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Le clientelélisme politique dans les sociétés contemporaines

RESENHAS

Igor Grill

Doutorando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil

Briquet, Jean-Louis; Sawicki, Frédéric (Org.). Le clientelélisme politique dans les sociétés contemporaines. Paris: Presses Universitaires de France, 1998. 325 p.

O livro organizado por Jean-Louis Briquet e Frédéric Sawicki intitulado Le Clientelélisme Politique Dans Les Sociétés Contemporaines preenche uma importante lacuna na Sociologia Política francesa: a ausência de uma coletânea de trabalhos sobre o clientelismo. Principalmente se for cotejada com a produção anglo-saxônica sobre o fenômeno, cujos marcos significativos estão disponíveis há mais de vinte anos.

Este é um dos casos em que a distância e a defasagem temporal em relação à ebulição de estudos sobre determinado tema contam a favor. Este livro reúne simultaneamente a produtiva interlocução com autores que se tornaram referências obrigatórias (Boissevain, Silverman, Wolf, Bailey, Graziano, Landé, Gellner, Lemarchand, Scott, Weingrod, entre outros) e o acúmulo de trabalhos empíricos iluminados por problemas analíticos, referenciais conceituais e autores (Médard, Lagroye, Bourdieu, etc.) distintos. Como resultado o leitor se depara com o conjunto de onze textos, cujo mérito fundamental é reacender o debate sobre noções que pareciam condenadas a mera exegese das principais obras e à rotinização de citações consagradas. O livro é encerrado com uma bibliografia detalhada sobre o Clientelismo, dividida em análises gerais e estudos de casos (em sociedades ocidentais e não ocidentais), que situam o leitor no manancial de explorações já existentes sobre a temática. Inicialmente apresentadas em um Colóquio denominado La Politique Clientélaire. Processus, Énonciations, Dénonciations, as contribuições dos autores expostas ao longo do livro contemplam análises de diversos contextos: França para Alain Garrigou e Fréderic Sawicki; Brasil para Camile Goirand; Japão para Jean-Marie Bouisson; Itália para Jean-Louis Briquet e Alfio Mastrapaolo; e Benin para Richard Banégas. Porém, a diversidade das pesquisas não se esgota na dimensão geográfica. Os intervalos temporais como a IIIª República na França; a democratização dos anos 90 em Benin; o período de consolidação do pluripartidarismo no Brasil (Rio de Janeiro); a história política japonesa pós-guerra; a Itália no período compreendido entre a sua unificação e o fim do século XIX ou ao longo do século XX, são recortes analisados minuciosamente, com todas as riquezas de suas peculiaridades, nos artigos que compõem a obra.

Indissociável da agenda de questões presentes nesta gama de universos pesquisados, há a exploração de fontes e recursos metodológicos inovadores no estudo do clientelismo. Tal aspecto merece ser grifado. Especialmente a utilização de jornais e arquivos pessoais empreendida por Alain Garrigou, de discursos e testemunhos políticos por Briquet e de processos jurídicos por Gabriela Gribaudi e Luigi Musella. Estes instrumentos somados ao uso de entrevistas por Richard Banégas e por Camile Goirand, à descrição da organização e do funcionamento de redes e máquinas políticas efetuadas por Banégas, Goirand, Bouisson Gribaudi e Musella oferecem um relevante painel de modalidades de construção do material empírico para a análise do clientelismo.

Os propósitos da obra são expressos na sua introdução por Briquet e Sawicki. Duas posturas são defendidas pelos autores: abdicar das teorizações mais gerais sobre a conceituação do fenômeno em prol da compreensão das suas especificidades em configurações sociais precisas e se contrapor às abordagens centradas em preceitos democráticos ou legais-racionais como parâmetros de avaliação das relações clientelares por meio da análise das lógicas de adaptação à mudança das "práticas freqüentemente consideradas como o inverso da política legítima" (p. 5).

O segundo texto do livro visa sustentar este argumento. Jean-Louis Briquet interroga-se sobre a utilidade operacional de noções concebidas para abarcar fenômenos tão heterogêneos. Segundo ele, através do trabalho de abstração os objetos de análise acabam se tornando, antes de tudo, em instrumentos de comprovação de tipos ideais, em detrimento da compreensão dos contextos históricos em pauta nas investigações.

Na seqüência, uma espécie de genealogia da conceituação é apresentada concomitantemente aos desafios de pesquisa enfrentados por seus usuários. Três momentos formam esta reconstituição: 1) o esforço da Antropologia Social em compreender as sociedades mediterrâneas, rompendo com seus objetos de estudo tradicionais e com as concepções funcionalistas então dominantes na disciplina, que desembocou na caracterização da mediação clientelista em contextos de penetração territorial do Estado; 2) a aplicação do conceito no estudo de máquinas políticas no seio de partidos e na descrição de processos de interpenetração entre agrupamentos políticos perpassados por vínculos verticais e Estados com capacidade de alcance territorial limitada, denominados na literatura de Clientelismo Corporado e de Estado Clientelista; 3) os tipos de análise duais que problematizam a relação entre clientelismo e modernização política, segundo as quais o clientelismo é observado como adenda (na melhor das hipóteses), como obstáculo ou como fonte de modernização clientelista, designando as práticas incompatíveis com o modelo racional-legal.

Neste percurso, Briquet identifica os elementos que impedem a formação de um quadro analítico que compreenda as lógicas próprias das relações clientelares e sua inserção em universos sociais singulares. Quais sejam, uma teoria do desenvolvimento e/ou da modernização política que pontua o modelo de "normalidade" política e um arsenal conceitual que não consegue se desvencilhar destes parâmetros. Como contraponto postula o estudo do clientelismo por meio dos usos que os indivíduos fazem das instituições, das transformações históricas as quais são submetidos e promovem e das regras "cognitivas" e "pragmáticas" que motivam e legitimam as atividades políticas.

A conformação de um espaço "oficioso" em oposição ao "oficial", suas condições de formação e reprodução, sua intersecção com a institucionalização da política dita "moderna" e os efeitos de censura que seus códigos de legitimação exercem são dimensões que delineiam a positividade do clientelismo como objeto sociológico. Deste modo, ele inverte a polaridade, assume a existência de um duplo registro, mas procura libertar os fenômenos empíricos do aprisionamento conceitual e das narrativas históricas que dão sustentação às noções compartilhadas, para perceber a racionalidade presente nas relações e suas lógicas de funcionamento, legitimação e enunciação.

A introdução e o texto de Briquet sinalizam os objetivos da obra, que são corroborados pelas exposições que seguem dos diferentes autores (a exceção do posfácio crítico de Jean-François Médard).

Alain Garrigou se propõe a desvelar o clientelismo sob a IIIª República na França. Sendo este, segundo ele, o momento de construção de um tipo de procedimento de legitimação das relações políticas, a eleição durante o processo de automização do campo político. A substituição do "complexo notabiliar" pelo "círculo virtuoso da autonomização política" é mediada por um elemento suplementar: o voto. Este se insere, de acordo com Garrigou, no circuito de trocas personalizadas e de relações de dominação/proteção, impondo uma nova temporalidade a estas interações, "o calendário eleitoral rigoroso e estrangeiro à temporalidade fluida da economia do dom [...] ameaça este princípio de eficácia que é o intervalo temporal entre o dom e o contra dom (p. 56).

Além disso, o ingresso de agentes concorrentes aos notáveis na arena eleitoral, dotados de recursos distintos (sobretudo públicos) promove um processo de desqualificação das relações notabiliares. Porém, Garrigou demonstra que apesar das profundas transformações em curso nas regras e nos códigos de exercício das competições eleitorais, o que ocorre é um deslocamento nos padrões das relações clientelares e não o seu desaparecimento. Os novos especialistas políticos se apropriam de uma série de modos de ação típicos das práticas notabiliares como proximidade e familiaridade com os eleitores e como atenção e atendimento às localidades, tendo mudado isto sim a fonte dos recursos que informa a ocorrência prioritariamente de um "clientelismo de meios públicos".

O capítulo seguinte trata de Benin, um país no continente africano. Sob o olhar de Richard Banégas a consolidação democrática deste país é proporcionada por um vetor paradoxal: o clientelismo. Ao invés de conceber tal dualidade (democracia/clientelismo) como resultante quer do insucesso das estratégias de importação política quer da existência de uma miragem de mudança que se atolou na tradição, são abordados os códigos morais presentes nesta sociedade. Estes se expressam nos processos eleitorais por meio de práticas e representações que tornam o clientelismo em uma "virtude cívica".

As regras do pluralismo são, então, municiadas pela complementariedade que obteve com códigos morais, ao acionar repertórios históricos e culturais de legitimação das relações sociais e das reputações dos indivíduos. O texto evidencia o imbricamento entre a disputa política e a monetarização da vida social, a valorização da negociação/corretagem, as cadeias de vínculos proporcionadas pela troca de presentes e a acumulação de bens como suposto para a redistribuição. Além disso, há a confluência destes aspectos com uma sociedade hierarquizada que lança mão do paradigma familiar e sua associação com a idéia de proteção.

O estudo de caso sobre a politização popular no Rio de Janeiro (leia-se nas "favelas") é o foco de pesquisa adotado por Camile Goirand. Três fatores são sublinhados pela autora na análise das relações de clientelas em eleições: a confiança, a troca interpessoal desigual e a tutela sobre o sufrágio. A opção pelas práticas e pelas percepções dos eleitores permitiu delimitar os efeitos nestes da concorrência entre patrões em um contexto de instalação do pluralismo partidário. Assim, segundo as suas conclusões, as trocas eleitorais são instrumentos de satisfações das demandas individuais, cujo atendimento é efetuado e disputado por candidatos concorrentes que constituem cadeias de mediadores (Brokers). A tutela do sufrágio é condicionada por uma clara distinção das posições (Elite/Clientes) intermediada por pequenos patrões. O ponto forte do seu texto repousa nas ambigüidades identificadas nas falas dos entrevistados acerca das rejeições da política, das classificações dos políticos (critérios das avaliações) e dos móbiles dos acordos estabelecidos entre diferentes agentes políticos (líderes comunitários, pequenos Brokers, candidatos, etc.)

Jean-Marie Bouisson dedica-se à investigação de uma estrutura central na mobilização política e eleitoral da sociedade japonesa: o Kôenkai. O argumento da autora busca problematizar o aparente paradoxo que reside na constatação da fraca e instável identificação partidária, do limitado peso dos enjeux políticos e do desconfiança dos eleitores quanto a sua capacidade de influenciar nos rumos da sociedade ao lado da perenização da maioria de um partido político (PLD). Ao contrário das explicações correntes que buscam decifrar esta relação identificando como resposta o legado "pré-democrático" (feudal e hierarquizante), Os Kôenkai seriam o elemento essencial de equilíbrio político, fruto justamente do dito processo de modernização. Isto é, ele decorre da diminuição da influência dos notáveis rurais (êxodo rural) - logo da necessidade de mobilizar grandes massas de eleitores (sobretudo urbanos) -, da adoção de um sistema eleitoral pós-guerra em que as eleições se centram nos candidatos e das coações impostas às campanhas que privilegiam os candidatos com mandatos. Para ela, estas máquinas funcionam, então, como estruturas específicas de trocas clientelistas e de ativação de identificações políticas de amplos contingentes eleitorais, a partir de vetores tradicionais de influência micro-social (VTIM).

Por que as relações de clientela devem desaparecer? Esta indagação motiva a análise de Alfio Mastropoalo, que se esforça para desviar o curso dos debates sobre Particularismo, Clientelismo e Localismo na Itália do viés normativo. Está em jogo, segundo ele, a compreensão de uma instituição promotora de integração social e política, e facilmente adaptável às formas de representação política, assim como em muitos casos auxiliares do funcionamento das mesmas. Neste sentido, o autor percorre os diferentes momentos da história política italiana estabelecendo as modalidades de enunciações destas relações, sua vinculação com a constituição do Estado e seus usos pelas elites políticas na construção de narrativas sobre a nação.

Sawicki, por sua vez, soma um ponto de vista teórico para explicar a fraqueza do clientelismo partidário na França e para problematizar a temática do clientelismo. A perspectiva neo-institucionalista (assumidamente inspiradas em James March e Johan Olsen) utilizada visa refletir acerca dos modos como as instituições (postos, regras e papéis) de um país influenciam a extensão, a forma e a legitimidade das relações clientelares. Três tipos de fidelidades são indicados por Sawicki, quais sejam, a dedicada a uma pessoa (clientelismo notabiliar), a conferida ao titular de um posto institucional (clientelismo institucional) e a depositada em um representante partidário (clientelismo partidário). Mediante tal tipologia pretende verificar as condições institucionais que favorecem a preponderância de cada uma dela e, em especial, comprovar a relevância do clientelismo institucional (monopolizado por maires, deputados, ministros, presidente, etc) em detrimentos dos partidos políticos no cenário francês.

A seguir, Briquet retoma as suas principais teses já explicitadas anteriormente para entender as categorias ideológicas e normativas que legitimam as atividades políticas e sua transformação em modelos de comportamentos parlamentares virtuosos. Descreve a convivência entre os ideais "oficiais" de representação explicitados e as práticas políticas concretas dos agentes. O contexto italiano estudado, cuja história contemporânea é explicada pela ênfase na tardia e forçada unificação do Estado e da Nação, acompanhada de diagnósticos que exploram o "insucesso da modernização política" e a "ausência de uma consciência cidadã", se apresenta para Briquet como um terreno fértil para apreender os efeitos do trabalho interpretativo/normativo dos agentes políticos em sistematizar normas de legitimidade, qualificar/desqualificar a política e os políticos e definir a nação.

A análise de processos jurídicos é a tarefa empreendida por Gabriela Gribaudi e Luigi Musella. Neste artigo (o último de exposição de trabalhos empíricos) os autores estudam dois tipos de processos transitados no judiciário italiano, que são aqueles movidos contra a "criminalidade organizada" e aqueles julgam "a associação de políticos com a máfia". Dois casos são tomados como exemplares, o "caso D'Antonio Gava" e o "caso de Naples". A pesquisa desvenda, através dos "casos", as configurações de posições sociais e políticas e as representações/usos das regras jurídicas presentes em cada processo. Descrevem, igualmente, os efeitos da dramatização jurídica e midiática sobre a política e as linguagens de legitimação concorrentes (especialmente a jurídica e a política).

Talvez o momento mais marcante da obra é o seu posfácio escrito por Médard, pois possibilita o espaço do dissenso e promove uma espécie de "conflitos de gerações" que se debruçaram sobre o tema do clientelismo. Sob a ótica deste autor (responsável por um dos principais artigos de síntese em francês sobre a problemática em 1977) o livro "reflete a evolução dos paradigmas dominantes em Ciências Sociais e sua adaptação ao fenômeno clientelar" (p. 307). Como tal, enfatiza as perspectivas singularizantes e construtivistas em oposição às universalizantes e estruturais. De acordo com Médard, esta postura é mais complementar do que antagônica com a dominante na década de 70, e sua utilização deve estar integrada ao exercício comparativo (indispensável nas Ciências Sociais) que pressupõe a compreensão das variâncias e invariâncias dos fenômenos sociais. A complementariedade entre os aportes permite a ocorrência de ciclos (reações e contra-reações) ora do acento sobre aspectos universais e estruturais ora sobre elementos singulares e estratégicos. O livro aqui resenhado, para ele, é parte de um destes ciclos.

Contudo, outras ressalvas são levantadas por Médard em relação aos pressupostos contidos nas análises dos autores. Estas concentram-se especificamente na viabilidade de conceber a existência de uma oposição analiticamente construída que distinguem termo a termo as lógicas clientelistas e os princípios do Estado legal-racional ou da democracia. Nas suas palavras: "uma coisa é formular esta oposição a outra é projetá-la na realidade" (p. 311). Suas críticas apontam ainda o excessivo peso conferido à instrumentalização das trocas políticas e às análises eleitorais restringindo o alcance da compreensão do fenômeno e desconsiderando a riqueza de dimensões presentes nas trocas políticas.

A contribuição deste livro é, assim, imprescindível tanto para aqueles que acompanham os esforços de definição conceitual, devido ao instigante contraponto de abordagens, quanto para os pesquisadores do fenômeno, já que podem dispor de uma gama de estudos que permitem a comparação com cenários históricos e culturais distintos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Jul 2001
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