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Entre calçadas, pixações e parentesco: a cidade como campo de batalha em torno das lesbo/homoparentalidades e do acesso à PMA na França

Between sidewalks, graffiti and kinship: the city as a battlefield around lesbian/homoparentalities and access to the PMA in France

Resumo

Este artigo busca refletir sobre a relação entre o acesso às tecnologias reprodutivas (PMA) por casais formados por pessoas do mesmo sexo, especialmente de mulheres lésbicas na França, e diversificadas pixações e intervenções urbanas presentes no cenário citadino francês que tocam o tema das famílias lesbo/homoparentais e o acesso às ditas tecnologias. Especificamente, debate as disputas e atropelos entre pixações favoráveis e contrárias à diversificação de formas familiares e a correlação dessas disputas de pixações com a aceitação e a legitimação de famílias lesbo/homoparentais na França. Por fim, é averiguado que as disputas entre as pixações acabam por denotar, além da correlação entre cidade e família, o caráter político da arte urbana e a característica processual do parentesco.

Palavras-chave:
pixações; parentesco; lesbo/homoparentalidade; reprodução assistida

Abstract

This paper seeks to investigate the relation between the access to reproductive technologies by same sex couples, especially lesbian women in France and different graffiti and interventions in urban France that are related to the topic of lebo/homoparental families and the access to the referred technologies. Specifically, it discuss the quarrel and disputes between graffiti pro and against the diversity of family configuration and the relation between these quarrels and the acceptance and legitimacy of these families in France. In conclusion, it shows that the disputes among the different graffiti end up calling attention not only to the correlation between city and family but also to the politic character of urban art and the procedural feature of kinship.

Keywords:
graffiti; kinship, lesbo/homoparental; reproductive technologies

Introdução

No início do ano de 2014, contemplada por uma bolsa de doutorado-sanduíche,1 1 Bolsa vinculada ao Programa de Cooperação Internacional Capes-Cofecub através do projeto Gênero, sexualidade e parentesco: um estudo comparado entre França e Brasil e que me permitiu a realização desta pesquisa. eu realizava pesquisa de campo sobre parentesco, maternidades lésbicas e tecnologias reprodutivas na França. Eu estava há poucos meses no país, mas já podia perceber que o cenário local era bastante tumultuado no que se refere ao tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo, à lesbo/homoparentalidade e, especialmente, quanto ao acesso de casais LGBTs às tecnologias reprodutivas, designadas em francês como PMA, sigla de procréation médicalement assistée (“procriação medicamente assistida”) e GPA, sigla para gestation pour autrui (“gestação para outro”).2 2 Há uma diferença no que toca às tecnologias reprodutivas utilizadas por casais de homens e casais de mulheres. Os casais de homens gays necessitam (por não possuírem útero) de uma gravidez de substituição (gestation pour autrui) para consolidarem seus projetos parentais e isso estabelece dimensões novas e específicas no processo reprodutivo. Já os casais de mulheres não se veem atingidos por essa necessidade, podendo gestar elas mesmas as futuras crianças. Portanto, a França denomina diferentemente as discussões sobre tecnologias reprodutivas para mulheres (PMA) e para homens (GPA) em referência às duas técnicas distintas empregadas na reprodução. Neste trabalho, o enquadramento é a discussão sobre casais de mulheres lésbicas e, por isso, falarei mais em PMA. Desse modo, PMA e reprodução assistida são tomados aqui como termos equivalentes. Destaco que o interesse por realizar pesquisa naquele país se ancorava justamente na proibição do acesso de pessoas homossexuais e casais formados por pessoas do mesmo sexo a essas tecnologias.

Apesar de haver me aproximado dessas discussões a respeito das famílias e filiações não heterocentradas a partir de diálogos acadêmicos, seminários, reportagens de jornal e manifestações sociais favoráveis e contrárias aos avanços no campo de direitos ao casamento e família por parte de pessoas LGBT, foi por outro caminho que comecei a entender e vislumbrar uma verdadeira tensão presente no cotidiano francês e nos modos de produzir, pensar e existir enquanto famílias lesbo/homoparentais naquele cenário.

Um pouco fortuitamente, foi em uma caminhada por Paris que me deparei com uma importante dimensão do parentesco na França: aquela dada pelas disputas e embates presente nas pixações,3 3 Opto pelo uso da grafia nativa com X (pixo, pixação) ao invés da grafia com CH, correta em língua portuguesa (picho, pichação). desenhos e cartazes espalhados nas calçadas, muros e paredes que compunham o cenário urbano francês. Particularmente, foi ao passear pelos arredores de um grande boulevard da cidade acompanhada de um colega que também realizava seu estágio de doutorado-sanduíche que eu reparei em um desenho no chão: um útero grávido pintado com tinta e de um tamanho considerável que ocupava quase toda a calçada. Ao redor, havia pixações de frases defendendo a GPA e PMA para todos e ressaltando o orgulho lésbico/sapatão. As palavras ali grafadas com auxílio de um estêncil (molde vazado, feito habitualmente de papelão ou algum material resistente) pareciam mais recentes que o desenho do útero grávido e sugeriam que aquela intervenção ou arte urbana4 4 Entendo arte urbana como todo desenho, pixação, colagem, intervenção realizada no espaço urbano, ou, nas palavras de Glória Diógenes (2015b, p. 686), “um tipo de participação intempestiva na visualidade da cidade”. havia sido construída em pelo menos dois momentos distintos. Essa descontinuidade temporal chamou minha atenção, pois deixava evidente que ali se estabelecia uma conversa que se espraiava no tempo entre um primeiro desenho e a segunda intervenção/resposta. Sobretudo, ao cruzar com aquele desenho comecei a entender como o tema do parentesco estava expresso também na cidade, exposto para ser visto, dialogado e atravessado por um sem-número de pessoas. Em síntese, o parentesco e as discussões sobre família pareciam compor e ajudar a construir o cenário da cidade.

Todavia, apesar de ter cruzado com o desenho na calçada enquanto caminhava pela cidade, esse encontro não se deu nos termos do que se tem proposto enquanto uma etnografia de rua (Rocha; Eckert, 2013ROCHA, A. L.; ECKERT, C. Etnografia de rua: estudos de antropologia urbana. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2013.), na qual o espaço urbano é percorrido na busca pelos dramas que compõem a vida na rua e que fazem a cidade. Eu não havia saído a cursar a cidade na busca pelo que poderia chamar minha atenção ou prender meu olhar/sentidos. Não buscava por artes, intervenções, mensagens tais quais procuram antropólogos e artistas urbanos que saem em caminhadas munidos de câmeras fotográficas e delineando percursos de observação cuidadosa.

Eu apenas andava, não dimensionava o espaço ao meu redor a partir de qualquer busca por intervenções, por cortes na paisagem ou por mensagens pintadas em paredes ou calçadas. Naquele momento, não me situava enquanto pesquisadora e aguardava pelas interações com minhas interlocutoras de pesquisa para conversar sobre parentesco, suas famílias, trajetórias reprodutivas e de ação na construção de suas maternidades lésbicas no contexto francês. Entretanto, antes mesmo de encontrá-las o tema das disputas que cercam o acesso às tecnologias reprodutivas na França já havia cruzado meu caminho. O ambiente onde eu circulava estava prenhe de sentidos, a paisagem urbana estava carregada de enunciados e mensagens que, por meio de seus pixos, grafites e artes, me convidaram a um olhar mais demorado, que busca compreender rastros, conversas, sentidos espalhados pelos cantos, paredes e postes da cidade (Diógenes; Chagas, 2016DIÓGENES, G.; CHAGAS, J. O ruidoso silêncio da pixação: linguagens e artes de rua. NAVA, v. 1, n. 2, p. 304-330, 2016.).

Assim, o tema das famílias lesbo/homoparentais e do acesso às tecnologias reprodutivas conversou comigo através da rua. A cidade pareceu não mais separar-se do parentesco que, definitivamente, deixava de compor espaços privados de casas, consultórios e clínicas de reprodução assistida para se fazer parte integrante do cotidiano da cidade e do mundo público. A arte urbana, as intervenções com suas cores e palavras pressupõem uma interação que se efetiva no espaço público e se estabelece como uma reivindicação da cidade. Ao caminhar por aquela rua específica, não pude escapar ao atravessamento de/pelo parentesco que se constituiu no ato mesmo de caminhar sobre aquela pixação.

Em consonância, acompanhando o perfil no site Facebook da associação feminista Fières (“Orgulhosas”) (ligada à defesa da abertura da PMA para casais LGBT na França) encontrei, meses depois, a foto do desenho que havia visto enquanto caminhava por Paris. Ao ver novamente aquela imagem - que ganhou novas dimensões ao ser colocada na internet e circular e criar sentidos de forma ampla - foi que percebi a urgência de pensar na correlação entre arte de rua e parentesco.

Figura 1
Útero grávido e pixações (Fières, 2014FIÈRES. [Post]. Facebook, 16 maio 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/associationFieres/photos/a365259020276062/440094892792474/?type=3&theater . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://www.facebook.com/associationFier...
).

Assim, neste artigo pretendo refletir sobre a relação entre o acesso, no contexto francês, às tecnologias reprodutivas (PMA) por casais formados por mulheres lésbicas e as diversificadas intervenções urbanas que versam sobre esse tema especificamente. Demonstro, desse modo, como as disputas políticas em torno da família constroem e são também construídas através de disputas entre pixações, artes e intervenções urbanas.

Para isso, o texto divide-se em duas partes. A primeira é uma breve incursão no campo das famílias lesbo/homoparentais, das tecnologias reprodutivas e sua regulamentação em solo francês. Já a segunda parte é aquela em que me debruço sobre a discussão relacionada aos impasses relativos às famílias lesboparentais5 5 Termo referido à configuração familiar na qual pelo menos uma pessoa que exerce a função parental se reconhece enquanto lésbica. Tem como intenção se distinguir das configurações parentais formadas por gays no exercício da função parental. a partir das intervenções urbanas, das disputas de espaço que se ligam a disputas por reconhecimento de diferentes formas familiares.

Famílias lesbo/homoparentais e PMA na França

Nos últimos 40 anos as sociedades ocidentais têm acompanhado importantes transformações na esfera familiar. Divórcios, novos casamentos, gestação de substituição, recurso a novas tecnologias reprodutivas, pesquisas sobre DNA e adoções internacionais trazem à tona novas formas de se fazer família e traçar laços entre as pessoas. Desse cenário despontam novos formatos familiares e as famílias recompostas após separação, as famílias monoparentais, pluriparentais, adotivas e homoparentais emergem como formatos possíveis de família.

É certo que as famílias formadas por mães e pais homossexuais não são uma novidade absoluta e já figuravam como construções possíveis nas sociedades complexas. Contudo - e principalmente através do uso de tecnologias reprodutivas/procréation médicalement assistée (PMA) -, o que acompanhamos hoje é um acelerado crescimento de famílias que se formam a partir da conjugação de lesbianidade e maternidade, construindo um campo de estudos que têm vivenciado um florescimento das pesquisas acadêmicas e debates: as lesboparentalidades. As possibilidades técnicas derivadas dos avanços no campo da reprodução humana permitem - aí, sim, de forma inovadora - a construção intencional das famílias lesboparentais como famílias que derivam do casal de mulheres e que não são, portanto, consequência de outras relações anteriores ou de arranjos que exigem a participação de algum amigo ou conhecido homem na fabricação de uma criança.

Carregando já um longo caminho de avanços e pesquisas desde o nascimento do primeiro bebê de proveta em 1978, na Inglaterra, as tecnologias reprodutivas perderam, ao menos em parte, seu ar de novidade e já carregam consigo uma considerável consolidação como polo produtor de crianças e famílias. Esse emaranhado de procedimentos médicos/técnicos/científicos que permitem a dissociação entre reprodução/concepção e ato sexual é responsável por transformar a conjugalidade homossexual em potencialmente reprodutiva.

Doações de gametas, reprodução sem sexo, gravidez de substituição, todas essas possibilidades dadas pelos avanços técnico/científicos na área da reprodução estabelecem novos passos na coreografada articulação que produz famílias e filhos dentro dos pressupostos ocidentais clássicos de parentesco, cujo parâmetro é um modelo reprodutivo (Strathern, 1992STRATHERN, M. Reproducing the future: essays on anthropology, kinship and the new reproductive Technologies. Manchester: Manchester University Press, 1992.) que tem na relação sexual seu símbolo fundador, como nos informa David Schneider (1980)SCHNEIDER, D. American kinship: a cultural account. New Jersey: Prentice-Hall, 1980.. As tecnologias reprodutivas introduzem nessa dança novos modos de conectar substâncias reprodutivas, de manipular, conservar e gestar embriões. Modos que escapam da habitual necessidade de conexão sexual entre dois corpos distintos para produção de crianças. Os momentos da reprodução são fragmentados, novos atores são adicionados no escopo daqueles necessários para fazer parentes. Biólogos, geneticistas, pipetas e microscópios fazem agora parte da reprodução. Observamos a implementação de novas técnicas e de novos itinerários reprodutivos que necessitam de planejamento, investimento e acordos para que alcancem os resultados esperados, visto que já não derivam apenas do enlace amoroso entre um casal naturalmente reprodutivo.

Constituindo uma tecnologia de desenvolvimento e dispersão global, a PMA e outras técnicas reprodutivas estão por todos os cantos e interconectam redes de diferentes especialistas, cientistas e médicos. Todavia, as regulamentações locais despontam diferentes usos dessas tecnologias que informam sobre diferentes construções acerca do que é família.

As transformações advindas das possibilidades dadas pelas tecnologias não passam despercebidas. As sociedades ocidentais rapidamente se colocam a debater tal assunto e dão especial atenção aos limites da artificialidade no seio do parentesco e da família. Ainda que não seja nada tão novo no cenário do parentesco, observamos que as famílias que se formam através dessas tecnologias impõem incertezas sobre a parentalidade e filiação e geram dúvidas, inquietações e contraposições a/de alguns setores mais conservadores das sociedades. Afinal, a manipulação de corpos, de gametas e a entrada de outros elementos em cena mexem com representações a respeito da naturalidade do processo reprodutivo.

Destaca-se que, no processo de bricolagem que configura a construção das famílias lesbo/homoparentais, a dimensão pública ocupa um espaço significativo: se os filhos não são mais produzidos nos quartos e na esfera doméstica, eles envolvem diferentes setores da vida social. O reconhecimento dessas outras formas de famílias, baseadas no afeto, na escolha e na intenção muitas vezes esbarra em noções arraigadas de parentesco como aquele baseado em sexo reprodutivo (e, por isso, em heterossexualidade), o que acaba por estabelecer uma hierarquia entre formas familiares.

Desse modo, os temas da família e da reprodução assistida ganham destaque e eventos antes pertencentes ao foro íntimo do casal são carregados para debates públicos envolvendo especialistas de diferentes áreas, que buscam estabelecer se os usos dessas tecnologias e se as tais “novas” configurações familiares são interessantes ou marcam um exagero de intervenção técnica sobre processos até então compreendidos como “naturais”.

Diferentes realidades normativas se colocam a gestionar os avanços e aplicações dessa sorte de tecnologias em cada país. Assim, os dispositivos jurídicos que as regulamentam apresentam variações no que toca a aberturas ou entraves para a fabricação das famílias lesbo/homoparentais. Importa compreender que as leis e normativas que tocam a PMA estão ancoradas em moralidades e valores culturais que nos permitem observar quais percepções de maternidade, paternidade e família estão em jogo e sendo construídas e defendidas quando se regulamenta o acesso a tais tecnologias.

Na França, que viu seu primeiro bebê fruto de tecnologias reprodutivas nascer em 1982, a regulamentação dessas práticas ocorreu de maneira tardia e foi apenas em 1994 que se estabeleceu uma lei que regulamenta os usos e acessos a elas.

Sendo compreendido como um dos países com legislação bastante restritiva no tocante às tecnologias reprodutivas, a França encontra-se ao lado de países como Alemanha, Itália e Suíça, conforme esclarece Virginie Rozée (2015)ROZÉE, V. Les normes de la maternité en France à l’épreuve du recours transnational de l’assistance médicale à la procréation. Recherches familiales, n. 12, p. 43-55, 2015.. Tal regulamentação restritiva deriva do enquadramento de tais tecnologias sob a rubrica de uma severa lei de bioética, contrariando o que ocorre em outros países, onde tais usos e práticas estão inseridos em leis sobre a família, como no Reino Unido, por exemplo.

Redigida por Jean-François Mattei, deputado, médico e católico praticante, a lei de bioética francesa define as tecnologias como interessadas em sanar um problema de fertilidade medicamente diagnosticado (Tain, 2013TAIN, L. Le corps reproducteur. Rennes: Press de L’EHESS, 2013.). Exige-se, portanto, uma comprovação de que uma patologia existe e, assim, se valida a intervenção médica enquanto tratamento de um problema. Ao mesmo tempo que exige o diagnóstico de infertilidade, o texto da lei, ao frisar a composição do casal como homem e mulher, exclui como beneficiários de tais tecnologias pessoas solteiras e casais homossexuais. Observa-se que parece haver uma tentativa de manutenção de um modelo prescritivo em que a família e a filiação decorrem de uma estreita conexão entre heterossexualidade/casamento/procriação, deixando à margem outras configurações possíveis.

Infere-se, portanto, que a lei de bioética francesa que regulamenta as tecnologias reprodutivas possui um caráter naturalista, vale dizer, visa e está calcada em um esquema perpassado por um modelo entendido como natural de reprodução sexual (heteroinformado) em que tudo deve funcionar de maneira a reproduzir o que teria acontecido sem o auxílio da tecnologia. Dessa forma, tudo que possa colocar em cheque tais definições acerca da reprodução “natural” é negado pela lei. As tecnologias reprodutivas são inseridas em um contexto moral e social que não permite que seus potenciais sejam utilizados por si mesmos. A tecnologia, alega-se então, só é interessante quando faz, ou permite fazer, o que a natureza faria. Tal conclusão legitima a ideia de que a filiação é derivada de um intercurso sexual entre um homem e uma mulher e apenas assim.

Mariage Pour Tous versus Manif Pour Tous: um debate sobre casamento e filiação

Em meados dos anos de 2012 e 2013 a França viveu um intenso debate em relação à possibilidade de abertura do casamento para pessoas do mesmo sexo. Incansáveis discussões invadiram as mídias e meios de comunicação e variados debates tomaram corpo em distintas instâncias da vida social e privada da população. Paralelamente àquele momento intenso de discussões, o país acompanhou o surgimento de um movimento conservador de base católica, organizado e opositor ferrenho da proposta de lei de casamento entre pessoas do mesmo sexo conhecida como Mariage Pour Tous (“Casamento para Todos”). O movimento chamado Manif Pour Tous (“Manifestação para/por Todos”) teve origem em um encontro com responsáveis por diferentes associações: “Une cinquantaine d’associations sont présentées comme co-organisatrices, beaucoup d’entre elles sont recentes ou issues des milieux religieux” (Zeller; Wandrille, 2013ZELLER, M.; WANDRILLE. Le débat mariage contre manif pour tous. Paris: Steinkis, 2013., p. 37), que, a par das propostas governamentais em relação à aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, visavam estabelecer estratégias de enfrentamento ao projeto de lei. A oposição do grupo à abertura do casamento entre pessoas do mesmo sexo deposita-se em uma questão central: a filiação.

Com uma forte organização virtual o grupo começou rapidamente a esboçar toda sua argumentação contrária ao projeto de lei do Mariage Pour Tous centrando-se na defesa da família heterossexual como o grande suporte da sociedade, haja vista sua capacidade reprodutiva e sobremaneira produtora de maternidades e paternidades. Sob sua bandeira da família formada por pai, mãe, filho e filha (desenhados em cor-de-rosa ou azul), o grupo também se lançou em diversificadas manifestações na rua, ações que deixaram marcas por todo o espaço urbano onde aconteceram. Não restritas apenas aos espaços onde o grupo se manifestava, diferentes pixações com os slogans da Manif Pour Tous começaram a aparecer em vários bairros de Paris e também em outras cidades.

Figura 2
Pixações em rosa e azul na cidade de Paris (Pochoirs Pour Tous, 2018fPOCHOIRS POUR TOUS. [Post]. Instagram, 22 dez. 2018f. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/BrskYP1go0K/ . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://www.instagram.com/p/BrskYP1go0K/...
).

Essa imagem é um exemplo de pixação realizada por integrantes ou simpatizantes da Manif Pour Tous na calçada em frente a uma saída de metrô da cidade de Paris. Nela aparece, abaixo do coração, pintada em azul e rosa (marcas da Manif, que tem seu slogan nestas cores) a frase: “non à la PMA sans père” (“não à PMA sem pai”). Observamos que a intervenção urbana foi realizada na saída de uma estação de metrô, sendo pixada na calçada e não em muros altos ou paredes, como costuma acontecer com os grafites e tags de pixadores que competem por prestígio ou que desejam fazer seu nome e reivindicar a cidade também através do ultrapassar de limites, gestos que brincam com alturas e com noções de um corpo que chega a lugares improváveis (Diógenes, 2017DIÓGENES, G. Arte, pixo e política: dissenso, dissemelhança e desentendimento. Vazantes, v. 1, n. 2, p. 115-134, 2017.).

A pixação na saída do metrô não se constrói na dimensão do driblar a altura, algo que questiona as restrições do corpo e por isso torna-se político, como destaca Glória Diógenes (2017)DIÓGENES, G. Arte, pixo e política: dissenso, dissemelhança e desentendimento. Vazantes, v. 1, n. 2, p. 115-134, 2017.. O pixo nas calçadas se pretende acessível. É realizado ao alcance de todos, em um ponto de alto tráfego e busca o maior número de olhares e contatos possíveis. Como destaca Ricardo Campos (2012)CAMPOS, R. A pixelização dos muros: graffiti urbano, tecnologias digitais e cultura visual contemporânea. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 543-566, maio/ago. 2012., é característica dos pixos a busca por exposição e uma alta plateia, os pixadores apropriam-se do espaço público para a partilha de mensagens privadas, evento que observamos nas pixações da Manif Pour Tous que desejam ancorar no cenário urbano francês ideias antifamílias lesbo/homoparentais e contrárias à abertura da PMA para casais de mulheres. Entretanto, se para os pixadores e artistas urbanos em geral os lugares de maior visibilidade, altura e destaque perante os olhos de seu público são prestigiados e compõem hierarquias no meio dos que produzem essas artes de rua, para os pixos da Manif Pour Tous a busca por espaços imponentes de visibilidade não parece ser o mote da ação.

A natureza política do pixo da Manif Pour Tous não é aquela que se dá através de uma linguagem disponível apenas por quem “segue a trilha” (Diógenes, 2017DIÓGENES, G. Arte, pixo e política: dissenso, dissemelhança e desentendimento. Vazantes, v. 1, n. 2, p. 115-134, 2017.) e observa as rotas e pinturas realizadas por pessoas e corpos que se arriscam para deixar suas marcas e mensagens. Ao contrário, os pixos no chão, cruzando facilmente os caminhos habituais de quem percorre a cidade, parecem mais desejar dissolver sua mensagem no trajeto comum a todos do que produzir um impacto, enunciado aos olhos atentos de quem procura por intervenções artísticas pela cidade. Há nesses pixos realizados em calçadas e saídas de metrô uma estratégia de comunicação e publicidade interessante que, por sua vez, difere daquelas de quem pixa para olhares atentos a contrafluxos de mensagens que ocupam o espaço.

Ainda que o movimento da Manif Pour Tous tenha ganhado as ruas, calçadas e vários adeptos, em 17 de maio de 2013, foi aprovada na França a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo (Mariage Pour Tous). A lei abriu os caminhos não só do casamento, mas também da adoção para os casais de lésbicas e gays. Ainda assim, apesar da possibilidade de adoção gerada pela abertura do casamento LGBT no país, o acesso à PMA permaneceu interdito aos casais formados por pessoas do mesmo sexo e seguiu imperando a noção de que famílias são aquelas em que coincidem os genitores com os pais, sendo esses últimos necessariamente - ou, se preferirem, naturalmente - de sexos diferentes (Courduriès; Giroux, 2017COURDURIÈS, J.; GIROUX, M. (dir.). Le recours transnational à la reproduction assistée avec don: perspective franco-québécoise et comparaison internationale: rapport final. Paris: Mission de recherche Droit et Justice, 2017.).

Em 2017, Emmanuel Macron foi eleito presidente da França e, a despeito de sua proposta de campanha sobre a abertura da PMA aos casais lésbicos e pessoas solteiras, tais tecnologias continuaram vetadas para pessoas solteiras e casais formados por pessoas do mesmo sexo na França.

À revelia da proibição do acesso de diferentes pessoas às tecnologias reprodutivas na França, dados de pesquisa (Courduriès; Giroux, 2017COURDURIÈS, J.; GIROUX, M. (dir.). Le recours transnational à la reproduction assistée avec don: perspective franco-québécoise et comparaison internationale: rapport final. Paris: Mission de recherche Droit et Justice, 2017.) informam que os casais formados por mulheres estão, sim, produzindo famílias e contornando as restrições nacionais ao dirigirem-se a outros países ou ao produzirem inseminações de modo artesanal em suas casas, desvelando que o parentesco não é fruto de uma realidade fixa ou evidente; antes, ele parece devedor de intenções, movimentos e disputas que demonstram como ele é um processo reflexivo e ativo (Bestard, 2004BESTARD, J. Tras la biologia: la moralidade del parentesco y las nuevas tecnologias de reproducción. Barcelona: Universitat de Barcelona, 2004.).

Nesse sentido, podemos dizer que, apesar da proibição da PMA em solo francês, as famílias lesboparentais advindas do uso dessas tecnologias já são uma realidade no país. Contudo, é justamente a crescente mobilização e visibilidade dessas famílias lesbo/homoparentais que parecem gerar polêmicas, contragostos e novos ataques.

Intervenções urbanas e parentesco: entre ataques e (re)ações

Em contrapartida à proibição vigente da PMA e aos avanços e manifestações constantes dos grupos antifamílias lesbo/homoparentais e anti-PMA no país, grupos organizados favoráveis e em defesa da pluralidade de formas familiares começaram a ganhar espaço no debate e em manifestações públicas em favor da abertura das tecnologias reprodutivas para casais homossexuais.

A visibilidade da conjugalidade homossexual enquanto modalidade familiar começa a ganhar contornos, permitindo que gays, lésbicas e, mais recentemente, pessoas transexuais e travestis passem a assumir para si e publicamente uma preocupação sentimental em suas relações amorosas. Rompendo com limites de parentalidade e conjugalidade, exigem, além do direito à cidadania individual, o direito à constituição de uma família e o direito ao reconhecimento de suas relações de parentesco.

No contexto francês, alguns grupos dedicam-se especialmente à questão da abertura da PMA para casais de mulheres, como é o caso do coletivo OUI OUI OUI - oui au mariage, oui à la filiation et oui à la PMA (“SIM, SIM, SIM - sim ao casamento, sim à filiação e sim à PMA”) e da associação feminista Fières (“Orgulhosas”). Destaco esses dois coletivos pois são eles os responsáveis pela organização de ações contrárias às intervenções urbanas produzidas por apoiadores da Manif Pour Tous, conforme apresento a seguir.

Por meio dos perfis virtuais desses grupos é que eu entrei em contato direto com as discussões sobre o espaço urbano e a cidade, e foi através de suas convocatórias on-line que vislumbrei como se realizam os diálogos entre pixações, processo que havia chamado minha atenção anteriormente, quando eu mesma fui interpelada por uma dessas comunicações urbanas.

Destaco especialmente uma ação realizada pelo grupo Fières que, através de sua página na rede social Instagram, convocou uma “despoluição” das intervenções da Manif Pour Tous que haviam sido deixadas após um ato do coletivo.

Figura 3
Grupo Fières informa sobre limpeza de pixações anti-PMA em Paris (Fières, 2017FIÈRES. [Post]. Twitter, 12 nov. 2017. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/assoFierEs/status/929807966752124930 . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://twitter.com/assoFierEs/status/92...
). (“Esta noite, Fières limpa as ruas de Paris das tags e cartazes da ‘Manifestação para/por Todos’” #operaçãodespoluição #PMAparatoDAS).

Como podemos ver na imagem, a operação de limpeza constituiu-se no pintar por cima ou apagar as intervenções realizadas anteriormente. A cobertura do que havia sido pixado antes expressa de fato uma tentativa de anular a mensagem que estava construída. Ao ser coberto e apagado, o espaço conquistado pelo pixo é perdido e a calçada volta a ser espaço “sem dono”. Essa política de limpeza que constitui pintar por cima ou apagar a intervenção de outro grupo tem um significado importante no universo dos grafites e das intervenções urbanas e é sentida como uma afronta.

O grupo que apaga a mensagem anterior e por cima dela escreve outras assume, através de suas ações, a conquista daquele espaço urbano e aquela calçada se torna, portanto, uma aliada. A calçada que é novamente conquistada deixa de ser uma calçada antifamília lesbo/homoparental para tornar-se novamente uma calçada. A prática de sobrepor uma nova mensagem sobre uma previamente existente é costumeiramente chamada de “atropelar” e significa passar por cima do outro e se interpor no espaço que outro grafite já ganhou: “É como se, uma vez um signo fincado, ele tivesse já ganho um lugar, obtido um destaque, alcançado um plano de enunciação” (Diógenes, 2013DIÓGENES, G. Signos urbanos juvenis: rotas da pixação no ciberespaço. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 22, p. 45-61, 2013., p. 49). O plano de enunciação parece em disputa nessas ações organizadas de limpeza.

Observamos aqui que o tema do parentesco e das tecnologias reprodutivas instaura debates e polêmicas que invadem as ruas. Convocam-se lados em uma disputa que se concretiza nas calçadas, na cidade, em ações efetivas de competições para ocupar a paisagem urbana.

Não é novidade que o tema do parentesco é alvo de debates sociais e polêmicas públicas desde o famoso artigo de Marilyn Strathern (1995)STRATHERN, M. Necessidade de pais, necessidade de mães. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 303-329, 1995., no qual a autora chamou atenção para o debate midiático ocorrido durante o ano de 1991 na Grã-Bretanha. O mote da discussão estava na demanda de mulheres solteiras e virgens pelo uso de tecnologias reprodutivas que as permitisse ter filhos sem intercurso sexual. Os avanços tecnológicos e científicos da indústria reprodutiva permitiam tal arranjo, entretanto, o clamor por maternidades que excluíam deliberadamente a necessidade de pais não cabia nos modelos de parentesco disponíveis. A não existência de um marido, namorado ou simplesmente de qualquer relação sexual capaz de manter a sugestão de que crianças nascem de uma relação entre homens e mulheres tornava as demandas de filiação das “mães virgens” uma afronta cultural que foi rapidamente classificada como uma síndrome: “a síndrome do nascimento virgem”.

Assim, do mesmo modo que “a síndrome do nascimento virgem” pareceu mobilizar um debate na Grã-Bretanha do começo dos anos 1990, atualmente o acesso de casais formados por pessoas do mesmo sexo à parentalidade e filiação parece responsável por um verdadeiro embate na França. Elaborada em termos de favoráveis ou contra, a disputa envolvendo as famílias lesbo/homoparentais desponta em um debate que busca estabelecer o que afinal vale como família.

Homossexualidade e família

Parece controverso que tão recentemente um grupo organizado se coloque de modo bastante ferrenho na oposição às famílias lesbo/homoparentais na França. Contudo, vale destacar que o grupo Manif Pour Tous não se posiciona abertamente contrário à homossexualidade e frisa condenar todo tipo de violência e homofobia, conforme se pode ler no site do grupo:

La Manif Pour Tous est un mouvement social né en 2012 pour défendre l’altérité sexuelle dans le mariage, le respect de la filiation naturelle et l’intérêt supérieur de l’enfant.

La finalité du mariage étant de fonder une famille, le mariage et l’adoption par deux femmes ou deux hommes met en cause le besoin et le droit de l’enfant d’avoir un père et mère.

L’action de La Manif Pour Tous est fondée en particulier sur l’article 7 de la Convention internationale des droits de l’enfant (CIDE): l’enfant “a le droit, dans la mesure du possible, de connaître ses parents et d’être élevé par eux”.

La Manif Pour Tous est pacifique. Elle condamne fermement tout acte violent et toutes formes d’homophobie. Elle appelle à respecter les personnes et le bien commun.

Comme son nom l’indique, La Manif Pour Tous est plurielle et diverse, susceptible d’être rejointe par tous les Français, quelles que soient leur sensibilité politique et philosophique, croyance, orientation sexuelle, mode de vie, origine géographique, etc.

La Manif Pour Tous est un mouvement social indépendant de tout parti, toute confession, toute communauté et tout autre groupe ou organisme. Elle est seule décideur, organisateur et financeur (toujours par les dons de ses sympathisants) de ses actions.6 6 “A Manifestação para/por Todos é um movimento social que nasceu em 2012 para defender a alteridade sexual no casamento, o respeito à filiação natural e o interesse superior da criança. Sendo fundar uma família a finalidade do casamento, o casamento e a adoção por duas mulheres ou dois homens coloca em questão a necessidade e o direito da criança de ter um pai e uma mãe. A ação da Manifestação para/por todos está fundada em particular sobre o artigo 7 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança: a criança ‘tem o direito, na medida do possível, de conhecer seus pais e de ser criada por eles’. A Manifestação para/por Todos é pacífica. Ela condena fortemente todo ato de violência e toda forma de homofobia. Ela invoca o respeito pelas pessoas e pelo bem comum. Como seu nome indica, a Manifestação para/por Todos é plural e diversa, à qual podem aderir todos franceses, qualquer que seja sua sensibilidade política e filosófica, crença, orientação sexual, modo de vida, origem geográfica, etc. A Manifestação para/por Todos é um movimento social independente de todo partido, de toda religião, de toda comunidade e de qualquer outro grupo ou organismo. Ela decide, organiza e financia sozinha (sempre através das doações de seus simpatizantes) suas ações” (tradução minha). (Manif Pour Tous, 2018MANIF POUR TOUS. Le mouvement. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.lamanifpourtous.fr/qui-sommes-nous/le-mouvement . Acesso em: 20 set. 2018.
https://www.lamanifpourtous.fr/qui-somme...
, grifo meu).

Ao opor a defesa do casamento e da filiação como redutos da heterossexualidade à homofobia, o grupo define suas demandas enquanto defesa de uma “realidade natural” ou verdadeira e, por isso, não baseada em discriminação ou homofobia. Segundo Thomas Laqueur (2001LAQUEUR, T. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001., p. 18), há no período do Iluminismo uma transformação epistemológica que assenta uma compreensão da natureza como uma base física da realidade, momento no qual “o mundo físico - o corpo - aparece como real”, enquanto a dimensão social desponta como um epifenômeno. Atrelado à natureza, o corpo estabilizado, sexuado e a-histórico torna-se a base do mundo social (Luna, 2007LUNA, N. A personalização do embrião humano: da transcendência na biologia. Mana, v. 13, n. 2, p. 411-440, 2007.). Assim, não é de estranhar que o apelo à filiação natural seja aquele dado por uma noção sexuada da reprodução com base na dualidade corporal, como fica claro na proposta da Manif Pour Tous.

De tal modo, a Manif Pour Tous não defende apenas a família tradicional baseada na “altérité sexuelle dans le mariage” e na filiação natural, mas especialmente desloca a questão da família e o questionamento de sua pluralidade para a defesa do interesse superior da criança. Destaca-se o direito da criança de nascer e ser criada dentro da família, não lhe sendo roubada sua possibilidade de conhecer pai e mãe. Destarte, o grupo se fixa a uma concepção do parentesco como aquele fundado na premissa reprodutiva dada pela dicotomia sexual do par homem e mulher como representantes da natureza real ou normal, sendo todas as outras formas de famílias desviantes, preocupantes e não normais.

O grupo, ao defender a alteridade sexual e a filiação natural, reforça e atualiza as construções de gênero ao enfatizar as diferenças biológicas entre os sexos. Transforma machos em homens, fêmeas em mulheres e estabelece a sua interdependência e complementaridade (Piscitelli, 1998PISCITELLI, A. Nas fronteiras do natural: gênero e parentesco. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 305-322, jan. 1998.), concretizando também a heterossexualidade como marco fundador da sociedade.

Assim é que o grupo se pronuncia fortemente contrário a formulações familiares que possam depor contra a complementaridade indiscutível de homem e mulher para reprodução. O mote aqui não é a dependência de gametas oriundos de homem e mulher como pressuposto da reprodução, senão assinalar que essa interdependência deve produzir, em todo caso, pai e mãe. Logo, é a não existência de algum desses dois polos fundantes que parece incomodar e as famílias de duas mães são definidas não por sua construção intencional em termos de duas maternidades, mas em uma perspectiva da ausência, a ausência de pai, como se pode ver no conteúdo de suas pixações:

Figura 4
“Fora um pai, eu não sinto falta de nada. PMA sem pai, dor sem fim” (Pochoirs Pour Tous, 2018bPOCHOIRS POUR TOUS. [Post]. Instagram, 14 set. 2018b. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/BnuMwvRFxcF/ . Acesso em: 30 set. 2018.
https://www.instagram.com/p/BnuMwvRFxcF/...
).

Vale lembrar que as famílias lesboparentais não estão inovando na produção de famílias sem pais e essas configurações preexistem a elas. Ainda assim, as outras famílias sem pai figuram antes como infortúnios do destino do que como projetos deliberados. É justamente a construção intencional das famílias sem pai que parece incomodar e fugir das representações familiares disponíveis nos padrões mais tradicionais e estáticos a respeito da família e a crítica aos modelos diferentes destes se estabelece através do apelo ao direito da criança de ter pai e mãe. A necessidade de pais e mães (Strathern, 1995STRATHERN, M. Necessidade de pais, necessidade de mães. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 303-329, 1995.) torna-se constitutiva/ontológica da existência da criança. É um regime normativo de relações de gênero e sexualidade que se impõe quando se defende tal modelo de família para confecção de crianças e não apenas uma necessidade de gametas advindos de homem e mulher. O imperativo de pai e mãe reforça a necessidade da heterossexualidade enquanto padrão de relações (casamento e filiação) e a natureza e a reprodução são usados de alicerce para sustentar um regime sexual heteronormativo. Está em jogo aqui precisamente uma ordem moral e social que busca equivaler a heterossexualidade à natureza e à necessidade da criança. Todavia, a fragmentação e tecnologização do processo reprodutivo já levou os sentidos de sêmen e óvulos para bem longe daquele de pai e mãe, conforme também apresenta-se para os casos de doação de gametas em contextos heterossexuais avaliados positivamente tanto pela Manif Pour Tous quanto pela lei de bioética francesa. Em última instância, não parece ser a manipulação da natureza o X da questão, já que o mesmo dado biológico/natural ocupa posições diferentes nesse cenário, podendo ser manipulado por uns, mas não por outros.

Logo, para além de uma defesa ferrenha da naturalidade do processo reprodutivo baseado na complementaridade natural e reprodutiva dos sexos, o que o discurso da Manif Pour Tous demonstra é que o “referente biológico como fundamento de verdade é o valor que se mantém continuamente nesse debate para estabelecer a definição legítima de natureza humana” (Luna, 2005LUNA, N. Natureza humana criada em laboratório: biologização e genetização do parentesco nas novas tecnologias reprodutivas. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 12, n. 2, p. 395-417, maio/ago. 2005., p. 413). O referente biológico a ser mantido a todo custo, longe de falar apenas sobre biologia, infere que biologia é heterossexualidade e essa é a premissa que deve ser assegurada enquanto natural. Assim, se Judith Butler (2016)BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. nos informava que gênero (social) é que consolida a compreensão naturalizada das categorias sexuais, a instituição da heterossexualidade enquanto norma configura e estabelece a compreensão naturalizada da reprodução sexual e não o contrário.

Ainda que possa parecer que vigora uma diferença simples entre aqueles que defendem um modelo natural/fixo e antitecnológico da família em contraposição àqueles que defendem a pluralidade de seu sentido e o desprendimento de noções estáticas de natureza e biologia como marcos definidores das pertenças e da formulação de vínculos familiares, o cenário que se apresenta no contexto francês é mais complexo e possui ainda outra dimensão.

Se o apelo dos favoráveis à Manif Pour Tous ancora-se em um discurso sobre o relevo da natureza como baliza para elaboração do que seria melhor e mais correto em termos de família e filiação, esse embasamento se vê afetado pelas atuais possibilidades de recurso às tecnologias reprodutivas. Conforme já observamos, a PMA interfere no processo reprodutivo ao introduzir possibilidades de micromanipulação de gametas, ao separar no tempo e espaço sexo e reprodução e ao introduzir um caráter técnico e artificial no domínio procriativo. Em consonância, era de se esperar que os integrantes desse grupo fossem contrários aos usos e empregos de tais tecnologias, já que uma noção corrente de natureza se oporia à tecnologia, entendida como espaço por excelência da criação e desenvolvimento cultural humano (Luna, 2005LUNA, N. Natureza humana criada em laboratório: biologização e genetização do parentesco nas novas tecnologias reprodutivas. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 12, n. 2, p. 395-417, maio/ago. 2005.) e, portanto, ponto de partida para manipulações diferentes das configurações familiares.

Entrementes, a Manif Pour Tous não é desfavorável aos usos das tecnologias reprodutivas. O recurso a elas não parece ser o problema para o grupo, já que ele toma as tecnologias como paliativos para quadros de infertilidade anunciada entre casais heterossexuais. Seguindo o imperativo da lei francesa, a Manif Pour Tous compreende e enquadra os usos tecnológicos voltados à reprodução em seu escopo naturalizado da reprodução: apenas podem fazer família casais heterossexuais. Portanto, buscar por tais tecnologias nos marcos de relações heteroinformadas para produzir famílias que se encaixem no modelo pai/mãe/filho não parece gerar inquietações ou, como afirma a antropóloga Naara Luna (2004LUNA, N. Novas tecnologias reprodutivas: natureza e cultura em redefinição. Campos, Curitiba, v. 5, n. 2, p. 127-156, 2004., p. 151), “a ciência, resultado da invenção humana e pertencente à esfera da cultura, pode auxiliar a natureza, desde que não contrarie seus princípios gerais”. A natureza como aquela dimensão física que escapa da intervenção humana é passível de ser deslocada, ainda que a ordem moral que a dita não o seja.

O apelo à natureza (base do dimorfismo sexual e da heterossexualidade) não encobre uma natureza imóvel ou fixa, mas um discurso sobre a natureza que busca assentar uma base naturalizada na qual o princípio da diferença sexual na sociedade é presumido como tendo aparecido automaticamente (Franklin, 2013FRANKLIN, S. From blood to genes?: rethinking consanguinity in the context of geneticization. In: JUSSEN, D. W.; JOHNSON, B; SABEAN, S. (ed.). Blood and kinship: matter for metaphor from Ancient Rome to the present. New York: Berghahn, 2013. p. 285-320.). Assim, alguns usos das tecnologias reprodutivas são possíveis por reforçarem os pressupostos morais/sociais do que seja a natureza enquanto outros são vetados ou fortemente combatidos por possibilitarem a configuração de outras formas familiares, como os usos ou mesmo a abertura da PMA para os casais de mulheres, questão que fica bastante clara na própria definição que o grupo dá para esse evento/tecnologia: PMA sans père (“PMA sem pai”):

Figura 5
Disputa de pixações: Manif Pour Tous versus Orgulho LGBT em Montpellier (Stop Homophobie, 2016STOP HOMOPHOBIE. Les locaux de Fierté Montpellier Tignes Pride “tagués par la Manif Pour Tous”, le jour de la Marche. 15 out. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.stophomophobie.com/les-locaux-de-fierte-montpellier-tignes-pride-tagues-par-la-manif-pour-tous-le-jour-de-la-marche/ . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://www.stophomophobie.com/les-locau...
).

Na imagem acima, temos novamente um evento de disputas do espaço urbano dado por meio das pixações. A primeira pixação é a palavra pride (“orgulho”) pintada nas cores do arco-íris, em clara referência ao orgulho LGBT e que foi atropelada pela pixação da Manif Pour Tous - “Non à la PMA sans Père” (“Manifestação para/por Todos - ‘Não à PMA sem pai’”) e sufocada pela pintura da logo do mesmo grupo. Segundo Juliana Chagas (2015)CHAGAS, J. A. Análise dos modos de ocupação de pixos e graffiti e de suas relações entre si. 2015. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015., o sufoco é a prática de realizar uma pixação nos espaços que sobraram de um pixo já existente. Esse ato “estragaria” visualmente a pixação anterior, criando um cenário competitivo entre os dois pixos.

Observamos uma ativa disputa territorial. Como destaca Gabriel Bueno Almeida (2013ALMEIDA, G. B. Política, subjetividade e arte urbana: o graffiti na cidade. 2013. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013., p. 79), os grafites se tornam bandeiras a serem defendidas e perfazem um campo de batalhas: “Esta batalha pode ser visualizada nas ruas a partir das parcerias e alianças que se estabelecem, dos muros compartilhados e dos ‘atropelos’.”

Em consonância, Glória Diógenes (2015a)DIÓGENES, G. Graffiti, escritos urbanos entre a cidade material e digital: o que anda a dizer Lisboa?. In: SILVA, I. et al. (org.). Ciências sociais cruzadas entre Portugal e o Brasil: trajetos e investigações no ICS. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2015a. p. 119-132. informa que essas práticas incidem em um verdadeiro conflito cujos fronts de batalha são as paredes (ou chão). De um lado, temos as convocações de mutirões para apagar/limpar as intervenções da Manif Pour Tous. Em sentido contrário, a própria Manif Pour Tous revida ao se interpor sobre uma imagem já existente e galgar espaço e visibilidade para si em uma espécie de constante concorrência de significados e discursos visuais que tangem às famílias na França.

Nessas disputas, parece que o fechamento da lei francesa sobre a PMA corrobora os posicionamentos conservadores da Manif Pour Tous no que tange às representações de família e parentesco em um universo que demora a se abrir para outras possibilidades e que insiste em produzir tensões e desigualdades.

As famílias lesbo/homoparentais ainda parecem ter que lutar continuamente para conseguir se construir e legitimar. As possibilidades tecnológicas para efetivação dessas famílias como derivadas do desejo dos casais continua interdita na França e os espaços cotidianos, como as calçadas, parecem campos minados de discursos contrários à sua consolidação e reconhecimento.

As implicações da Manif Pour Tous não se reduzem a uma oposição de ideias sobre o que é ser família que se expressa em manifestações de ruas pontuais. Ao contrário, elas se espalham pelo dia a dia através de cartazes colados por toda a cidade e intervenções urbanas especialmente realizadas em pontos de alta circulação de transeuntes. Essas intervenções se relacionam com momentos políticos e sociais de ebulição. A cada passo dado no debate sobre abertura da PMA no país, a cada pronunciamento do governo sobre o tema das famílias LGBTs ou mesmo em contraposição a uma parada LGBT ou a um seminário acadêmico sobre o tema da PMA, novas manifestações e intervenções urbanas da Manif Pour Tous despontam e a cidade preenche-se pixações anti-PMA e antifamília.

É desse modo que, em 2018, já de volta ao Brasil e tendo concluído minha pesquisa e tese de doutorado sobre as lesboparentalidades (Amorim, 2018AMORIM, A. C. H. Novas tecnologias reprodutivas e maternidades lésbicas no Brasil e na França: conexões entre parentesco, tecnologia e política. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.), entro novamente em contato com o tema das intervenções urbanas e parentesco na França. Dessa vez meu olhar não foi preso pelo atravessar de um desenho no chão, mas encontrou na internet ecos daquela discussão, percepção e interpelação causada pela arte de rua em 2014.

Através do perfil de um grupo de chasseurs de streetart (“caçadores de arte de rua”) que fotografa e publica fotos de arte urbana em Paris na rede social Instagram acompanhei novamente uma intensa movimentação em torno das pixações da Manif Pour Tous na França.

Me refiro especificamente a um movimento coletivo e organizado de atropelo das pixações da Manif Pour Tous encabeçado por um grupo de pessoas e artistas urbanos que se denomina Pochoirs Pour Tous (“Estênceis para Todos”) e que pixam corações sobre mensagens homofóbicas, antifamílias lebo/homoparentais ou antiabertura da PMA. Conforme vinha demonstrando, o movimento de atropelos e apagamento das intervenções urbanas homofóbicas e antifamília ou anti-PMA já configura uma prática existente na França. Todavia, esse grupo de artistas urbanos parece colocar em ação inovadoras dimensões do embate entre as pixações

A primeira dimensão que se apresenta nesse movimento de pixações, e que quero destacar, é a formulação de um contradiscurso que constrói a ação do atropelo dos pixos não apenas como uma interação, mais ou menos livre, entre os pixadores que buscam conquistar espaço e prestígio, mas que a estabelece enquanto um discurso organizado de combate coletivo formalizado. Nesse sentido, os artistas urbanos instituem um modelo ou padrão para o atropelo dos pixos que se dá na utilização repetida de um estêncil em forma de coração que é pixado sobre as pixações prévias. Conjuntamente com essa padronização da ação do grupo, efetiva-se a criação um perfil próprio na rede social Instagram onde se divulgam as fotos das ações realizadas utilizando a hashtag #pochoirspourtous. Nesse perfil virtual, o grupo posta constantemente fotos das ações realizadas e fornece dicas de como cada pessoa/aliado pode fazer seu próprio molde (estêncil) e somar na ação de contraintervenção urbana.

Figura 6
Materiais utilizados para realizar estêncil em formato de coração (Pochoirs Pour Tous, 2018aPOCHOIRS POUR TOUS. [Post]. Instagram, 12 set. 2018a. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/Bno_uiilg7H/ . Acesso em: 30 set. 2018.
https://www.instagram.com/p/Bno_uiilg7H/...
).

A cada foto postada pelo grupo segue-se uma legenda que busca dar um direcionamento e explicação sobre as ações e pixações realizadas. De modo geral, suas ações parecem voltadas a disputa de formas válidas de família a partir de embates entre linguagens visuais. Para o grupo, substituir mensagens antifamílias LGBTs (entendidas por eles como mensagens de ódio) por corações coloridos parece uma estratégia interessante de disputa visual na cidade. A rua torna-se o palco de um debate, uma contrainvestida estética que se assume como combativa no processo de “pintar a cidade com alegria, com cores, com amor”.

É mister notar que temos em embate, nessa disputa visual, duas concepções distintas de parentesco. A primeira prima pelo essencial, porque entendido como natural, par mãe e pai para a consecução de uma família saudável, sendo outras formas familiares criadoras de dores e sofrimentos sem fim. Do outro lado, há uma compreensão das formas familiares dada a partir do coração, ou seja, do amor e afeto (e não mais do parentesco balizado por uma natureza reprodutiva essencializada) como valor substancial na configuração do que pode valer ou não como família.

Por meio das pixações da Manif Pour Tous a abertura da PMA é recusada e combatida, o parentesco é negado e a heterossexualidade reafirmada. A cidade parece se constituir como um espaço de cerceamento ou de não pertencimento e as famílias lesbo/homoparentais são intencionalmente excluídas da paisagem visual urbana. A mensagem que se faz ler ao caminhar pela cidade é aquela da rejeição de um mundo público que não tolera a pluralidade. Por outro lado, com os atropelos de corações sobrepostos às mensagens da Manif Pour Tous, as disputas pelo espaço urbano e público instauram uma nova harmonia, já que não são pautadas em negativas e mensagens de dor e ofensa. Por meio das contraintervenções o espaço urbano é reconvocado a espalhar o amor. Répondre à la haine par l’amour (“Responda ao ódio com amor”) é o que diz a legenda de uma das fotos de corações pixados sobre anteriores pixações antiabertura da PMA postada no perfil do grupo no Instagram. Por meio dos corações, a cidade é invocada como espaço acolhedor que se abre à pluralidade das formas familiares.

O afeto (coração) parece conciliador e muito mais interessado em outras formas de conectividade que fazem famílias, mas que também fazem o cenário urbano de uma cidade que não espalha o ódio, mas que sorri, que é reconfortante aos olhos daqueles que cruzam e decodificam as paredes e calçadas em mensagens que não têm um único destinatário.

Figura 7
Atropelos de pixações da Manif Pour Tous (Pochoirs Pour Tous, 2018dPOCHOIRS POUR TOUS. [Post]. Instagram, 20 out. 2018d. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/BpKVgVlHX6y/ . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://www.instagram.com/p/BpKVgVlHX6y/...
).

Figura 8
“Ah! Vous avez souri. Ne dites pas non vous avez souri. Ah c’est merveilleux. La vie est belle et vous êtes comme elle, si belle, vous êtes si belle vous aussi” (Pochoirs Pour Tous, 2018cPOCHOIRS POUR TOUS. [Post]. Instagram, 28 set. 2018c. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/BoSXczxAHkd/ . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://www.instagram.com/p/BoSXczxAHkd/...
) (“Ah! Você sorriu. Não diga que não, você sorriu. Ah, isso é maravilhoso. A vida é bela e você é como ela, você também é bela!”).

Está em curso no embate entre pixações uma luta por visibilidade e pelo espaço urbano. Os simpatizantes da Manif Pour Tous, ao pixarem e espalharem pela cidade mensagens antiabertura da PMA para casais de lésbicas e antifamílias lesbo/homoparentais, não estão apenas ocupando a paisagem visual urbana através de pinturas e cartazes em muros e calçadas; antes, estão construindo novos muros, fechando avenidas de diálogo e buscando devolver aos armários todas as expressões não heterossexuais e heteroinformadas de família e afeto.

Já o grupo que se define sob a #pochoirspourtous (“#estênceisparatodos”) e que posta on-line fotos de suas ações e de corações tapando pixações anti-PMA não fala mais em limpeza urbana, senão em encobrir uma linguagem/discurso com outra mais forte, que se interponha sobre a anterior. Assim, constroem visualmente outra dimensão da família, do afeto e da visibilidade. Estampam corações e alegria onde vigorava uma intervenção urbana ofensiva e afirmam que as calçadas, ou melhor, as famílias podem ser para todos. As pixações são políticas porque circunscrevem essa ação de luta e embate.

Através do perfil Pochoirs Pour Tous criado no Instagram, muitas pessoas visualizam as ações de pixações de corações e começam a também realizar atropelos de pixações. As muitas manifestações e diferentes intervenções contrárias às pixações de combate às famílias lesbo/homoparentais são fotografadas e postadas sob a #pochoirspourtous que as vinculam diretamente para um quadro geral de postagens realizadas no Instagram sob essa hashtag, como é exemplo a fotografia abaixo:

Figura 9
“Hoje o coletivo cresceu. Bem-vindos” (Pochoirs Pour Tous, 2018ePOCHOIRS POUR TOUS. [Post]. Instagram, 20 out. 2018e. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/BpKE3t3n-UL/ . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://www.instagram.com/p/BpKE3t3n-UL/...
).

A intervenção dos corações junto de muitos pés - que demonstram a existência de aliados nos embates entre pixações - nos leva a entender a importância de uma reflexão sobre o sentido do espaço urbano como “comum” (Campos, 2012CAMPOS, R. A pixelização dos muros: graffiti urbano, tecnologias digitais e cultura visual contemporânea. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 543-566, maio/ago. 2012.) e elucida a malha de conexões, tensões e complexidade que compõem a vida citadina, que se recorta não apenas de edifícios e muros, mas também de afetos, famílias, coletividades, diálogos e corações.

Aqui entra em destaque a segunda dimensão à qual atento no movimento atual da #pochoirspourtous: a internet. O mundo on-line atravessa toda a construção deste artigo e da reflexão que aqui elaboro. Primeiro, porque é por meio dele que reencontro o primeiro pixo que vi em Paris durante 2014. Depois, é por meio dele que conheço as iniciativas de limpeza de pixações em Paris e descubro as primeiras imagens de atropelos de pixações envolvendo o tema das famílias e PMA.

Ao chegar ao mundo virtual, as fotos das intervenções urbanas ganham outra dimensão. Difundidas globalmente, elas perdem sua territorialização (Campos, 2012CAMPOS, R. A pixelização dos muros: graffiti urbano, tecnologias digitais e cultura visual contemporânea. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 543-566, maio/ago. 2012.) e o apelo visual que tinham no contexto urbano é alargado sem proporções, já que no mundo on-line não enxergam fronteiras. Ao mesmo tempo, o caráter efêmero dessas intervenções (que estão, como bem destaquei ao longo do artigo, em uma disputa constante pelo espaço urbano) transporta-se para outro lugar. As imagens e fotos cristalizam as artes e pixações, congelam ocupações de espaços que são por definição não permanentes, pois se constituem como intervenções, como transgressões da arquitetura urbana institucionalizada. Ao utilizar fotos da internet faço menção a paisagens visuais que provavelmente já se encontram de outros modos, possivelmente foram rasuradas, cobertas ou atropeladas. No entanto, ao adentrar a internet, uma pixação ou arte urbana chega até muitas outras pessoas, as fotografias circulam amplamente e interpelam a ação ou reflexão.

A arte urbana, os muros, calçadas e os perfis on-line de grupos de artistas urbanos tornam-se palcos de disputas sobre sentidos de família e parentesco que podem ou não existir. A discussão sai do armário, se coloca na cidade e disputa a rua com outras tantas expressões. Se antes o tema da família parecia algo do mundo privado, ou mesmo das leis e legislações que tocam o reconhecimento das famílias lesbo/homoparentais e o acesso às tecnologias reprodutivas, agora ele invade as calçadas. Colocando-se à vista de todos os transeuntes, os embatem que tocam as famílias convidam quem circula pela cidade a pensar cotidianamente sobre questões de parentesco, gênero e sexualidade. Ademais, as imagens dessas ações cristalizadas no mundo on-line nos deixam ver disputas que acontecem no tempo presente, sentidos de parentesco que estão em constante movimento, como as próprias pixações atropeladas ou apagadas evidenciam.

Antes de termos respostas sobre quais são as linguagens visuais que ganham essa batalha, podemos compreender que é processualmente que se produz tanto a arte urbana como o parentesco e que, portanto, não há nada ganho ou definitivo nessas disputas por pixações ou por reconhecimentos e sentidos de família e parentesco na contemporaneidade.

Considerações finais

Se as tecnologias reprodutivas são introduzidas no contexto da reprodução para sanar uma falha ou uma quebra, prontamente se evidencia o quanto a natureza, mesmo aquela heterossexual e reprodutiva, é também tecnológica, uma vez que passível de correção. Assim, o que se escolhe validar como legítimo é mais fruto de uma escolha política do que uma evidência ontológica - considerando-se que a tecnologia que permite refazer a natureza permite também a produção de famílias homossexuais naturais/normais.

Extrapolando os limites da compreensão sobre o que era a natureza, produzindo também natureza, as famílias homossexuais, ao utilizarem as tecnologias reprodutivas, acabam por revelar o quanto aquilo que parecia imóvel é também cambiável. É o estatuto da própria natureza que é deslocado e, mediante a possibilidade de sofrer intervenções, se desprende de uma dimensão completamente alheia ou transcendente - justamente o que não passa despercebido e gera polêmica.

Nas relações de parentesco a natureza representava algo imutável, intrínseco às pessoas e às coisas, qualidades sem as quais elas não seriam o que são. Não apenas as relações de parentesco eram consideradas como construídas de materiais naturais: a conexão entre o parentesco e os fatos naturais da vida simbolizava a imutabilidade nas relações sociais. Nesse contexto, pensar na pater/maternidade como a implementação de uma opção e no make up genético como resultado da preferência cultural provoca efeitos (Luna, 2017LUNA, N. A criminalização da “ideologia de gênero”: uma análise do debate sobre diversidade sexual na Câmara dos Deputados em 2015. Cadernos Pagu, n. 50, e175018, 2017.).

São esses efeitos que desembocam nos conflitos que eu narro neste texto. A defesa das famílias naturais expressas pela Manif Pour Tous em termos de casamentos e filiações naturais é uma oposição às transformações da ordem moral e social vigente. As preocupações com o futuro se impõem, a natureza e a família parecem ameaçadas, ou melhor, é ameaçada a família que pertence a uma dimensão inalterável, transcendente e inatingível em sua forma natural. Nessa família, não se pode mexer sem arriscar mexer na sociedade inteira - e isso implica muito mais que crianças, casamentos e famílias. Implica uma luta que se desprende do campo privado, acadêmico e se espraia para o contexto urbano, artístico e público.

De tal modo, há uma corrida das formas estabilizadas da vida social em defesa não da natureza, mas de um modelo específico da natureza, aquele heterossexual. Configura-se um advocacy da natureza imóvel dentro dos padrões normativos estabelecidos, e há uma tentativa clara de ocupar as cidades, os espaços disponíveis com mensagens e pixações, artes de rua que se opõem abertamente a novos modelos familiares.

Ao produzirem crianças, os casais de mulheres estão, de fato, produzindo transformação social. Abrem espaço para que a homossexualidade deixe de perpetuar-se enquanto abjeta porque não reprodutiva. Elas deslocam os sentidos da reprodução e introduzem uma nova proposta moral, científica e política de mundo (e parentesco), em que não há um modelo único a ser seguido, mas vários modelos que deitam raízes em noções de conexões e afeto.

Portanto, podemos dizer que não são apenas as tecnologias reprodutivas e o direito instâncias de produção política do parentesco, senão que o parentesco também produz transformações políticas interessantes e isso desloca sentidos de sociedade e cidade. Por fim, o que incomoda é a naturalização das diferentes famílias, é a normalização dos homossexuais que passam a ser “nós”, saindo para as ruas, e que, reivindicando lugares para si, deixam de ser o “outro afastado” fechado em sua casa.

Se as clínicas de reprodução assistida são espaços de negociação do parentesco (Thompson, 2005THOMPSON, C. Making parents: the ontological choreography of reproductive technologies. Cambridge: The MIT Press, 2005.), as disputam em torno da família através das artes na rua mostram que o parentesco é um espaço de negociação da sexualidade e do alargamento dos sentidos a respeito do que é natural/normal no campo de gênero e sexualidade e da vida cotidiana das cidades. Desvela-se, em consonância com os apontamentos realizados por Marilyn Strathern (1992)STRATHERN, M. Reproducing the future: essays on anthropology, kinship and the new reproductive Technologies. Manchester: Manchester University Press, 1992., que a naturalidade dos fatos procriativos não é mais suporte suficientemente estável para estabelecer relações reais e legítimas e é preciso promover a naturalidade do status das relações sociais. Parece ser esse um processo em construção no caminho que elabora a visibilidade da homossexualidade a partir também das famílias, das crianças e das relações tidas como sustentos da vida social, baseadas em ideias de afeto, amor e corações coloridos, como pressupostos do parentesco.

Os desenhos que compõem o espaço urbano e pintam a cidade (Campos, 2010CAMPOS, R. Porque pintamos a cidade?: uma abordagem etnográfica do graffiti urbano. Lisboa: Fim de Século, 2010.) não transformam apenas seu espaço, mas interferem nos usos e práticas na e da cidade. Uma pixação em uma calçada nos informa sobre pertencimentos, sobre visibilidade (tema caro às lutas sociais feministas e LGBTs) e sobre um espaço que recebe ou afasta presenças, afetos e famílias. O parentesco, ao ser pintado nas calçadas, sai definitivamente da esfera da vida privada e íntima das pessoas e passa a também compor e ser composto pelo universo urbano e público. As pixações também informam e constroem sentidos de uma cidade mais ou menos plural, evidenciando pertencimentos urbanos de cada grupo e posicionamentos políticos sobre o tema das famílias e homossexualidade.

Ressalto, por fim, que o parentesco tem, sim, um lugar fundamental nas sociedades contemporâneas. Ele é motivo de transformações políticas e interage com diferentes dimensões da vida social que tornam o mundo um lugar menos fechado e mais plural. O parentesco parece um grande agente de embates e transformações, inclusive no que toca o campo da arte e intervenção urbana. Muito mais que uma dimensão que sofre transformações, ele é a chave para pensar em como instituímos relações de todas as ordens e como é importante observar novos contornos possíveis que abriguem as muitas formas de estabelecer laços que não são ditadas por leis superiores ou anteriores, mas que afirmam o caráter transformativo, intencional, artístico e nomeadamente político da vida social e das relações que conectam pessoas.

Nesse sentido, ao reivindicar a cidade e ser reivindicado na cidade, o parentesco também transforma a paisagem urbana, como podemos ver na colagem realizada em Paris pelo artista urbano Marquise e divulgada em seu perfil no Instagram:

Figura 10
“Reivindicação. PMA para todas” (Marquise, 2018MARQUISE. [Post]. Instagram, 24 set. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/BoICc-rlaHF/ . Acesso em: 5 abr. 2019.
https://www.instagram.com/p/BoICc-rlaHF/...
).

Referências

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  • 1
    Bolsa vinculada ao Programa de Cooperação Internacional Capes-Cofecub através do projeto Gênero, sexualidade e parentesco: um estudo comparado entre França e Brasil e que me permitiu a realização desta pesquisa.
  • 2
    Há uma diferença no que toca às tecnologias reprodutivas utilizadas por casais de homens e casais de mulheres. Os casais de homens gays necessitam (por não possuírem útero) de uma gravidez de substituição (gestation pour autrui) para consolidarem seus projetos parentais e isso estabelece dimensões novas e específicas no processo reprodutivo. Já os casais de mulheres não se veem atingidos por essa necessidade, podendo gestar elas mesmas as futuras crianças. Portanto, a França denomina diferentemente as discussões sobre tecnologias reprodutivas para mulheres (PMA) e para homens (GPA) em referência às duas técnicas distintas empregadas na reprodução. Neste trabalho, o enquadramento é a discussão sobre casais de mulheres lésbicas e, por isso, falarei mais em PMA. Desse modo, PMA e reprodução assistida são tomados aqui como termos equivalentes.
  • 3
    Opto pelo uso da grafia nativa com X (pixo, pixação) ao invés da grafia com CH, correta em língua portuguesa (picho, pichação).
  • 4
    Entendo arte urbana como todo desenho, pixação, colagem, intervenção realizada no espaço urbano, ou, nas palavras de Glória Diógenes (2015bDIÓGENES, G. Artes e intervenções urbanas entre esferas materiais e digitais: tensões legal-ilegal. Análise Social, n. 217, p. 682-707, 2015b., p. 686), “um tipo de participação intempestiva na visualidade da cidade”.
  • 5
    Termo referido à configuração familiar na qual pelo menos uma pessoa que exerce a função parental se reconhece enquanto lésbica. Tem como intenção se distinguir das configurações parentais formadas por gays no exercício da função parental.
  • 6
    “A Manifestação para/por Todos é um movimento social que nasceu em 2012 para defender a alteridade sexual no casamento, o respeito à filiação natural e o interesse superior da criança. Sendo fundar uma família a finalidade do casamento, o casamento e a adoção por duas mulheres ou dois homens coloca em questão a necessidade e o direito da criança de ter um pai e uma mãe. A ação da Manifestação para/por todos está fundada em particular sobre o artigo 7 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança: a criança ‘tem o direito, na medida do possível, de conhecer seus pais e de ser criada por eles’. A Manifestação para/por Todos é pacífica. Ela condena fortemente todo ato de violência e toda forma de homofobia. Ela invoca o respeito pelas pessoas e pelo bem comum. Como seu nome indica, a Manifestação para/por Todos é plural e diversa, à qual podem aderir todos franceses, qualquer que seja sua sensibilidade política e filosófica, crença, orientação sexual, modo de vida, origem geográfica, etc. A Manifestação para/por Todos é um movimento social independente de todo partido, de toda religião, de toda comunidade e de qualquer outro grupo ou organismo. Ela decide, organiza e financia sozinha (sempre através das doações de seus simpatizantes) suas ações” (tradução minha).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2018
  • Aceito
    15 Abr 2019
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