boundaries: the Lattice and the tube, 1820-1860. Technology and Culture, v.51, n.1, p.126-163, 2010., p.158) aponta que a história da engenharia ilumina um momento-chave: emergência de culturas nacionais, processo histórico-social de surgimento de fronteiras identitárias na engenharia, atrelada ao esforço de forjar heróis nacionais e inventores. Tal aspecto revela que as narrativas de transferência de tecnologia transmitem a inexata ideia de que os indivíduos inseridos em “cultura nacional” desenvolvem processos inventivos que se disseminam para outras nações (p.126-128).

Este estudo opta por uma abordagem que entrelaça micro-história e história conectada (Douki, Minard, 2007, p.15-17; Findlen, 2005FINDLEN, Paula. The two cultures of scholarship? ISIS, v.96, n.2, p.230-237, 2005., p.232-233). Portanto, afasta-se de abordagem centrada no critério de fronteira nacional (Douki, Minard, 2007, p.19-21; Gavroglu et al., 2008GAVROGLU, Kostas et al. Science and technology in the European periphery: some historiographical reflections. History of Science, v.46, n.2, p.153-175, 2008.; Dreicer, 2010DREICER, Gregory K. Building bridges and boundaries: the Lattice and the tube, 1820-1860. Technology and Culture, v.51, n.1, p.126-163, 2010.; Levi, 2018LEVI, Giovanni. Micro-história e historia global. Historia Crítica, n.69, p.21-35, 2018., p.25-26), insuficiente para reconstituir os critérios de racionalidade, relações entre educação e prática de engenheiros em circulação pela economia-mundo do século XIX (Braudel, 1996BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, v.3: o tempo do mundo. São Paulo: Martins Fontes, 1996., p.39; Picon, 1992PICON, Antoine. La creátion du corps et de l’École des Pont et Chaussées. In: Picon, Antoine. L’Invention de L’ingénieur moderne, L’École des Ponts et Chaussées 1747-1851. Paris: Presses de l’École Nationale des Ponts et Chaussées, 1992. p.29-53., p.19, 2004, p.425-427).

Na seção seguinte, tomando por base a trajetória educacional, os projetos e cartas de Heinrich Gerber, argumenta-se que a ação do politécnico revela conexões continentais, trocas culturais globais e a cultura tecnocientífica no Brasil oitocentista.

De Hanover para o Império do Brasil

Entre 1832 e 1872 a taxa anual de crescimento da população livre de Minas Gerais atingiu a marca de 2,8% ao ano. No que se refere à população escrava, o crescimento anual foi de 0,8%. Em termos percentuais se encontrava, em Minas Gerais, em 1832, aproximadamente, 16,6% da população do Império. Em 1872, a província possuía 20,6% da população do Brasil. Em termos absolutos, a população de 1832 contabilizava a marca de 848.197 indivíduos (572.099 livres e 276.098 escravos). Em 1872, a população alcançava 2.083.545 indivíduos (1.705.419 livres e 378.126 escravos) (Rodarte, 2012RODARTE, Mario. O trabalho do fogo: domicílios ou famílias do passado – Minas Gerais, 1830. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2012., p.55-118). Minas Gerais, segundo o censo de 1872, detinha, em termos absolutos, a maior população escrava do Brasil, com 378.126 escravos. Era seguida pela província do Rio de Janeiro, com 306.425 cativos, que, somados com os 48.939 escravos da Corte, alcançava 355.364, e São Paulo, com 156.612 escravos (Rodarte, 2012RODARTE, Mario. O trabalho do fogo: domicílios ou famílias do passado – Minas Gerais, 1830. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2012., p.89; Paiva, Godoy, Rodarte, 2012RODARTE, Mario. O trabalho do fogo: domicílios ou famílias do passado – Minas Gerais, 1830. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2012., p.77).

Foi nesse cenário que Gerber atuou como engenheiro da província de Minas Gerais, entre 1858 e 1867. Ex-aluno da Politécnica de Hanover (1847-1852)7 7 Fundada em 1831, com o nome de Escola Superior de Comércio, transformou-se, em 1847, na Escola Politécnica de Hanover. De 1831 a 1875, a Escola Politécnica de Hanover teve como diretor Karl Karmarsch, educador formado pela Escola Politécnica de Viena. Em 1866, a Prússia anexou o Reino de Hanover. A partir de então, a Escola Politécnica foi subordinada ao Ministério do Comércio, Indústria e Obras Públicas. Sobre as características do modelo politécnico e como este se vinculava, na primeira do século XIX, ao serviço público e aulas de matemática, mecânica, química que ajudaram a estruturar, a partir das écoles, os esteios centrais das futuras faculdades técnicas, por exemplo, na fusão da Bauakademie com Gewerbeakademie (École Supérieure d’Arts et Métiers) para formar a Technische Hochschule em 1879 (École Supérieure Tecnhique), ver Lundgreen (1984, p.307-310). Ao contrário da França e de seu sistema centralizador das “grandes écoles”, a Alemanha possuía várias politécnicas disseminadas pelo território e o ensino associado à prática (p.309-310). (Lundgreen, 1984LUNDGREEN, Peter. De l’école spéciale à l’université technique: étude sur l’histoire de l’école supérieure technique en Allemagne avant 1870, et regard sur son dévelopment ultérieur. Culture Technique, n.12, p.305-311, 1984.), antes de se instalar em Minas, trabalhou no escritório de Conrad Hase (seu antigo professor), atuando em obras na cidade de Hanover; depois, partiu para estada em Paris, onde trabalhou ao lado do arquiteto Ignaz Hittorf na reforma da Place de La Concorde e, em Madri, na reforma da avenida Puerta del Sol (Renger, 2013RENGER, Friedrich. Henrique Gerber, um engenheiro alemão a serviço da província de Minas. In: Gerber, Henrique. Noções geográficas e administrativas da Província de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013. p.21-53.).

No Brasil, em 1866, ascendeu, após nomeação da Presidência da província, ao cargo de engenheiro chefe da Diretoria Geral de Obras Públicas de Minas Gerais (APM, 1866; APM, 1867a).

Ao lado de outro alemão, o ajudante de engenheiro Gustavo Dodt, empreendeu diversos serviços (cemitérios, teatro, chafarizes, cadeias, pontes e estradas) (Brescia, 2011BRESCIA, Rosana. Os teatros públicos na capital das Minas setecentistas. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n.52, p.89-106, 2011., p.102-103). Em 1853, Dodt era estudante de arquitetura em Lüneburg, Reino de Hanover. Aprovado em hidráulica e arquitetura dos caminhos, foi aceito pelo Real Ministério do Império como condutor de construção dos caminhos (APM, 1853-1860, doc. 9-44, 48). Atuou até fevereiro de 1858, quando solicitou demissão e seguiu para Minas, onde já se encontravam Heinrich Gerber e outro imigrante oriundo do Reino de Hanover: engenheiro Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld.

Renger (2013RENGER, Friedrich. Henrique Gerber, um engenheiro alemão a serviço da província de Minas. In: Gerber, Henrique. Noções geográficas e administrativas da Província de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013. p.21-53., p.24) sugere que a contratação de Gerber tenha sido mediada pelo engenheiro Halfeld (1797-1873). Este, natural de Clausthal, Reino de Hanover, era formado em engenharia pela Bergakademie Clausthal, uma das principais escolas de minas da Europa (Martins, 1998MARTINS, Roberto. Tschudi, Halfeld, Wagner e a geografia de Minas Gerais no século XIX. In: Halfeld, Henrique Guilherme F.; Tschudi, J.J. von. A província brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. p.15-59., p.25-26; Lundgreen, 1984LUNDGREEN, Peter. De l’école spéciale à l’université technique: étude sur l’histoire de l’école supérieure technique en Allemagne avant 1870, et regard sur son dévelopment ultérieur. Culture Technique, n.12, p.305-311, 1984.). Em meados de 1820, em São João del Rei, trabalhou como engenheiro de minas na empresa inglesa General Mining Association. Na década de 1830, permaneceu em Minas, mas como empregado da mineradora Imperial Brazilian Mining Association (APM, 1836). Em maio de 1836, Halfeld firmou contrato como engenheiro da província de Minas Gerais.

Em 1858, Gerber, quando contratado pelo governo da província de Minas Gerais, apresentou dois atestados. O primeiro, comprovante de aprovação no exame de bacharel em ciências matemáticas e técnicas perante a comissão examinadora dos engenheiros do Estado do Reino de Hanover; e o segundo, atestado sobre suas atividades na função de engenheiro nas estradas de ferro hanoverianas (APM, 1853-1860, doc. 9-20).

Na França, onde estivera Gerber, o ensino técnico e científico se institucionalizou ao longo do século XVIII: a École des Ponts et Chaussées (1716), a École d’Artillerie (1720), École du Genie Militaire de Mézières (1748), a École de Mines (1783), a École Polytechnique (1794) (Cortes García, 2006, p.96). A prática da engenharia, as instituições acadêmicas e os manuais técnicos se disseminaram. O padrão educacional e acadêmico das instituições politécnicas também foi difundido. Na Europa, criaram-se institutos em cidades como Praga (1806), Viena (1815), Berlim (1821), Karlsruhe (1825), Hanover (1831), Zurique (1855), Delft (1864) (Cortes García, 2006, p.97; Lundgreen, 1984LUNDGREEN, Peter. De l’école spéciale à l’université technique: étude sur l’histoire de l’école supérieure technique en Allemagne avant 1870, et regard sur son dévelopment ultérieur. Culture Technique, n.12, p.305-311, 1984., p.307). Na América do Norte, o modelo politécnico de ensino teve influência em instituições e centros acadêmicos de grande prestígio, civis e militares (Kranakis, 1997KRANAKIS, Eda. Constructing a bridge: an exploration of engineering culture, design, and research in nineteenth-century France and America. Cambridge: MIT Press, 1997., p.4).

Na era da razão industrial, inaugurada após a Revolução Francesa, as escolas politécnicas foram concebidas sob o argumento do desenvolvimento econômico (Cortes García, 2006, p.106). A educação tornou-se chave para o êxito industrial e a esperança da condução da sociedade rumo ao progresso (Magalhães, 2010MAGALHÃES, Gildo. Escola Politécnica de Paris, a inspiração republicana e a ideia de progresso: Vauthier, a engenharia francesa e a brasileira no século XIX. In: Poncioni, Claudia; Pontual, Virginia (org.). Un ingénieur du progrès: Louis-Léger Vauthier entre la France et le Brésil. Paris: Michel Houdiard, 2010. p.41-52.; Salgueiro, 1997). Hierarquia e garantia da ordem como princípio do progresso configuraram os pilares da ideologia do progresso associada ao industrialismo, à filosofia positivista e à matemática e ao cálculo como norteadores da vida material (Cortés García, 2006CORTÉS GARCÍA, Francisco. La importancia de las redes de infraestructuras y del industrialismo en el pensamiento politécnico. Revista Transportes, Servicios y Telecomunicaciones, n.11, p.94-115, 2006., p.106). Tais atividades aproximam os engenheiros daquilo que, a partir do século XVIII, com a emancipação da engenharia de raízes militares e com a contribuição das novas ideias políticas, os definia como contribuintes da utilidade pública e do progresso e capazes de formalizar a matemática, a geometria analítica e a mecânica em torno de questões práticas: problemas econômicos, planejamento urbano, pontes, estradas e canais (Cortés García, 2006CORTÉS GARCÍA, Francisco. La importancia de las redes de infraestructuras y del industrialismo en el pensamiento politécnico. Revista Transportes, Servicios y Telecomunicaciones, n.11, p.94-115, 2006., p.106; Picon, 2004PICON, Antoine. Engineers and engineering history: problems and perspectives. History and Technology, v.20, n.4, p.421-436, 2004., p.427; Salgueiro, 1997).

Como sugere a Figura 1, em 1867, resultado das atividades de planejamento dos engenheiros provinciais, a Repartição de Obras Públicas abrigava 327 projetos e plantas (APM, 1867b): 160 tratavam de pontes, 75 de estradas. Mais de 70% das plantas eram destinadas a construção de infraestrutura. O restante, 92 projetos e desenhos, subdividiam-se em plantas geográficas e topográficas, obras hidráulicas e edifícios.

Figura 1
Gráfico de projetos e plantas da Repartição de Obras Públicas de Minas Gerais, 1867 (APM, 1867b)

Projetos voltados para o investimento na infraestrutura refletia a relação umbilical entre expansão econômica, fiscalidade e modernização viária. Gerber contribuiu diretamente para a produção dos projetos e plantas. Em 1858, requisitou a compra de diversos instrumentos científicos. Em carta, registrou o que precisava: um teodolito-repetidor para nivelar e medir as distâncias, um “Tacheometro de M. Porro” de Paris, uma régua de nivelar dividida em palmos ou números visíveis pela luneta, cronômetro e sextante para observações astronômicas, duas pequenas bússolas de mão, dois níveis-borell, barômetro de viagem metálico “construção nova, que ganhou as medalhas nas exposições de Paris e Viena” (APM, 1853-1860, doc. 9).

O governo da Província atendeu a exigência do engenheiro politécnico. Importou de Paris, pela Casa Comercial de Ferreira Lage e Maia, que despachou os pedidos do Rio de Janeiro para Ouro Preto. É preciso destacar que nesse contexto, em 1861, a Presidência da província firmou contrato com Gerber para litografar na Europa a carta corográfica de Minas Gerais e também “fazer imprimir as noções geográficas e estatísticas” da província (Exposição..., 1862, p.6-7).

Em 1867, indica a Tabela 1, a repartição possuía 117 instrumentos, subdivididos em 11 grupos. Prevaleciam os instrumentos “gráficos”, “meteorológicos”, “de reflexão” e “de medir distância”. Segundo Warner (1990WARNER, Deborah. What is a scientific instrument, when did it become one, and why? The British Journal for the History of Science, v.23, n.1, p.83-93, 1990., p.85-86), é no século XIX que a expressão instrumento científico passa a ser associada às ferramentas da engenharia num movimento histórico, que enfatizou as conexões entre teoria e prática e, portanto, aparato educacional e realizações técnicas (Blondel, 1997BLONDEL, Christine. Electrical instruments in 19th century France, between makers and users. History and Technology, v.13, n.3, p.157-182, 1997., p.163-165).

Tabela 1
Instrumentos na Repartição de Obras Públicas, 1967

Além da compra de instrumentos científicos, o engenheiro mediou aquisição de livros (Cravo, 2014CRAVO, Telio. Scientific instruments, booksellers and engineers in Imperial Brazil, 1835-1889. In: Granato, Marcus; Lourenço, Marta (org.). Scientific instruments in the history of science. Rio de Janeiro: Mast, 2014. p.319-343.). Gerber intermediou a compra de sete volumes de Connaissance des Temps e dois exemplares da Nautical Almanach (1866 e 1867) junto à Livraria Imperial, localizada na cidade do Rio de Janeiro (APM, 1867c).

Hilaire-Pérez e Verna (2006HILAIRE-PÉREZ, Liliane; VERNA, Catherine. Dissemination of technical knowledge in the Middle Ages and the Early Modern Era: new approaches and methodological issues. Tecnhnology and Culture, v.47, n.3, p.536-565, 2006., p.536-565) apontam que a transmissão técnica na modernidade dependeu de uma série de recursos (mão de obra, material, disponibilidade de verbas, pessoas) e que, portanto, ao lado das formas de conhecimento codificado (tratados, manuais, livros etc.) existiram importantes atores intermediários (engenheiros, artífices, comerciantes, editores, livreiros, políticos, arrematantes).

Os resultados de pesquisa também revelam que Gerber participou do envio de dois jovens mineiros para estudar em Paris: Honório Henrique Soares do Couto e Francisco de Sales Queiroga Junior.8 8 Honório Henrique Soares do Couto e Francisco de Sales Queiroga Junior celebraram o contrato com a província, pelo qual “obrigaram-se eles a ir seguir na Europa o curso de estudos próprios dos engenheiros civis, com a condição de regressarem à província logo que achem habilitados para empregarem-se no seu serviço por espaço não menor de oito anos” (Relatório..., 1857, p.32). Segundo examinadores do Colégio de Matozinhos, situado em Congonhas do Campo, Honório obteve aprovação e bom resultado nos “Atos Literários de Exames Públicos”, no qual era “cursista de Gramática Francesa”. Francisco de Sales Queiroga Junior havia sido aluno do Ateneu de São Vicente de Paula, em Diamantina. Na França, Honório Henrique e Francisco de Sales foram admitidos na Escola Preparatória de Martelet, que tinha por objetivo habilitá-los para seguir o curso de Engenharia Civil na École des Arts et Manufactures. Recebiam gratificação anual de mil francos, dos quais 480 francos eram destinados ao aluguel de um quarto na mesma escola preparatória, e os restantes 520 francos eram destinados às suas despesas pessoais. Contudo, Francisco de Salles desistiu dos estudos de engenharia e regressou ao Brasil após quatro anos de estudos, Honório foi reprovado no exame de admissão da École des Arts et Manufactures. Com interferência de Gerber, Honório obteve permissão e continuou a receber ajuda financeira do governo provincial para continuar os estudos. Em outubro de 1862, conseguiu ingressar na École des Ponts et Chaussées e concluir seus estudos. Em 1867, retornou para Minas Gerais e ocupou o cargo de engenheiro da província até 1878. Figueirôa aponta que, entre 1825 e 1903, quase uma centena de brasileiros estudaram nas grandes écoles francesas (Polytéchnique, Mines e Ponts et Chaussées). O engenheiro Honório, segundo o estudo de Figueirôa, era natural de Ouro Preto, nascido em 17 de novembro de 1836, e os pais eram Manoel Santos do Couto e Henriqueta Soares Leão (Figueirôa, 2014, p.417-439). Sobre o sistema educacional francês, consultar Belhoste (1989); Belhoste, Chatzis (2007); APM (1862).

Gerber demonstrava conhecer o sistema educacional francês. Em 1862, em carta ao ministro plenipotenciário do Brasil na França, tratava dos dois estudantes mineiros em Paris, bolsistas da província de Minas Gerais, que depois de terem frequentado por quatros anos a escola preparatória do senhor Martelet matricularam-se na Escola Central das Artes e Manufaturas; no entanto, foram reprovados no exame de ingresso. Gerber era favorável a que se concedesse permissão aos alunos para estudar em regime particular as mesmas matérias que formavam o curso do primeiro ano da Escola Central, para, depois de findo o ano, seguir os estudos da École des Ponts et Chaussées (APM, 1862). Argumentava também que era a favor do prosseguimento da continuidade do suporte financeiro aos estudantes. A participação de Gerber resultou na formação do brasileiro na École des Ponts et Chaussées.

Gerber, mais do que mediador das publicações que codificaram os conhecimentos técnicos, atuou no intercâmbio de ideias e das culturas científicas da engenharia. Levando isso em conta, perseguir os passos de Gerber, reduzir a escala de observação e conectá-la à estrutura administrativa de um país em formação permitiram entrever as transferências culturais entre a Europa e o Brasil em meados do século XIX (Boscq, 2014BOSCQ, Marie-Claire. A França e os intercâmbios transatlânticos no século XIX. In: Abreu, Marcia; Daecto, Marisa (org.). A circulação transatlântica dos impressos. Campinas: Unicamp, 2014. p.43-55., p.49).

A próxima seção do artigo, intitulada “Uma visão dos trópicos: a economia política de Heinrich Gerber”, reduzirá a escala de análise para compreender os desdobramentos dos trabalhos de campo do engenheiro. A seção explora o modo como os projetos do engenheiro se relacionaram com a economia política, especialmente o pensamento politécnico do francês Henri Navier e a concepção fisiocrática francesa (Schumpeter, 1969SCHUMPETER, Joseph. Fundamentos do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Zahar, 1969., p.46-50). As ideias de Gerber refletiram o nascimento, entre final do século XVIII e início do século XIX, da economia política, que constituiu uma forma de compreender o homem em sociedade: direcionou-se, a partir de então, especial atenção aos temas relativos ao desenvolvimento do comércio e da produção (Singer, 1982SINGER, Paul. Introdução. In: Ricardo, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p.7-27., p.10-14; Schumpeter, 1969SCHUMPETER, Joseph. Fundamentos do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Zahar, 1969., p.46-73). Por conseguinte, sobressai no pensamento de Heinrich Gerber, de modo simultâneo, a temática dos negócios públicos e privados, tendo a premissa de que o homem econômico era um dado da razão (Rosanvallon, 2002ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico. Bauru: Edusc, 2002.; Backhouse, 1998BACKHOUSE, Roger. Economics is a historical process. In: Medema, Steven; Samuels, Warren. Foundations of research in economics. Northampton: Elgar, 1998. p.7-18., p.11), bem como o compartilhamento da crença, presente no século XIX, de que era o momento de a ciência influenciar a política (Salgueiro, 1997, p.33).

Uma visão dos trópicos: a economia política de Heinrich Gerber

A chegada de Gerber ao Brasil, na década de 1850, coincidiu com os impactos sofridos na vida nacional com o fim do tráfico transatlântico negreiro ilegal (Parron, 2011PARRON, Tamis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.; Engerman, 2000ENGERMAN, Stanley. Comparative approaches to the ending of slavery. Slavery & Abolition, v.2, n.21, p.281-300, 2000., p.286-294, Conrad, 1978CONRAD, Robert. Os últimos anos de escravatura no Brasil, 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978., p.113-124). Essa conjuntura não escapou de sua avaliação. Logo apontou que grande parte do “povo” apresentava certa prevenção contra o trabalho agrícola. Muitos, segundo o engenheiro, em obra cuja primeira edição data de 1863, julgavam “o trabalho da roça próprio somente de braços africanos” (Gerber, 2013GERBER, Heinrich. Noções geográficas e administrativas da Província de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013., p.101). Gerber lamentava porque acreditava que, no Brasil, o trabalho agrícola “deveria realmente constituir o elemento fundamental da riqueza pública” (p.101).

No plano da economia-mundo, a revogação das Corn Laws (1846), segundo Chang (2004CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada. São Paulo: Unesp, 2004., p.44-46) representou vitória dos industriais britânicos e pode ser interpretada como um ato do imperialismo do livre-comércio para conter a industrialização do continente europeu mediante ampliação do mercado de produtos agrícolas e matérias-primas. Engels, em 1892, no prefácio de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, apontava que o mercado mundial havia se tornado realidade. Novos meios de comunicação (ferrovias e navios a vapor) eram empregados em escala internacional, e a política financeira e comercial da Inglaterra, por meio do livre-cambismo, havia adequado os interesses dos capitalistas industriais ao da nação (Engels, 2010ENGELS, Friedrich. Prefácio. In: Engels, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. p.345-358.). Baratearam as matérias-primas, os meios de subsistência da classe operária, diminuíram o custo de vida e mantiveram os salários em patamares mínimos. A teoria do livre-câmbio, pós-revogação das Corn Laws, fundava-se na hipótese de que a Inglaterra tornar-se-ia o único grande centro industrial de um mundo agrícola (Engels, 2010ENGELS, Friedrich. Prefácio. In: Engels, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. p.345-358.).

Em face da conjuntura internacional que, segundo Braudel (1996BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, v.3: o tempo do mundo. São Paulo: Martins Fontes, 1996., p.346), transformou a Inglaterra, junto com o progresso de sua população e sua industrialização, em um país importador de produtos agrícolas, o pensamento do engenheiro Gerber sincroniza abertura de áreas agrícolas, industrialização britânica e construção de sistema global de transporte, baseado na estrada de ferro e na navegação a vapor, que também se valiam do sistema rodoviário tradicional.9 9 Entre 1840 e 1850, na França, as ferrovias passaram de 576 quilômetros para 3.024 quilômetros; na Inglaterra, de 1.340 quilômetros para 10.596 quilômetros; na Alemanha, de 545 quilômetros para 5.824; nos Estados Unidos, de 4.512 quilômetros para 14.432 quilômetros. No caso brasileiro, a expansão da malha ferroviária pouco progrediu entre 1850 e 1860. Em 1854, a extensão da rede férrea era de 14 quilômetros e, em 1864, de 474 quilômetros, ver: Instituto... (1990, p.457 e 462); Mulhall, (1909, p.495). As ideias do engenheiro se entrelaçaram à expansão das relações internacionais, do desenvolvimento da infraestrutura e da produção de café no Brasil (Hobsbawm, 2000HOBSBAWM, Eric. Industrialização: a segunda fase (1840-1895). In: Hobsbawn, Eric. Da Revolução Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.101-123., p.117).

Em 1858, com a lei 957, de junho, a província autorizou a construção de um ramal de estrada ligando a vila de Mar de Espanha à estrada da Companhia União e Indústria no ponto denominado Três Barras. Em 1859, Gerber apresentou relatório com detalhes econômicos e a proposta de criação de empresa privada para a construção dessa estrada (APM, 1859).

Gerber atentou para a exportação de café e outros gêneros e as taxas fiscais que incidiam sobre muares, porcos, ovelhas e cabras. Efetuou compilação estatística da circulação das recebedorias fiscais da fronteira de Minas Gerais e do Rio de Janeiro (APM, 1859).

O total de exportação de café alcançava 23,7 toneladas, transportadas por mais de duzentas mil mulas, conforme a Tabela 2. A média anual de exportação de porcos, ovelhas e cabras foi estimada em 5.394 animais.

Tabela 2
Exportação de café e estimativa de muares, 1854-1857

Com o intuito de facilitar o trânsito entre Minas Gerais e Rio de Janeiro seria útil criar empresa privada, defendeu o engenheiro. Ela atenderia parte de Minas Gerais, que tinha feito progressos visíveis, em poucos anos, graças à cafeicultura e à agropecuária, que compreendia os municípios de Mar de Espanha, Leopoldina, Pomba, Ubá e São Paulo do Muriaé, região vulgarmente denominada a Mata. Essa região, pela sua posição, próxima ao Rio de Janeiro, achava mercado para os gêneros de sua produção, sobretudo para o café. O rendimento do presumido trânsito compensaria largamente o sacrifício empresarial. O objetivo era ligar as “grandes artérias”, que vinham do mercado do Rio de Janeiro, em direção à fronteira de Minas Gerais (Gerber, 2013GERBER, Heinrich. Noções geográficas e administrativas da Província de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013., p.101).

Seguindo ofício da Presidência da província para projetar sistema de viação entre municípios cafeicultores e as saídas para o Rio de Janeiro, Gerber indicava como primeira questão a ser avaliada a quantidade do trânsito e os impactos da estrada.

Valendo-se dessas premissas, Gerber argumentava que o efeito da estrada proporcionaria que muitos gêneros que, até então, por causa do alto preço de transporte, não se podiam exportar, iriam “dali em diante ao mercado” (APM, 1859). E isso levaria ao aumento da produção e, consequentemente, da exportação, destacava o engenheiro. Estimava a duplicação da importação, pelo motivo de que “as estradas trazem mais civilização, mais luxo” (APM, 1859). Em vista disso, “mais consumo de artigos importados” (APM, 1859) e maior trânsito de passageiros.

A ideia de mercado de Gerber traduz a aspiração do liberalismo econômico, sem mediações, autorregulada, na qual há “leis objetivas” (Rosanvallon, 2002ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico. Bauru: Edusc, 2002., p.59) que determinam as relações entre os indivíduos. Nota-se que a noção de mercado do engenheiro despersonaliza as relações sociais numa sociedade escravista (Polanyi, 2000POLANYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Campus, 2000., p.62-72; Rosanvallon, 2002ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico. Bauru: Edusc, 2002., p.59).

Cabe realçar a associação estabelecida pelo engenheiro de causa e efeito nos elementos da vida material. Chama atenção o fato de que, ao associar fluxos mercantis agrícolas e o sistema sanguíneo – “grandes artérias” –, Gerber se aproximava do liberalismo fisiocrático de Quesnay (1694-1774),10 10 François Quesnay (1694-1774), representante do pensamento fisiocrático, publicou Droit naturel (1765) e Tableau economique (1758), obras nas quais atentou para o aspecto interno da corrente de bens e na sua autorrenovação contínua no seio da sociedade. Quesnay considerava o corpo econômico sob o aspecto fisiológico e anatômico, na forma de um organismo vital homogêneo com condições bem determinadas. Hunt e Lautzenheiser (2011, p.35-36) consideram que as ideias de Quesnay tiveram impacto na economia política na virada do século XVIII para o século XIX: noção de trabalho produtivo e não produtivo e de excedente econômico; interdependência mútua dos processos produtivos; fluxo circular do dinheiro e mercadorias (commodities). O modelo interpretativo de Quesnay demonstra os processos de produção, circulação do dinheiro e commodities e a distribuição da renda, tendo como premissa a noção de que a produtividade era exclusiva do trabalho agrícola, bem como a divisão da sociedade em três classes: classe produtiva (trabalho agrícola), classe estéril (manufaturas) e a classe dos proprietários de terra. A reprodução da vida material dependia do pagamento da renda fundiária e das decisões de gasto de renda dos proprietários de terra. que considerava a agricultura fonte da riqueza nacional, criticava restrições e regulações do protecionismo manufatureiro do mercantilismo francês e aplicava a fisiologia sanguínea humana à economia política e à circulação econômica (Hunt, Lautzenheiser, 2011, p.36-37).

Para Gerber, não faltavam meios, mas o “espírito empreendedor” (APM, 1859) na busca para empregar capitais e unir forças isoladas para interesse comum. O engenheiro defendia a necessidade de “espírito de associação” para “benefício público” (APM, 1859). Era conveniente formar companhia privada para empreender a execução de estradas na zona cafeeira de Minas Gerais, tendo em vista “a insuficiência da renda pública” da província e as dificuldades inerentes aos pedidos de grandes empréstimos (APM, 1859).

Na França, na década de 1830, o engenheiro francês Navier também utilizou o argumento de que a construção de estradas deveria adotar o sistema de concessões para empresas privadas, pois, assim, o governo francês poderia executar obras públicas sem incorrer na despesa de novos acréscimos aos cofres públicos ou se valer do expediente de novos impostos para suprir as exigências pecuniárias da construção de novas estradas. Do ponto de vista de Navier, novas estradas eram custos para os cofres do Estado, o que o tornou um crítico das práticas da administração francesa. Tanto em Navier, na França, como em Gerber houve reconhecimento da relação direta entre finanças públicas, construção de estradas e a defesa de concessão para empresas privadas.

Em sua defesa do espírito associativo empresarial, Gerber argumentava que empresa “por particulares não correria o risco de quebrar” (APM, 1859), haja vista a quantidade de trânsito e a riqueza da produção, que garantiriam não apenas a existência da empresa como também boa margem de lucro (APM, 1859).

A respeito do desenvolvimento econômico e da industrialização tardia, Oliveira (2003OLIVEIRA, Carlos. Processo de industrialização: do capitalismo originário ao atrasado. São Paulo: Unesp, 2003., p.220-230) indica que bancos de investimento, importação de capitais, formação de sociedade por ações e apoio creditício do governo foram instrumentos históricos importantes para o desenvolvimento dos países ditos atrasados do século XIX (Gerschenkron, 1968GERSCHENKRON, Alexander. El atraso económico en la perspectiva histórica. Investigación Económica, v.28, n.111-112, p.141-168, 1968., p.151-157).

Os argumentos de Gerber formam contraponto às condicionantes aqui elencadas (Selwyn, 2011SELWYN, Ben. Trotsky, Gerschenkron and the political economy of the capitalist development. Economy and Society, v.40, n.3, p.421-450, 2011., p.431). Pode-se afirmar que Gerber revela a debilidade de um sistema de crédito, a não operacionalidade de mecanismos da progressiva concentração e centralização de capitais e, portanto, ausência dos instrumentos para impulsionar o desenvolvimento, como o apoio financeiro do governo e a dificuldade em formar sociedades por ações.

A motivação de Gerber para a criação de empresa estava diretamente ligada à percepção de que o gasto provincial na construção e conservação de estradas pequenas e provisórias iria consumir grande montante de réis, sem desdobramentos expressivos para a economia (APM, 1859). Segundo o politécnico, o ideal era canalizar fluxo mercantil e de pessoas, de modo a centralizá-lo, em estrada principal, com o intuito de maximizar os recursos financeiros e humanos: “O cabedal enterrado em estradas provisórias está diretamente perdido, e nem indiretamente pode se esperar um reembolso pela futura prosperidade do país, porque ... em nada contribuem para um eficaz melhoramento das comunicações, e a agricultura e a indústria hão de ficar no mesmo estado atrasado como antes” (APM, 1853-1860, doc. 9).

Essa percepção de Gerber estava associada ao seu argumento de que em um “país novo” – onde não existem importantes povoações, não se sabe onde se “formarão os centros de produção” – torna-se difícil determinar a melhor direção de estrada que preencha um “fim racional econômico” (APM, 1859).

Sincronicamente a esse argumento, ao sublinhar como primeiro ponto da edificação a necessidade de um traçado que levasse em conta a facilidade das comunicações e a maior economia das despesas, Gerber previa que vozes privatistas iriam se levantar contra a escolha de um ou outro traçado, mas que a estrada não poderia passar por onde cada interessado desejasse para satisfazer aos desígnios de todos (APM, 1859). Defendia que a construção da empresa e da centralização dos fluxos mercantis deveria ter como propósito “o benefício público e o interesse geral como única norma ... o verdadeiro fio de Ariadne, que nos serve” (APM, 1859).

O planejamento da empresa, indicado por Gerber, projetava três anos de obras, o custo de réis por légua, a construção de quatro estações, a compra de setenta carros com capacidade de transportar 150 arrobas, três diligências e a compra de trezentas mulas (APM, OP 3-1, Caixa 1, doc. 5, 1859).

O retorno ao capital empregado estaria garantido, em virtude da receita da empresa. Gerber a estimava, como indica a Tabela 3, com base no transporte de 581 mil arrobas de gêneros exportáveis, a importação de 67 mil arrobas, o trânsito de 189 mil arrobas de gêneros de primeira necessidade, o uso da diligência para a circulação de dois mil passageiros e a cobrança de taxa itinerária da circulação total de 837 mil arrobas. Isso asseguraria receita anual de 365:890:000 réis, que juntamente com juros de 7% proporcionaria um dividendo de 5%, logo no primeiro ano da entrega ao trânsito, sem contar, segundo Gerber, a possibilidade de que “nos seguintes anos a frequência irá gradualmente aumentar” (APM, 1859). Classificava o empreendimento como o que “sem dúvida pode se chamar um bom negócio” (APM, 1859).

Tabela 3
Receita anual

É importante destacar que Navier (1830)NAVIER, Henri. De l’execution des travaux publics, et particulièrement des concessions. Paris: De l’Imprimerie de Chassaignon, 1830. dedicou especial atenção em estabelecer os critérios econômicos de viabilidade da empresa privada, dentro do sistema de concessão de estradas. Valendo-se dessa preocupação, o politécnico francês indicou método para sinalizar a viabilidade do empreendimento, tendo como eixo central os direitos arrecadados sobre a circulação, um mínimo de tonelagem em circulação, o retorno dos fundos pecuniários investidos e os custos de manutenção (Navier, 1830NAVIER, Henri. De l’execution des travaux publics, et particulièrement des concessions. Paris: De l’Imprimerie de Chassaignon, 1830., p.19).

Provavelmente, o engenheiro politécnico alemão tinha conhecimento desses critérios, conforme indica a Tabela 4. Assim como Navier, Gerber revela preocupação em estimar lucratividade do investimento, volume de mercadorias e pessoas em trânsito, e custos anuais de manutenção.

Tabela 4
Custos de manutenção anual

Pode-se afirmar que o estudo de Heinrich Gerber preencheu os requisitos dimensionados por Navier em 1830NAVIER, Henri. De l’execution des travaux publics, et particulièrement des concessions. Paris: De l’Imprimerie de Chassaignon, 1830.: capital empregado, custos de manutenção, estimativa da lucratividade da empresa privada e viabilidade, além da defesa do empreendimento privado para construir estradas.

Considerações finais

As evidências permitiram recuperar traços significativos de trocas entre culturas científicas ainda pouco conhecidas da historiografia, em especial quando referente ao engenheiro estrangeiro Heinrich Gerber, ocupante de cargo provincial de alta relevância na estrutura administrativa da maior província escravista do Império do Brasil. À frente da Direção Geral das Obras Públicas, suas atividades organizaram-se em torno da produção de centenas de plantas e projetos, da compra de livros e instrumentos científicos. Além de difundir e construir ponte lattice em Minas Gerais, aspecto já delineado pela historiografia, valendo-se da patente registrada no escritório norte-americano em 1820 e 1835 (Cravo, 2012CRAVO, Télio. Engenharia, engenheiros e o universo da difusão da tecnologia no Brasil Imperial: patente, projeto e construção de uma ponte lattice em Minas Gerais (1860-1864). Revista Brasileira de História da Ciência, v.5, n.2, p.354-368, 2012.; Dreicer, 2010DREICER, Gregory K. Building bridges and boundaries: the Lattice and the tube, 1820-1860. Technology and Culture, v.51, n.1, p.126-163, 2010.), os novos resultados apontam que Gerber participou ativamente na concessão de bolsa de estudos para dois estudantes mineiros, enviados a Paris, com a finalidade de cursar engenharia, o que proporcionou a formação de engenheiro brasileiro na École des Ponts et Chaussées.

Os dados analisados manifestam forte associação entre os métodos indicados na obra de Henri Navier e os adotados por Heinrich Gerber; sobretudo quando da investigação e elaboração de projetos e orçamentos viários. Esses indícios de associação entre as ideias de Navier e os procedimentos de Gerber não podem ser desconsiderados à luz do fato de que os arquivos históricos, as fontes primárias, jamais descortinam a história tal como foi e como deseja o afã positivista. É nessa medida que cabe, portanto, “desvendar” entrelinhas, estabelecer conexões e historicidade das atividades do engenheiro Heinrich Gerber e da atividade tecnocientífica no Brasil oitocentista.

Os resultados também indicam a intermediação de Gerber para a seleção de obras e instrumentos a serem adquiridos, o que propiciou identificar a atuação governamental para importar equipamentos da França e encomendar livros franceses, tendo a intermediação de livreiros cariocas.

As evidências permitem concluir que, entre o momento de contratação de Heinrich Gerber (1858) até o momento de sua saída da função de engenheiro chefe da província de Minas Gerais (1867), o tempo histórico foi marcado por dois ponteiros. O primeiro, o tempo de trocas culturais globais e fronteiras incertas entre engenharia, ciência e economia. O segundo, as cartas e os projetos de Gerber, que expressam de forma aguda sua concepção de mundo, foram demarcados pelo viés da doutrina liberal, fisiocrata e do pensamento do engenheiro politécnico francês Navier sobre as práticas de administração de obras viárias.

Por meio de suas atividades como engenheiro, observou a sociedade escravista brasileira sob a perspectiva da noção de atraso. Para superá-lo, segundo Gerber, não seria necessária a interferência pública, a ação do poder provincial para centralizar capitais, mas sim o espírito empreendedor, assentado na noção de benefício público e interesse geral. No entanto, o espírito associativo dos cafeicultores para inverter fundos na empresa de transporte não se manifestou.

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NOTAS

  • 1
    Contrato entre Gerber e a Presidência da província obrigava “a desempenhar trabalhos relativos à abertura de estradas, construção de pontes, e mais obras públicas, ... levantar as plantas, e fazer os orçamentos ... plantas, mapas, ou cartas topográficas” (Correio..., 25 jan. 1858, p.1). Ainda indicava vencimento anual de seis contos de réis (6:000$000), pagos em prestações mensais, quantia de cinquenta mil réis por mês para aluguel de serventes, transporte de instrumentos e compras de pequeno valor, como estojo de desenho (p.1-2).
  • 2
    No Brasil, Heinrich Gerber tornou-se cavaleiro da Ordem da Rosa do Império. Na Europa, o britânico Richard Francis Burton difundiu os escritos de Gerber, sendo responsável pelas traduções e publicações no Journal of the Royal Geographical Society e no Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland. A esse respeito, ver Gerber (1873GERBER, Heinrich. The primordial inhabitants of Minas Geraes, and the occupations of the present inhabitants. Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, v.2, p.407-423, 1873., p.407-423, 1874, p.263-300). O presente estudo não propõe efetuar extensa biografia de Gerber. Pretende-se realçar aspectos praticamente desconhecidos de sua atuação na cultura tecnocientífica no Brasil, sublinhando sua formação universitária e a prática como engenheiro e chefe da Diretoria de Obras Públicas. Como bem aponta Shapin (1993SHAPIN, Steven. Essay review: personal development and intellectual biography: the case of Robert Boyle. British Journal for the History of Science, v.26, n.3, p.335-345, 1993., p.342-343), não é objetivo concretizar uma biografia de grandes homens nem realçar histórias de pioneiros esquecidos; trata-se de descortinar interações estruturais e conjunturais, entre indivíduo e contexto, ideias, instituições, que resultaram e possibilitaram a produção de conhecimento. Sobre aspectos da biografia intelectual na história das ciências e metodologia, ver Salgueiro (1997, p.18-21). A respeito da trajetória de Heinrich Gerber, consultar Renger (2013)RENGER, Friedrich. Henrique Gerber, um engenheiro alemão a serviço da província de Minas. In: Gerber, Henrique. Noções geográficas e administrativas da Província de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013. p.21-53., editado originalmente em 1873, e Blake (2011)BLAKE, Augusto Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2011..
  • 3
    Louis Marie Henri Navier (1785-1836) dedicou especial atenção aos assuntos relacionados à execução de estradas e concessões. Em 1830, Navier, engenheiro chefe do Ponts et Chaussées e membro da Academia Real de Ciências, publicou De l’execution des travaux publics, et particulièrement des concessions.
  • 4
    A École des Ponts et Chaussées, fundada em 1747, com o objetivo de treinar engenheiros civis para o Corps des Pont et Chaussées, passou a oferecer formalmente, em 1847, o curso de Economia Política. Mesmo antes dessa formalização, a escola já atentava para a produção de estudos econômicos. Em 1830, publicou escritos sobre sistema de concessões de estradas de Navier, e, em 1831, os Annales des Ponts et Chaussées tornou-se a publicação oficial da instituição (Ekelund, Hébert, 1978, p.636-668).
  • 5
    Sobre os termos técnica e tecnologia, Gama (1987)GAMA, Ruy. História de la técnica en Brasil: el campo de investigación y los conceptos básicos In: Lafuente, Antonio; Saldaña, Juan J. Historia de las ciencias. Madri: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1987. p.105-118. aponta que, no período anterior ao século XIX, o termo técnica era denominado pela palavra arte, proveniente do latim ars-artis, que chegou às línguas europeias modernas com o sentido de habilidade. Na língua portuguesa, a palavra tecnologia surgiu no século XIX: “A palavra tecnologia .... Foi usada pela primeira vez em um texto de José Bonifácio de Andrada e Silva, cientista e, posteriormente, político de notável atuação no nascimento do Brasil como país independente no início do século XIX (1822). Também é usado pelo português Silvestre Pinheiro Ferreira, na mesma época professor no Rio de Janeiro, mas José Bonifácio quase não o menciona; associa a tecnologia à questão da união da teoria e da prática” (Gama, 1987GAMA, Ruy. História de la técnica en Brasil: el campo de investigación y los conceptos básicos In: Lafuente, Antonio; Saldaña, Juan J. Historia de las ciencias. Madri: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1987. p.105-118., p.110). Para Gama, técnica e tecnologia são processos simultâneos no tempo e no espaço. A tecnologia coloca em evidência o universo da prática: operações técnicas, ferramentas, materiais, custos e tempos de trabalho (Gama, 1986, p.30-31). As técnicas estão associadas à habilidade do executor, transmitidas de forma oral por meio de instrumentos e ferramentas: “Em suma, as atividades artesanais subsistem mesmo após o surgimento da tecnologia, convivendo com ela. Isso significa que a história que se pretende construir deve apontar essa duplicidade. Os termos de História da Técnica e da Tecnologia devem ser usados, ou ajustados para uma denominação mais sintética, mais extensa, como o título de História da Técnica, considerando a Tecnologia a forma histórica mais recente de sistematização, racionalização, experimentação e, por isso, razão, mais conhecimento científico do que técnico” (Gama, 1987GAMA, Ruy. História de la técnica en Brasil: el campo de investigación y los conceptos básicos In: Lafuente, Antonio; Saldaña, Juan J. Historia de las ciencias. Madri: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1987. p.105-118., p.114). Basalla (1988BASALLA, George. The evolution of technology. Cambridge: Cambridge University Press, 1988., p.57-61) sublinha que o nacionalismo do século XIX exerceu papel significativo na teoria de que o desenvolvimento tecnológico era descontínuo. A exacerbação da descontinuidade tecnológica oculta a presença de artefatos antecedentes e torna os inventores heróis, além de estabelecer uma relação confusa entre mudança tecnológica e mudança socioeconômica.
  • 6
    Em virtude da descoberta de Paulo Prado dos manuscritos em Paris e do trabalho de Gilberto Freyre para a tradução e edição dos diários de Louis-Léger Vauthier, o pensamento do engenheiro francês ganhou ampla divulgação. É preciso sublinhar que não apenas a província de Pernambuco recebeu impulsos modernizantes e o apoio de engenheiros. Em 1835, a Assembleia Legislativa de São Paulo sancionou a criação de um Gabinete Topográfico, bem como autorizou dispêndio para a confecção de um mapa provincial e o cotejamento de dados estatísticos. A referida estatística e o mapa foram encomendados ao engenheiro militar Daniel Pedro Müller (1785-1841). Em 1836, na província do Rio de Janeiro, foi criada a Escola de Arquitetos Medidores, a Diretoria de Obras Públicas e o Colégio de Artes Mecânicas para Órfãos. Em 1844, foi substituída a Diretoria de Obras Públicas pela Junta de Direção e Expansão das Obras Públicas e também foram criados os Distritos de Obras Públicas, cada qual com o seu respectivo chefe de distrito subordinado à Junta. Cabe ressaltar que a pesquisa indica que, ao longo do século XIX, as províncias do Império do Brasil foram divididas em distritos de engenharia, sendo cada distrito, geralmente, chefiado por um engenheiro. A província do Rio de Janeiro contava com nove engenheiros de distritos e mais dois outros, o diretor geral e o arquiteto desenhador. Em Minas Gerais, havia seis distritos de engenharia. A pesquisa identificou nominalmente, no caso de Minas Gerais, todos os engenheiros empregados entre 1840 a 1889. Na totalidade, verificam-se, em termos nominais, 78 indivíduos que ocuparam o cargo de engenheiro da província. Por quinquênio, alcança-se o seguinte resultado de distribuição: 1846 a 1850, identifica-se a atuação de oito engenheiros; entre 1851 e 1855, 16 engenheiros; 1856 a 1860, 17 engenheiros; entre 1861 e 1865, 11 engenheiros; 1866 a 1870, 19 engenheiros; 1871 a 1875, 22 engenheiros da província de Minas Gerais. Ver Beier (2015)BEIER, José Rogério. Artefatos de poder: Daniel Pedro Müller (1835-1849). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.; Cravo (2016)CRAVO, Télio. Construindo pontes e estradas no Brasil Império. São Paulo: Alameda, 2016.; Freyre (1960)FREYRE, Gilberto. Um engenheiro francês no Brasil. t.1. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960.; Gouvêa (2008)GOUVÊA, Maria de Fátima. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008..
  • 7
    Fundada em 1831, com o nome de Escola Superior de Comércio, transformou-se, em 1847, na Escola Politécnica de Hanover. De 1831 a 1875, a Escola Politécnica de Hanover teve como diretor Karl Karmarsch, educador formado pela Escola Politécnica de Viena. Em 1866, a Prússia anexou o Reino de Hanover. A partir de então, a Escola Politécnica foi subordinada ao Ministério do Comércio, Indústria e Obras Públicas. Sobre as características do modelo politécnico e como este se vinculava, na primeira do século XIX, ao serviço público e aulas de matemática, mecânica, química que ajudaram a estruturar, a partir das écoles, os esteios centrais das futuras faculdades técnicas, por exemplo, na fusão da Bauakademie com Gewerbeakademie (École Supérieure d’Arts et Métiers) para formar a Technische Hochschule em 1879 (École Supérieure Tecnhique), ver Lundgreen (1984LUNDGREEN, Peter. De l’école spéciale à l’université technique: étude sur l’histoire de l’école supérieure technique en Allemagne avant 1870, et regard sur son dévelopment ultérieur. Culture Technique, n.12, p.305-311, 1984., p.307-310). Ao contrário da França e de seu sistema centralizador das “grandes écoles”, a Alemanha possuía várias politécnicas disseminadas pelo território e o ensino associado à prática (p.309-310).
  • 8
    Honório Henrique Soares do Couto e Francisco de Sales Queiroga Junior celebraram o contrato com a província, pelo qual “obrigaram-se eles a ir seguir na Europa o curso de estudos próprios dos engenheiros civis, com a condição de regressarem à província logo que achem habilitados para empregarem-se no seu serviço por espaço não menor de oito anos” (Relatório..., 1857, p.32). Segundo examinadores do Colégio de Matozinhos, situado em Congonhas do Campo, Honório obteve aprovação e bom resultado nos “Atos Literários de Exames Públicos”, no qual era “cursista de Gramática Francesa”. Francisco de Sales Queiroga Junior havia sido aluno do Ateneu de São Vicente de Paula, em Diamantina. Na França, Honório Henrique e Francisco de Sales foram admitidos na Escola Preparatória de Martelet, que tinha por objetivo habilitá-los para seguir o curso de Engenharia Civil na École des Arts et Manufactures. Recebiam gratificação anual de mil francos, dos quais 480 francos eram destinados ao aluguel de um quarto na mesma escola preparatória, e os restantes 520 francos eram destinados às suas despesas pessoais. Contudo, Francisco de Salles desistiu dos estudos de engenharia e regressou ao Brasil após quatro anos de estudos, Honório foi reprovado no exame de admissão da École des Arts et Manufactures. Com interferência de Gerber, Honório obteve permissão e continuou a receber ajuda financeira do governo provincial para continuar os estudos. Em outubro de 1862, conseguiu ingressar na École des Ponts et Chaussées e concluir seus estudos. Em 1867, retornou para Minas Gerais e ocupou o cargo de engenheiro da província até 1878. Figueirôa aponta que, entre 1825 e 1903, quase uma centena de brasileiros estudaram nas grandes écoles francesas (Polytéchnique, Mines e Ponts et Chaussées). O engenheiro Honório, segundo o estudo de Figueirôa, era natural de Ouro Preto, nascido em 17 de novembro de 1836, e os pais eram Manoel Santos do Couto e Henriqueta Soares Leão (Figueirôa, 2014FIGUEIRÔA, Silvia. Em defesa do novo Império: a formação de engenheiros brasileiros nas grandes Écoles francesas. In: Gesteira, Heloisa; Cardino, Luís; Marinho, Pedro (org.). Formas do Império: ciência, tecnologia e política em Portugal e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p.417-439., p.417-439). Sobre o sistema educacional francês, consultar Belhoste (1989)BELHOSTE, Bruno. Les caracteres généraux de l’enseignement secondaire scientifique: de la fin de l’Ancien Régime à la Première Guerre Mondiale. Histoire de L’Education, n.41, p.3-45, 1989.; Belhoste, Chatzis (2007); APM (1862).
  • 9
    Entre 1840 e 1850, na França, as ferrovias passaram de 576 quilômetros para 3.024 quilômetros; na Inglaterra, de 1.340 quilômetros para 10.596 quilômetros; na Alemanha, de 545 quilômetros para 5.824; nos Estados Unidos, de 4.512 quilômetros para 14.432 quilômetros. No caso brasileiro, a expansão da malha ferroviária pouco progrediu entre 1850 e 1860. Em 1854, a extensão da rede férrea era de 14 quilômetros e, em 1864, de 474 quilômetros, ver: Instituto... (1990, p.457 e 462); Mulhall, (1909MULHALL, Michael. The dictionary of statistics. London: Routledge, 1909., p.495).
  • 10
    François Quesnay (1694-1774), representante do pensamento fisiocrático, publicou Droit naturel (1765) e Tableau economique (1758), obras nas quais atentou para o aspecto interno da corrente de bens e na sua autorrenovação contínua no seio da sociedade. Quesnay considerava o corpo econômico sob o aspecto fisiológico e anatômico, na forma de um organismo vital homogêneo com condições bem determinadas. Hunt e Lautzenheiser (2011HUNT, Emery; LAUTZENHEISER, Mark. Economic ideas before Adam Smith. In: Hunt, Emery; Lautzenheiser, Mark. History of economic thought. New York: Routledge, 2011. p.23-39., p.35-36) consideram que as ideias de Quesnay tiveram impacto na economia política na virada do século XVIII para o século XIX: noção de trabalho produtivo e não produtivo e de excedente econômico; interdependência mútua dos processos produtivos; fluxo circular do dinheiro e mercadorias (commodities). O modelo interpretativo de Quesnay demonstra os processos de produção, circulação do dinheiro e commodities e a distribuição da renda, tendo como premissa a noção de que a produtividade era exclusiva do trabalho agrícola, bem como a divisão da sociedade em três classes: classe produtiva (trabalho agrícola), classe estéril (manufaturas) e a classe dos proprietários de terra. A reprodução da vida material dependia do pagamento da renda fundiária e das decisões de gasto de renda dos proprietários de terra.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2020
  • Aceito
    7 Mar 2021
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